O ensino de língua materna:
das dificuldades às novas posturas
Nilson Antônio Silva1
Patrícia Santiago2
Elaine Kendall3
Maurício Faria4
1. INTRODUÇÃO
A
preocupação com o ensino de língua
materna, tanto no Brasil como nos de
mais países, tem sido uma constante
para os educadores. Há uma considerável lacuna entre a língua praticada no cotidiano e a
língua ensinada nas escolas, a qual segue a rigidez gramatical das normas da língua padrão e,
portanto, distancia-se da realidade dos alunos.
O ensino da língua materna tende a ser estruturado em bases extremamente rígidas, as quais
não atendem com clareza à necessidade dos
alunos e dos professores.
Portanto, o presente artigo está inserido nesse contexto educacional; aborda as reais dificuldades dos professores, busca levantar e
apontar soluções para o assunto em questão.
Além disso, as dificuldades no tocante ao ensino da língua portuguesa, as incoerências da
gramática normativa e a realidade vivenciada
por professores e alunos são o objeto e assunto ora tratados.
Esta pesquisa se faz relevante uma vez que
permite aos educadores conhecer melhor o ensino de língua materna bem como expor, analisar, complementar e ampliar as discussões a respeito do assunto já existentes. Procede-se a uma
revisita aos estudos já realizados com a consulta a uma bibliografia atualizada a qual é extremamente pertinente.
Alguns objetivos orientam este trabalho:
- refletir sobre o ensino de língua materna;
- discutir as dificuldades do ensino de língua
materna;
- exemplificar falhas da Gramática Normativa;
- propor soluções mais coerentes para o ensino de língua portuguesa.
Para alcançar os objetivos supracitados, foi
necessária a leitura de autores como Neves
(1991) que analisa a situação reinante do ensino da gramática nas escolas; Perini (1989) o
qual analisa as falhas e as incoerências da gramática tradicional; Travaglia (2002) que apresenta uma proposta para o ensino de gramática, visando ao ensino de língua materna e Bagno (1998) que aborda a pesquisa na escola e
busca introduzir a pesquisa na disciplina língua
portuguesa.
2. O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
Atualmente, o que se constata é um verdadeiro clima de desânimo reinante entre os pro-
Graduando do 4º período do curso de Letras – ISED/FUNEDI/UEMG
Professora Mestra em Língua Portuguesa do ISED/ISEC
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Professora em Língua Portuguesa do ISED/ISEC
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Professor em Literaturas de Expressão em Língua Portuguesa do ISED/ISEC
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fessores de ensino fundamental e de ensino
médio no que se refere ao ensino da língua
materna, ou seja, da Língua Portuguesa. É preciso ainda ressaltar um problema mais grave,
isto é, o valor e a qualidade do trabalho que
vem sendo realizado, cujos resultados, geralmente, não são satisfatórios. Este desânimo e descontentamento, conforme pesquisas realizadas
com professores do ensino médio e fundamental, têm como causas:
a) Os professores: 1) ganham mal; 2) trabalham muito (em geral, dois períodos em
sala de aula); 3) trabalham em mais de
uma escola; b) Os alunos: 1) têm problemas de comportamento; 2) são desatentos e dispersivos; 3) não têm dedicação
aos estudos; c) A instituição: 1) perde-se
na burocracia; 2) não tem papel aglutinador ou orientador; 3) não valoriza o professor. (NEVES, 1991, p.31)
Em que se observa é que esse baixo rendimento tem ligações estreitas com a habilidade
de leitura, escrita e interpretação que os alunos
devem dominar no que diz respeito à língua
materna. Há uma carga horária superior a duas
mil e duzentas horas para os alunos dos anos
finais do ensino fundamental e do ensino médio e, mesmo assim, ao final deste período de
tempo, o aluno não consegue elaborar um texto com coesão e coerência. Existe uma grande
preocupação com o ensino das normas gramaticais, as quais regem a língua padrão e leva a
um ensino da língua baseado tão somente na
nomenclatura e no uso descontextualizado dos
elementos discursivos. Disso decorre a dificuldade em perceber a língua por inteiro, como
um sistema de ligações semânticas, sintáticas,
discursivas etc. Se a língua não for ensinada,
percebida e apreendida em toda a sua riqueza,
ela não surtirá efeitos, quando aplicada na produção e interpretação de um texto.
