O ensino de língua materna Elaine Vanessa Silva1 Maurício Faria2 Elaine Kendall3 Patrícia Santiago4 1. INTRODUÇÃO O ensino de Língua Portuguesa, estranhamente por falantes nativos, tem enfrentado sérios problemas. Isso ocorre porque durante muito tempo se pensou que esse ensino deveria corresponder ao estudo da norma culta da língua, utilizando para isso a gramática normativa. Mas, com o avanço das pesquisas na área, percebeu-se que o ensino de Língua Materna não poderia se prender somente a esse aspecto. Segundo Travaglia (2002), esse ensino se justifica pelo objetivo de desenvolver no aluno a competência comunicativa. Para desenvolver essa competência seria preciso desenvolver a competência gramatical do aluno e aqui está o problema: com o avanço das pesquisas, percebeu-se também que a gramática, que até então estava sendo utilizada, era falha e os métodos que os professores utilizavam também. Essas pesquisas desestabilizaram a vida dos professores, pois, no primeiro momento, elas só apontaram as críticas, não apontaram uma alternativa para mudança. Isso criou um clima de total desconforto nas salas de aula, pois os educadores já não tinham mais certeza do que deveriam ensinar nem como deveriam fazê-lo, e, os alunos, por sua vez, já estavam desgostosos da disciplina. Diante desse contexto, o presente artigo se propõe a discutir o ensino de Língua Materna e seus reais objetivos. Essa é uma pesquisa que se faz extremamente relevante, por permitir aos educadores um momento de reflexão sobre o ensino de Língua Materna. Não se pretende neste artigo dar todas as respostas nem abordar todos os aspectos que o assunto permite, mas há a plena certeza de que esta é uma obra que irá complementar as demais e facilitar a vida dos educadores. Portanto, a pretensão dessa pesquisa é: discutir o ensino de Língua Materna; refletir sobre as falhas da gramática normativa e sua inconsistência teórica; propor soluções mais coerentes para o ensino de Língua Materna. Como metodologia, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em que se analisaram as seguintes obras: Neves (1990) que traz um estudo sobre a situação real das salas de aula e o ensino de Língua Portuguesa; Travaglia (2002) abordando os objetivos do ensino de Língua Materna; Perini (1989) ressaltando a necessidade de uma nova gramática e, finalmente, Bagno (1998) trazendo a importância do ensino pela pesquisa. Graduando do 4º período do Curso de Letras – ISED/FUNEDI/UEMG Professor Mestre em Literatura de Expressão em Língua Portuguesa do ISED/ISEC 3 Professora Mestre em Língua Portuguesa do ISED/ISEC 4 Professora Mestre em Língua Portuguesa do ISED/ISEC 1 2 Professores em Formação ISEC/ISED Nº 1 2º semestre de 2010 2. CONSCIENTIZAR E REFLETIR 2.1 Conscientizando O primeiro grande passo para a compreensão deste texto é a conscientização de que o atual ensino de língua materna, em outras palavras, o ensino de Língua Portuguesa a falantes nativos, não tem apresentado grandes resultados. Neves (1990) traz uma pesquisa realizada com 170 professores de Língua Portuguesa do ensino fundamental e ensino médio, pela qual busca perceber o andamento das aulas desses professores. Ela percebeu que há um desânimo muito grande tanto dos professores quanto dos alunos em relação ao ensino de Língua Portuguesa. O desânimo acontece porque os professores estão trabalhando de forma fragmentada. Por um lado, eles reconhecem que a gramática normativa contém falhas e, por outro lado, eles não veem a gramática descritiva como aquela que pode também ensinar. Esse fato faz com que fiquem oscilando entre as duas. Como a gramática normativa tornou-se alvo de críticas, nenhum professor quer assumir que trabalha com ela, mas também não aceita trabalhar só com a gramática descritiva porque julga que ela não ensina. Se o professor não consegue ter para si próprio um fim e uma certeza daquilo que é seu objeto de ensino, que dirá o aluno. O aluno se vê obrigado a fazer uma série de exercícios repetitivos e sem aplicação, com o único objetivo de alcançar nota. Essa é uma situação que não pode continuar. O professor precisa ter certeza do que ensina e para que ensina. Só assim, ele poderá esclarecer para seu aluno as dúvidas que este tiver. É por isso que no próximo item iremos abordar o para quê do ensino de Língua Materna. 2.2 REFLETINDO 2.2.1 Para que ensinar Língua Materna É comum ouvir dos alunos a seguinte per- gunta: “por que tantas aulas de Língua Portuguesa, se nós já falamos português?” E, muitas vezes, um outro aluno mesmo responde: “para nos ensinar a falar e a escrever, porque nós falamos tudo errado”. Essa fala evidencia que os alunos já chegam à escola pensando que só verão a variedade culta da língua, ou seja, estudarão apenas a gramática normativa. Mas não é isso que Travaglia (2002) vem nos propor. Segundo o autor, o ensino de Língua Materna se justifica, prioritariamente, pelo desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Mas o que é isso? Desenvolver a competência comunicativa do aluno é torná-lo apto a se comunicar e a entender aquilo que os outros comunicam nas mais diversas situações de uso da língua. Uma pessoa que tem essa capacidade consegue utilizar a língua para os mais variados fins e consegue, também, compreender o uso que as outras pessoas fazem, seja na língua oral ou escrita, na variedade padrão ou não. Mas o desenvolvimento dessa capacidade requer o desenvolvimento de outras duas competências e, sem estas duas, a primeira se torna inviável, uma depende da outra. São elas: a competência textual e a competência gramatical ou linguística. A competência textual é a capacidade de produzir e compreender textos. Desenvolver esta capacidade implica em desenvolver outras três capacidades, a saber: – capacidade formativa, que permite produzir e compreender um ilimitado número de textos e avaliar se o texto está ou não bem formado; – capacidade transformativa, que