A FEDERAÇÃO BRASILEIRA: FATOS, DESAFIOS E PESPECTIVAS Fernando Rezende e José Roberto Afonso * Introdução Após décadas de protecionismo e de um Estado intervencionista, a economia brasileira expôs-se subitamente à competição externa e passou por um processo acelerado de privatização. As reformas institucionais implementadas nos anos 90 ajudaram a estabilizar a economia e criaram um ambiente mais amistoso para atrair investimentos e promover o crescimento. Apesar das incertezas que ainda pairam no horizonte em relação às perspectivas de reconciliar o desenvolvimento sustentável e a estabilidade macroeconômica, o balanço geral dos resultados alcançados na década passada é positivo. A federação afetou e foi afetada pela transição de uma economia fechada e controlada pelo Estado para uma economia aberta e comandada pelos agentes privados. Com efeito, quanto maior o grau de interesse dos governos subnacionais nas reformas propostas, mais difícil foi executá-las. Em alguns casos, eles tiveram de ser induzidos a aceitar mudanças que reduziam a autonomia estadual e municipal. Mesmo nos casos em que os interesses federais não eram tão evidentes, o poder dos estados e dos municípios no Congresso abriu espaço para negociar compensações para a menor autonomia ou perdas financeiras. Entre as reformas prioritárias na agenda de modernização da economia brasileira durante os anos 90, três merecem atenção especial: privatização, emprego público e previdência social e tributação. Tendo em vista o papel central dão ajuste fiscal na estratégia para a estabilidade macroeconômica, essas reformas foram objeto de um * Fernando Rezende é economista, professor da Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e foi Assessor Especial do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. José Roberto Afonso é economista e foi Superintendente da Área de Assuntos Fiscais e de Emprego do BNDES. O artigo reflete as opiniões dos autores e não necessariamente a dos órgãos a que estão filiados. A base estatística foi organizada pela economista Erika Amorim Araújo. O texto utiliza informações disponíveis no final de dezembro de 2001, em particular, dados disponíveis no site “Banco Federativo”. 1 intenso debate e muita discórdia. Delas, a privatização foi o único caso de sucesso até agora. Alguns avanços foram feitos na redução de exigências futuras sobre o orçamento nacional, mas a reforma tributária permaneceu impermeável à necessidade de aliviar o fardo excessivo sobre a competitividade da economia brasileira. Este artigo pretende explorar as três reformas mencionadas acima, mostrar o que foi realizado e indicar as principais razões dos fracassos na implementação de mudanças mais profundas ou nas negociações. O foco da análise recai sobre os desafios que a federação brasileira enfrenta na esteira das reformas institucionais que podem alterar o equilíbrio de poder na federação e reduzir a autonomia dos governos estaduais e municipais. Com isto em mente, o artigo está organizado da seguinte maneira. Na primeira seção, a fim de estabelecer o pano de fundo de uma visão do futuro, fazemos um breve relato histórico dos principais fatos que estão por trás da decisão de adotar um regime federal na Constituição de 1889. O principal objetivo dessa recompilação histórica é sublinhar o fato de que uma feroz resistência a um governo central forte e algumas tentativas importantes de secessão marcaram as sete décadas que precederam essa decisão. Os motivos por trás desses movimentos – laços econômicos frouxos entre as regiões do país e relações econômicas externas importantes dos estados brasileiros – podem voltar novamente, repetindo o que era um traço comum no passado. A segunda seção pretende resumir os desdobramentos recentes que deram forma à federação brasileira de hoje. Dois fatos importantes tiveram uma influência decisiva: a transição do regime autoritário para a democracia, após o fim do regime militar em 1985, e as políticas adotadas nos anos 90 para acabar com uma era de alta inflação, centradas na eliminação do déficit público e na imposição da disciplina fiscal. Enquanto a Constituição de 1988 apontava para uma maior descentralização e autonomia subnacional, o esforço antiinflacionário exigiu duras restrições orçamentárias que colidiram com a autonomia dos entes federados. Essas forças contraditórias tornaram difícil harmonizar as necessidades macroeconômicas com a autonomia subnacional. As questões envolvidas na avaliação das medidas adotadas para ajustar as contas fiscais a fim de cumprir as metas estabelecidas no plano de estabilização 2 macroeconômica são o tema da seção seguinte. Essa parte destaca as dificuld ades enfrentadas para implementar reformas destinadas a cortar gastos públicos e benefícios da previdência social, bem como impor a disciplina fiscal em todos os níveis de governo da federação brasileira. A assim chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, mostra boas perspectivas para o futuro próximo, mas ainda é cedo para fazer uma avaliação definitiva de sua capacidade para sustentar a disciplina fiscal, tendo em vista a resistência para alterar hábitos arraigados de desregramento orçamentário. A quarta seção descreve o programa de privatização, seus sucessos e algumas implicações. Em menos de uma década, a maior parte das antigas empresas estatais foi vendida em leilões públicos, gerando recursos substanciais que ajudaram a evitar o crescimento rápido da dívida pública e a destinar dinheiro dos impostos, anteriormente usado para cobrir os subsídios, para necessidades sociais mais importantes. Além disso, o programa de privatização contribuiu para aumentos de produtividade que reforçaram a competitividade do setor industrial brasileiro nos mercados nacional e internacional. A última das três reformas tratadas neste trabalho – tributária – é o tema da quinta seção. Apesar de ser reconhecida como a mais importante das reformas da década passada, foi impossível até agora chegar a um acordo quanto ao novo modelo de equilíbrio tributário na federação, principalmente por razões relacionadas com conflitos intergovernamentais e regionais. Essa seção alerta que esses conflitos podem aumentar no futuro próximo, devido à possibilidade de haver maiores desigualdades regionais internas após a integração econômica das Américas, na ausência de uma nova abordagem para as políticas de desenvolvimento regional. Enquanto as pressões macroeconômicas a favor de finanças públicas saudáveis ajudavam a empurrar o programa de privatização e implementar restrições orçamentárias duras, grupos de pressão e conflitos intergovernamentais bloqueavam a aprovação de propostas mais ambiciosas para cortar mais fundo nos gastos públicos e avançar na implementação da reforma tributária necessária para melhorar a competitividade e estabelecer um regime federativo mais equilibrado. Outras pressões que vêm do calendário da integração econômica regional podem dar novo ímpeto às 3 reformas institucionais que ainda são necessárias para uma integração bem sucedida da federação brasileira à economia global. 1. História Ao contrário do que se costuma pensar, a decisão de adotar um regime federal no Brasil não foi uma mera imitação do modelo norte-americano. Desde o início, a integridade do território brasileiro esteve ameaçada por tentativas de secessão. No período colonial, as relações entre as províncias brasileiras praticamente não existiam, não apenas por razões de distância e falta de meios de comunicação, mas também por ausência de motivos econômicos para o intercâmbio. O comércio das matérias -primas brasileiras era monopólio da coroa portuguesa, que mantinha relações bilaterais com as províncias mais importantes. As mudanças nessa situação foram provocadas pela instalação temporária da Corte portuguesa no Rio de Janeiro nos primeiros anos do século XIX. O ressentimento cresceu nas outras províncias, montando o palco para conflitos. A decisão de separar -se de Portugal deu chance para que esses conflitos viessem à tona. Após a declaração de independência, ocorreram importantes movimentos separatistas. Alimentados pela ex-metrópole e apoiados pelas guarnições portuguesas em seus territórios, as antigas províncias de Pernambuco, Bahia e Pará se recusaram a reconhecer a autoridade do novo imperador. Tropas leais forçaram os rebeldes à rendição, depois de onze meses de batalhas cruéis para manter a integridade do território conquistado durante o período colonial. O projeto monárquico, concebido por José Bonifácio, também ajudou a manter a unidade nacional. Conforme Machado (1980), quando a Constituição de 1824 entrou em vigor, o Brasil tinha dezoito províncias: Cisplatina (hoje Uruguai), Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, às quais se acrescentou em seguida Sergipe. Sendo uma criatura da vontade do 4 imperador, a Constituição de 1824 pretendia reforçar o poder do centro sobre as províncias, com o argumento de que era necessário mantê-las unidas. Durante o curto período em que o primeiro imperador ficou no poder, outros movimentos liberais ameaçaram a estabilidade do país, os quais se alimentaram de uma animosidade manifesta entre os brasileiros nativos e os portugueses, aos quais o imperador estava ligado. Com sua posição minada por disputas internas, dom Pedro I foi forçado a renunciar. A 7 de abril de 1831, ele passou a coroa ao seu filho e voltou para Portugal. Um governo interino assumiu a direção do país enquanto o novo imperador não atingia a maioridade. A decisão de dom Pedro de ir embora não foi suficiente para aplacar os liberais. Durante o processo que levou à dissolução da Assembléia Constitucional e a decisão de impor a Constituição de 1824, os principais líderes do movimento liberal expressaram seu descontentamento com o autoritarismo do imperador. Batidos na primeira batalha, eles não abandonaram a aspiração de instalar um regime constitucional ancorado em princípios liberais, nos quais as idéias federativas tinham forte apoio. Uma proposta de estabelecer um regime monarquista federal em 1834, quando a Constituição foi substancialmente modificada, não teve sucesso. A principal mudança introduzida nessa ocasião foi a criação dos órgãos legislativos das províncias que, ao contrário da vontade dos federalistas, aumentou a centralização do poder político, ao reduzir a autonomia que os municípios gozavam durante o período co lonial e nos primeiro anos do Império. 1 Revoltas continuaram a desafiar a autoridade dos governantes durante a Regência. No extremo norte, na província do Pará, uma revolta conhecida como a Cabanada foi sufocada somente depois que as tropas federais sofreram vários revezes. As forças leais ao governo central também sufocaram levantes na Bahia (Sabinada) e no Maranhão (Balaiada), mas todos esses movimentos contribuíram para enfraquecer o regime. A resposta dos que estavam no poder foi elevar ao trono dom Pedro II, em 1840 (quando ele estava com apenas 14 anos de idade), e tentar aumentar o controle do centro sobre as províncias. 1 De acordo com Pedro Bauducchi, appud Toledo Machado 1980. 5 Das insurreições da época, a mais longa e sangrenta ocorreu no Rio Grande do Sul. Conhecida como a Guerra dos Farrapos, ela durou uma década (1835-1845) e só foi derrotada depois de muito esforço do exército imperial, que sofreu pesadas perdas humanas e materiais. Os líderes desse movimento proclamaram a criação da República de Piratini, um Estado independente e soberano e admitiram abertamente sua união, por meio de uma federação, com outras províncias brasileiras que viessem a adotar os mesmos ideais e o mesmo regime. 2 Em sua luta para evitar a fragmentação do território brasileiro, os governantes imperiais não economizaram esforços. Além de ter de enfrentar insurreições que explodiam em diferentes e distantes partes do país,3 O Brasil teve de se envolver em conflitos militares externos com a Argentina (1852) e o Paraguai (1864-1870), para refrear projetos expansionistas desses país es e sustentar a coesão nacional. Outros conflitos de fronteira foram resolvidos por negociações diplomáticas. Desde a independência, os conflitos entre reivindicações de maior autonomia provincial e pressões a favor da centralização estiveram nas raízes de insurreições contra o poder imperial. Numa época em que as relações econômicas entre as províncias quase não existiam, a erupção desses conflitos não podia ser vista com surpresa, pois não havia coincidência de interesses. Ademais, o impulso separatista foi alimentado por uma correlação espúria entre liberalismo e descentralização, que atribuía ao puro conservadorismo intenções de reforçar o poder central. Não surpreende, portanto, que o nascimento da República tenha sido visto com uma vitória do espírito liberal, cuja principal manifestação foi o movimento para abolir a escravidão. A Constituição republicana de 1891 acolhia totalmente as idéias de descentralização e autonomia federal, iniciando um ciclo que alterna períodos de descentralização e centralização do poder e que ainda é um traço peculiar da federação brasileira. Os primeiros anos da República também foram palco de tumultos políticos e reações contra o novo regime. Os militares, que desempenharam um papel decisivo na 2 Gonzaga Duque (1998), p. 168. Além das mencionadas, a Regência e os primeiros anos do Segundo Império testemunharam rebeliões em Minas Gerais, São Paulo (1842) e Pernambuco (1848). 3 6 derrubada do Império, logo se manifestaram contra os interesses liberais, dando margem a novas insurreições, logo reprimidas com violência pelo marechal Floriano Peixoto, que assumiu a Presidência da República depois da renúncia do primeiro presidente, em 1891. Numa descrição completa das revoluções brasileiras durante os primeiros 75 anos da era republicana, Carneiro (1965) enfatiza o papel desempenhado por Floriano na repressão aos principais movimentos que ameaçaram a consolidação da recém fundada República: a revolta da Marinha e a Revolução Federalista. 4 A primeira teve vida curta, mas a segunda, que abrangeu três estados do sul, durou mais de três anos, sendo suprimida depois de lutas ferozes, com mais de dez mil baixas no Exército e pesadas perdas materiais. No início do século XX, a unidade do país não era mais motivo de preocupação. Outros conflitos que surgiram na Primeira República (1889-1930) deveram-se mais a condições sociais (Canudos, Revolta da Chibata) ou divergências políticas do que a tentativas de secessão. A partir de então, as revoltas tiveram mais a ver com centralização ou descentralização, apoiadas por interesses regionais, que ainda dominam o debate sobre a natureza do federalismo brasileiro. Em 1922, um movimento revolucionário conhecido como Revolta dos Tenentes, marcou o começo desse novo período. Ele deu início ao processo que levou à ascensão de Getúlio Vargas em 1930 e a um novo período de centralização do poder político. A partir de então, a história da federação brasileira foi marcada por oscilações entre períodos de centralização e descentralização, como destacam vários estudos sobre o tema. À derrubada de Vargas em 1945 seguiu -se um período de descentralização que durou até a instalação do regime militar, em 1964. Uma nova onda de descentralização formada durante a transição para a democracia, no começo dos anos 80, tomou forma definitiva na nova Constituição de 1988. A reprodução ao longo do tempo do que foi observado quando a república substituiu a monarquia – uma associação espúria entre 4 Carneiro (1965:77) explica que a assim chamada Revolução Federalista não tinha o sentido de um movimento federalista. Bem ao contrário, defendia a predominância do poder federal sobre os estaduais. Seus principais objetivos eram instalar uma república parlamentarista (semelhante à que existia durante à monarquia ), proibir a reeleição dos governadores de estado e dar mais autonomia aos governos locais. 7 centralização e autoritarismo e entre liberalismo e descentralização – não deu a devida atenção às causas reais que fizeram o pêndulo oscilar, não permitindo assim encontrar uma solução para essa instabilidade (para detalhes, ver box 1). ______________________________________________________________________ Box 1 O movimento pendular – ciclos de centralização e descentralização na federação brasileira 1891-1930: Nas primeiras quatro décadas republicanas, a federação brasileira foi altamente descentralizada. Um governo federal fraco foi acompanhado por estados independentes fortes, com poder para regular e tributar o comércio interno e externo, além de serem responsáveis pela provisão da maioria dos bens públicos. 