1 SERVIÇO PÚBLICO: DA NOÇÃO À FRANCESA AOS RUMOS ATUAIS NO DIREITO BRASILEIRO E NO DIREITO EUROPEU Mayara Meneguello Cizilio Carrazêdo1 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo, por meio do método dedutivo, com fulcro em pesquisa bibliográfica, incluindo pesquisas doutrinárias, artigos jurídicos, revistas jurídicas, bem como análise da legislação nacional e da legislação estrangeira, o breve estudo de serviço público. Iniciando com a apresentação do serviço público na concepção clássica, analisando as diversas crises que o instituto sofreu ao longo dos anos até se chegar à concepção presente no contexto europeu. PALAVRAS-CHAVE: serviço público; reforma do estado; regime jurídico; direito comunitário europeu. INTRODUÇÃO O tema da presente pesquisa é o serviço público, delimitado o estudo no que tange a uma análise jurídica do instituto no Direito Brasileiro e no Direito Europeu. Pretende-se traçar, em linhas gerais, um comparativo do serviço público europeu em face do seu tratamento no direito brasileiro, delimitando a noção na União Europeia e nas propostas do Direito Comunitário Europeu. Inicia-se o estudo abordando a ideia de serviço público clássico, a partir a análise do seu surgimento histórico, incluindo as transformações que o instituto sofreu ao longo dos anos. 1 Aluna do curso de direito da Escola de Direito e Relações Internacionais, Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil sob a orientação da Profª. Ms. Adriana da Costa Ricardo Schier. 2 O presente trabalho, então, está pautado na transição da noção do serviço público clássico para a noção do serviço público brasileiro, nos fatores que levaram a essa mudança, e por consequência, na análise desse instituto na Constituição de 1988. Como o serviço público se modificou no tempo, assumindo contornos diversos, busca-se tratar dessas alterações até a atual concepção do serviço público brasileiro, apontando os fatores que influenciaram nessa variação. Cabe ressaltar que o tema será abordado sob a análise das mudanças em conformidade com a Constituição Federal de 1988 e em face dos principais Tratados da União Europeia. Por isso, em momento oportuno, far-se-á um estudo do serviço público europeu, apontando uma breve noção no seio da União Europeia, analisando também as propostas do Direito comunitário europeu, suas reformas e regras. Nesse contexto, far-se-á uma análise dos Tratados constitutivos da União Europeia, dos motivos que levaram à união desses países e também das crises que têm enfrentado o Direito Comunitário. -A pesquisa destina-se a demonstrar aspectos da realidade prática e jurídica da prestação do Serviço Público no Brasil, em contraposição ao Serviço Público prestado nos países considerados desenvolvidos, mediante método comparativo. 1 A COMPREENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO: ASPECTOS GERAIS Inicialmente, verifica-se que o serviço público teve origem jurídica na França, no início do século XIX e final do século XX. 2 Isso não significa que antes disso, não houvesse a noção de serviço público.3 Conforme entendimento de Monica Spezia JUSTEN, em sua obra intitulada A noção de serviço público no direito europeu, nota-se que a origem da noção de serviço público pode ser buscada na Grécia antiga, onde o serviço ―era prestado pelos 2 BOURGES, Fernanda Schuhli. Aspectos da noção de serviço público no contexto brasileiro. In: COSTALDELLO, Angela Cassia (Coord.). Serviço Público: Direitos Fundamentais, Formas Organizacionais e Cidadania. Curitiba: Juruá, 2008. p. 46. 3 JUSTEN, Monica Spezia. A Noção de Serviço Público no Direito Europeu. São Paulo: Dialética, 2003. p. 17. 3 detentores de grandes fortunas em forma de imposição honrosa, e não pelo poder organizado em forma do Estado‖.4 Nota-se que o serviço público se apresenta como uma modalidade de atividade estatal que adquire contornos diferenciados de acordo com as opções sócio-políticas de cada modelo de estado. Conforme entendimento de GROTTI, insta aludir que antes de haver um conceito de serviço público propriamente dito, nota-se que o Estado já prestava atividades idênticas ao serviço público porém essas atividades não eram conceitualmente classificadas como se serviço público fossem.5 A referida autora atribuiu a Rousseau o uso originário da expressão serviço público, observando também, que na época, essa expressão era demasiadamente ampla, uma vez que abrangia dois conceitos: ―concebe-se como uma atividade estatal que sucede ao serviço do Rei, porque se operou uma substituição na titularidade da soberania‖6, e também por se tratar de ―atividades destinadas ao serviço do público, isto é, ações através das quais se assegura aos cidadãos a satisfação de uma necessidade sentida coletivamente‖.7 Partindo-se dessa perspectiva inicial, é possível reconhecer que