Língua Portuguesa: por quê? Valéria Gomes Lopes O ensino de Língua Portuguesa, nos diferentes níveis da Educação Básica, tem se reduzido, na maioria das escolas, ao ensino da Gramática Normativa centrado na taxonomia e no elenco e análise de funções o qual, muitas das vezes, negligencia a variabilidade dos usos linguísticos e a capacidade de leitura, compreensão e expressão escrita de nossos alunos. Contraditoriamente, esse esforço direcionado à gramática normativa não tem como resultado a realização do desejo dos professores de que os alunos se tornem sujeitos de suas expressões com capacidade de comunicação universal. Constata‐se que muitas gerações têm saído da escola afirmando: “− Português é muito difícil”; “− Não sei nada de português”; “− Detesto português”. Como é possível legitimar esse discurso quando nossos alunos são usuários não apenas potenciais de sua língua materna, mas também eficientes? Por outro lado, é necessário assumir que “a língua não é um sistema uno, invariado, mas, necessariamente, abriga um conjunto de variantes” (NEVES, 2009). Além disso, ao valorizar uma “norma‐padrão”, é preciso ter claro que se está colocando em destaque, também, um conjunto sociopolíticocultural, pois a língua é a maneira pela qual interagimos com o mundo, pensamos sobre o mundo, lemos o mundo. A partir da alfabetização, há que se considerar, sempre, a experiência de relacionamento escolar com essa aprendizagem específica e a apropriação que cada aluno vem fazendo dessa disciplina. O que se nota é que há uma dicotomia entre a língua que cada um utiliza e a estudada na escola. Ela trabalha com a conscientização das estruturas e dos fenômenos linguísticos a fim de que, pessoalmente, o aluno possa melhorar a expressão que já tem ou a compreensão dos fenômenos que já vivencia. Contudo, os falantes, de modo geral, não conseguem reconhecer as tramas que são analisadas, em sala de aula, como pano de fundo de sua língua cotidiana. Nesse sentido, o grande desafio é resgatar “o fio vermelho” que possa unir o sujeito à sua forma de expressão mais natural – sua língua materna. Madalena Freire, em sua obra Educador, afirma: “Uma coisa é escrever, ser escritor‐
reprodutor e reapresentador da linguagem escrita. Outra é, no exercício disciplinado da escrita, tornar‐se escritor‐sujeito‐produtor de linguagem escrita”. O fato é que ensinar uma disciplina é desvendar a linguagem daquele mundo e ajudar o aluno a ser usuário, preferencialmente, criativo dessa linguagem. Por isso, a nossa cadeira não pode ser concebida aleatoriamente. Ela deve estar intimamente ligada ao contexto das demais disciplinas. O ensino da língua materna, então, precisa ser pensado em consonância com o que a educação, como um todo, almeja alcançar: educar integralmente a pessoa humana, para que seja capaz de pensar criticamente e de analisar os problemas da sociedade, procurando suas soluções e responsabilidades sociais daí decorrentes. Na medida em que o ensino de língua visa à leitura proficiente, ou seja, aquela em que o leitor não só apreende os significados existentes nos textos, mas também os confronta consigo, com o seu conhecimento de mundo, e visa à escrita que revela a existência de um sujeito, à construção da autoria, nosso trabalho com a Língua Portuguesa quer ser um farol a iluminar a busca de sentido que caracteriza a espécie humana. Sendo assim, adotamos uma concepção de língua como “lugar de interação” (KOCH, 2003), no qual, pela exigência real da vida e dos relacionamentos, ela seja o meio pelo qual o sujeito responda à vida de maneira eficiente; ou seja, por meio da língua, o sujeito se revele, transmitindo o que julgar necessário, seja do ponto de vista objetivo, seja do ponto de vista da expressão da experiência humana que lhe reduziria a solidão. Por isso, a relação sujeito‐língua‐texto é altamente complexa, pois, embora exista um sentido subjacente ao texto, resultante da harmonia solidária entre as partes que o constitui, é no diálogo entre um eu e um tu históricos, mediado pela língua, que os sentidos vão sendo reconhecidos, construídos, ampliados, transformados. Também a interação entre os textos há que ser constantemente considerada. Assim, quanto mais se lê, possivelmente melhor se lerá o texto seguinte. Já escrever, segundo Madalena Freire, dá medo; porque, na escrita, o sujeito se revela, se compromete. Como superar o medo de escrever, então? Como desejar comprometer‐se? Um caminho possível é a revalorização da autoridade e da tradição, pois, assim, o sujeito não parte do nada, mas de uma hipótese oferecida pela natureza, sendo conduzido, amparado, provocado por “algo ou alguém que o faz crescer” (CANALLE, 2005). Sendo assim, as aulas de Língua Portuguesa desejam ser o lugar no qual se percorre e se verifica este caminho: partir dos anseios do homem, de suas experiências mais profundas e elementares como base para todas as leituras e escrituras de textos que virão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003b.
FORNAZIERI, Cecília Canalle. Identidade e Criação: o encontro com a autoridade
e a tradição como fatores constitutivos do sujeito, tese de doutorado, FEUSP,
2005.
FREIRE, Madalena. Educador. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. 2ª.ed.São Paulo:
Cortez, 2003.
NEVES, Maria Helena de Moura. Que Gramática Estudar na Escola? São Paulo:
Contexto, 2003.
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LOPES, Valeria Gomes. Língua Portuguesa: por quê? Rio de Janeiro