O ensino da língua materna exige que se
identifiquem seus reais motivos. “Para que se
dá aulas de uma língua para seus falantes? Para
que se dá aulas de português a falantes nativos
de português?” (TRAVAGLIA, 2002, p.17).
O ensino da língua materna possui certos
objetivos dentre os quais, em primeiro lugar, está
o desenvolvimento da competência comunicativa dos usuários da língua, ou seja, de seus falantes, escritores/ouvintes e leitores. De acordo com
Travaglia (2002), “a competência comunicativa
é a capacidade do usuário de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação” (TRAVAGLIA, 2002, p.17). Essa
mesma competência comunicativa ainda se desdobra em outras duas competências denominadas respectivamente de competência gramatical
ou linguística e competência textual.
Desenvolver a competência gramatical é tarefa árdua, pois geralmente, são apontadas três
falhas principais da gramática tradicional: a inconsistência teórica e falta de coerência interna; o caráter normativo; e a centralização na
variedade padrão (escrita) da língua com a consequente exclusão de todas as demais variantes. Aqui será abordada a primeira falha, isto é,
a que se refere à inconsistência teórica e à falta
de coerência interna. Perini (1989) faz uma análise muito pertinente, como segue neste exemplo, abordando a definição de “sujeito”:
Uma definição comum de “sujeito” é a seguinte: (1) “O sujeito é o termo sobre o
qual se faz uma declaração”. (CUNHA,
1975, p. 137.) A partir dessa definição
podemos tirar um exemplo de pouca consistência da GT. (1) é a única definição de
sujeito dada na gramática, é de se esperar, pois, que ela reflita a noção de sujeito
válida para toda a análise. Quero dizer:
no momento em que apresentamos (1)
como a definição de sujeito, assumimos o
compromisso de mantê-la como a definição de sujeito em toda a gramática. Em
outras palavras, o termo “sujeito” corresponde a uma noção unificada e consistente, à qual as regras gramaticais podem
fazer referência. De outra maneira, para
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começar, não se compreenderia a necessidade de definir sujeito. Ora, logo adiante na mesma gramática, encontramos a
afirmação seguinte: (2) “Algumas vezes o
verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou por se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse
no seu conhecimento. Dizemos, então, que
o sujeito é indeterminado”. (CUNHA,
1975, p. 141.) Já aqui se desrespeita a
definição dada algumas páginas antes. Se
é que existe sujeito indeterminado, ele
deveria ocorrer nos casos em que se desconhece o ser sobre o qual se faz declaração; afinal, a definição de sujeito só menciona essa característica dos sujeitos. No
entanto, (2) está formulada como se o sujeito tivesse sido definido em termos de
quem pratica a ação. (PERINI, 1989, p.
12-13)
A conclusão, a partir dessa análise, é de
que, nesse ponto, a gramática é inconsistente
e incompleta. Uma análise mais profunda
aponta vários outros pontos de inconsistência e incoerência.