já na Antiguidade ―havia as noções de utilidade pública e de utilidade privada‖ 8, em que uma pequena parcela da população tinha poder de impor limitações aos particulares a fim de atender o interesse da coletividade, ou seja, da ―coisa pública‖. Cabe ressaltar que, nesse conceito, estava incluso a ideia de que é necessária a ―organização de certos serviços destinados à satisfação das necessidades então consideradas essências para a população‖.9 Como bem versa Dinorá Adelaide Musetti GROTTI, o momento histórico influencia os costumes da sociedade, bem como o Estado, fazendo com que o direito também se modifique conforme a alteração das ―circunstâncias ideológicas, políticas, 4 Idem. GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 20. 6 Idem. 7 Idem. 8 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. [ S.l. ]: Forense, 2007. p. 26. 9 Idem. 5 4 sociais e econômicas‖ sofridas ao longo das ―distintas épocas e nos diferentes países‖10, ou seja, as instituições jurídicas necessitam se adaptar conforme a transformação da sociedade, observando ―às exigências da realidade‖ para poderem sobreviver.11 ARAGÃO destaca que, com a queda do Feudalismo — e a conseguinte concentração de todos os poderes na figura do Rei — o surgimento das cidades e a ascendência da classe burguesa, fundou-se o Estado Absolutista no qual pode-se perceber que os recursos necessários ao sustento do Rei eram provenientes de sua própria atividade produtiva de bens para o mercado.12 Nota-se que os particulares que exerciam atividades econômicas não eram protegidos juridicamente, já que as atividades ―poderiam ser a qualquer momento exploradas pelo Estado, que poderia mesmo passar a vedá-la aos particulares ou passar a cobrar-lhes determinada quantia para poderem ser exercidas‖.13 Assim, a maioria das atividades eram exploradas pelo Estado, atividades estas relacionadas com o bem-estar da coletividade, ou até mesmo as que fossem muito lucrativas para o Rei — que superfaturava os valores e tinha mais uma fonte de renda — e por fim, as atividades exploradas pelo Estado por mero desejo do Rei.14 Nesse tocante, certifica-se (...) a propriedade do solo é a do senhor. É um fundamento do poder fiscal, pois permite ao senhor arrecadar taxas, e, em contrapartida de algumas delas, há o fornecimento de um serviço comum: as banalités. Os fornos, os moinhos, os lagares são um monopólio do senhor que percebe, por ocasião de sua utilização, uma taxa (redevance) elevada. Em contrapartida, as banalités devem encontrar-se em estado permanente de funcionamento, dispondo cada habitante de um direito igual de usá-las, com a segurança dos acessos garantidos pelas tropas senhoriais. 15 (grifos do autor) 10 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 19. Idem. 12 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 29. 13 ANDRADE, Rogério Emílio de. O preço na Ordem Ético-Jurídica. Campinas: EDICAMP, 2003 apud Idem. 14 Ibidem, p. 30. 15 GUGLIELMI, Gilles. Introduction au droit dês services publics. Paris: LGDJ, 1994 apud GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 20. 11 5 Logo, verifica-se que as referidas atividades eram análogas às da noção de serviço público, porém não eram conceituadas e nem classificadas como serviço público.16 Surge o Estado liberal, no qual ―o poder era limitado pela vontade da burguesia e por normas constitucionais assecuratórias de grandes espaços individuais de liberdade, inclusive econômica‖.17 Aqui, o Estado protegia os interesses da burguesia18 visando sempre à construção de estruturas que propiciassem o progresso dos negócios, não se preocupando em proteger os interesses daqueles que realmente necessitavam desta proteção.19 Cabe ainda ressaltar que o Estado Liberal foi ―caracterizado pela passagem do centro de gravidade da vontade decisiva para a Administração, ou seja, para «a adopção de medidas atendendo somente à natureza das coisas em função de uma situação concreta e com pontos de vista puramente objectivos e práticos»‖. (grifos do autor) 20 Conforme entendimento de Celso BASTOS 21 , ―o liberalismo tinha por nota caracterizadora o dispensar, tanto quanto possível à presença do Estado. Note-se que a diretriz fundamental que importava cumprir era a da exclusão do Estado do campo econômico, vale dizer, interditava-se-lhe por completo a ingerência nessa área‖.22 Assim, tem-se que ―a idéia básica é a de não-ingerência e do afastamento do Estado, que se restringe ao estabelecimento de limites negativos mínimos.‖ 23 Assim, passa-se a analisar o Estado social, no qual ―foi verificado um grande aumento do número de serviços públicos e atividades econômicas em geral exploradas pelo Estado‖.24 16 Idem. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 32. 18 A burguesia era a única classe que tinha controle sobre o aparelho estatal, já que tinha direito a voto. Ibidem, p. 32-33. 