1930-1945: A ditadura de Vargas levou a uma crescente concentração de poderes nas mãos federais, para pôr em funcionamento um mercado interno mais integrado e estabelecer a base para a industrialização. A regulamentação do comércio interno e externo passou para o governo federal e criaram-se tributos nacionais. Reduziu-se a influência das oligarquias estaduais nas políticas nacionais, embora os governos estaduais mantivessem autonomia para aplicar seus próprios tributos e até criar outros. 1946-1964: A democratização após o fim da Segunda Guerra Mundial moveu o pêndulo de volta à descentralização. A autonomia subnacional foi considerada necessária para apoiar grandes responsabilidades e uma democracia estável. Porém, a concentração da produção de manufaturados no Sudeste agravou as disparidades regionais e aumentou as rivalidades políticas. Concederam-se incentivos fiscais para investimentos no Nordeste, com o objetivo de reverter a tendência de concentração regional. 1964-1985: O advento do regime militar, após o golpe de 1964, levou o pêndulo de volta para a centralização. Com esse objetivo, a reforma tributária da metade dos anos 60 desempenhou um papel central. Os poderes tributários do governo federal foram reforçados, possibilitando um aumento da carga tributária total para financiar a modernização da infra-estrutura e acelerar o ritmo do desenvolvimento. Tal como na rodada de centralização anterior, os estados não foram privados de sua autonomia para tributar. Com efeito, ganharam o poder de aplicar um imposto sobre valor agregado de ampla base, em subst ituição do imposto sobre transações existente. Ao mesmo tempo, foi instituído um mecanismo de partilha da receita para melhorar a receita daqueles que tinham uma base tributária estreita. 8 1985-1990: A democratização levou a uma nova oscilação no sentido da descentralização. A autonomia federalista se beneficiou com a decisão de dar aos estados o privilégio de tributar petróleo, telecomunicações e energia elétrica, aumentando assim sua base tributária. Além disso, um significativo aumento das receitas federais compartilhadas com os estados e municípios foi benéfico para os estados menos desenvolvidos e os pequenos municípios. O poder dos governos locais foi ratificado quando os municípios ganharam o status de membros da federação. 1990-até agora: Forças opostas provocaram um resultado pouco claro. As demandas macroeconômicas de ajuste fiscal e a coordenação política levaram a um aumento na parte do governo federal da coleta total de impostos e a um grande controle sobre as dívidas subnacionais. Do lado oposto, a exigência de eficiência e responsabilidade nas políticas públicas impulsionou a descentralização nos gastos públicos. As pressões da globalização e da integração regional tornam difícil encontrar um modo de harmonizar essas duas forças opostas. Fonte: Serra & Afonso (1999); Afonso (1994, 1995, 1996); Varsano (1996); Oliveira (1995); Rodriguez (1995); Silva & Costa (1995); Camargo (1993). 5 ______________________________________________________________________ As raízes do problema se alimentaram das enormes desigualdades regionais. Não por acaso, os momentos de virada desses ciclos estão associados a mudanças no ambiente socioeconômico que enfraqueceram as forças que sustentavam o status quo. A questão em pauta era a crescente preocupação em outras regiões – principalmente o Sul e o Nordeste – com o domínio cada vez maior do Sudeste – São Paulo e Minas Gerais – nos assuntos econômicos e políticos, após a abolição da escravatura e o primeiro movimento de industrialização. A região mais próspera exigia um papel menor para o governo central e mais autonomia estadual. As mais atrasadas viam em um governo federal forte a única maneira de fazer seus interesses prevalecerem no planejamento de políticas de desenvolvimento. 5 Para mais informações, ver Goldsmith (1986) sobre a história econômica do Brasil, Fausto (1995), sobre a história brasileira, e Camargo (1993), Carvalho (1993) e Love (1993), sobre a questão da centralizaçãodescentralização. 9 Ao longo do tempo, os problemas regionais e sociais permaneceram entrelaçados. A descentralização que ocorreu com a proclamação da República aumentou o poder das oligarquias locais e gerou um descontentamento crescente com as condições de vida da população, dando margem à rebelião de 1922 e ao início do período autoritário instalado em 1930. As reformas sociais promovidas durante a era de Vargas são um marco na história da política social brasileira, mas a duração de sua ditadura (de 1930 a 1945) provocou o renascimento das idéias liberais que levaram à derrubada de Vargas quinze anos depois de sua chegada à cena nacional. O descontentamento social cresceu nas duas décadas seguintes e deu força a grupos de esquerda que ameaçaram o regime, crise que desembocou no golpe militar de 1964 e deu impulso a uma nova rodada de centralização. Vinte e um anos depois, o governo democrático que assumiu o poder em 1985 pretendia melhorar as condições sociais, mas obteve resultados modestos. As desigualdades sociais continuaram impermeáveis à mudança das condiçõ es políticas e representam hoje desafios novos e maiores (a tabela A2 oferece alguns números que mostram a associação entre desigualdade social e regional). 2. Desdobramentos recentes As forças centrífugas que levaram às atuais características da federação brasileira estavam em atividade bem antes da Constituição de 1988. Na metade dos anos 70, os governantes militares projetaram uma transição gradual e controlada para a democracia. Foi concedido um aumento de poder político às regiões mais pobres e aos grupos locais para contrabalançar o domínio do partido de oposição nas áreas industrializadas e aglomerações urbanas mais importantes. Ao mesmo tempo, um programa agressivo de investimentos públicos em infra-estrutura nas regiões atrasadas, seguido de um aumento das transferências federais para estados menos desenvolvidos, forneceu a substância econômica para cumprir a meta de manter o controle federal sobre o processo de abertura política. 10 A reforma política promovida em 1977 aumentou o número de representantes dos estados mais pobres na Câmara Federal, adiou as eleições diretas para governador para 1982, decretou que dois dos três representantes dos estados no Senado seriam eleitos por um colégio eleitoral e reduziu à maioria simples o quorum para aprovar emendas constitucionais no Congresso. Além disso, estabeleceram-se condições para garantir o controle dos militares sobre o Colégio Eleitoral que decidiria a eleição presidencial a ser realizada em 1985. Desse modo, o governo central assegurava o controle sobre a política nacional. 6 Na frente econômica, a política regional contemplada no plano de desenvolvimento nacional continha investimentos em infra-estrutura e programas sociais voltados para as regiões menos desenvolvidas do Norte, Nordeste e CentroOeste. Juntos, esses programas previam investimentos para melhorar as condições do crescimento econômico dessas regiões que totalizavam US$ 2,2 bilhões para o período 1975-79. Esses investimentos contribuíram para aproximar a renda per capita das regiões menos desenvolvidas da média nacional, reduzindo assim as disparidades internas até a metade dos anos 80. Outro componente importante das medidas econômicas adotadas nesse período foi o aumento constante da porcentagem da receita tributária federal transfer ida aos estados e municípios, seguida de provisões especiais para beneficiar as regiões Norte e Nordeste. 7 Durante o longo período de transição para o regime democrático, as demandas de descentralização levaram a mais aumentos na transferência de receitas tributárias federais para os estados e municípios. A porcentagem dos dois principais impostos federais compartilhados com os estados e municípios por meio de fundos especiais – o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios – 6 O principal objetivo da reforma política de 1977 foi conter o avanço da oposição ao regime militar, uma vez que seu sucesso nas eleições municipais anteriores aumentou o temor de que ela ava nçasse mais nas eleições para governadores marcadas para 1978. 7 Dez por cento da quantia transferida aos estados em 1976 e 1977 e 20% em 1978 foram direcionados para uma conta especial que seria distribuída exclusivamente para os estados do Norte e do Nordeste. Esses mesmos estados também foram desobrigados de destinar parte desses fundos a investimentos. 11 aumentou novamente em 1984 e 1985, antes de chegar ao nível atingido na Constituição de 1988. 8 A descentralização política também foi favorecida por esta Constituição, que deu novo impulso ao desequilíbrio na representação dos estados no legislativo federal. A partir de 1988, os estados pobres e menos populosos tiveram direito a um mínimo de oito representantes na Câmara de Deputados, enquanto que os estados maiores ficavam com um teto máximo de 70 representantes. Essas condições levaram a uma superrepresentação do Norte e uma sub-representação do Sudeste. A região Norte, que tem 8% da população do país, ficou com 14,5% dos assentos, enquanto que o Sudeste, com 43% da população, detém apenas 32,2% das cadeiras. Em casos extremos, o número de votos necessários para eleger um deputado nos estados mais desenvolvidos é dezesseis vezes maior do que nos estados menos desenvolvidos e populosos. Como é comum em outras federações, a representação dos estados no Senado é igualitária – três cadeiras, independente do tamanho ou da importância econômica. Neste caso, o desequilíbrio resulta de um grande número de estados em regiões menos desenvolvidas. Com 43% da população brasileira, as regiões norte, nordeste e centrooeste controlam 74% dos votos no Senado. Tendo em vista as atribuições especiais do Senado brasileiro (todas as propostas legais e emendas constitucionais aprovadas na Câmara precisam ser submetidas ao Senado, cuja aprovação é exigida para que entrem em vigor), essa representação desproporcional no Senado se soma ao desequilíbrio na representação política na Câmara dos Deputados. Isso levou Stepan (1997) a afirmar que o Brasil é o principal exemplo do que ele chama de “uma federação democonstrangedora”. Os desequilíbrios na representação política têm raízes no início da República, aumentaram após a Segunda Guerra Mundial e chegaram ao ápice com a Constituição de 1988. Uma indicação nítida da representação desproporcional na câmara baixa brasileira – o desvio médio do ideal teórico de um homem, um voto – mostrou um valor de 8,5 na eleição de 1988. Vale a pena observar, no entanto, que em casos de enormes 8 Esses fundos foram criados na Constituição de 1967 para partilhar o produto de impostos federais com estados e municípios. A fim de distingui-los de outras transferências de recursos federais para governos subnacionais, eles são chamados, às vezes, de Fundos constitucionais (ver adiante box para detalhes). 12 desigualdades regionais internas, uma representação desse tipo pode-se justificar, uma vez que põe a questão regional na agenda nacional. Souza (1999) defende essa posição, argumentando que numa situação como a do Brasil, uma condição democonstrangedora pode ser útil do ponto de vista da necessidade de dar atenção às disparidades regionais. Ao longo do tempo, as mudanças nos mecanismos de participação nas receitas na federação brasileira estiveram intimamente associadas ao ciclo político, com a centralização do poder político sendo acompanhada por um aumento da participação estadual e municipal nas receitas federais (ver box 2 para detalhes). ______________________________________________________________________ Box 2 Repartição das Receitas Tributárias 1964-1967: A reforma tributária feita pelo regime militar estabeleceu a base do atual sistema de repartição da receita. Vinte por cento do produto dos principais impostos federais – produtos industrializados (IPI) e renda (IR) –foram destinados em partes iguais a um Fundo de Participação dos Estados (FPE) e um Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e distribuídos de acordo com uma fórmula própria. 1968: A porcentagem dos impostos federais partilhados com os estados e municípios foi reduzida à metade e foi criado um Fundo Especial formado com 2% dos mesmos impostos para aumentar o controle federal sobre o uso dos recursos fiscais. A autonomia fiscal dos governos subnacionais foi reduzida a um mínimo e permaneceu assim até o começo da transição gradual para a democracia. 1975-1983: Emendas constitucionais promulgadas em 1975 e 1980 levaram a um progressivo aumento da participação dos estados e municípios na arrecadação federal do IPI e do IR. Em conseqüência, os estados e municípios recuperaram as perdas causadas em 1968 (a porcentagem desses dois impostos que compõem o FPE e o FPM atingiu 10,5% em 1983). 1984-1988: A aceleração do ritmo da democratização aumentou a pressão dos governos subnacionais por maior participação nas receitas tributárias. O FPE e o FPM aumentaram novamente em 1984 e 1985, chegando respectivamente a 14% e 16% dos impostos federais. Ao mesmo tempo, foram adotadas medidas para conter as tentativas federais de reduzir a participação de estados e municípios nessas receitas. 13 1988: Com a nova Constituição, a porcentagem de impostos federais que compõem o FPE e o FPM subiu novamente durante cinco anos consecutivos, atingindo 22,5% em 1993. Outros 10% do IPI formaram um fundo separado para compensar os estados por não tributarem as exportações de bens manufaturados. Além do mais, 3% do IR e do IPI foram destinados a um fundo de desenvolvimento regional para financiar investimentos no Norte, Nordeste e CentroOeste. Fonte: Varsano et alii (1988). Ver tabelas A3 e A4 para detalhes sobre o impacto das mudanças nos mecanismos de participação da receita sobre a distribuição de receitas tributárias na federação. ______________________________________________________________________ A descentralização fiscal atingiu o auge na metade dos anos 90, quando foram plenamente sentidos os efeitos das mudanças introduzidas pela Constituição de 1988. A participação dos governos estaduais e municipais nas receitas tributárias disponíveis subiu dos 30% de dez anos antes para 44%. Como mostra o gráfico 1, os municípios foram os principais beneficiados das decisões adotadas em 1988, tendo aumentado sua participação no bolo fiscal para 17% em 2000 (ver tabelas A3 e A4). Apesar de seu ímpeto descentralizador, a Constituição de 1988 deixou as sementes para uma rápida reversão. Sancionada dois anos antes da queda do muro de Berlim e da subseqüente predominância das idéias liberais sobre os antigos ideais de justiça social defendidos por governos fortes, ela aumentou a responsabilidade do governo federal na garantia dos direitos sociais aos cidadãos brasileiros (ver box 3 para detalhes) e abriu espaço para a criação de contribuições reservadas para financiar o livre acesso universal aos serviços públicos. Gráfico 1 Brasil: Arrecadação de Impostos e Receita Tributária Disponível - 1960, 1965 e 1970/2000e 14 100 100 80 80 60 60 40 40 20 20 0 0 2000 1996 Estadual 1992 1988 1984 Federal 1980 1976 1972 1960 Local 2000 1996 Estadual 1992 1988 1984 1980 1976 1972 1960 Federal Local Fonte: Tabelas A.3 e A.4 e: preliminar Na prática, a nova Constituição instalou um regime fiscal duplo. O tradicional, que atribuía poderes tributários na federação e criava mecanismos de participação nas receitas, e um novo, relacionado especificamente ao financiamento de políticas sociais, ao qual se aplic am normas mais frouxas. Uma vez que mais da metade das receitas arrecadadas pelos mais importantes tributos federais – imposto de renda e imposto sobre produtos industrializados – seria transferida aos estados e municípios, o resultado era fácil de prever. As autoridades federais tiveram de contar cada vez mais com contribuições sociais para cumprir suas responsabilidades sociais, o que não somente interrompia a tendência à descentralização observada desde a metade dos anos 70, como também levou a uma deterioração indesejável na qualidade do sistema tributário brasileiro. A deterioração das condições econômicas após a abertura do mercado brasileiro à competição externa não permitiu que estados e municípios exercessem plenamente a autonomia supostamente concedida pela descentralização política e fiscal. De um lado, uma taxa média baixa de crescimento econômico não permitiu que se concretizassem os ganhos de um aumento da competência para tributar e das transferências recebidas da União. De outro, a necessidade crescente de implantar a disciplina fiscal, a fim de evitar problemas macroeconômicos, acarretou restrições maiores à despesa, de tal modo 15 que um instrumento dos mais importantes para o exercício do poder político nos estados e municípios – o orçamento – foi severamente