Prof. Joffre Neto • Mestre em Administração Pública (FGV-SP) • Doutorando em Ciência Política (Univ. de Aveiro, Portugal) • Co-autor de “Reforma Política e Cidadania” – proposta de reforma política nacional • Agente de Pastoral • Vereador “Já não se pode afirmar que a religião deve limitarse ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas para o céu. “ “Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, de transmitir valores, de deixar a Terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela.” Papa Francisco – “Evangelii Gaudium” “Política é a arte, a ciência e a virtude do bem-comum.” Pe. Lebret A ciência da política exige uma Reforma Política. Se não for compreendido que as instituições condicionam os comportamentos ficaremos apenas num apelo moralista. (1) Sistema Eleitoral Brasileiro (2) Como se elege um deputado (3)Compra de votos – A participação inadvertida da Igreja (1) SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO É UMA MESCLA INCONSISTENTE DE FÓRMULAS (“JABOTICABA”) • (1) sistema proporcional com lista aberta de candidatos ao Legislativo; • (2) superabundância de candidaturas frente as cadeiras disponíveis no Parlamento; • (3) desobrigação de fidelidade partidária; • (4) ausência de mecanismos vinculadores dos representantes políticos a compromissos partidários e programáticos O sistema proporcional com lista aberta foi introduzido pelo Código Eleitoral de 1932 e permite o voto preferencial, em que os candidatos são escolhidos individualmente pelos eleitores, o que naturalmente enfraquece o peso das organizações partidárias, pois estas não têm nenhum mecanismo formal que possa alterar as chances de vitória dos seus candidatos. Isso torna as campanhas individualizadas, pois o sucesso nas eleições depende do esforço do candidato e não dos recursos do seu partido. "A disputa eleitoral que se trava não é entre partidos, e sim entre candidatos, inclusive aqueles pertencentes a uma mesma legenda" (Kinzo, 1993, 19). Na verdade, a fórmula anciã - e confusa - até agora não foi bem compreendida pelo eleitor, que escolhe e vota em candidatos, mas elege partidos, pois as cadeiras da Câmara são ocupadas, em primeira mão, pelos partidos, conforme o conjunto de votos dos seus candidatos e, em seguida, pelos candidatos mais votados dentro de cada partido. Ora, como esse método possibilita que se elejam candidatos com menos votos que outros, desde que os primeiros pertençam a partidos mais bem votados, diminui ainda mais a inteligibilidade do sistema para o eleitor. Além de termos campanhas individualizadas, o número de "indivíduos" é imenso, pois além da quantidade excessiva de partidos, a legislação permite uma proporção exagerada de candidaturas por cadeiras. A infidelidade partidária não só é tolerada pela lei, como esta provê reforços para garanti-la, como é o caso do instituto da candidatura nata, que garante ao candidato à reeleição uma vaga na chapa do seu partido (ou do partido para o qual for), independentemente de qualquer decisão dos seus correligionários, "o que significa que um político pode violar todas as questões programáticas do partido, votar sistematicamente contra a liderança partidária, e ainda ter um lugar garantido na cédula". (Mainwaring, 1991:39). Eleito, o candidato não é sujeito a nenhuma sanção formal se fizer exatamente ao contrário do que pregou em campanha, pois não está subordinado legalmente a uma disciplina partidária que o obrigue a respeitar um programa. Do lado da população, ante uma multidão de candidaturas indistinguíveis, desvinculadas de programas partidários, o eleitor em vez de usar critérios políticos na sua escolha, irá decidir por critérios personalistas ou fúteis. E assim escolherá, por exemplo, personagens tornadas famosas pela mídia e "pelas quais passou a ter veneração" , que possam lhe trazer algum benefício pessoal. (Fábio Konder Comparato) (1) - LISTA ABERTA Efeito Tiririca Vota-se num palhaço e elege-se um circo inteiro. (2) - OVERDOSE DE CANDIDATURAS Além de termos campanhas individualizadas, o número de "indivíduos" é imenso, pois além da quantidade excessiva de partidos, a legislação permite uma proporção exagerada de candidaturas por cadeiras. São Paulo, 2014: • 1.351 candidatos a deputado federal – 70 cadeiras • 1979 candidatos a deputado estadual – 94 cadeiras (2) COMO SE ELEGE UM DEPUTADO No imaginário popular serão eleitas as pessoas mais competentes, preparadas, éticas, com serviços prestados, conhecidas, etc. Nem sempre é assim – ou quase nunca. Lula, com razão, disse outro dia: “Para ganhar uma eleição precisa-se de um partido forte, tempo de televisão e dinheiro.” Para cargos executivos, sem dúvida que os três pés deste tripé são essenciais, mas para uma candidatura legislativa basta o último. Como, por exemplo, se elegeu um deputado federal em 2002, o mais votado em seu Estado, sem nunca ter tido experiência na política e depois de décadas fora do seu domicílio eleitoral e mesmo do Brasil? Um bem estruturado esquema material poderia explicar o caso (e não se afirma aqui que foi isso que aconteceu com este exemplo). É que os cargos legislativos são disputados como quando um investidor decide aplicar em fundos de renda fixa: avalia-se o montante, o tempo de aplicação, a taxa de juros e contrata-se o retorno pretendido. Sem expectativa vã, nem angústia da incerteza. Retorno garantido. Imagine-se, por hipótese, que um candidato pretenda eleger-se deputado federal. Primeiro passo: avaliar os partidos que requerem menos votos (pouco importa o programa, doutrina