19 Ibidem, p. 33. 20 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito: do Estado de Direito liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra: Almedina, 1987. p. 200. 21 PIRES, Maria Coeli Simões. Reforma administrativa: reflexões sob a perspectiva políticofilosófica. Revista de informação legislativa, Brasília, n.136, p.233-251, 1997. p. 238. 22 Idem. 23 Idem. 24 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 41. 17 6 Quanto ao Estado Social, conforme entendimento de Jorge Reis NOVAIS, o Estado assume diretamente a prestação dos serviços públicos, aumentando assim o rol desses serviços, bem como de atividades econômicas.25 Continua NOVAIS classificando a prestação do Estado social como ―forma de minorar as situações de miséria, assegurando por meio de subvenções e subsídios um mínimo de subsistência vital aos que nelas se encontram, ou de prevenir a eventualidade dessas situações através do estabelecimento generalizado de um sistema de seguros, de serviços de saúde e assistência social‖.26 Logo, ―o Estado Social de Direito revela-se um tipo de Estado que tende a criar uma situação de bem-estar geral que garanta o desenvolvimento da pessoa humana”. 27 (grifos do autor) Nota-se que o Estado de Bem-estar Social ―seria aquele Estado no qual o cidadão, independente de sua situação social, tem direito a ser protegido contra dependências de curta ou longa duração. Seria o Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo o cidadão, não como caridade, mas como direito político‖.28 (grifos do autor) Logo, a prestação dos serviços passa a ser vista como ―direitos próprios da cidadania‖.29 Ou seja, o Estado assume diretamente a prestação dos serviços públicos, aumentando, assim, o rol desses serviços e de atividades econômicas. 30 O autor configura o Estado Social como ―determinada maneira de ‗atuar‘ por parte do Poder Público, e não um modo específico de ‗ser‘ do Estado‖.31 Do ponto de vista do Direito Administrativo, a noção de serviço público teve desenvolvimento teórico com DUGUIT, um dos precursores da Escola do Serviço Público no início do século XX, que afirmava ―o Estado é, de fato, titular de uma determinada parcela de poderes dentro de uma sociedade organizada, e deve ter 25 Ibidem, p. 40. NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit.,. p. 198-199. 27 STRECK, Lênio Luis; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e tória geral do estado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 93. 28 Ibidem, p. 142. 29 Ibidem, p. 141. 30 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 40. 31 Ibidem, p. 41. 26 7 maiores responsabilidades na realização da ‗solidariedade social‘ 32‖.33 Assim, consagrou-se a ideia de que o Estado teria o papel de prestador de serviço público, em razão da distribuição de responsabilidades. Neste sentido, tem-se que o serviço público teve seu surgimento na França, onde também ocorreu sua construção jurídica, bem como suas principais crises e desafios, que resultaram ―das dificuldades de acomodação da construção francesa tradicional a novas realidades socioeconômicas, políticas e tecnológicas‖. 34 O serviço público francês — fundado na ideia republicana de igualdade e liberdade — foi considerado como sendo uma verdadeira ideologia, já que se caracterizou por disputas que, muitas vezes, ultrapassaram o âmbito jurídico. 35 Jacques CHEVALLIER destaca que ―o serviço público foi elevado na França à altura de um verdadeiro mito: ele figura entre as imagens fundadoras sobre as quais se apoia a identidade coletiva; mexer com o serviço público é considerado um ato de sacrilégio, que pode atingir os fundamentos do Estado e ferir a unidade nacional‖.36 Após a breve análise dos serviços públicos diante dos modelos de estado e da verificação dos contornos desse instituto, cabe apreciar a noção de serviço público. Assim, o conceito utilizado nesse trabalho será do doutrinador Celso Antonio Bandeira de MELLO, que sustenta que o serviço público consiste em atividades do Estado que têm por objetivo atender a coletividade em geral37. Ressalta-se que não convém ao Estado relegar essas atividades à livre iniciativa, já que estas são pertinentes a seus deveres. Insta mencionar que a prestação desse serviço deve ser garantida para assegurar a boa satisfação dos interesses públicos sem que os direitos dos administrados sejam desrespeitados38. 32 Para DUGUIT, a expressão ―solidariedade social‖ significava uma ―obrigação de solidariedade que têm os membros de uma dada sociedade, no sentido de realizar e alcançar suas necessidades de ordem material, intelectual e moral‖. JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 30-31. 33 Ibidem, p. 32. 34 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 76-77. 