afetado. ______________________________________________________________________ Box 3 A Previdência Social na Constituição de 1988 Numa reação à ênfase atribuída aos problemas econômicos durante o regime militar, a Constituição de 1988 aumentou o papel do Estado em áreas sociais, com atenção especial para os sistemas de aposentadorias dos trabalhadores privados e servidores públicos. Entre as mudanças introduzidas no regime geral estavam um aumento de cobertura, uma redução de cinco anos na idade de aposentadoria para trabalhadores rurais e um aumento nos benefícios concedidos a eles. O boom em aposentadorias rurais que se seguiu atingiu seu pico em 1994. Todos os servidores públicos ganharam estabilidade no emprego e o direito de receber aposentadoria igual ao salário dos funcionários da ativa. Junto com provisões para aposentadorias mais curtas (após 35 anos de serviço para os homens e 30 anos para as mulheres), essas regras ajudaram a aumentar o número de servidores aposentados nos anos 90 (o medo da perda de alguns benefícios, incluída em propostas de reforma da previdência, também ajudou a aumentar o número de pedidos de aposentadoria). O impacto financeiro dessas medidas foi impressionante. Os recursos necessários para pagar as aposentadorias elevaram-se de 44% dos gastos federais com pessoal em 1988 para 51,4% em 1995. Além de aumentar os benefícios da previdência social, a Constituição concedeu a todas as pessoas pobres incapacitadas ou idosas o direito vitalício de receber do governo federal um benefício igual ao salário mínimo; estabeleceu o acesso universal ao sistema de saúde pública, independente de filiação anterior a um fundo de pensão; e instituiu um orçamento social a ser financiado com contribuições vinculadas. Os recursos alocados aos gastos sociais em 1999 equivaliam a 16% do PIB – cerca de US$ 82 bilhões, dos quais 60% referiamm-se aos benefícios da previdência social. Outros componentes importantes dos gastos sociais são saúde, educação e seguro-desemprego. Fonte: Amedeo et alii (2000); Giambiagi e Além (2000); Najberg e Ikeda (1999). ______________________________________________________________________ 16 As restrições orçamentárias significaram para os estados uma menor capacidade financeira para enfrentar as demandas d e serviços sociais e urbanos. Durante os anos 90, as finanças estaduais seguiram uma trajetória que refletia as condições macroeconômicas instáveis, com uma parte crescente das receitas tributárias sendo usada para cobrir despesas com pessoal, benefícios da previdência e juros da dívida pública. Embora não pudessem lucrar plenamente com a descentralização fiscal, os governos municipais foram pressionados a aumentar o esforço fiscal para atender as demandas por maiores gastos sociais, tendo em vista o recuo das agências federais. Assim, apesar da orientação constitucional para a descentralização da responsabilidade de fornecimento de serviços sociais, um forte movimento nessa direção foi constrangido pela falta de meios financeiros. Na verdade, a provisão co nstitucional para descentralizar os gastos públicos com programas sociais foi afetada pela centralização das receitas reservadas para esse propósito. As contribuições sociais continuaram sendo de competência exclusiva do governo federal (com exceção das contribuições para o sistema de aposentadorias), que controlava as decisões sobre a arrecadação e a utilização desses recursos. Ainda que estudos empíricos mostrem que estados e municípios aumentaram o volume de recursos aplicados em atividades sociais – educação e saúde, principalmente – o grosso dos recursos financeiros necessários para melhorar a qualidade de vida vem das contribuições sociais arrecadadas pelo governo federal. Além do desconto em folha que sustenta os benefícios de pensão e aposentadoria, os recursos arrecadados com essas contribuições aumentaram para 6,5% do PIB em 2000, muito acima da modesta cifra de 1,1% do PIB em 1990 (ver tabela 1). Embora uma parte significativa da receita das contribuições sociais seja devolvida aos governos subnac ionais por meio de negociações ad hoc (convênios), existem provisões especiais anexadas ao seu uso, o que significa que a autonomia deles é afetada. Além de não ter autonomia para dispor desses recursos, eles não têm garantia de sua liberação no tempo. Esses recursos estão sujeitos a revisões anuais e a mudanças nas relações políticas que não oferecem um terreno sólido para uma descentralização sustentável das responsabilidades do Estado em políticas sociais. Entre 1996 e 2000, 17 dobrou a quantidade de dinheiro transferida aos estados e municípios para ajudar a financiar o fornecimento local de serviços sociais, chegando a US$ 7 bilhões. Cerca de dois terços desse total foram para serviços básicos de saúde, cujo financiamento enfrenta agora mudanças que tentam reduzir a instabilidade na liberação de recursos. Tabela 1 Receitas Nacionais de Impostos e Contribuições Sociais: 1988 e 2000e/ 1988 2000 (% PIB) Carga Tributária Nacional 22,4 32,7 Receita Tributária Federal 1/ 15,8 22,0 Contribuições Sociais Cofins PIS/Pasep CPMF CSLL 1,1 0,8 0,3 6,6 3,6 0,9 1,3 0,8 Fonte: Araujo (2001). e/ preliminar. 1/ Arrecadação total de impostos. Não exclui transferências aos estados e municípios. Cofins: Imposto sobre transações para programas sociais PIS/Pasep: Imposto sobre transações para o seguro-desemprego CPMF: Imposto sobre transações financeiras. CSLL: Imposto sobre lucro líquido. A interferência política no acesso aos recursos que se destinam a sustentar a municipalização dos serviços públicos básicos pode levar a quatro situações distintas, mostradas abaixo. A melhor situação é aquela em que a administração local é apoiada pela mesma coligação que apóia os governos estadual e federal. O caso oposto ocorre quando o governo municipal está desalinhado ao mesmo tempo com ambas as instâncias superiores. Das alternativas intermediárias, a mais favorável é aquela em que o governo municipal segue a linha política do governo federal, pois as relações diretas entre os dois níveis de governo ganharam mais atenção no passado recente. 18 Padrões de relações intergovernmentais conforme as relações políticas do Estado e do Município com o Governo Federal9 Estados Alinhado Alinhado Muito Boa Não Alinhado Muito Ruim Não Alinhado Boa Municípios Ruim Uma característica especial da federação brasileira que também resultou da Constituição de 1988 é a elevação dos municípios à condição de membros da federação, com os mesmos direitos e deveres dos estados. A federação de três camadas consagrada na Constituição reflete a longa tradição de autonomia municipal no Brasil e levou a um controle menor dos estados sobre seus municípios. Razões políticas e argumentos de eficácia, baseados na idéia de que passar por cima dos estados aceleraria o processo de propiciar aos municípios os recursos necessários para atender melhor às necessidades da comunidade local, deram um grande impulso às transferências da União para os governos municipais, em detrimento do papel dos estados membros da federação brasileira. A estabilização monetária, conseguida graças ao plano adotado em 1994 para acabar com um longo período de adaptação a altas taxas de inflação, trouxe mais dificuldades para a administração da política fiscal e local. Durante a época de inflação alta, o método de postergar gastos e congelar salários dos funcionários públicos ajustava facilmente as contas fiscais, ao mesmo tempo em que as receitas eram indexadas à inflação. A eficácia dessa prática desapareceu com a moeda estável, resultando em grande pressão sobre os políticos dos governos estaduais e municipais. De repente, eles tiveram de encarar sérias restrições para ajustar seus orçamentos e ficaram impossibilitados de atender às expectativas de seus eleitores. O problema assumiu uma 19 dimensão importante, uma vez que as autoridades que assumiram o poder em 1995, ano seguinte à adoção do plano de estabilização, herdaram problemas derivados de políticas de gastos frouxas de seus antecessores.10 Como mostra a tabela 2, as cifras de 1999 para consumo e pagamentos de salários dos governos subnacionais estavam bem acima do nível de 1988. Tabela 2 Itens selecionados dos gastos públicos: 1998-1999 Federal 1988 1999 Consumo intermediário Pessoal Formação de Capital Fixo Bruto Total Consumo intermediário 2/ Pessoal Formação de Capital Fixo Bruto Total Subnacional 1/ 1988 1999 % PIB 2,1 4,1 4,7 6,5 2,1 1,6 8,9 12,2 Total 1988 1999 2,6 3,2 1,1 6,9 1,9 3,0 0,4 5,3 4,7 7,9 3,2 15,8 6,0 9,5 2,0 17,5 55 41 34 44 % Gastos não financeiros 32 45 68 100 32 59 68 100 20 66 80 100 30 56 70 100 100 100 100 100 Fonte: IBGE. 1/ estados e municípios 2/ compra de bens e serviços Em 1995, as crescentes dificuldades financeiras foram enfrentadas com a antecipação de receitas tributárias futuras mediante empréstimos bancários com altas taxas de juros e atrasos nos pagamentos de fornecedores e salários. Isso levou a novas pressões para renegociar as dívidas para com o governo federal, inclusive aquelas já incluídas em renegociações anteriores (ver box 4 para detalhes). 9 As combinações possíveis delineadas acima referem-se ao alinhamento político com o governo federa l, inclusive a coalizão que tem o poder no Congresso sobre o orçamento federal. 10 No final de 1994, os governos estaduais e municipais concederam generosos aumentos de salário aos funcionários públicos, na crença de que os aumentos de receita dos primeiros meses do Plano Real continuariam e ignorando o desaparecimento do imposto inflacionário. 20 A deterioração das contas fiscais dos governos estaduais e municipais na segunda metade dos anos 90 foi principalmente uma conseqüência de fatores exógenos. Um ingrediente importante da estratégia de estabilização monetária era a manutenção de altas taxas de juros, aumentando o peso dos pagamentos de juros sobre os orçamentos estaduais e municipais. Como essas taxas implicavam uma economia menos dinâmica, as receitas próprias e as transferências federais não cobriam os compromissos adicionais dessas esferas , aumentando o déficit subnacional. Portanto, a renegociação das dívidas dos estados realizada em 1997 e 1998 não pode ser considerada propriamente um caso clássico de “salvação”, pois as políticas macroeconômicas estavam por trás da deterioração das finanças estaduais. Enquanto o governo federal podia refazer sua situação fiscal aumentando a carga tributária com contribuições sociais, as autoridades estaduais e municipais não tinham essa possibilidade. Em conseqüência, o déficit primário dos governos subnacionais no período 1995-98 podia ser compensado com um superávit nas contas federais, evitando assim um resultado total negativo. Pelas regras estabelecidas pela lei 9496/97, o governo federal assinou renegociações de dívidas com 24 estados, num total de US$ 82 bilhões (equivalentes a 10,5% do PIB), em condições bastante favoráveis: trinta anos para pagamento e taxas de juros fixas entre 6% e 7,5%. Além disso, o reembolso não deveria superar 15% das receitas atuais (essa porcentagem poderia baixar até 11%). Por esses acordos, os estados não poderiam emitir novos títulos até que suas dívidas totais fossem compatíveis com suas receitas anuais. Se não cumprirem com seus compromissos, o governo federal tem o direito de bloquear as transferências do Fundo de Participação dos Estados e os estados perdem também os benefícios especiais do acordo. ______________________________________________________________________ Box 4 Calendário das renegociações das dívidas estaduais 21 1989: Depois do colapso do plano de estabilização lançado em 1986, a lei 7976 autorizou o Banco do Brasil a refinanciar as dívidas dos estados por vinte anos. Por ser parcial – o refinanciamento limitava-se a dívidas para com o Tesouro Nacional – essa operação fez pouco para resolver os problemas financeiros dos estados, que continuaram a se deteriorar sob o impacto de altas taxas de juros e inflação acelerada. 1991: A lei 8388 estabeleceu novas condições para refinanciar dívidas não incluídas na renegociação de 1989. Vinte anos para quitar, com juros de 6% e pagamentos mensais limitados a 11% das receitas no primeiro ano e 15% depois. Como as condições não foram aceitas, essa proposta não se materializou. 1993: Conforme as diretrizes estabelecidas pela lei 8388/91, a lei 8727/93 possibilitou o refinanciamento de dívidas pendentes para com instituições financeiras federais, inclusive pagamentos devidos desde 1991. Os limites para reembolso foram baixados para 9% das receitas no primeiro ano e 11% depois. Embora as novas condições permitissem a regularização dos pagamentos da dívida, elas não cobriam todo o problema, pois as dívidas para com os bancos privados e títulos não estavam incluídas. 1995: Depois do Plano Real, o governo federal mudou sua abordagem da renegociação das dívidas dos estados e introduziu novas medidas para controlar o endividamento. A partir de então, o refinanciamento estaria associado às reformas do setor público, incluindo privatizações e condições para cumprir as metas estabelecidas para ajustar as contas fiscais. Além disso, os novos acordos teriam de ser submetidos aos legislativos estaduais. 1996: Novas regras foram introduzidas pela Medida Provisória 1560, dando ao governo federal poder para renegociar todos os tipos de dívidas. As negociações deveriam ser feitas caso a caso, dependendo das medidas adotadas pelos estados. O objetivo final era trazer o total das dívidas financeiras dos estados a níveis abaixo de suas receitas líquidas. 1997-98: A lei 9496/97 criou critérios a serem adotados nas renegociações, estabelecendo metas para a dívida total, superávit primário, folha de salários, arrecadação de impostos e privatização. Dos 27 estados, 24 assinaram acordos com o governo federal dentro das regras desta lei. Fonte: Lopreato (2000); Rigolon e Giambiagi (1999). _____________________________________________________________________________ A crise financeira internacional trouxe mais dificuldades para a economia brasileira e a federação. O remédio aplicado para combater o impacto das crises asiática 22 e russa – um aperto nas políticas monetária e fiscal – aumentou as dificuldades dos estados e municípios para responder às demandas de suas populações. Com a economia andando devagar, as receitas dos impostos não proporcionavam espaço suficiente para melhorar as políticas públicas, gerando apreensão nas autoridades locais que pretendiam fazer uso da emenda constitucional que permitia a reeleição em todos os níveis. Os temores de que a reeleição no nível municipal não daria oportunidade de vitória aos oponentes não se concretizaram. Somente 40% dos prefeitos foram reeleitos em duas mil eleições municipais. Para evitar o risco de repetir experiências passadas de sucessivas renegociações das dívidas estaduais, que poderiam comprometer o cumprimento das metas fiscais estabelecidas no acordo do governo federal com o FMI, fez-se um aperto no controle do endividamento dos estados após a renegociação de 1997-98. A Resolução 78/98 do Senado proibiu novos empréstimos de qualquer tipo aos estados que apresentassem um déficit primário no período de doze meses anterior à aplicação, reduziu as margens de endividamento e aplicou uma redução gradual na proporção dívida/receita. Os contratos assinados com os estados também proibiam a emissão de nova dívida em caso de não cumprimento da trajetória estabelecida para reduzir a proporção dívida/receita, ou contrair nova dívida que pudesse alterar essa trajetória. Do lado da oferta, controles criados pelo Conselho Monetário Nacional e o Banco Central impuseram tetos à exposição das instituições financeiras a empréstimos concedidos aos estados, municípios e instituições sob seu controle. As duras restrições sobre a gestão de recursos fiscais no nível subnacional trouxe resultados importantes de uma perspectiva macroeconômica. As contas fiscais consolidadas dos governos estaduais e municipais atingiram um superávit primário de 1,1% do PIB em 2001, em comparação com um déficit de 0,7% em 1997 (ver tabela A. 7). Do ponto de vista dos serviços públicos urbanos, no entanto, o preço foi alto. Como mostra a tabela 3, os gastos dos governos subnacionais em segurança pública, transporte, habitação e serviços urbanos caiu 3,1% do PIB em 2000, de um nível já baixo de 4,1% em 1996, embora a urbanização continuasse crescendo. O mesmo não ocorreu com os gastos em serviços sociais – educação, saúde e saneamento 23 – que aumentaram dos 5,5% do PIB registrados em 1996 para 7% em 2000, devido ao aumento das transferências de recursos do governo federal destinado a aumentar a descentralização desses serviços. Tabela 3 Gastos dos governos estaduais e municipais – funções selecionadas 1996 e 2000 Estados 1/ 1996 2000 Segurança pública Habitação & Serviços urbanos Transporte Saúde e Saneamento Educação e Cultura Previdência Social & Ajuda Total 1,6 0,2 0,7 0,9 2,1 2,8 8,3 1,1 0,2 0,6 1,1 2,6 1,9 7,4 Municípios 2/ 1996 2000 % PIB nd 0,0 1,0 0,8 0,7 0,4 1,1 1,5 1,4 1,9 0,5 0,6 4,6 5,3 Total 1996 2000 1,6 1,1 1,4 2,0 3,5 3,3 12,8 1,1 1,0 1,0 2,6 4,4 2,5 12,7 1/ Fonte: IBGE (Despesas Públicas por Funções 1996 – 1998). Para 2000, a fonte é STN. 2/ Fonte: STN (Finanças do Brasil 1996 e 2000). A prioridade esmagadora atribuída à estabilização monetária em uma época de abertura econômica impôs outros constrangimentos à ação governamental, ao mesmo tempo em que aumentava os conflitos no interior da federação. De um lado, a política macroeconômica significava um golp e pesado na autonomia dos governos subnacionais com conseqüências políticas importantes, como mencionamos acima. De outro lado, a abertura da economia à competição estrangeira e a incapacidade do governo federal de tratar dos desequilíbrios regionais levaram a um aumento dos conflitos entre jurisdições que não favoreceu o avanço de importantes reformas institucionais. Alguns desses aspectos são abordados adiante. 