permite modificar um determinado texto de diferentes formas de acordo com o objetivo que se quer alcançar; – capacidade qualificativa, que permite reconhecer um determinado texto segundo uma tipologia. Essa capacidade está muito ligada à capacidade formativa, pois se o usuário da língua é capaz de identificar um texto dentro de Professores em Formação ISEC/ISED Nº 1 2º semestre de 2010 uma tipologia, pressupõe-se que ele também seja capaz de produzi-lo. O espaço do presente artigo não permite discutir os passos necessários para desenvolver nos alunos a competência textual, uma vez que, neste momento, o foco da nossa atenção será o desenvolvimento da competência gramatical ou linguística. A competência gramatical ou linguística é a capacidade que o usuário da língua tem para produzir sequências gramaticais. Quanto maior essa capacidade, melhor será a comunicação feita pelo usuário, pois cada situação de comunicação requer uma sequência gramatical diferente. Para desenvolver esta capacidade, é necessária a ajuda da gramática e é aqui que se concentra nosso maior problema. 2.2.2 O Problema Desenvolver a competência gramatical do aluno se torna uma tarefa difícil, porque não há um bom material para ser usado. Em todo e qualquer trabalho, o serviço só ficará bom se o trabalhador possuir bons materiais. No caso do professor de Língua Materna, a gramática normativa é o principal material de que ele dispõe para desenvolver seu trabalho. Porém, essa gramática é falha e isso faz com que os resultados alcançados pelos professores deixem a desejar. Mas qual é a falha da gramática? Perini (1989) aponta três grandes falhas, são elas: a) a inconsistência teórica e a falta de coerência interna; b) seu caráter predominantemente normativo; c) e o enfoque centrado em uma variedade da língua, o dialeto padrão (escrito). Pensar sobre esses três pontos é fundamental. É importante ressaltar que não se pretende desprezar tudo que há na gramática. O que se pretende é mostrar que ela precisa de mudanças. Todas as coisas mudam, lembrem-se do primeiro celular e agora o comparem aos modelos atuais; é visível a evolução. A língua tamProfessores em Formação ISEC/ISED Nº 1 bém mudou e muito, pois ela é uma entidade viva, por isso a gramática que contempla, exclusivamente, a língua também precisa mudar. A primeira falha apontada por Perini (1989) é a inconsistência teórica e a falta de coerência interna desse material. Essa inconsistência teórica existe porque há uma grande dificuldade de se formar conceitos que consigam contemplar todos os exemplos da língua. A segunda falha é o caráter predominantemente normativo. A gramática normativa em momento algum busca descrever as suas regras e explicá-las. Ela é, por si só, arbitrária. Nela, é possível encontrar, diversas vezes, expressões como: Não deve, não se inicia, não se acentua, não se permite, etc. Todas as vezes que a gramática usa esse “não”, há uma explicação para seu uso. Mas ela não dá essa explicação, por isso acaba exercendo um normativismo sem controle, daí sua arbitrariedade. A terceira falha está no fato de a gramática normativa centrar-se somente em uma variedade da língua, ou seja, o dialeto padrão na forma escrita. Ao fazer isso, ela cria preconceitos linguísticos, desvaloriza as variantes regionais, sociais e situacionais. Esquece-se de que a linguagem oral é tão importante quanto a escrita e que esta só veio a existir por causa daquela. Isso faz com que a língua que é descrita na gramática se torne extremamente artificial. E o aluno, muitas vezes, acaba não se identificando como usuário daquela língua. E como não se identifica, ele também não sente interesse em aprendê-la, por julgar que ela está muito distante da realidade dele. As falhas apontadas criam barreiras muito grandes entre o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa. O professor percebe todas essas falhas e se vê, portanto, impedido, devido às circunstâncias variadas, de implementar mudanças, porque ele não está capacitado para corrigir todas as falhas da gramática e precisa dela para fazer o seu trabalho. Mas isso tam- 2º semestre de 2010 bém não quer dizer que não há nada que o professor possa fazer diante desse contexto. Há sempre alguma coisa que o professor pode e deve fazer. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO PERINI, Mário. Para uma nova gramática do português. São Paulo: Ática, 1989. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1° e 2° graus. São Paulo: Cortez, 2002. O presente artigo discutiu o ensino de Língua Materna, seus reais objetivos e a dificuldade de se alcançar esses objetivos por depender de uma gramática que é falha. Discutiu também as falhas dessa gramática e propôs a criação de uma nova gramática que preencha as falhas da que até então é utilizada. O mesmo permitiu aos educadores que atuam na área e aos universitários um momento de reflexão sobre o ensino de Língua Materna, propiciando assim uma contribuição a mais para o desenvolvimento de seus trabalhos. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Todas as mudanças que foram propostas neste texto e, consequentemente, as melhorias que virão dessas mudanças só serão possíveis se os educadores optarem por uma formação continuada. O professor do século XXI precisa estar consciente de que sua formação não termina com o diploma do curso da graduação. Ao contrário, a formação do professor não termina nunca. Ele precisa estar sempre atento aos estudos mais recentes, aos cursos mais atuais, às pesquisas que estão sendo feitas na sua área. Somente dessa forma, as melhorias no ensino de língua materna e em todo ensino serão sempre crescentes. REFERÊNCIAS BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola. 22. ed. São Paulo: Loyola,1998. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na escola. 2.ed. São Paulo: Contexto,1990. Professores em Formação ISEC/ISED Nº 1 2º semestre de 2010