35 Idem. 36 CHEVALLIER, Jacques. La Place Du Service Public dans I‘Univers Juridique Contemporain. In: ROUBAN, Luc (Coord.). Le Service Public en Devenir. Paris: L‘Harmattan, 2000 apud Ibidem, p. 77. 37 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 651. 38 Idem. 8 MELLO reconhece que a noção de serviço público é composta por dois elementos: o substrato material e o traço formal. O substrato material, é ―a prestação consistente no oferecimento, aos administrados em geral, de utilidades ou comodidades materiais (como água, luz, gás, telefone, transporte coletivo etc.) singularmente fruíveis pelos administrados que o Estado assume como próprias, por serem reputadas imprescindíveis, necessárias ou apenas correspondentes a conveniências básicas da Sociedade, em dado tempo histórico‖.39 (grifos do autor) Já no que diz respeito ao elemento formal, este é a submissão ao regime jurídico-administrativo, ou seja, a um regime de Direito Público obedecendo a princípios específicos do Direito Administrativo.40 Assim, é possível conceituar serviço público conforme definição de Celso Antônio Bandeira de MELLO, da seguinte maneira: serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.41 (grifos do autor) Complementando o conceito versado por MELLO, e também pertinente a este trabalho, Marçal JUSTEN FILHO42, define serviço público como sendo “uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público”. 43 (grifos do autor) JUSTEN FILHO ainda destaca que esta atividade é pública, uma vez que é prestada pelo Estado, não exclusivamente, já que este pode delegar o serviço aos 39 Ibidem, p. 655-657. Ibidem, p. 657. 41 Ibidem, p. 652. 42 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. 43 Ibidem, p. 478. 40 9 particulares, sendo sempre o Estado titular desse serviço. Cabe, ainda, ressaltar que a referida atividade é administrativa, isto porque não abrange as atividades legislativas e nem jurisdicionais.44 Outro aspecto importante do conceito de serviço público deste autor é que, para ele, o instituto tem o intuito de concretizar necessidades individuais ou transindividuais, ou seja, visa atender ―utilidades fruíveis individualmente pelo usuário‖ 45, bem como utilidades fruíveis pela coletividade. Nota-se que as necessidades coletivas podem ser classificadas como materiais ou imateriais. Desta forma, como bem exemplifica o autor, as necessidades materiais são como, por exemplo, cestas básicas fornecidas pelo Estado; já a assistência psicológica fornecida aos necessitados são exemplos de necessidades imateriais.46 Por fim, tem-se que o serviço público é executado sob regime de direito público. Neste sentido, conforme entendimento do professor Marçal JUSTEN FILHO, ―a atividade de serviço público é um meio de realizar fins indisponíveis para a comunidade. Os direitos fundamentais não podem deixar de ser realizados. Por isso, as atividades necessárias à sua satisfação direta e imediata são subordinadas ao regime de direito público. A atividade de serviço público é subordinada ao regime de direito público como consequência de sua natureza funcional‖.47 JUSTEN FILHO, a despeito de MELLO, salienta que para se ter um conceito de serviço público é necessário a presença de três aspectos distintos, quais sejam o ângulo material ou objetivo, o subjetivo e por fim, o formal.48 O autor conceitua ângulo material ou objetivo como sendo ―a atividade de satisfação de necessidades individuais de cunho essencial‖ 49 , ou seja, o substrato material consiste na satisfação de direitos fundamentais da coletividade, das necessidades essências para a sobrevivência humana. 44 Idem. Ibidem, p. 479. 46 Ibidem, p. 480. 47 Ibidem, p. 480-481. 48 Ibidem, p. 481. 49 Idem. 45 10 Já quanto ao ângulo subjetivo, JUSTEN FILHO afirma que se trata da ―atuação desenvolvida pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes)‖ 50, já que este é titular pela prestação do serviço. Por fim, o ângulo formal se configura ―pela aplicação do regime jurídico de direito público‖.51 Cabe ressaltar que este regime jurídico é específico, o que significa dizer que trata de um ―conjunto de princípios e regras que lhe dão identidade e que, congregados, dão-lhe especificidade e singularidade‖.52 Esse mesmo entendimento é defendido pela autora Vivian Cristina Lima López VALLE quando afirma que o elemento material está relacionado com a essencialidade da prestação da atividade para a coletividade. Destaca, ainda que a ―essencialidade possui referencial político, definido constitucionalmente em cada Estado, a partir de suas prioridades e necessidades‖.53 Quanto ao segundo aspecto, a referida autora acredita que está relacionado ao ―vínculo da atividade com o Estado‖. Cabe ainda ressaltar que este vínculo pode se dar ―por prestação direta ou indireta‖.54 Quanto ao terceiro aspecto, VALLE ―alude ao