3. Federalismo fiscal, crise econômica e estabilização macroeconômica 24 Devemos destacar de saída que o ajuste fiscal necessário para dar suporte às políticas macroeconômicas durante a segunda metade dos anos 90 foi resultado de: a) um importante aumento das receitas arrecadadas no nível federal por meio de contribuições sociais não compartilhadas por estados e municípios, as quais foram responsáveis pelo acentuado aumento da carga tributária; b) um corte nos investimentos públicos, com conseqüências negativas importantes para a qualidade da infra-estrutura e dos serviços públicos básicos; c) condições mais rígidas aplicadas à expansão da dívida pública estadual e municipal, após as renegociações realizadas em 1997/98; d) implementação de um importante programa de privatização, que liberou o governo dos subsídios a empresas estatais ineficientes. Os arranjos federais afetaram e foram afetados durante o processo de obtenção da estabilização. De um lado, as dificuldades políticas encontradas para levar a cabo as reformas necessárias para avançar no corte das despesas administrativas e dos benefícios da previdência social não abriram espaço para cortar custos orçamentários, forçando cortes em investimentos, que também afetaram a competitividade das exportações brasileiras e sua capacidade de evitar déficits crescentes no comércio exterior 11 (ver box 5 para detalhes). Como a privatização da infra-estrutura básica foi acompanhada de um virtual desaparecimento da poupança no nível federal, as regiões menos desenvolvidas viram desaparecer sua capacidade de reduzir a distância regional, aumentando os ressentimentos no interior da federação. Na direção oposta, os arranjos federais interferiram nas opções do governo central com respeito ao ajuste fiscal. Levando em conta todas as condições ligadas à utilização dos recursos administrados pelo governo central, inclusive transferências para governos subnacionais, não há muito espaço para realocar despesas no orçamento federal. Sobram menos de 10% para a manutenção dos serviços básicos e investimentos menores. Assim, apesar do congelamento dos salários dos servido res públicos, vigente 11 Apesar das emendas constitucionais para reduzir alguns privilégios dos funcionários públicos e cortar o déficit estrutural da previdência, em 2000, a folha de pagamentos dos estados e municípios continuava no mesmo nível de 1996. 25 desde 1995, e de medidas tomadas para reduzir a taxa anual de aumento nos pagamentos de aposentadorias, os investimentos do orçamento federal continuaram praticamente inexistentes, enquanto o aumento de impostos ia para o pagamento dos juros da dívida pública, que crescia junto com a política monetária apertada, e para cobrir a meta estabelecida de superávit primário. ______________________________________________________________________ Box 5 Reforma do Serviço Público e da Previdência Social Serviço Público A Emenda Constitucional 19 proibiu a acumulação de cargos, modificou as regras para obter estabilidade e acabou com o regime único para admissão, abrindo caminho para aplicar normas mais flexíveis na contratação de novos funcionári os. A Lei 9962/2000 permitiu a adoção de regras aplicadas aos trabalhadores do setor privado na admissão de novos servidores públicos. Previdência Social A Emenda Constitucional 20 mudou as normas aplicadas na concessão de benefícios da previdência social , a saber: - elegibilidade para se aposentar depois de 35 anos de trabalho (30 anos para as mulheres), dependendo da prova de ter contribuído para o sistema de previdência social; - a possibilidade de aposentadoria precoce (cinco anos antes das condições acima) foi cancelada, ampliando assim a vida útil da força de trabalho; - os procedimentos para calcular o valor dos benefícios tornaram-se matéria de lei ordinária; - fim das vantagens especiais concedidas a professores universitários e empregados de empresas aéreas, entre outras categorias profissionais; - a idade mínima para aposentadoria no serviço público foi estabelecida em 60 anos para os homens e 55 para as mulheres; - a isenção de contribuições para a previdência concedida a instituições filantrópicas submetida a critérios mais rigorosos; - os novos servidores não adquirem os privilégios concedidos aos funcionários antigos; 26 - a contribuição das entidades públicas aos planos de pensão suplementares não pode ultrapassar a contribuição dos funcionários. A Lei 9876/99 mudou os critérios para determinar os valores das pensões após a aposentadoria, com o objetivo de alcançar um equilíbrio atuarial no médio e longo prazo. Fonte: Ministério de Planejamento e Najberg e Ikeda (1999. ______________________________________________________________________ Uma conseqüência importante foi um sério golpe na competitividade. Além de sofrer com a falta de investimentos em infra-estrutura, a reintrodução de impostos cumulativos no sistema tributário brasileiro é percebida por todos como sendo o pior problema que afeta os produtores brasileiros no mercado mundial. Uma ampla pesquisa realizada recentemente pela confederação brasileira de associações industriais revelou que o sistema tributário é o principal vilão que prejudica o desempenho das exportações brasileiras, bem como sua capacidade de manter sua fatia dos mercados internos. Tendo sido abolido na reforma tributária de 1967, esse tipo de imposto – os impostos sobre o faturamento mais a CPMF - responde agora por um quarto da arrecadação de impostos federais e podem representar um fardo adicional da ordem de 11% do valor agregado em setores com uma cadeia de produção mais extensa. 12 A volta dos impostos cumulativos não tem paralelo no mundo. Um estudo recente de um firma de consultoria mostra que o Brasil destaca-se entre os poucos países que ainda aplicam esse tipo de tributo. Dos 28 países incluídos nesse estudo (dez da OCDE, oito da Ásia e nove outros da América Latina), os impostos cumulativos são aplicados em apenas seis deles, com as seguintes alíquotas: Brasil, 3,65%; Argentina, Bolívia e Filipinas, 3%; Venezuela, 1,5% e Colômbia, 1%. Na época em que o estudo foi feito, somente o Brasil (0,38%) e a Colômbia (0,2%) aplicavam impostos sobre transações financeiras, ao qual a Argentina aderiu depois. Esses dados mostram como o sistema tributário brasileiro está distante das práticas adotadas por seus principais competidores no mercado mundial. 12 Um estudo recente (Varsano et alii 2001) mostrou que a proporção da carga tributária total efetiva desses impostos varia de 0,74% do valor agregado (serviços não comerciais) a 10,8% (produção de aço). 27 O excesso de dependência dos estados e municípios das transferências federais também teve implicações importantes para a obtenção do equilíbrio macroeconômico. Apesar de um mandato constitucional para revisar a fórmula adotada para distribuir as transferências federais entre seus beneficiários, essa revisão jamais ocorreu. Algumas tentativas de introduzir novas variáveis para corrigir os desequilíbrios no mecanismo de partilha das receitas foram logo abandonadas, pois concluiu-se que era impossível resolver os conflitos de interesse. Para driblar a impossibilidade de co nseguir um acordo, adotou-se uma solução prática em 1992: a participação de cada estado e município nos fundos federais foi estabelecida mediante negociações baseadas em dados reais do ano anterior, permanecendo fixa desde então. Como seria de se esperar, os estados mais desenvolvidos e os municípios maiores perderam algumas posições no processo (ver box 6 para detalhes). ______________________________________________________________________ Box 6 Critérios para distribuir o Fundo de Participação dos Municípios - FPM Os critérios aplicados na distribuição das receitas federais através do FPM estabelecem o seguinte: - 10% do FPM vão para as capitais dos estados; - 86,4% são distribuídos para todos os outros municípios; - 3,6% compõem uma cota adicional para municípios com mais de 156.216 habitantes. A cota individual das capitais dos estados está em relação direta com sua população e inversa com a renda per capita dos estados. A cota individual das outras cidades é estabelecida por índices derivados de uma fórmula que favorece os municípios menos populosos. O índice varia de 0.6 para aqueles com menos de 10.188 habitantes a 4.0 para municípios com mais de 156.216 habitantes. Entre esses extremos, 16 faixas de população formam uma distribuição de índices individuais que crescem a taxas decrescentes, permitindo assim transferências per capita menores à medida que a população aumenta. ______________________________________________________________________ 28 À medida que aumentavam essas transferências], o desequilíbrio já existente ganhava mais ímpeto. Os orçamentos per capita em municípios pequenos atingiram níveis três vezes mais altos do que os números correspondentes para áreas urbanas densamente povoadas e grandes metrópoles. O mesmo se aplica aos estados, embora em escala menor: os estados menos desenvolvidos e pouco populosos mostram orçamentos per capita uma vez e meia maiores do que os mais desenvolvidos.13 O excesso de transferências trouxe distorções adicionais para a federação. Entre elas, um incentivo financeiro à fragmentação política no nível local, que levou à criação de 1.465 novos municípios na década passada – um aumento de 30% no número de municípios nos últimos dezesseis anos. Como as regras estabelecidas na Constituição de 1988 permitiam a separação política de antigos distritos baseada apenas em um referendo público realizado na região que pedia a separação, o resultado era facilmente previsível, pois os novos municípios lucravam com a separação, deixando a outra parte do município empobrecida. Outra conseqüência negativa foi a perda de interesse dos contribuintes locais pela política local. Como a maior parte de seus orçamentos vem de transferências, a responsabilidade perante a população foi seriamente afetada. Com exceção da capital do estado e algumas outras áreas urbanas importantes, as receitas próprias representam menos de 20% das receitas municipais, significando que a clássica abordagem de Tiebout da competitividade no nível local não se aplica ao caso brasileiro.14 Devemos observar que o mesmo se poderia dizer dos estados, pois em doze dos 27 as receitas próprias respondem por menos de 50% de seus respectivos orçamentos.15 13 Os dados de 2000 (SNT) mostram que o menor município brasileiro (Borá, SP) tinha uma receita per capita de US$ 1.390, dos quais dois terços vinham do FPM. No mesmo ano, o município de São Paulo – com mais de 10 milhões de habitantes – apresentava um orçamento per capita de apenas US$ 407, com o FPM representando menos de 1% de sua receita. NO que se refere aos estados, o Amapá, com menos de 500 mil habitantes mostrava receitas per capita de US$ 912, das quais, mais de 70% vinham de transferências, enquanto que o estado de São Paulo, com 37 milhões de habitantes, apresentava um orçamento per capita de US$ 624 (menos de 0,3% de transferências). 14 Apesar do desincentivo ao esforço fiscal local embutido no sistema de participação nas receitas, observou-se uma melhora significativa na arrecadação de impostos no nível municipal recentemente, com praticamente todos os municípios mostrando algum esforço para usar a base tributária local. 15 Onze dos estados nessa condição pertencem às regiões norte e nordeste. O outro é o Distrito Federal. 29 O modo como a descentralização fiscal evoluiu na federação brasileira provocou um crescente desencontro entre receitas e responsabilidades. De um lado, a dinâmica socioeconômica levou a uma concentração cada vez maior das atividades econômicas modernas e da população em cidades de porte médio e em grandes centros urbanos das áreas industriais mais desenvolvidas do país. De outro, os critérios para distribuir os recursos fiscais e financeiros foram na direção oposta e estes correram em maior proporção para as regiões rurais menos dinâmicas e habitadas. Assim, enquanto uma grande parte dos recursos públicos era destinado para despesas administrativas e de baixa prioridade, as demandas por serviços básicos e urbanos em lugares mais necessitados não conseguia encontrar meios financeiros para ser atendida adequadamente. Como foi mencionado antes, um mecanismo lateral para a cooperação intergovernamental no financiamento da descentralização de responsabilidades cresceu de acordo com o aumento da arrecadação de contribuições pelo governo federal reservadas para o fornecimento público de serviços sociais. O aumento decorrente na dependência dos estados e grandes municípios de recursos da União para atender demandas básicas de seus habitantes diminuiu as possibilidades de que pessoas e empresas lucrassem com a competição entre jurisdições na alocação das despesas. Regras estabelecidas pelo governo federal levaram a uma maior padronização dos gastos públicos, ao mesmo tempo em que as condições vinculadas ao acesso a empréstimos das instituições financeiras federais também reduziam a autonomia dos governos estaduais e municipais. O aumento das transferências submetidas a negociações ad hoc também trouxe implicações políticas negativas. Como o acesso aos recursos sofre com alianças políticas voláteis, a qualidade dos serviços oferecidos pode deteriorar por motivos que estão fora do controle administrativo dos governantes locais. Além disso, uma vez que não há possibilidade de fazer projeções confiáveis dos fluxos financeiros no futuro próximo, o processo de descentralização não avança em terreno sólido e está sujeito a retrocessos. 30 Em vez de avançar na direção de consolidar a descentralização obtida em 1988, os últimos desdobramentos recuaram, com aumento da interferência do governo federal na tomada de decisões a serem implementadas no nível subnacional. O impacto da abertura econômica também contribuiu para esse resultado. Ao ser exposta à competição externa após séculos de isolamento, a indústria manufatureira do Brasil perdeu terreno no mercado interno e não conseguiu participar nos setores mais dinâmicos do mercado internacional. Em conseqüência, a conta do comércio nacional deteriorou, indo de US$ 15 bilhões de superávit nos últimos anos da década de 1980 para um déficit de US$ 7 bilhões em 1997. Graças a uma forte queda nas importações, após uma diminuição do ritmo da atividade econômica, o déficit externo deu lugar a um superávit próximo de US$ 2 bilhões em 2001. 16 A vulnerabilidade externa tornou mais difícil encarar a crise financeira dos anos 90, sem sacrificar a autonomia federativa. Políticas monetárias e fiscais apertadas fo ram acompanhadas por normas rígidas para governar as ações dos governos estaduais e municipais. Além das reformas mencionadas acima, um componente importante das medidas adotadas a fim de ajustar as finanças estaduais e municipais foi uma reforma no setor financeiro que forçou a privatização dos bancos públicos estaduais. A fragilidade desses bancos veio à tona na esteira da estabilização monetária, dando ao governo federal a oportunidade para intervir. Criou-se um programa especial para forçar os governadores a entregar o controle dessas instituições, em troca da assunção pelo governo federal da responsabilidade de sanear a situação financeira delas antes da privatização ou liquidação. Em conseqüência, restam somente oito instituições financeiras nas mãos dos governos estaduais; as outras foram privatizadas, liquidadas ou transformadas em organizações não-bancárias. O quadro abaixo resume a situação atual. 