e parâmetros éticos do aglomerado – se é que os tem). Partidos pequenos que tenham figuras exóticas (homofóbicas, circenses, fascistas, televisas, alternativas, etc.), mas puxadoras de voto, são os ideais. Tome-se então um que vá eleger, por exemplo, deputados federais com cerca de 70.000 votos. Por precaução, estabelece-se uma meta de 90.000 votos (cerca de 30% a mais). Como conquistá-los? Uma boa plataforma, ideias inovadoras, promessas sedutoras? Ajuda, mas não resolve. E então? Segundo passo: delimitar um “distrito eleitoral” prático. Digamos 40 municípios acima de 50.000 habitantes. Em seguida, identificar nas estatísticas do TSE das últimas eleições municipais os vereadores eleitos e primeiro suplentes de vereador (ou mesmo de prefeito, mas estes são mais dispendiosos). De preferência do mesmo partido de aluguel escolhido, mas importa pouco se não calhar. Os suplentes são especialmente sensíveis, pois estão com o orgulho ferido com os resultados das urnas: têm certeza que foram injustiçados e que “no lugar daquele incompetente, eu é que devia estar na Câmara”. Para estes oferece-se um “apoio”, uma “parceria”: “você apoia minha candidatura e eu apoio sua próxima campanha a vereador, daqui a quatro anos”. Mas palavra de político, sabe-se, é incerta. “Unzinho”, como já disse alguém, “precisa ser adiantado”, pede o futuro apoiador. Como a desconfiança é mútua, a ajuda vem em parcelas, sujeitas a monitoramento de resultados. Ou seja, paga-se, com pelos menos um ano e meio de antecedência das eleições nacionais, uma quantia mensal para o apoiador “fazer política”: bancar o combustível do carro que leva doentes para outras cidades; comprar bicicleta para doar para o leilão na festa da paróquia, um jogo de camisas para o time de futebol do bairro, um troféu para o campeonato, uma cervejada após os jogos, uns quilos de mozzarella e presunto para a pizza beneficente da associação de moradores, um outro brinde para o bingo da casa de idosos, alguns meses de “cestas básicas” para algumas famílias famintas, etc., etc. Compra de votos? De jeito nenhum! Quem está fazendo tudo isso é um apoiador, não o candidato! Vê-se que é um jogo ganha-ganha: o apoiador fortalece-se como “político que faz, homem solidário e simpático”, pavimentando uma avenida larga para sua próxima candidatura e, ao mesmo tempo, adquire autoridade para indicar “um ótimo candidato, homem bom, que vem nos apoiando em todos as coisas. Foi ele quem me ajudou a comprar as prendas”. Cada apoiador tem que atingir uma meta de, em média, 500 votos. Ou seja, no total: 40 municípios x 5 apoiadores x 500 votos = 100.000 votos (há sempre perdas inesperadas). E quanto custa isso? Vamos à aritmética de novo: 40 municípios x 5 apoiadores x 18 meses x R$ 500,00 = R$ 1.800.000,00, sem contar os custos de materiais de propaganda (10% dos gastos). Total: R$ 2.000.000,00. Custo por voto: R$ 2.000.000/90.000 = R$ 22,00 ou o número mágico dos coordenadores de campanha: “US$ 10/voto”. A partir daí, projeta-se o custo de qualquer cargo legislativo, em qualquer partido, ou seja, com qualquer meta de votos. E assim fica explicado como absolutos desconhecidos, antipáticos, sem “carisma”, ou meros corruptos ou mesmo bandidos violentos são eleitos. Nem sequer precisam visitar as cidades-vítimas. “Inexplicavelmente” têm milhares de votos em locais em que são completos desconhecidos. E quem paga isso? Claro que não o candidato sozinho, mas um “pool” de empresários, de preferência de quatro áreas: educação, saúde, obras e limpeza urbana (campeãs de gastos públicos obrigatórios). Uma licença ambiental aqui, uma dica numa licitação acolá, uma emenda orçamentária bem dirigida, e o “investimento” se paga. (3) COMPRA DE VOTOS PARTICIPAÇÃO INADVERTIDA DA IGREJA Os políticos desonestos, que querem apenas enriquecer na política ou aqueles outros que estão a serviço dos mais ricos, precisam convencer a maioria de mais pobres a votar neles. Isso é conseguido principalmente através da compra dos votos que precisam. Mas essa "compra" é feita disfarçadamente. O político pede o voto e em troca dá, ou promete, dinheiro, emprego, cesta básica, dentadura, óculos, sapatos e roupas, material de construção ou ferramentas, uniformes, enxovais, móveis, remédios, cadeira de rodas ou caixão de defunto, bancos ou som para a Igreja... Uma das formas mais disfarçadas de comprar votos é doar coisas para a Igreja: ônibus para passeios das crianças do catecismo, telhas para a capela, bancos, aparelhos de cozinha, passagens para os padres, foguetes, conjuntos de música para animar as festas... Quem nunca viu em festas uma faixa do tipo: "Agradecemos ao Deputado Sicrano pela conjunto de música?" O pior é que muitas vezes as próprias lideranças de comunidade, ou mesmo o padre, pedem essas coisas aos políticos e depois ficam comprometidos com eles, sejam bons ou ruins, e o povo acaba sendo convencido que eles são bons mesmos porque "ajudaram" a Igreja. Normalmente são políticos que gastam mais na campanha do que a soma dos salários que vão receber depois e, certamente, vão tirar essa diferença do próprio povo, através do roubo do dinheiro público. Facebook/joffreneto Comprar e vender voto é crime. Quem se elege comprando votos é criminoso. Quem vende seu voto é cúmplice. A Lei n.º 9840 proíbe que o candidato possa “doar”, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, com o fim de obter o seu voto, “Voto não tem preço. Tem consequências!” Facebook/joffreneto OBRIGADO! Prof. Joffre Neto Facebook/joffreneto Twitter/joffreneto [email protected]