regime de direito público que rege a atividade e se desenrola a partir do direito administrativo, com princípios próprios e normas juspublicistas voltadas à consecução do interesse público‖ 55 , isto é, o regime jurídico do serviço público. Do mesmo modo, Dinorá Adelaide Musetti GROTTI destaca que há três correntes distintas a esse respeito: uma com critério subjetivo, uma de caráter material e por fim, uma acepção formal.56 No tocante ao critério subjetivo ou orgânico, GROTTI o classifica de forma ampla, abrangente de toda atividade desempenhada pelo Poder Público caracterizando o serviço público de acordo com o ente que o realiza.57 50 Ibidem, p. 482. Idem. 52 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 254-255. 53 VALLE, Vivian Cristina Lima López. O novo conceito de serviço público. In: GUIMARÃES, Edgar (Coord.). Cenários do Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 517. 54 Idem. 55 Idem. 56 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 43. 51 11 Já com relação à noção objetiva ou formal, defendida por JÈZE, serviço público é definido pela índole da necessidade, não importando se o serviço foi prestado pelo Estado ou pelos particulares58. Por fim, quanto ao critério formal, GROTTI sustenta que serviço público seria o próprio regime especial de direito público.59 Insta enfatizar que a obra tece algumas críticas quanto a esta classificação de serviço público, já que, para GROTTI, sucintamente, nenhuma dessas classificações pode ser interpretada isoladamente.60 Em síntese, ―sendo amplo ou restrito o conceito, abrangendo prestação direta ou indireta, a noção de serviço público possui, na sua razão de ser, a satisfação de um interesse comum, de uma necessidade da coletividade, e como tal deve ser encarada‖.61 Gaston JÈZE busca dar ao serviço público, ―contornos jurídicos mais determinados‖62, deste modo, cria o chamado elemento material e o elemento formal.63 Como considera a doutrina majoritária, o regime jurídico do serviço público é o elemento formal, isto é, um dos aspectos para se chegar ao conceito de serviço público. Conforme entendimento de Marcus Vinícius Corrêa BITTENCOURT 64 , ―a disciplina do serviço público se apresenta sob a forma de princípios que são utilizados para impor a adequada prestação de um serviço considerado público. A própria Constituição Brasileira determina que a lei, ao dispor sobre a prestação desses serviços, imponha a seus prestadores a responsabilidade de manter serviço adequado65 (art. 175, parágrafo único, inciso IV)‖.66 (grifos do autor) 57 Idem. Ibidem, p. 44-46. 59 Ibidem, p. 46-47. 60 Ibidem, p. 47-53. 61 VALLE, Vivian Cristina Lima López. Op. cit., p. 518. 62 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 86. 63 Idem. 64 BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Princípio da continuidade dos serviços públicos. In: GUIMARÃES, Edgar (Coord.). Cenários do Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 384. 65 BITTENCOURT versa que ―A Lei nº 8.987, de 13.02.1995, ao dispor sobre regime de concessão e permissão na prestação de serviços públicos, trouxe parâmetros para delimitar ‗serviço adequado‘‖. Isto conforme o artigo 6º, §1º da referida Lei. Ibidem, p. 384-385. 66 Idem. 58 12 Por fim, o autor conclui que a Administração Pública deverá assegurar ―prestação satisfatória, regular e acessível de serviços à comunidade‖.67 Cabe destacar que a doutrina francesa aponta três princípios elementares à noção de regime jurídico, ou seja, os denominados de ―leis de Rolland‖, o princípio da mutabilidade, o da continuidade e por fim o da igualdade.68 Já GROTTI, acrescenta que ―às chamadas ‗Leis de Rolland‘ vários princípios foram sendo adicionados, decorrentes de elaboração doutrinária ou jurisprudencial, ou consagrados pelo direito positivo, e há outros, cujo ingresso no universo do serviço público ainda poderá ser proposto‖.69 Assim, conforme BITTENCOURT, cabe ainda ressaltar que ―a doutrina, contudo, é divergente ao definir quais seriam os princípios do regime de serviço público e qual a denominação deles‖ 70 , princípios estes adicionados e decorrentes da idéia inicial de Rolland. 2 REPENSANDO A NOÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: DO SERVIÇO PÚBLICO À FRANCESA Á NOÇÃO TRADICIONAL BRASILEIRO Nos séculos XV e XVI, observa-se que a política se desenvolvia em torno da figura do Rei, que, ao longo dos anos, foi se transformando em uma pessoa privada e uma pessoa pública que era incumbida da posse dos bens públicos. Em consequência, ―todo o serviço prestado pela pessoa pública seria chamado de serviço público/da coisa pública”.71 (grifos do autor) Observa-se que, com a Revolução Industrial, houve um grande desenvolvimento econômico que possibilitou a criação dos grands services publics, que consistia na construção de ―linhas férreas, telégrafo, telefone, distribuição de água, gás, 67 Idem. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit., p. 657. 69 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 256. 70 BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Op. cit., p. 384. 71 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 17-18. 68 13 eletricidade, entre outros serviços‖, delineando, deste modo, o modelo francês de serviço público.72 Cabe ainda ressaltar que ―a tecnologia viabilizou a prestação e a fruição pelo homem de outras utilidades materiais, que, aos poucos, foram sendo assumidas pelo Estado‖.73 Fernanda Schuhli BOURGES destaca que ―a vinculação conceitual de serviço público à França (...) diz respeito à identificação do instituto com o Estado propriamente dito, e o fato de ser utilizado como fundamento do direito administrativo. Assim, a França tem o serviço público como um dos aspectos fundamentais do seu desenvolvimento histórico‖.74 Porém, para JUSTEN, a noção de serviço público ―apresenta três etapas claras de desenvolvimento: a primeira, como justificação da existência do próprio Estado; depois, como fundamento do direito administrativo; e, finalmente, a identificação de um povo e seus anseios pessoais‖. 75 Conforme entendimento de BOURGES, ―a doutrina exerceu grande influência no desenvolvimento da noção de serviço público, formou-se, inclusive, a denominada ‗Escola do Serviço Público’, a qual, não obstante as divergências dos autores que dela participavam, considerava que a noção operava como ‗ideia-chave para o direito administrativo, cujo complexo de regras em torno dela se explicava e se unificava‘‖.76 (grifos da autora) É de bom alvitre mencionar que, no final do século XIX, a França adotava a ―teoria da autolimitação subjetiva‖, que era fundada na ―ideia de que o Estado seria ora titular da autoridade (puissance publique), ora uma pessoa civil, desprovida dessas prerrogativas‖.77 72 73 p. 46. Ibidem, p. 18. BOURGES, Fernanda Schuhli. Aspectos da noção de serviço público no contexto brasileiro, 74 Idem. JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 17. 76 BOURGES, Fernanda Schuhli. Aspectos da noção de serviço público no contexto brasileiro, 75 p. 49-50. 77 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 28. 14 Entretanto um dos precursores da noção de serviço público clássico francês, o ilustre autor Léon DUGUIT78 ―partiu da crítica à teoria da autolimitação subjetiva do Estado e, por via indireta, da teoria dos ‗atos de autoridade – atos de gestão‘ para construir a sua tese sobre a legitimação do Estado. Sua preocupação era encontrar um fundamento para a crescente intervenção do Estado em setores antes reservados à atividade privada‖.79 DUGUIT, preocupou-se com a ―limitação e a substituição da autoridade estatal sobre o fundamento de ser o Estado detentor de um poder soberano‖, refutando, desta forma, a ideia de puissance publique.80 Razão disto, nota-se que ressurgiu a noção de serviço público, porém, agora, como fundamento da limitação do Estado pelo direito objetivo.81 Deste modo, ―o raciocínio de DUGUIT resultou na concepção de que o Estado é, de fato, titular de uma determinada parcela de poderes dentro de uma sociedade organizada, e deve ter maiores responsabilidades na realização da ‗solidariedade social‘82. Daí decorria a ideia de que o papel de prestador de serviço público deveria ser atribuído ao Estado‖,83 isso em razão da distribuição de responsabilidades, ou seja, de obrigações. Para DUGUIT, a noção de serviço público era um critério tanto para delimitar a competência administrativa como para limitar a atuação estatal. Assim, o poder dos governantes só existia por que estes teriam dever jurídico de cumprir determinadas obrigações (função social) aos governados.84 Conforme estudos de Monica Spezia JUSTEN, ―como dado objetivo e material, o serviço público seria o modo pelo qual o governante deveria realizar a racionalidade social global, por ele chamada de ‗solidariedade social‘. Não seria da vontade do 78 Nota-se que referido autor foi fortemente influenciado pelo pensamento sociológico de Emile DURKHEIM. Ibidem, p. 31. 79 Ibidem, p. 29. 80 BOURGES, Fernanda Schuhli. Aspectos da noção de serviço público no contexto brasileiro, p. 50. 81 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 29. 82 Vide nota de rodapé sob o número 32. 83 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 32. 84 BOURGES, Fernanda Schuhli. Aspectos da noção de serviço público no contexto brasileiro, p. 50. 15 governante que se originaria a necessidade de serviço público, mas da realidade, da história‖.85 DUGUIT acreditava que ―a obrigação dos governantes era de assegurar, sem interrupção, o cumprimento de certas atividades, eis que se referiam às necessidades elementares cotidianas‖. 