Além disso, o ensino de língua materna
deve, necessariamente, levar em consideração
a abordagem semântica, cujos estudos têm tido
um razoável avanço nas últimas décadas. Entretanto, a gramática tradicional não tem acompanhado esses avanços, mesmo considerando que os mesmos revelam-se bastante úteis
ao ensino de língua portuguesa. Ora, conforme afirma Marques,
No plano linguístico estrito, os estudos do
significado costumam distribuir-se em três
domínios básicos: o da semântica lexical,
o da semântica da sentença (independente de condicionamentos contextuais ou situacionais) e o da semântica do texto (relativo ao uso concreto da língua em textos
falados ou escritos, contextual e/ou situacionalmente condicionados). (MARQUES,
1990, p.16)
Portanto, a inclusão da abordagem semântiProfessores em Formação
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ca de forma adequada e relevante poderia contribuir para o ensino mais eficiente da gramática. Entretanto, isso não é verificado e permanecem as incoerências. Dessa forma, o que prevalece é um normativismo descontrolado, no
qual o que vale é tão somente conhecer a regra, mas não o seu contexto ou, ainda, a sua
coerência e clareza. As normas, muitas das quais
advindas de épocas já remotas, não condizem
com a realidade vivenciada pelo professor e pelo
aluno e servem apenas para criar verdadeiras
barreiras entre ambos no que se refere ao ensino e à aprendizagem da gramática.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
No decorrer desta pesquisa, foi observado que
vários estudiosos da área de linguística consideram que é necessário haver uma mudança na
gramática atual, visando alcançar uma forma de
ensino da língua portuguesa que seja mais coerente e mais adequada aos tempos atuais.
Por isso, surgem propostas para uma nova
gramática da Língua Portuguesa e para o ensino de língua materna. Propostas estas que levam em consideração a língua viva praticada
em seus mais variados contextos diários, a qual
faz e é parte constituinte essencial da comunicação humana. Assim, a gramática tradicional
deve ser repensada numa reflexão crítica e necessária, dentro de uma abordagem rigorosa no
âmbito da ciência da linguagem. Bagno (2008),
numa atitude de apurado conhecimento, afirma que “a formação dos nossos professores de
língua portuguesa precisa começar a ser feita
de outro modo, sem recorrer tão desesperadamente à gramática tradicional como única tábua de salvação.” (BAGNO, 2008, p. 84). Complementando, Travaglia (2002) diz que é preciso “propor e exemplificar uma forma de gramática que pareça produtiva e pertinente para
o aluno, tendo em vista o quadro referencial
estruturado, para desenvolver um ensino de
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gramática (...) com uma visão interativa da língua.” (TRAVAGLIA, 2002, p.11). Por fim, Perini (1989) declara que “a tarefa de fazer a nova
gramática principia, por conseguinte, por uma
conscientização das deformações da doutrina e
da prática gramaticais.” (PERINI, 1989, p. 14).
Assim, acredita-se numa disciplina mais coerente e mais significativa para os alunos que
estão aprendendo sua língua materna aplicada
em seus diversos contextos, desde os mais variados gêneros textuais como também as situações de língua oral praticada em situações formais e informais.
TRAVAGLIA, Luís Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática
no 1º e 2º graus.Porto Alegre: Mercado Aberto,
1984.
PERINI, Mário A. Para uma nova gramática do
Português. São Paulo: Ática, 1989.
BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola.22ª ed. São
Paulo: Loyola, 2008.
MARQUES, Maria Helena Duarte. Iniciação à
semântica.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1990.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa discutiu o ensino de língua
materna a partir da análise das falhas e incoerências da gramática tradicional. A reflexão sobre o ensino de língua materna, levando em
consideração as incoerências da Gramática
Normativa, manifesta-se como um meio de se
encontrar soluções adequadas para o ensino
de língua portuguesa. Essas soluções passam
pela iniciativa e urgência de se repensar a gramática da língua portuguesa e, a partir daí, desenvolver uma gramática com uma abordagem
mais reflexiva e menos normativa, a qual seja
capaz de atender as atuais necessidades de
ensino. A iniciativa de se apontar as eventuais
incoerências da gramática tradicional torna-se
um fato norteador na busca de possíveis soluções para as mesmas. Assim, este trabalho
pôde contribuir para os educadores que ensinam língua materna e também para os universitários que se preparam para futuramente
exercerem atividades relacionadas ao ensino
da língua portuguesa.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na
escola.São Paulo: Contexto, 1991.
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