VII Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade Universidade Federal de Sergipe São Cristovão/Brasil 19 a 21 de setembro de 2013 Igualdade e diferença numa escola para todos. Pode a escola ser outra coisa? António Teodoro Professor Catedrático da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Lisboa. Professor Visitante da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), S. Paulo. Escola: um localismo globalizado A escola desenvolve-se por isomorfismo no mundo moderno A escola como lugar central de construção da modernidade Modelo escolar Ensinar a muitos como se fosse a um só Ensinar a todos do mesmo modo, com o mesmo ritmo e as mesmas estratégias Gramática da escola Gramática da escola (“grammar schooling”) define-se como o conjunto persistente de características organizacionais e de estruturas que, para além de todas as reformas e mudanças, se vai mantendo como característico do modelo escolar David Tyack e Larry Cuban (1995). Tinkering toward Utopia. A Century of Public Reform. Cambridge, MA: Harvard University Press. Elementos da gramática da escola - A classe/turma, como organização nuclear (o mais homogénea possível em termos de idade, cultura, origem social e conhecimentos) - Avaliação (o teste/exame como a verificação de que o aluno aprendeu o que o professor ensinou) Gramática da escola - O tempo escolar (os 50 minutos como a base da organização do horário) - A organização curricular (a disciplina como centro da organização do saber escolar) - A organização da sala (as carteiras/mesas em fila voltadas para o professor, centro de toda a atividade na sala de aula) Escola e modernidade Uniformização linguística e cultural Invenção da cidadania nacional Afirmação do Estado-Nação Paradoxo da escola Nunca tantos deixaram de acreditar na escola, nunca tantos a desejaram e a procuraram, nunca tantos a criticaram e nunca tantos tiveram tantas dúvidas sobre o sentido da sua mudança - João Barroso A escola pode tudo - Democratizar a sociedade, pois constitui a principal instância de mobilidade social ascendente, valorizando os melhores independentemente da sua condição social - Desenvolver o País, pois a ciência e a qualificação dos recursos humanos constituem os elementos centrais nos processos de desenvolvimento económico e social - Criar um mundo de justiça, de paz e de solidariedade, pois a escola é uma instância fundamental na preservação e difusão desses valores universais A crise da escola - A escola (pública) não ensina: o nível de ensino está cada vez mais baixo - A escola não prepara para o mundo do trabalho: as formações existentes e a preparação fornecida não são aquelas que a actividade económica necessita - A escola é reprodutora das desigualdades, acentuando-as: o fracasso escolar massivo nas camadas populares aí está a demonstrá-lo - A escola não forma para os valores da solidariedade, da justiça e da paz: a violência, o tráfico, o ganhar sem regras e limites, o consumismo, tornam-se valores dominantes A escola como instância social: nem paraíso nem inferno A importância de trazer para o debate público, transformando-o em senso comum, o conhecimento produzido no âmbito das Ciências Sociais sobre os processos e as políticas educacionais A necessidade de ultrapassar esta visão maniqueista, que ora atribui à educação (e à escola) todas as responsabilidades no desenvolvimento das sociedades, ora a responsabiliza por todos os males sociais Os professores, neste contexto, tanto são vistos como os salvadores da Pátria, como um grupo de malandros que não quer trabalhar ou que o faz sem qualquer ética ou qualificação Educação e desenvolvimento As Ciências Sociais mostram que não há uma relação directa entre educação (escolarização de massas) e desenvolvimento (crescimento) económico Mas também mostram que não há desenvolvimento sustentado sem qualificação do trabalho, sem investigação científica, sem um ambiente cultural e social (que alguns sociólogos designam por capital social) gerador de inovação, de responsabilidade social e de participação cívica. Educação e justiça social As Ciências Sociais (em particular, a Sociologia da Educação) mostraram que a escola é uma instância de reprodução social e cultural, desfazendo o mito da escola meritocrática, ou seja, da escola como uma instância neutra que selecciona os melhores Mas as Ciências Sociais também mostram que a procura de educação está intimamente ligada à aspiração a uma vida melhor de um conjunto de camadas e grupos sociais que vêem na educação o (quase) único meio de ascensão social ao seu dispor (a melhor herança que te posso deixar é um curso, dizem muitos pais a seus filhos) Educação e emprego As Ciências Sociais mostram que não há uma relação directa entre formação e emprego. Num país com os níveis de desenvolvimento do Brasil, há muitos bacharéis ou licenciados no desemprego, ou subaproveitados nas suas qualificações. Na Europa, onde o desemprego jovem é duplo da média nacional, o