16 A balança comercial continuou positiva – com uma média de 10 bilhões de superávit – na primeira metade dos anos 90, mas começou a exibir déficits crescentes em 1995, até atingir 7 bilhões em 1997. Melhorias menores foram observadas nos últimos anos da década passada, até que a redução da atividade econômica ajudou na volta para o lado positivo em 2001. 31 Bancos estaduais – situação atual Privatizados Sob controle federal Liquidados Agências financeiras não bancárias Nas mãos do estado 09 06 10 16 07 Fonte: Ministério do Planejamento Mais recentemente, uma importante lei aprovada pelo Congresso estabelece condições duras a serem observadas na gestão das contas do governo para sustentar a responsabilidade fiscal na federação. A assim chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em maio de 2000, pretende impor a disciplina fiscal a todos os níveis de governo, estabelecendo regras claras e objetivas para a administração de receitas e despesas, dívida pública e ativos públicos. Enfatiza-se a transparência como condição para o controle social das ações dos governos, a fim de que os contribuintes tomem consciência do uso que os administradores públicos fazem dos recursos extraídos da tributação. Entre as normas estabelecidas pela LRF, vale a pena notar: a) limites para gasto com pessoal – a remuneração dos servidores públicos não deve ultrapassar 60% das receitas líquidas correntes; b) limites para o endividamento – o Senado pode aprovar uma revisão dos limites atuais proposta pelo presidente da República; c) metas fiscais anuais – o planejamento orçamentário deve estabelecer metas fiscais para três anos consecutivos; d) provisão para as despesas correntes – as autoridades públicas não podem tomar medidas que criem despesas futuras que durem mais de dois anos sem apontar para uma fonte de financiamento ou um corte compensatório em outros gastos; e) provisão especial para anos eleitorais – a lei proíbe que governadores e prefeitos em último ano do mandato antecipem receitas tributárias por meio de empréstimos de curto prazo, concedam aumentos de salários e contratem novos servidores públicos. O não cumprimento das obrigações impostas pela LRF leva a várias penalidades administrativas, às quais podem ser acrescentadas incriminações pessoais, incluídas numa lei complementar (Lei de Crimes de Responsabilidade). Infrações mais graves 32 podem ser punidas com a perda do mandato, proibição de exercer cargo público, multas e prisão. Vale a pena enfatizar que todos os níveis de governo, inclusive o federal, devem cumprir as condições estabelecidas pela LRF. Uma avaliação preliminar, baseada em dados recentes, da situação das contas fiscais de estados e municípios do ponto de vista do cumprimento das condiçõ es estabelecidas pela LRF aponta para um cenário otimista, pois as receitas correntes líquidas cresceram 14% e 17% respectivamente entre 1997 e 2000. Esse aumento da receita possibilitou uma redução da proporção entre gastos com pessoal e receita em todos os estados, de uma média de 60,9% em 1997 para 51,4% em 2000. Enquanto em 1997, cinco estados apresentavam uma proporção acima do teto de 60%, esse número se reduziu para três em 2000. Os mesmos dados para as capitais apontam para uma média de 41% em 2000, sem que nenhuma ultrapasse o teto estabelecido. Para os outros municípios como um todo, a proporção das despesas com pessoas para as receitas líquidas foi de 43% em 2000, com apenas 6,3% deles acima do teto de 60% (Nascimento e Debus 2001). Porém, os res ultados acima não refletem ainda a adaptação das finanças subnacionais às novas normas criadas pela LRF, pois a lei entrou em vigência em maio de 2000. Há indicações de que o crescimento das receitas diminuirá em 2001-02 e isso, acoplado ao fato de que 2002 será um ano eleitoral, tornará mais difícil para os estados e municípios sustentar os resultados obtidos em 2000 e propiciará um bom teste para o futuro das contas fiscais. Contudo, o papel central desempenhado pela disciplina fiscal na manutenção da estabilidade macroeconômica e na restauração do crescimento econômico gera um cenário muito diferente para a gestão das contas fiscais, em comparação com o passado. 17 Além disso, os políticos brasileiros passaram a perceber o valor da moeda estável para o eleitorado e os riscos associados ao desmando fiscal. A crise econômica dos anos 90 e as medidas adotadas pelo governo federal para conseguir a estabilidade macroeconômica sob novas condições de exposição à abertura 17 No passado, a inflação permitia um ajuste fiscal fácil, pois as receitas estavam totalmente indexadas e as despesas não. Além disso, uma economia fechada era menos vulnerável às percepções externas dos riscos associados a um alto grau de endividamento público. 33 econômica e ao livre movimento de capitais forçaram a realização de importantes mudanças que causaram um retrocesso parcial na autonomia federativa. Essas medidas tiveram sucesso no objetivo imediato de sustentar a estabilização monetária, mas provocaram baixos níveis de crescimento do PIB, falta de investimento em infraestrutura e deterioração da qualidade dos serviços sociais e urbanos. Embora o Brasil tenha conseguido sobreviver à turbulência provocada pelas crises do México, da Ásia e da Rússia, o preço pago, em termos de crescimento econômico e desigualdade social, foi alto. Até agora, as medidas administrativas e a imposição de fortes restrições orçamentárias substituíram as instituições políticas como meio de atingir os objetivos macroeconômicos. No processo, a federação não estava preparada para encarar os desafios colocados pela globalização. As instituições políticas continuaram débeis, comandadas pelo clientelismo e por velhos hábitos, e várias propostas de reforma política completa não encontraram qualquer ambiente para prosperar. Não obstante, para desespero daqueles que não acreditam na possibilidade de ter disciplina orçamentária no nível subnacional sem uma forte mão federal para orientar as ações de prefeitos e governadores, podemos encontrar alguns sinais positivos em casos insuspeitados. No Nordeste, dois estados (Ceará e Bahia), governados por diferentes grupos políticos por mais de 12 anos, mostraram resultados positivos muito importantes na gestão do dinheiro público, merecendo a aprovação de suas respectivas populações. Mais recentemente, o estado de São Paulo, que além de ser o mais rico da federação brasileira, se notabilizou pelo mau comportamento na política orçamentária, também fez um movimento importante na direção de manter uma situação fiscal saudável. As renegociações das dívidas estaduais também ajudaram a melhorar a situação em todo o país. Entre 1997 (quando as renegociações começaram) e 2000, a dívida pendente total de 26 estados – a federação brasileira tem 27 membros – caiu em 25%, em média. Em conseqüência, a proporção dívida/receita agregada caiu de 2.86, em 1997, para 1.91 em 2000. 34 Além da necessidade de manter um ambiente macroeconômico saudável, os principais desafios para a federação brasileira hoje são a retomada do crescimento econômico e a redução das desigualdades sociais e regionais. Para essa finalidade, as atuais regras que governam as relações intergovernamentais não dão uma contribuição positiva. É necessária uma federação mais competitiva. 4. Privatização, regionalismo e conflitos intergovernamentais A partir do começo dos anos 90, o Brasil começou a abandonar sua longa tradição de governos intervencionistas. Pouco depois de sua posse, em janeiro de 1990, o governo Collor lançou um ambicioso programa de privatização destinado a conseguir resultados rápidos. Porém, apesar de algumas facilidades concedidas aos investidores privados, a meta inicial de obter 17 bilhões de dólares em receitas da privatização nos primeiros dois anos do programa revelou-se muito irrealista. As batalhas legais e a crise política que culminou com o impeachment de Collor de Mello em setembro de 1992 foram os principais fatores por trás do ritmo lento do programa em seu início. Durante sua primeira fase – 1990-94 –, 33 empresas públicas foram privatizadas, propiciando ao Tesouro federal recursos da ordem de US$ 12 bilhões (8,6 bilhões do produto das vendas e 3,4 bilhões da transferência de dívidas aos novos proprietários). No final de 1994, o Estado não interferia mais na produção de aço e fertilizantes e já alienara a maior parte de sua participação na petroquímica. A privatização dos monopólios estatais não foi sequer considerada (Pinheiro 1999; Pinheiro e Giambiagi 2000; BNDES 2001). Como era de se esperar, demorou algum tempo para que o ritmo da privatização se acelerasse. Apesar dos escândalos políticos que levaram ao impeachment de Collor e um tom mais nacionalista de seu sucessor, Itamar Franco, a primeira fase do programa de privatização mostrou uma forte adesão dos brasileiros à idéia da privatização, mas os monopólios estatais sacramentados pela Constituição de 1988 ainda estavam de pé (ver box 7 para detalhes). ______________________________________________________________________ 35 Box 7 Programa de Privatização – primeira fase Antecedentes: Os anos 80 viram os primeiros passos no sentido de reduzir o grau de intervenção do Estado na economia. Empresas privadas que caíram nas mãos públicas após enfrentar dificuldades financeiras, retornaram ao controle privado. No total, 38 empresas foram privatizadas nesse período, a maioria de tamanho pequeno e médio. O total arrecadado foi modesto – 780 milhões de dólares –, mas o principal objetivo do período era deter o processo de crescimento da propriedade estatal e não obter ganhos financeiros. 1990-1992: A privatização tornou-se um componente importante das reformas econômicas iniciadas pelo governo Collor de Mello. 68 empresas públicas foram incluídas no Programa Nacional de Privatização, lançado em 1990. os esforços se concentraram em setores que haviam ganho status estratégico em políticas de desenvolvimento do passado, tais como aço, petroquímica e fertilizantes. Dezoito empresas foram privatizadas por US$ 2,3 bilhões, totalmente financiados pelo assim chamado “dinheiro da privatização” (dívidas do setor público desvalorizadas no mercado). 1993-1994: O governo Itamar Franco deu novo ímpeto ao programa de privatização. Foram introduzidas algumas alterações legais para facilitar o processo, tais como a abolição de discriminação prévia de investidores estrangeiros, que ganharam o direito de adquirir até 100% do capital posto a venda. A privatização das produtoras de aço foi completada e mais dinheiro foi necessário para acertar os acordos. Quinze empresas foram vendidas nesse período por US$ 4,5 bilhões, mais US$ 1,9 bilhões de dívidas que passaram para os novos proprietários. Houve um aumento nos pagamentos em dinheiro, mas o “dinheiro da privatização” ainda representou dois terços do produto da venda. Fonte: BNDES (2001). ______________________________________________________________________ O governo de Fernando Henrique Cardoso, que assumiu o poder em 1995, colocou a abolição dos monopólios estatais no topo de sua agenda de reformas. Um conjunto de emendas constitucionais foi apresentado ao Congresso nos primeiros meses do primeiro mandato de FHC e o governo federal pressionou o Congresso para aprovar 36 essas emendas. 18 Ao mesmo tempo, os governadores começaram também a implementar seus programas de privatização. No nível federal, a privatização era um componente importante do programa de estabilização monetária do Plano Real. O apoio político da população para acabar com uma era de inflação alta ajudou o governo a obter apoio do Congresso na aprovação de emendas constitucionais necessárias para abolir os monopólios estatais nas telecomunicações, mineração, eletricidade e gás. Nos estados, a privatização começou a ser vista como uma fonte importante de recursos para financiar investimentos e eliminar dívidas passadas. Importantes mudanças institucionais também ajudaram a impulsionar a privatização. Foi criado o Conselho Nacional de Privatização para uma melhor coordenação das decisões relativas á venda dos monopólios estatais, que também foi beneficiada por uma nova legislação para o fornecimento de serviços públicos por empresas privadas. O status especial que a Constituição de 1988 dava aos investidores nacionais nos campos da mineração e da eletricidade também foi abolido, ajudando a acelerar a privatização desses setores. Entre 1995 e 2001 (até julho), 34 empresas federais e 39 estaduais foram privatizadas, totalizando vendas de US$ 91,1 bilhões, incluindo a assunção de dívidas por investidores privados. O programa de privatização efetuou-se em alta velocidade. Em menos de uma década, o Estado afastou-se de importantes atividades que estavam sob seu controle absoluto há quase meio século. Hoje, as empresas privadas controlam ferrovias e telecomunicações, portos, mais da metade da distribuição e uma significativa parte da geração de eletricidade, e uma pequena mas crescente parte do suprimento de água e saneamento (ver box 8 para detalhes). ______________________________________________________________________ 18 Para ser aprovada, uma emenda constitucional precisa de três quintos dos votos em duas votações sucessivas, na Câmara de Deputados e no Senado. Além disso, tem de retornar à Câmara, se o Senado modificar o texto aprovado pelos deputados. 37 Box 8 Programa de Privatização – segunda fase 1995-1996: A partir de 1995, o governo FHC deu alta prioridade à privatização, que se tornou um componente importante das reformas estruturais. Foi criado o Conselho Nacional de Privatização e completou-se a venda das empresas estatais não protegidas por monopólios. Nessa nova fase, os serviços públicos foram postos no topo da agenda da privatização e declarou-se que a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelos novos proprietários era um motivo importante para privatizar. A adesão dos governos estaduais ao clima de privatização foi também uma característica saliente desse período, pois o governo federal apoiou a venda de empresas estaduais. O total das vendas de empresas federais e estaduais chegou a US$ 8,1 bilhões nesse período. 1997: A venda de uma grande empresa estatal de mineração - a Vale do Rio Doce – por US$ 6,9 bilhões foi o ponto alto do ano. Seguiram-se concessões para empresas privadas explorarem os serviços de telefonia celular em três áreas importantes do território brasileiro, possibilitadas pela aprovação de uma nova lei das telecomunicações, o que aumentou a receita em mais US$ 4,7 bilhões. Nesse ano também foi feita a primeira venda de uma instituição financeira federal e fizeram-se importantes avanços no nível estadual. A privatização de empresas estaduais de eletricidade atingiu US$ 15,1 bilhões, enquanto que as firmas financeiras estaduais também começaram a ser privatizadas. 1998: A venda das empresas de telecomunicação foi a privatização mais importante do ano. O total das transações chegou a US$ 18,9 bilhões, 64% acima do preço mínimo estabelecido para a venda. Fizeram -se também alguns progressos na privatização de portos administrados pelo governo federal. Os governos estaduais também mostraram bons resultados nos campos das empresas de eletricidade e bancos. Em termos financeiros, 1998 atingiu um recorde: US$ 37,5 bilhões foram o produto das privatizações, dos quais 10,8 bilhões referiam-se a governos estaduais. I999: Ano de resultados modestos. O desempenho dos estados foi muito melhor que o do governo federal. O total das vendas atingiu US$ 3,9 bil hões, dos quais US$ 554 milhões vieram da venda de bens federais. Eletricidade e gás foram os líderes. 2000: A decisão de vender ações em excesso da quantidade necessária para manter o controle do governo federal sobre a Petrobrás ajudou a engrossar os res ultados do ano. O produto das privatizações atingiu US$ 7,7 bilhões, sem incluir US$ 3,3 bilhões gerados pelos estados com a venda de serviços de eletricidade e financeiros. 