86 Neste sentido, ―as atividades que deveriam ser obrigatoriamente cumpridas pelos governantes formariam o serviço público (...) ocorre que o próprio autor reconheceu ser impossível dar uma resposta fixa e geral de quais seriam estas atividades; afirmou que elas aumentariam conforme o grau de civilização‖. 87 Assim, referido autor compreendeu que a situação econômica do país iria determinar as obrigações e o sentido de atuação do Estado, formulando assim uma breve noção de serviço público, qual seja: ―toda atividade cujo cumprimento deve ser regulado, assegurado e controlado pelos governantes, por ser indispensável à realização e ao desenvolvimento da interdependência social que é de tal natureza que não pode ser assegurado completamente senão pela intervenção de força do governante‖.88 Para DUGUIT, ―os elementos essenciais desse sistema seriam o caráter objetivo dos serviços públicos, o reconhecimento legislativo dos serviços públicos, e a execução da obrigação que se impõem aos governantes‖.89 Contudo, observa-se que muitas críticas foram tecidas às referidas considerações de Léon DUGUIT. Neste sentido, Gaston JÈZE, como já mencionado, ―cingiu-se ao positivismo jurídico e tratou do serviço público sob a noção subjetiva e formal‖.90 85 86 p. 51. 87 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 32. BOURGES, Fernanda Schuhli. Aspectos da noção de serviço público no contexto brasileiro, Ibidem, p. 51-52. JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 35. 89 Ibidem, p. 37. 90 BOURGES, Fernanda Schuhli. Aspectos da noção de serviço público no contexto brasileiro, 88 p. 53. 16 Para JÈZE, ―o serviço público enseja um conjunto de regras e teorias jurídicas especiais para facilitar o desenvolvimento e execução de atividades de interesse geral‖ 91 , assim, deve estar vinculado ao regime de direito público. Conforme seus ensinamentos, não há o critério material para se verificar a existência de serviço público e, sim, ―a intenção dos governantes em relação à submissão ao procedimento de direito público da atividade administrativa considerada‖.92 Cabe mencionar que a prestação do serviço público será obrigatória mediante previsão legal.93 Desse modo, nota-se que ―o critério subjetivo de JÈZE permite, com maior clareza, aplicar o regime de direito público aos serviços eleitos como públicos, especialmente pelos Tribunais‖.94 Diante de todo o exposto, percebe-se que as considerações francesas surtiram uma grande influência às concepções de serviço público pátrio uma vez que também utilizaram os critérios material, subjetivo e formal para conceitualizar referido instituto. Porém, nota-se que, até mesmo a noção clássica do serviço público possui controvérsia, já que seus doutrinadores também não conseguiram alcançar uma solução unânime e uniforme de serviço público, mantendo-se universal somente em sua essência. Primeiramente, como já mencionado, somente existirá o serviço público se este estiver arrolado pela Constituição Federal, não existindo, desde modo, um serviço público por natureza ou por essência. Verifica-se que a qualificação do serviço se dá por discricionariedade política, podendo ser fixada não somente pela Carta Magna como também pela jurisprudência e pelos costumes vigentes em um momento histórico.95 Desse modo, nota-se que a Lei Maior partilhou os serviços públicos entre as três ordens federativas: a União, os Estados, Distrito Federal, e os Municípios.96 91 Ibidem, p. 54. Ibidem, p. 53. 93 Ibidem, p. 56. 94 Ibidem, p. 55. 95 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 87-88. 96 Ibidem, p. 90. 92 17 Deve-se atentar que a Magna Carta de 1934 não definiu nenhum conceito do que seriam os serviços públicos, porém, com o advento da Constituição Federal de 1988, esta forneceu algumas referências do que viriam a ser os serviços públicos.97 Assim, a Constituição da República atribuiu à noção de serviço público dois critérios: o sentido subjetivo e o sentido objetivo. Nas palavras de Dinorá Adelaide Musetti GROTTI, ―trata-se de atividade de titularidade do Poder Público, que não se desnaturam quando sua execução é delegada a particulares, pois a Constituição fixa um vínculo orgânico com a Administração, ao dispor, no caput do art. 175, que incumbe ao Poder Público a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão‖.98 Ainda, conforme ensinamentos de Dinorá Adelaide Musetti GROTTI, ―além de partilhar certas competências entre os diversos entes federativos, o constituinte demarcou uma área de competências comuns à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, no cumprimento de encargos em matérias de grande relevância social, a demandar uma atuação conjunta e permanente de todos os Poderes‖.99 Cabe mencionar, ainda, a distinção elencada por Celso Antonio Bandeira de MELLO entre serviço público e exploração estatal de atividade econômica. Nota-se que está em pauta ―atividade que o Texto Constitucional atribuiu aos particulares e não atribuiu ao Poder Público, admitindo, apenas, que este, excepcionalmente, possa empresá-la quando movido por ‗imperativos da segurança nacional‘ ou acicatado por ‗relevante interesse coletivo‘, como tais ‗definidos em lei‘‖ 100, operando em conformidade com o regime jurídico de Direito Privado, não sendo uma atividade pública. Para o referido autor, atividade econômica é uma ―atividade própria dos particulares; atividade privada, portanto, e, bem por isso, insuscetível de ser qualificada como serviço público‖.101 97 Ibidem, p. 89. Idem. 99 Ibidem, p. 96. 