problema é muito mais agudo. Mas as Ciências Sociais também mostram que, apesar disso, aqueles que possuem formação escolar têm mais possibilidades de se empregar que os analfabetos ou pouco escolarizados Educação e valores humanos A História mostra-nos que não há qualquer relação entre o nível de instrução de um povo e o seu apego e respeito pelos valores humanos. Os maiores crimes da História da Humanidade foram realizados na Pátria da Filosofia moderna, da grande música, por um povo alfabetizado desde o século XVIII. Mas a História também nos mostra que a escolarização é uma condição de acesso à cultura, ao sentido crítico, à participação cívica, ao reconhecimento do belo, ao respeito pelo outro. A educação nem sempre torna o ser humano melhor Celestin Freinet (1946): - “Porque a essência mesma da instrução ou da técnica não é o aperfeiçoamento do homem. A instrução, tal como as máquinas novas que animam as nossas fábricas, não é mais do que um meio, um utensílio. Tudo depende do espírito que preside ao seu uso, do objectivo pelo qual este utensílio é empregado” - Ler também A Pedagogia da Indignação, de Paulo Freire Escola e transformação social A escola, por si só, não é emancipatória ou libertadora Mas também não está condenada a ser uma instância de reprodução social e cultural, ao serviço deste capitalismo tardio e globalizado. Em determinadas circunstâncias, pode ser um instrumento de emancipação social O seu carácter, reprodutor ou emancipatório, depende do sentido das políticas públicas, mas também, como mostra Paulo Freire, da nossa ação quotidiana na escola, na sala de aula, enquanto educadores Paradoxo - Os estudos sociológicos dizem que, em geral, os jovens gostam da escola, mas, sobretudo como espaço de socialização e convívio. Uma parte significativa detesta as aulas. E já não são apenas as crianças e jovens dos meios populares, afastados dos códigos elaborados da escola. São também, progressivamente, jovens provenientes de meios sociais e culturais favorecidos. - As crianças, em geral, quando entram para a escola têm uma imensa vontade de aprender a ler, a escrever, a calcular, a saber. O que lhes fazemos para, passado tão pouco tempo, muitas dessas crianças detestarem tão fortemente a escola, a leitura, a matemática, o conhecer e aprender? Igualdade e diferença numa escola para todos Face ao esgotamento do modelo escolar da modernidade é possível construir outros modelos de escola que responda a 2 princípios estruturantes? Temos direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza Temos direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. Ou, dito de outro modo, podemos construir práticas educativas que permitam, ao mesmo tempo, lutar pela igualdade respeitando a diferença? A escola (e a sala de aula) como locus da mudança João Barroso diz que “as mudanças (da escola) começam na sala de aula”. Não partilho inteiramente a afirmação. Mas defendo que a maior prova de fogo de qualquer mudança educativa está na mudança das práticas docentes, da organização da sala de aula, da estruturação do espaço escolar. A escola (nas suas múltiplas dimensões) é o locus privilegiado de qualquer verdadeira mudança e inovação nas políticas públicas Pode a escola ser outra coisa? Possivelmente, se conseguirmos aliar a epistemologia da curiosidade de Paulo Freire a uma organização da escola e da sala de aula que tenha no trabalho-jogo de Celestin Freinet as formas práticas e organizativas do trabalho escolar Possivelmente, se conseguirmos fazer a síntese da Unidade na Diversidade Trabalho-jogo Quando os vossos alunos estiverem apaixonados, absorvidos pelos seus trabalhos-jogos, quando a vossa escola for vibrante como uma colmeia numa manhã de Verão, terão ainda certamente problemas de organização a resolver; mas só muito excepcionalmente terão que se ocupar de disciplina; e só terão que se ocupar dela quando, quer por erro, quer por impossibilidade material, não satisfizerem as nossas exigências do trabalho-jogo. Como uma avaria de electricidade suscita imediatamente na fábrica desordem e burburinho - Celestin Freinet, A Educação pelo Trabalho, t. II, 1946 A nossa utopística ou a buscade um inédito viável A importância das utopias, melhor, da utopística, ou seja, da capacidade de fazer escolhas, “com os constrangimentos do seu contexto e as zonas abertas à criatividade humana” (I. Wallerstein, 1998). Freire designa de inédito viável. A educação pelo trabalho como parte integrante da redescoberta democrática do trabalho de que nos fala o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos como parte integrante de um novo contrato social Ou, como defende o sociólogo francês Alain Touraine, uma resposta necessária à entrada numa civilização do trabalho, onde as fronteiras entre o próprio trabalho, o jogo e a educação se poderão vir a esbater progressivamente. Contactos Email: [email protected] Website: www.ceief.ulusofona.pt Webpage: www.antonioteodoro.ulusofona.pt