38 2001(até julho): Outras concessões para a exploração de telefonia celular foram a principal realização, com receitas da ordem de US$ 2,6 bilhões. Fonte: BNDES (2001). ______________________________________________________________________ Do ponto de vista dos objetivos mais imediatos, o programa de privatização foi um sucesso. Os leilões públicos despertaram muito interesse de investidores nacionais e estrangeiros e os preços de venda foram muito mais altos do que o mínimo estabelecido por consultores contratados para avaliar o valor líquido das empresas estatais vendidas na segunda fase do processo de privatização. Entre 1991 e 2001 (até julho), ocorreram 136 privatizações no Brasil (97 realizadas pelo governo federal e 39 pelos estados). A importância do programa revela-se nos detalhes mostrado abaixo. Tabela 4 Programa de Privatização: 1991/2001 (até julho) US$ bilhões Setor Aço Petroquímica Mineração Eletricidade Saneamento Petróleo & Gás Telecomunicações Instituições financeiras Transporte Outros Nível federal Nível estadual TOTAL Fonte: BNDES (2001). Receita das vendas Dívidas transferidas 5,6 2,6 2,7 1,0 3,3 3,6 24,7 7,5 0,7 6,8 0,1 30,5 2,9 6,0 2,3 2,4 0,3 57,0 11,3 27,9 6,8 84,9 18,1 Total 8,2 3,7 6,9 32,2 0,7 6,9 33,4 6,0 2,3 2,7 68,4 34,7 103,0 39 Gráfico 2 (sumiu Uma medida comum do grau de intervenção do Estado na economia – a participação do setor público no investimento total – mostra a importância do programa de privatização na redução do controle estatal. Essa proporção caiu de 25% em 1991 para 7% em 1999. O gasto das empresas públicas com pessoal também caiu para menos da metade do nível atingido no começo dos anos 90. (Ver tabela abaixo) Tabela Participação das empresas públicas na formação bruta de capital e nos custos totais do setor público com pessoal Ano Total 1991 1999 Fonte: IBGE. Empresas públicas federais FBC 24,2 Pessoal 19,7 FBC 16,9 Pessoal 12,4 7,0 8,2 3,4 4,9 Empresas públicas estaduais FBC Pessoal 7,3 7,3 3,6 3,3 O capital externo desempenhou um papel importante no processo de privatização. Os investidores estrangeiros adquiriram cerca de metade das ações oferecidas em leilões públicos. No total, o capital externo respondeu por 36% das receitas geradas pelo Programa Nacional de Privatização, 49% das receitas da privatização de empresas estaduais e 60% da receita das telecomunicações. Portugueses, espanhóis e norte-americanos, nesta ordem, lideraram o grupo de estrangeiros envolvidos no programa de privatização. 40 Gráfico 3 Composição Setorial das Privatizações: 1991/2001 (US$ 103 bilhões) 2,3% 2,6% 0,7% 3,6% 5,8% 32,5% 6,7% Telecomunicações Electricidade Steel Petróleo & Gás Mineração Insittuições financeiras Petroquímica Outros 6,7% 7,9% Transporte Saneamento 31,2% Fonte: BNDES (2001). De acordo com estudos feitos (Ferreira 2000; Novaes 20000; Pinheiro 1999; Pinheiro e Giambiagi 2000), a privatização realizada durante o período mencionado trouxe benefícios significativos para o país, a saber: a) modernização das empresas, ajudada pelos investimentos externos; b) mais acesso da população aos serviços; c) redução da necessidade de o governo subsidiar empresas estatais deficitárias; d) financiamento da dívida externa com IED, que também ajudou a controlar a expansão da dívida pública; e) aumento substancial na produtividade industrial. Como mencionamos antes, a desaceleração das privatizações a partir de 1999, que coincidiu com o começo do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, refletiu uma situação que exigia negociações mais difíceis. Além disso, os choques externos provocados pelas crises da Ásia e da Rússia também ajudaram a reforçar o ponto de vista dos que se opunham à privatização por motivos de ideologia ou equidade. 41 A maxidesvalorização do real em 1999 alterou as perspectivas para a economia brasileira e exigiu uma reavaliação do programa de privatização. Um governo enfraquecido, um desempenho fraco do PIB e um aumento na percepção de risco fizeram cair o valor dos ativos, tornando difícil continuar no mesmo ritmo de antes. O caso dos bancos estaduais foi uma exceção, pois sua privatização era uma condição para que os estados pudessem renegociar suas dívidas para com a União. Assim, as metas estabelecidas para privatizar a indústria da eletricidade ficaram longe de serem cumpridas. Foi feito algum progresso no setor de distribuição dessa indústria, graças ao fato de que os governos estaduais, proprietários de parte dele, foram pressionados a encontrar maneiras de levantar dinheiro e amenizar seus problemas financeiros. Porém, o grosso da geração ainda está em mão s públicas. A deterioração do cenário internacional, com pouca perspectiva de atrair recursos externos, levou a mais adiamentos. Ao contrário da situação nas telecomunicações, em que a regulamentação precedeu a privatização, ajudando assim a transferir o controle para o setor privado, uma estrutura reguladora ruim contribuiu para o aumento da oposição pública ao avanço do programa de privatização da energia. As regras reguladoras são estabelecidas por lei federal e fiscalizadas por agências federais, mas as relações entre os órgãos federais reguladores e seus equivalentes estaduais não estão claras. A crise de energia causada pelo verão seco de 2001, em um contexto de paralisação dos investimentos públicos e poucas definições quanto às garantias de retorno dos investimentos privados, levou à escassez de oferta e um racionamento do consumo, e tudo isso exigiu mais tempo para reavaliar o programa de privatização da energia. No nível estadual, há vários arranjos reguladores. Alguns estados optaram por ter agências específicas, enquanto outros decidiram criar uma única agência para fiscalizar todas as atividades transferidas para empresas privadas em sua jurisdição. O poder dos estados e municípios em áreas como transporte, água e saneamento acrescenta mais dificuldades para o avanço da privatização nesses setores. Embora a presença de investidores privados em transporte não seja nova, a regulamentação estadual e municipal é ruim e as tentativas de criar uma única agência 42 federal independente em nível federal para fiscalizar todos os meios de transportes encontrou oposição que bloqueou a idéia. São necessárias regras uniformes e coordenação intergovernamental para melhorar a situação (Pires e Piccinini 1999). Os conflitos de jurisdição são mais difíceis de resolver na área do saneamento. A responsabilidade formal é dos municípios, mas a necessidade de coordenar o fornecimento desses serviços em áreas metropolitanas e aglomerações urbanas pede um papel maior dos governos estaduais para evitar ineficiências. As dificuldades para obter um acordo satisfatório entre estados e municípios estão por trás dos problemas enfrentados nessa área. Do ponto de vista dos recursos investidos, da modernização nas áreas sob administração privada e do acesso a serviços, bem como da contribuição do produto das vendas de ativos públicos para reduzir a expansão da dívida pública, o programa de privatização foi até agora descrito como um sucesso. Apesar disso, o recuo provocado pela recente crise de energia lança algumas nuvens escuras sobre ele. Ao contrário do que foi feito nas telecomunicações, setor em que as empresas públicas puderam investir antes de ir a leilão para aumentar o valor dos ativos, as firmas de energia não tiveram permissão para isso, pois o governo esperava avançar depressa para a privatização. Desse modo, enquanto os investidores externos esperavam que os tribunais derrubassem as contestações judiciais, a proibição dos investimentos públicos acabou por levar a uma escassez de energia que provocará um atraso adicional no cronograma da privatização. Um efeito colateral negativo da privatização da infra-estrutura foi seu impacto sobre as perspectivas de desenvolvimento das regiões mais atrasadas. No passado, as empresas estatais desempenharam um papel importante como veículo para explorar melhor o potencial de crescimento de regiões atrasadas e de fronteira, ajudando a construir e modernizar a infra-estrutura necessária para atrair atividades empresariais modernas. Com as decisões sobre investimento em mãos privadas, a probabilidade de que isso leve a um aumento das desigualdades regionais não pode ser ignorada, o que 43 fornece uma explicação para a abordagem mais agressiva recentemente adotada pelas autoridades estaduais para atrair investimentos. 19 Devemos observar que a estabilização monetária conseguida na metade dos anos 90, junto com a consolidação da democracia e o avanço da privatização, levou à retomada dos influxos de investimento externo direto, revertendo a tendência observada no começo da década. Em média, o IED no período 1996-2000 foi dez vezes maior do que o registrado em anos anteriores. Uma parte significativa desse investimento foi para as aquisições de empresas estatais em leilões públicos, mas alguns empreendimentos novos e importantes também foram feitos, principalmente nos setores automotivo e de agronegócios. Pela primeira vez na história recente do Brasil, o influxo de investimento externo direto ocorreu no contexto de um mercado financeiro liberalizado e voltado não somente para o mercado interno, mas também para o regional (Mercosul). Essa nova rodada de investimentos estrangeiros deflagrou uma competição acirrada entre os estados brasileiros para atrair os melhores projetos. A assim chamada guerra fiscal lança suas raízes em um vácuo criado pela ausência de uma política regional patrocinada pela esfera federal para contrabalançar a tendência à concentração das atividades econômicas modernas no estado de São Paulo. Sem ações fortes para promover o crescimento econômico das regiões menos desenvolvidas, a tendência a reduzir a distância entre o PIB das cinco principais regiões, que estava em andamento desde o final dos anos 70, parou na metade dos anos 80 e permaneceu inalterada desde então. Um movimento ainda imperceptível na direção oposta ameaça des encadear uma nova onda de aumento das desigualdades regionais que, se concretizada, trará consigo instabilidade política. O principal instrumento da nova rodada de competição por investimentos entre os estados brasileiros é a concessão de benefícios fiscais, apoiados por generosas concessões financeiras. Nessa guerra fiscal, os estados vêm concedendo vantagens cada 19 O controle do governo sobre investimentos em infra- estrutura – transporte, energia e telecomunicações – bem como em insumos manufaturados básicos – aço – foi um instrumento importante para promover o desenvolvimento regional quando as decisões de investimento podiam levar em conta as metas nacionais 44 vez maiores aos investidores estrangeiros e nacionais para sediar novas unidades industriais. Esse processo provocou críticas severas, baseadas principalmente no argumento de que o dinheiro público está sendo desviado para beneficiar o capital externo, em detrimento de demandas atuais e futuras da população. Além disso, a escalada da guerra fiscal é favorecida pelo princípio origem-destino misto, aplicado ao imposto sobre valor agregado estadual. 20 Deve-se observar, no entanto, que outros elementos também desempenham um papel nas decisões dos investidores sobre a melhor localização de suas fábricas. A estabilidade política e a boa governança, por exemplo, estavam por trás da decisão de indústrias manufatureiras tradicionais estabelecidas no sul do país de mudar-se para os estados da Bahia e do Ceará, a fim de beneficiarem-se das melhores condições encontradas nesses estados para seus negócios. A nova onda de investimentos na indústria automotiva levou à instalação de novas fábricas nos estados do Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não distantes do principal centro industrial de São Paulo, e a escolha de cidades conhecidas pela qualidade de seu ambiente e de sua força de trabalho. Houve um único caso de indústria automotiva que foi mais para o norte, para a Bahia, depois que o novo governo estadual do Rio Grande do Sul rejeitou o acordo feito por seu antecessor, que incluía um generoso apoio fiscal e financeiro. Sem contar com instrumentos suficientes, a competição na federação concentrouse em duas direções principais. Uma procurou benefícios fiscais e financeiros para atrair investimentos. A outra deu destaque ao apo io político para ter acesso às fontes federais de financiamento. No fim, esse tipo de competição pode levar a um jogo de soma negativa. A fim de atrair investimentos, estados e municípios privaram-se de futuras receitas orçamentárias que reduzem sua capacidade de responder às atuais necessidades e às futuras que resultarão de um aumento da urbanização. Ao reduzir seus recursos no futuro, tornam-se mais dependentes do acesso a recursos federais, perdendo autonomia de redução das disparidades regionais. Depois da privatização, os investimentos de infra-estrutura em regiões atrasadas terão de contar com o acesso a fundos públicos, que estão escassos. 45 em relação a políticas que criam uma ambiente favorável aos negócios. Desse modo, benefícios de curto prazo podem se transformar em custos significativos no médio e longo prazo, adicionando mais instabilidade nas relações federais. ______________________________________________________________________ Box 9 A guerra fiscal A assim chamada guerra fiscal disseminou-se na esteira de um virtual abandono pelo governo federal das políticas regionais do passado, tendo em vista o impacto da crise macroeconômica sobre as finanças federais. Abandonados, os governos estaduais optaram por fazer uso de benefícios fiscais para atrair investimentos privados e promover o desenvolvimento industrial. A principal arma dessa guerra é o princípio misto de origem-destino aplicado ao imposto sobre valor agregado estadual e a complexidade de situações envolvida. Quando a produção ocorre em uma região menos desenvolvida e o bem é consumido em uma mais desenvolvida, dois terços do imposto são arrecadados na origem e um terço no destino. Essas proporções são invertidas quando os bens são produzidos em estados desenvolvidos para serem vendidos nos mais atrasados. Para atrair novos investimentos os estados produtores concedem descontos integrais do imposto devido na origem. Além disso, quando a produção é vendida nos principais centros de consumo, os investidores podem reivindicar crédito pelo imposto supostamente arrecadado na origem. Assim, o peso financeiro imediato desses benefícios é suportado, de fato, pelo estado onde o bem é consumido. A nova onda de investimentos privados nacionais e estrangeiros que se formou no início dos anos 90 deu ímpeto a essa guerra. O medo de perder terreno na disputa por esses investimentos, tendo em vista as melhores externalidades encontradas nos principais centros industriais, levou ao oferecimento de maiores vantagens por estados menos desenvolvidos. Uma vez iniciada, a guerra fiscal tende a crescer, na medida em que os investidores circulam em busca de concessões ainda melhores enquanto competidores em outros estados exigem vantagens iguais para sustentar um campo de jogo nivelado. Aumentam os conflitos na 20 Todos os bens produzidos em outros estados e vendido em São Paulo trazem um crédito fiscal nominal que reduz a arrecadação de impostos em São Paulo. Deve-se observar que o crédito é dado ainda que exista um desconto total do tributo arrecadado na origem. 46 federação à medida que as ameaças de mudança de localização tendem a igualar as condições em todos os lugares. No fim, os benefícios fiscais podem sair pela culatra. Com todos engajados na guerra, os benefícios tendem a se igualar, perdendo assim sua eficácia como instrumento para atrair investimentos. A essa altura, as decisões sobre investimento voltam ao básico: boa infraestrutura e boas condições sociais. Como os incentivos reduzem a capacidade financeira dos estados menos desenvolvidos para melhorar essas condições, eles estão fadados e perder a guerra. As disparidades regionais podem aumentar na ausência de uma política regional patrocinada pelo governo federal. Fonte: Prado e Cavalcanti (1999 e 2000) e Varsano (1997). ______________________________________________________________________ A competição entre os estados membros de uma federação é considerada por alguns benéfica do ponto de vista da eficiência. Dessa perspectiva, se os governos estaduais e municipais usam recursos públicos para criar um ambiente econômico e social melhor para pessoas e negócios, a competição promoverá a eficiência econômica e a satisfação social. Evidentemente, isso implica que as autoridades subnacionais tenham autonomia para decidir a alocação de seus recursos, sejam eles compostos de receitas próprias ou transferências. Como foi dito antes, essa condição não existe plenamente na federação brasileira, o que significa que, em nosso caso, a competição provoca distorções econômicas e injustiça social. 5. Integração regional, tributação e antagonismos: de volta ao futuro? 5.1. Globalização, integração econômica e disparidades regionais internas Junto com a globalização, os projetos de integração regional na América representam mais desafios para a federação brasileira. Ao serem implementados numa época de antagonismos exacerbados e governo federal fraco, esses projetos podem incentivar esses antagonismos de uma forma que pode se assemelhar aos primeiros dias do Império e às primeiras décadas republicanas. Ao lado da globalização das atividades financeiras e comerciais, a consolidação de blocos econômicos regionais impõe limites crescentes à autonomia dos Estados- 47 nações, como revelam o papel desempenhado pela OMC e a experiência da União Européia. Esta última propicia o exemplo mais importante de submissão da soberania nacional a um projeto comum de uma Europa poderosa. Passo a passo, a UE avança no sentido de uma harmonização total das políticas econômicas. Com a união monetária, serão necessários mais avanços na harmonização tributária, na área do imposto de renda. As metas de déficit fiscal e endividamento público praticamente não deixam espaço para a autonomia fiscal. Os regimes federativos são duplamente afetados no processo de integração regional. Do lado fiscal, a harmonização tributária implica perda de autonomia para tributar no nível estadual, enquanto que os constrangimentos macroeconômicos significam um controle mais rígido sobre o orçamento e o acesso ao crédito. Assim, a noção de autonomia na federação tem de ser reinterpretada. Uma maior autonomia para gastar, desde que observado o equilíbrio fiscal, poderia compensar os limites estreitos para a autonomia de tributar no nível estadual. Além disso, um maior recurso à cobrança de taxas de usuários de serviços públicos no nível local poderia aumentar a autonomia dos governos municipais, beneficiando principalmente as grandes cidades. A privatização da infra-estrutura e dos serviços urbanos também tira decisões importantes das mãos de prefeitos e governadores, uma vez que a cobertura de serviços públicos privatizados não tem de se conformar aos limites de cada jurisdição. Na medida em que o Estado troca a intervenção direta pela regulação, ganha destaque a necessidade de um aparato regulador eficiente, exigindo uma clara divisão de responsabilidades para a regulamentação na federação, o que o Brasil ainda não conseguiu resolver. Um aspecto importante a ser considerado são as conseqüências regionais da economia global. Não sem razão, a UE projetou desde o início uma política regional abrangente baseada em fundos a serem usados para melhorar as perspectivas econômicas de membros menos desenvolvidos do bloco. Receitas dos membros mais ricos são transferidas para os mais pobres (e para zonas pobres dos não tão pobres) a fim de incrementar sua infra-estrutura econômica, seus recursos humanos e padrões 48 tecnológicos, e dar a eles melhores condições para participar no mercado europeu, bem como na economia global. As disparidades regionais são objeto de grande preocupação no Brasil, bem como em outras grandes economias menos desenvolvidas. Um estudo recente, realizado pela Comissão Econômica para a América Latina, mostra que quatro dos seis setores que mais investiram na expansão da capacidade produtiva no Brasil no período 1995-97 – automotivo, eletrônico, farmacêutico e alimentício – são dominados por empresas multinacionais. O maior controle externo sobre decisões de investimento, baseadas em considerações estratégicas de acesso a mercados regionais, levanta dúvidas sobre seu impacto nas disparidades regionais internas. A probabilidade do estabelecimento de laços mais estreitos entre os estados do Sul e os países do Mercosul contribui para aumentar a preocupação nas regiões brasileiras menos desenvolvidas sobre as perspectivas de distribuição regional de produção e renda. Vale a pena observar que as novas fábricas de automóveis instaladas no Brasil nos anos 90 optaram por ficar mais perto da fronteira sul. Na economia global, a capacidade dos governos de tratar das desigualdades regionais internas depende ainda mais da cooperação. Os fatores tradicionais de localização industrial – mão-de-obra mal paga, disponibilidade de matéria-prima, proximidade de mercados consumidores e baixo grau de organização sindical – perdem força gravitacional numa época em que as facilidades para transportar bens e serviços a longa distância, o crescimento do comércio eletrônico e o abandono do antagonismo entre trabalho e capital tornam esses fatores obsoletos. A obsolescência dos fatores tradicionais de localização torna também ineficaz o uso de incentivos fiscais. No processo de harmonização tributária, não somente diminui o grau de liberdade para conceder benefícios fiscais para propósitos de política regional, como o incentivo à competitividade não permite a manutenção de soluções artificiais. Há sólidas razões para dizer que a integração na economia global e em blocos econômicos regionais poderia levar a maiores disparidades internas no Brasil, ao mesmo tempo em que poderia criar condições para o enfraquecimento do grau de coesão 49 nacional, ao possibilitar relações econômicas externas mais intensas e laços mais próximos com países vizinhos. A Amazônia oferece um bom exemplo disso. A economia da Amazônia brasileira já está conectada ao exterior. As relações econômicas da Amazônia com o hemisfério norte tendem a andar em ritmo acelerado, tendo em vista o potencial para exportar produtos derivados de seus recursos naturais – minérios, silvicultura e grãos, para não mencionar a bem conhecida riqueza biológica – para mercados ansiosos por consumir produtos naturais. As perspectivas de que os produtos da Zona Franca de Manaus atinjam os mercados de países do Caribe e dos Andes ficam melhores à medida que os investimentos em infra-estrutura facilitam o comércio no interior da bacia do Amazonas e no Caribe. A região nordeste também se defronta com novas possibilidades de cortar a dependência dos insumos e bens de capital vindos do Sul. Uma parte significativa das indústrias de manufatura tradicional já está se mudando para o Nordeste, a fim de se beneficiar dos baixos custos de produção e da proximidade de mercados externos. Na economia global, a industrialização do Nordeste não depende necessariamente dos produtos do Sul, uma vez que ela ganha acesso a máquinas e outros insumos do exterior, freqüentemente melhores em termos de qualidade e preço do que os produzidos no resto do país. Na região sul do Brasil, o Mercosul provoca expectativas pos itivas, enquanto que outras regiões vêm a integração econômica no cone sul como uma ameaça concreta ao objetivo nacional de um desenvolvimento regional menos desigual. O comércio no Mercosul já se multiplicou várias vezes desde sua criação, para benefício dos estados meridionais do Brasil. Além de causar um impacto significativo no fluxo de bens e serviços dentro da área, o Mercosul provocou um interesse crescente em investimentos cruzados na região. Vale a pena mencionar as posições dos investidores brasileiros na Argentina, por meio de investimentos diretos, aquisições e joint ventures, bem como de investidores argentinos no Brasil. O Chile, que não é membro pleno do bloco, também tem feito investimentos em ambos os países, especialmente na indústria da eletricidade. Alguns 50 sinais de outras melhoras nos laços culturais também se encontram na disseminação do interesse em aprender espanhol no Brasil e português na Argentina. A simulação do impacto regional interno da integração, em três cenários – ALCA, livre comércio com a UE e livre comércio com todos os parceiros comerciais do Brasil (IPEA 2001) – mostra que todas elas podem levar à concentração da atividade econômica nas áreas já mais desenvolvidas do território brasileiro e oferece provas empíricas para apoiar o argumento apresentado acima. Portanto, o que está em jogo é a possibilidade de desintegração nacional no processo de integração internacional. Para evitar essa resultado indesejável é necessário implementar uma política regional voltada para red uzir a distância entre as regiões brasileiras no que diz respeito a infra-estrutura, recursos humanos e acesso a tecnologias modernas. Do lado fiscal, é preciso harmonizar o sistema tributário nacional e avançar no sentido da harmonização tributária dentro do continente, substituindo velhos antagonismos por bem definidas regras de cooperação. 5.2. Política regional e coesão federal Uma conseqüência importante da integração econômica regional é a necessidade de integração física. Até muito recentemente, as conexões físicas do Brasil com os vizinhos de língua espanhola praticamente não existiam. As preocupações militares do passado não permitiam que os trilhos brasileiros e argentinos se encontrassem, bloqueando a utilização de ferrovias para transportar bens através das fronteiras. O transporte terrestre dentro do Mercosul baseia-se em conexões rodoviárias cujas condições elevam a níveis anormais o custo do transporte na região. Com exceção da energia comprada do Paraguai, decorrência da construção da hidrelétrica de Itaipu, totalmente financiada pelo Brasil, não havia intercâmbio de eletricidade. O mau funcionamento dos sistemas de comunicação também induzia ao isolamento. Os investimentos recentes, após a privatização da infra-estrutura na região, começaram a mudar a situação, principalmente nas telecomunicações. Dependendo da mobilização de recursos financeiros, um ambicioso projeto para melhorar as conexões físicas na América do Sul, quando implementado, levará a uma realidade diferente. Em 51 1999, o governo brasileiro anunciou investimentos de US$ 125 bilhões destinados a conectar as áreas mais dinâmicas do território brasileiro pelos “Eixos Nacionais de Desenvolvimento”. Entrementes, alguns projetos regionais importantes como a rodovia de Manaus para a Venezuela e o gasoduto Bolívia-Brasil já foram construídos. Com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, estão em andamento estudos para avançar rapidamente na integração física regional. O levantamento das barreiras físicas ao movimento de bens dentro do Mercosul e no continente como um todo terá importantes impactos geográficos. Embora a mão de-obra seja um fator perfeitamente móvel no Brasil, as diferenças marcantes na qualidade da força de trabalho significam que atrair gente de outras regiões não vai resolver facilmente a escassez de mão -de-obra qualificada no Sul moderno. Na verdade, a mobilidade da mão -de-obra costuma contribuir para piorar as condições para a competitividade global, ao aglomerar uma população mal preparada na periferia das cid ades mais industrializadas. À medida que as barreiras sociais e culturais também comecem a cair, a escassez de mão-de-obra especializada no Sul do Brasil poderá ser suprida por trabalhadores mais instruídos de países vizinhos, levando a ressentimentos e exigências de restrições ao movimento da mão -de-obra no continente. Se as conexões físicas avançarem em ritmo acelerado e a mobilidade da mão-deobra não sofrer restrições, talvez seja necessária uma abordagem comum da política regional. À medida que começam a se concretizar para as regiões brasileiras e seus respectivos estados as oportunidades de lucrar com a intensificação dos laços econômicos com países vizinhos, as possibilidades de reduzir as diferenças regionais ganham novas dimensões. O aumento da competição entre regiões e estados pode ser um substituto para regras uniformes e políticas compensatórias do governo federal. A principal meta da política regional deveria ser o apoio a políticas voltadas para a criação de um ambiente econômico amigável e não a concessão de subsídios ou isenção de impostos. Isso significa, como já observamos, um esforço conjunto do governo federal e dos estados para criar uma infra-estrutura moderna, aumentar a 52 qualidade dos recursos humanos e investir na capacidade de gerar e aplicar conhecimento científico aos objetivos econômicos e sociais. Um passo no sentido de devolver o poder de tomar decisões em matérias relacionadas com as relações trabalhistas no Brasil foi dado com a decisão de deixar que os estados estabeleçam salários mínimos acima do teto federal. Como o salário mínimo tem um impacto significativo nas contas públicas, principalmente na dívida da previdência social, ele foi mantido em níveis muito baixos por motivos alheios aos interesses tanto dos trabalhadores como dos empregadores dos setores econômicos modernos. Desde que essa medida foi adotada, alguns estados aumentaram o salário mínimo dentro de seu território. Apesar do que foi dito acima, as propostas para enfrentar os desafios apresentados pela globalização e a integração econômica regional apontam para uma menor autonomia dos estados em questões fiscais e reguladoras. A maioria das propostas de reforma tributária inclui uma lei federal para unificar as regras aplicadas ao imposto estadual sobre valor agregado, ao mesmo tempo em que a tendência à padronização dos critérios usados para transferir receitas do governo federal para cobrir o financiamento dos serviços sociais também significa menos autonomia para os estados na administração de seus orçamentos. O espaço para a interferência dos estados na regulamentação também foi diminuído. A legislação federal relativa às duas áreas mais importantes em processo de privatização – telecomunicações e eletricidade – dá aos estados um papel apenas secundário na s upervisão das ações das empresas privatizadas, deixando para órgãos federais as decisões mais importantes referentes ao funcionamento dessas empresas. Tendo em vista sua importância para o objetivo da autonomia federal e o sucesso da integração regional, a reforma tributária tem estado na agenda nos últimos doze anos, sem encontrar um modo de harmonizar os conflitos de interesse envolvidos em qualquer tentativa de promover mudanças estruturais profundas no sistema tributário. Enquanto o setor privado enfat iza a urgência de uma reforma para estabelecer um campo nivelado para a competição com os estrangeiros, os estados e municípios temem que qualquer 53 mudança no regime atual invada sua autonomia de levantar receitas e dispor dos recursos arrecadados em suas jurisdições. 5.3. Reforma tributária, integração e autonomia federativa Há um amplo consenso sobre a inadequação do sistema tributário brasileiro. Ele prejudica a competição nos mercados interno e externo, atrapalha a eficiência econômica, representa um peso adicional sobre os investimentos, induz à evasão fiscal e submete os contribuintes a uma legislação complexa. Apesar disso, fracassaram todas as tentativas de reforma nos últimos quinze anos. Um dos pontos em disputa é uma associação incorreta entre harmonização e unificação. Os governos estaduais opõem-se às tentativas de retirar sua competência para instituir o imposto sobre valor agregado que eles administram desde 1965. Um forte temor de encarar a necessidade de mudar a espinha do federalismo fis cal estabelecida há 35 anos é outro motivo para o fracasso. Sem a coragem de redesenhar os mecanismos de participação na receita consagrados na Constituição, são poucas as chances de resolver os conflitos de interesse. Não é necessário unificar, mas sim harmonizar. A harmonização requer uma base comum do imposto sobre consumo, mas não necessariamente alíquotas uniformes. Ampliar a base da tributação e aplicar bases uniformes em todo o país é a maneira de conseguir a harmonização tributária. Isso coloca novos desafios para garantir o equilíbrio fiscal em regimes federais com grandes desigualdades regionais. A combinação tradicional de dar poder de tributar aos estados e municípios e criar transferências compensatórias para atender às necessidades dos economicamente atrasados não se sustenta. A necessidade de partilhar uma ampla base do imposto sobre consumo precisa ser examinada agora. Compartilhar o imposto não é o mesmo que compartilhar seu produto. Neste último caso, o sistema fiscal é totalmente centralizado e as receitas do imposto federal são divididas de acordo com uma fórmula específica. Quando o imposto é compartilhado, ambos os governos, central e estadual, têm o direito de explorar a 54 mesma base tributária, sob uma legislação comum. A autonomia para estabelecer as regras da tributação é posta conjuntamente nas mãos do Parlamento nacional, mas ambos os parceiros retêm a capacidade de estabelecer alíquotas, arrecadar e dispor de sua parte. Uma base tributária comum e uma legislação nacional formam um poderoso incentivo para a cooperação intergovernamental no campo da administração tributária, trazendo benefícios para os contribuintes e administradores. Do lado do contribuinte, uma regra uniforme para o cumprimento de suas obrigações fiscais significa menores custos administrativos e ausência da necessidade de recorrer a jurisdições distintas para solucionar divergências de interpretação. Do lado dos administradores de impostos, a unificação dos registros tributários e auditorias conjuntas aumentam a eficiência, reduzem a evasão fiscal e minimizam os custos administrativos. Com um imposto sobre consumo harmonizado e aplicado segundo o princípio de destino, a competição para atrair atividades econômicas mediante benefícios fiscais terá impacto somente sobre as receitas daqueles que fazem essas concessões, removendo o principal motivo da guerra fiscal. O desenvolvimento econômico terá de se basear mais nos meios de melhorar a infra-estrutura, os serviços urbanos e os programas sociais, com ênfase na educação básica e na saúde. A cooperação intergovernamental nos gastos públicos, para implementar essas políticas, é a contraparte da partilha do imposto. Ao compartilhar uma ampla base de imposto sobre consumo, a distribuição de receita na federação mantém uma associação estreita com o nível de renda e consumo em cada membro da federação. Desse modo, as transferências compensatórias podem ser reduzidas a níveis exigidos para manter um padrão mínimo de serviços em todo o país, possibilitando um papel maior dos go vernos locais na provisão de serviços urbanos e sociais. A estabilidade no sistema tributário é outra vantagem importante da partilha do imposto. Quando uma ampla base tributária é compartilhada numa federação, é menos provável que ocorram mudanças freqüentes na legislação, pois as propostas exigirão apoio suficiente para superar as reações daqueles que podem não estar de acordo com a modificação pretendida. Vale a pena observar que a estabilidade das regras fiscais 55 torna-se ainda mais importante com o avanço da globalização e da integração regional, tendo em vista sua importância para atrair investimentos e para as decisões de aumentar a capacidade produtiva. As oportunidades para aplicar o princípio do benefício da tributação também aumentam com a possib ilidade de exercer maior autonomia no nível local. As grandes cidades desempenham um papel importante na economia global, ao mesmo tempo em que enfrentam dificuldades crescentes para casar receitas e despesas. Os impostos locais sobre propriedade e sobre vendas ao consumidor não criam distorções econômicas e podem assim ser usados. As taxas impostas aos beneficiários de serviços públicos municipais também podem ser importantes para melhorar as finanças públicas locais. Por outro lado, a ênfase na microeconomia deixa de lado considerações de eqüidade na tributação. A progressividade na tributação da renda é afetada pela crescente mobilidade do capital e dos empregos mais bem pagos. A aplicação de impostos seletivos sobre consumo também é constrangida pela competição nos mercados interno e internacional. Desse modo, uma melhor maneira de alcançar a eqüidade pode ser por meio da concessão de prioridade a programas públicos destinados a igualar oportunidades de mobilidade social no uso de recursos públicos. A carga tributária total também está submetida a constrangimentos internacionais e a padrões macroeconômicos de política fiscal saudável. A eficiência nos gastos públicos é o único meio para manter um nível adequado de serviços públicos sem ultrapassar os limites para tributar. No Brasil, e provavelmente em outras federações, os antagonismos entre os estados ganharam novo ímpeto, como demonstra a guerra fiscal. Os antagonismos manifestam-se também por meio de crescentes ressentimentos dos contribuintes dos estados mais ricos com relação à alta carga tributária exigida para sustentar generosos incentivos fiscais e transferências que, com freqüência, beneficiam as pessoas mais ricas que vivem nas regiões mais pobres do país. A predominância de antagonismos ainda não favorece a instalação de um federalismo cooperativo. Ao contrário, a busca de ganhos individuais, inclusive mediante a melhoria das relações econômicas externas, às custas de um maior 56 intercâmbio com outras regiões do país, pode ser considerada, à primeira vista, mais lucrativa do ponto de vista de cada estado em particular da federação. A probabilidade de uma desintegração econômica nacional junto com o aprofundamento da integração internacional não deve, portanto, ser descartada. 6. Conclusão Desde o início da década passada, o Brasil esteve engajado num esforço de realizar reformas institucionais para se integrar melhor na economia global. A agenda dessas reformas era ampla, incluindo privatização de empresas públicas, abolição de monopólios estatais, reforma do setor financeiro, modernização da administração pública, reforma da previdência social e modernização do sistema tributário. Muitas delas têm implicações importantes do ponto de vista da federação que não receberam atenção. Suas maiores prioridades eram a conquista e a sustentabilidade da estabilização macroeconômica. Nesse processo de enfatizar a estabilidade da moeda, o desenvolvimento econômico e a autonomia federal foram negativamente afetados. Como mencionado anteriormente, os estados foram forçados a privatizar os bancos estaduais como parte de um acordo para renegociar suas dívidas para com o governo federal. Ao mesmo tempo, estabeleceram-se condições mais duras para bloquear o acesso dos estados e municípios ao crédito, inclusive empréstimos privados e multilaterais. Com sua capacidade de arrecadar impostos prejudicada por uma taxa de crescimento lenta e a disseminação das atividades informais, eles se tornaram mais dependentes dos recursos federais para financiar até mesmo seus gastos sociais básicos. Enquanto o esforço nacional estava centrado na manutenção das metas estabelecidas para o superávit primário, os serviços públicos se deterioraram em detrimento dos pobres, que dependem deles para suprir suas necessidades básicas. A agenda das reformas esqueceu um aspecto importante para tratar melhor das questões federativas , a saber, a política regional. No contexto de uma economia fechada 57 e um estado fortemente intervencionista, que prevalecia nos anos 80, a política regional se b aseava nos benefícios fiscais federais para investimentos privados em regiões menos desenvolvidas e em pesados investimentos públicos financiados pelo orçamento federal ou comandados por empresas públicas, principalmente em infra-estrutura. Ambos desaparec eram em conseqüência da crise fiscal e do programa de privatização, deixando a questão regional nas mãos dos estados. Apesar de sua necessidade, uma nova política regional ainda não foi considerada prioridade na agenda do governo federal. Sem ações combinadas para criar condições favoráveis à descentralização da produção e da renda, o antagonismo na federação certamente crescerá, criando instabilidade política e tornando mais difícil avançar rapidamente na implementação da agenda de reformas. Embora no topo dessa agenda, a mudança do sistema tributário fracassou por não dar a devida atenção a fatores que apontam para um maior desequilíbrio regional. A ênfase na competição mundial e as forças centrífugas que se desenvolvem na esteira da integração regional exigem a inserção da questão regional interna no processo de criação de um novo sistema tributário, a fim de remover os obstáculos que impedem o avanço da reforma tributária. Para atingir o duplo objetivo de competitividade e equilíbrio regional, a reforma tributária deve enfrentar questões controvertidas embutidas nos arranjos federais estabelecidos na metade dos anos 60 e intocados em 1988. Nessa revisão, deve-se obter um equilíbrio apropriado entre competição e cooperação na federação. A autonomia para estabelecer alíquotas e a liberdade para dispor de receitas permitem que os estados compitam para atrair investimentos privados por meio da prudência fiscal e da qualidade dos serviços públicos oferecidos. Porém, uma competição justa não exclui a necess idade de cooperação. A fim de evitar um aumento das disparidades regionais e dos antagonismos, é necessária a cooperação intergovernamental para reduzir as distâncias internas em infra-estrutura, recursos humanos e capacidades tecnológicas. 58 Referências bibliográficas AFONSO, J. R., ARAUJO, E. A., R EZENDE, F., VARSANO, R. A Tributação Brasileira e o Novo Ambiente Econômico: A Reforma Tributária Inevitável e Urgente. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, p. 137-170, jun. 2000. ____________, REZENDE , F., VARSANO, R. Reforma tributária no Plano Constitucional: Uma Proposta para o Debate. 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Brasília: Ipea, set. 1995 (Texto para Discussão, 382). 64 APÊNDICE ESTATÍSTICO TABELA A. 1 BRASIL – Dados gerais da economia, 2000 PIB US$ 593,8 bilhões 169,8 milhões População Renda per capita 3,5 mil Inflação 9,81% IGP _DI Taxa de câmbio 1,83 (média/2000) Dívida líquida do setor 49,5% do PIB (dec./2000 ) público 4,50% do PIB Déficit público 1/ Carga tributária 32,7% do PIB Fonte: IBGE, Bacen e Araújo (2001). 1/ Inclui governos subnacionais e empresas estatais. 65 TABELA A. 2 Brasil: Indicadores socioeconômicos selecionados, 1999 População 1/ PIB 2/ % Total % Total PIB per capita US$ Mortalidade Taxa de infantil analfabetismo 4/ Taxa 3/ Habitação satisfatória Condições 5/ % Total Brasil 100,0 100,0 3.154 34,6 13,3 62,3 Norte Rondônia Acre Amazonas Roraima Pará Amapá Tocantins Nordeste Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Sudeste Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo Sul Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul Centro Oeste Mato Grosso do Sul Mato Grosso Goiás Distrito Federal 7,6 0,8 0,3 1,6 0,2 3,6 0,3 0,7 28,2 3,3 1,7 4,4 1,6 4,4 0,5 0,2 1,6 0,1 1,7 0,2 0,2 13,1 0,8 0,5 2,0 0,8 1.857 2.009 1.548 3.064 1.405 1.486 1.864 1.007 1.468 770 912 1.446 1.515 34,1 31,6 44,2 31,8 38,3 34,6 31,7 33,0 53,0 54,2 45,3 52,4 48,7 11,6 9,6 15,5 8,8 8,6 12,4 9,5 21,0 26,6 28,8 31,6 27,8 25,5 13,6 6,7 22,7 27,5 11,5 11,4 1,3 2,4 32,5 11,1 5,7 26,3 31,2 2,0 4,7 1,7 1,0 7,7 42,6 10,5 1,8 8,5 21,8 14,8 5,6 3,2 6,0 6,8 1,2 0,8 2,7 0,7 0,6 4,3 58,3 9,6 1,9 11,7 34,9 17,7 6,3 3,7 7,7 6,4 1,1 1.262 1.802 1.250 1.679 1.762 4.309 2.879 3.342 4.366 5.060 3.779 3.542 3.668 4.307 2.880 2.887 60,3 58,2 66,1 45,5 45,4 24,4 26,3 26,0 24,4 21,9 20,7 24,3 22,2 18,4 24,5 24,4 25,9 24,7 32,8 23,9 24,7 7,8 12,2 11,1 6,0 6,2 7,8 10,2 6,8 6,1 10,8 10,9 40,6 36,5 19,3 36,5 44,3 85,5 82,4 71,7 77,3 91,1 53,5 46,9 51,8 60,1 40,5 9,8 1,5 2,9 1,2 1,2 1,8 2,3 2.580 1.980 6.008 27,5 25,0 22,6 11,8 12,5 5,1 24,0 38,6 89,9 Fonte: IBGE (Contas Regionais do Brasil, 1999 e Síntese dos Indicadores Sociais, 2000). 1/ População total = 167.909.738 habitantes. 2/ PIB = US$ 529, 6 bilhões. 3/ Por mil nascidos vivos. 4/ Pessoas com 15 anos ou mais. 5/ Moradias urbanas ligadas a sistemas de água e esgoto (ou fossa séptica) e acesso a serviços de coleta de lixo. 66 TABELA A. 3 Participação de cada nível de governo na arrecadação dos próprios impostos 1960, 1965, 1970/2000e 1960 1965 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Receita tributária total % do PIB 17,4 19,0 26,0 25,3 26,0 25,0 25,1 25,2 25,1 25,6 25,7 24,7 24,5 25,3 26,3 27,0 24,3 24,1 26,2 23,8 22,4 24,1 28,8 25,2 25,0 25,8 29,8 29,4 29,1 29,6 29,6 31,7 32,7 Federal Total 64,0 63,6 66,7 68,7 69,7 71,1 72,3 73,7 75,4 76,0 75,1 74,8 74,7 75,4 75,9 76,5 73,6 72,7 70,5 72,3 71,7 67,5 67,0 63,4 66,1 68,6 67,9 66,0 65,3 66,2 67,0 68,1 67,3 Estadual Local 31,3 30,8 30,6 28,6 27,7 26,3 25,4 23,5 21,6 21,1 22,2 21,8 21,6 21,3 21,4 20,6 23,7 24,9 27,0 25,2 25,6 29,9 29,6 31,2 29,1 26,6 27,1 28,6 29,6 28,8 27,5 26,9 27,7 4,7 5,6 2,7 2,7 2,6 2,5 2,3 2,8 3,0 2,9 2,8 3,4 3,7 3,3 2,7 2,8 2,7 2,4 2,5 2,5 2,7 2,7 3,4 5,4 4,8 4,7 5,1 5,4 5,1 5,0 5,5 5,0 5,0 Impostos Contribuições 1/ Sociais 2/ 64,0 63,6 66,7 67,9 67,6 68,0 68,5 69,4 70,7 71,1 70,1 70,1 70,5 71,2 71,1 70,7 68,0 66,8 63,8 66,1 66,8 59,3 55,8 52,1 54,9 55,4 48,8 51,5 51,9 50,9 52,4 50,0 47,2 0,8 2,1 3,1 3,8 4,3 4,7 4,9 5,0 4,7 4,2 4,2 4,8 5,8 5,7 5,9 6,7 6,2 4,9 8,1 11,2 11,4 11,3 13,2 19,0 14,5 13,5 15,4 14,6 18,1 20,1 Fonte: Varsano et allii (1998) e Araújo(2001). 1/ Impostos, contribuições para a previdência social e seguro desemprego. 2/ Impostos sobre transações, sobre transações financeiras e sobre lucro líquido. 67 TABLE A. 4 Participação de cada nível de governo nas receitas tributárias disponíveis: 1960, 1965, 1970/2000e 1960 1965 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Receita tributária total % do PIB 17,4 19,0 26,0 25,3 26,0 25,0 25,1 25,2 25,1 25,6 25,7 24,7 24,5 25,3 26,3 27,0 24,3 24,1 26,2 23,8 22,4 24,1 28,8 25,2 25,0 25,8 29,8 29,4 29,1 29,6 29,6 31,7 32,7 Federal Total 59,5 54,8 60,8 62,8 63,8 64,5 66,4 68,0 68,1 69,1 68,1 68,0 68,2 68,4 69,0 69,8 65,8 62,7 60,9 64,1 60,1 61,1 58,9 54,6 56,9 57,8 59,3 56,2 56,0 56,2 56,2 57,0 56,7 Estadual Local Imposto Contribuições s 1/ Sociais 2/ 59,5 54,8 60,8 62,1 61,8 61,4 62,6 63,7 63,5 64,2 63,1 63,3 64,0 64,3 64,1 64,0 60,1 56,7 54,2 58,0 55,2 52,9 47,7 43,2 45,6 44,6 40,3 41,7 42,6 40,9 41,6 38,9 36,7 0,8 2,1 3,1 3,8 4,3 4,7 4,9 5,0 4,7 4,2 4,2 4,8 5,8 5,7 5,9 6,7 6,2 4,9 8,1 11,2 11,4 11,3 13,2 19,0 14,5 13,5 15,4 14,6 18,1 20,1 34,1 35,1 29,2 27,3 26,9 26,3 25,2 23,3 23,1 22,3 23,3 22,7 23,3 22,3 22,1 21,3 24,1 26,2 27,0 23,3 26,6 25,0 27,6 29,6 28,1 26,4 25,1 27,2 27,6 27,7 26,6 26,0 26,4 6,4 10,1 10,0 9,9 9,2 9,2 8,4 8,7 8,8 8,6 8,6 9,3 8,6 9,3 8,9 8,9 10,1 11,1 12,1 12,6 13,3 13,9 13,5 15,7 14,9 15,8 15,6 16,6 16,3 16,1 17,2 17,0 16,9 Fonte: Varsano et allii (1998) e Araújo(2001). 1/ Impostos, contribuições para a previdência social e seguro desemprego. 2/ Impostos sobre transações, sobre transações financeiras e sobre lucro líquido. 68 TABELA A. 5 Composição da receita tributária - 1980/2000e (% da carga tributária total) Bens e Serviços Carga tributá Folha de Imposto Comércio Imposto Proprieda- Renda/ pagamen ria total sobre exterior de Lucros Total sobre Outros (% do to valor transações PIB) agregado 1980 22,8 3,1 43,7 31,0 12,7 1,2 13,2 28,2 10,7 1981 23,3 2,5 43,9 30,6 13,3 1,4 14,4 29,7 8,0 1982 24,7 2,0 42,1 29,5 12,6 1,3 14,0 32,9 7,7 1983 25,0 1,8 41,0 28,6 12,4 0,9 17,0 29,7 9,6 1984 24,1 1,7 39,9 27,7 12,2 0,9 19,7 27,2 10,6 1985 24,1 1,7 41,7 30,2 11,5 0,7 21,3 26,4 8,2 1986 26,3 1,8 44,9 32,4 12,5 1,2 19,1 27,2 5,8 1987 23,8 1,7 45,6 33,3 12,4 1,0 18,1 26,9 6,7 1988 22,4 1,9 44,0 33,6 10,4 0,9 20,9 25,7 6,5 1989 24,1 1,8 45,3 35,7 9,6 0,5 21,4 27,1 3,9 1990 28,8 1,3 48,9 33,5 15,4 1,0 19,7 25,4 3,7 1991 25,2 1,6 49,7 35,3 14,4 2,1 16,5 24,1 5,9 1992 25,0 1,6 47,4 34,9 12,4 1,4 19,6 25,2 4,8 1993 25,8 1,7 47,5 32,9 14,6 1,0 18,0 26,9 4,8 1994 29,7 1,7 51,6 32,1 19,5 1,3 16,1 24,6 4,6 1995 29,4 2,6 46,7 31,9 14,8 2,7 19,3 24,4 4,3 1996 29,1 1,9 45,4 31,6 13,8 2,9 16,3 27,0 6,5 1997 1998 29,6 29,6 2,0 2,4 45,3 43,8 29,5 28,3 15,9 15,5 3,2 3,3 15,5 17,5 26,2 26,9 7,8 6,0 1999 31,7 2,6 46,8 27,5 19,2 3,0 17,0 25,1 5,5 2000 32,7 2,4 48,4 28,1 20,3 3,0 16,0 23,7 6,5 Fonte: Varsano et allii (1998) e Araújo(2001). e/ e/ preliminar. 69 TABELA A. 6 Itens selecionados de gastos dos governos estaduais e municipais: 1996 e 2000 Estados 1/ 1996 2000 Pessoal Salários Pensões 3/ Encargos sociais Formação de capital fixo Financeiros Juros Amortizações Outros Total 6,8 4,2 1,8 0,9 0,8 2,3 0,6 1,1 0,5 9,8 6,2 3,9 2,0 0,2 0,9 1,8 0,7 0,6 0,5 9,0 Municípios 2/ 1996 2000 % PIB 2,4 3,0 2,1 2,4 0,3 0,3 sd 0,3 1,1 0,7 0,4 0,2 0,1 0,1 0,2 0,1 0,0 0,0 4,0 3,9 Total 1996 2000 9,2 6,3 2,1 0,9 1,9 2,7 0,8 1,3 0,6 13,8 9,2 6,3 2,3 0,5 1,7 2,0 0,8 0,7 0,5 12,9 1/ Dados de 1996 de IBGE, “Despesas Públicas por Funções, 1996-1998”. Para 2000 a fonte é a Secretaria do Tesouro Nacional – STN. 2/ Dados de pessoal, formação de capital fixo e outras despesas financeiras são de STN, “Finanças do Brasil, 1996”. Juros e amortização da dívida pública vêm de IBGE “Regionalização das Transações do Setor Público 1991-1998” Todos os dados para 2000 são da STN. 3/ 1996 o número de funcionários municipais aposentados é uma estimativa baseada em transferências municipais reais para indivíduos. Para 2000, este item inclui pensões pagas a servidores públicos aposentados e beneficiários dos funcionários falecidos. 70 TABELA A. 7 Necessidades de empréstimos do setor público: 1995 – 2001 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 3/ Nominal (% PIB) Gov.Federal & BancoCentral Estados 2/ Municípios Empresas estatais 7,2 2,3 3,6 5,9 2,6 2,7 6,1 2,6 3,0 1,3 0,6 0,4 8,0 5,5 1,8 0,2 0,5 10,5 7,4 2,7 0,5 -0,1 4,5 3,1 1,8 0,3 -0,7 7,5 5,6 2,0 0,1 -0,1 Primário (% PIB) Gov.Federal & BancoCentral Estados 2/ Municípios Empresas estatais -0,4 -0,6 0,2 0,1 -0,4 0,6 1,0 0,3 0,7 0,1 -0,1 -0,1 0,0 -0,6 0,4 -0,2 0,3 -3,3 -2,4 -0,2 -0,1 -0,7 -3,5 -1,9 -0,4 -0,1 -1,1 -4,7 -2,9 -0,8 -0,3 -0,8 Taxa de juro nominal (% PIB) Gov.Federal & BancoCentral Estados 2/ Municípios Empresas estatais 7,6 5,8 5,1 8,0 13,8 7,9 12,2 2,9 3,4 2,9 2,2 2,3 2,3 1,3 0,7 0,5 6,0 1,4 0,4 0,2 9,8 2,9 0,5 0,6 5,0 2,2 0,4 0,3 8,4 2,7 0,4 0,6 PIB (US$ bilhões) 4/ 702,4 778,9 806,2 787,7 529,6 593,8 Fonte: Bacen (Banco Central do Brasil). Superávit (valores negativos); Déficit (valores positivos). Não inclui receitas da privatização. 2/ Governos estaduais e municipais até 1997. A partir de 1998, somente governos estaduais. 3/ Resultados para janeiro-julho. 4/ Taxa de câmbio média usada para estimar valores em US$. 71