100 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit., p. 666. 101 Ibidem, p. 665. 98 18 Ressalta, ainda, que há certas atividades privadas, que, uma vez entregues à livre iniciativa, por força de lei, dependem de prévia autorização de órgãos públicos, ―destinada a verificar, no exercício de ‗polícia administrativa‘, se será desempenhada dentro de condições compatíveis com o interesse coletivo.‖ 102 Porém, nem todas as atividades ―deixaram de se constituir em exploração de atividade econômica, em atividade privada, integrante do reino da livre iniciativa‖ 103, não sendo, então, considerada um serviço público. Neste toar, Dinorá Adelaide Musetti GROTTI bem versa que ―não serão serviços públicos quando desempenhados pelos particulares em contexto de exploração de atividade econômica, tendo em conta que a Lei Maior não limitou a prestação deles ao Estado ou a quem lhe faça as vezes‖.104 A referida autora acredita que as atividades desenvolvidas pela ação dos particulares somente se submetem a condicionamentos e fiscalizações decorrentes das normas públicas, ou seja, ao chamado poder de polícia do Estado.105 E, continua, ―deve-se ter por atividade econômica toda a função voltada à produção de bens e serviços que possam ser vendidos no mercado, ressalvada aquela porção das referidas atividades que a própria Constituição reservou como próprias do Estado, por tê-las definido como serviço público, ou as reservadas a título de monopólio da União‖.106 Logo, tem-se que o artigo 173 da Constituição Federal107 restringe a exploração de atividades econômicas pelo Estado, ao passo que o artigo 175 da Carta Magna108 102 Idem. Idem. 104 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 96-97. 105 Ibidem, p. 97. 106 Ibidem, p. 134. 107 Art. 173: ―Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei‖. 108 Art. 175: ―Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: (...) I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; 103 19 dispõe que a titularidade dos serviços públicos é do Estado, bem como autoriza, de maneira expressa, a prestação indireta. Desse modo, é correto concluir que “os serviços públicos correspondentes à exploração de atividade econômica são serviços privados, atividades privadas, e não serviços públicos (excetuado o caso dos serviços de educação e saúde que, embora assistam no campo da atividade econômica, serão serviços públicos quando prestados pelo Estado)‖.109 (grifos do autor) É notório que a Administração Pública é voltada à satisfação das necessidades coletivas e que a legitimação do Estado depende da eficiência em que presta os serviços essências à coletividade, protegendo, deste modo, os direitos fundamentais, visando à criação de condições ótimas para todos os usuários. 110 Desse modo, verifica-se que a doutrina pátria reconhece o direito fundamental ao serviço público adequado, que está previsto no artigo 175, IV da Lei Maior. Assim, entende-se como direito fundamental ao serviço público adequado, a exigência a que o Estado está submetido em prestar e fornecer utilidades e comodidades materiais que são consideradas imprescindíveis à coletividade. Cabe ressaltar que alguns autores acreditam que o direito ao uso de determinados serviços é um direito fundamental.111 Após breve análise dos serviços públicos no contexto nacional, passa-se a analisar o serviço público no contexto da União Europeia. 3 NOVOS RUMOS DO SERVIÇO PÚBLICO E O DIREITO COMUNITÁRIO Tem-se que o Estado Social sofreu diversas mudanças e desafios, desse modo, passa-se a apreciar a crise do Estado Social, bem como o surgimento do Estado Regulador sob o enfoque dos serviços públicos, isto é, bem como apreciar os efeitos II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado‖. 109 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit., p. 674. 110 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. O poder normativo dos entes reguladores e a participação dos cidadãos nesta atividade. Serviços públicos e direitos fundamentais: os desafios da regulação na experiência brasileira. Op. cit., p. 14-15. 111 Ibidem, p. 15. 20 que a reforma do Estado gerou sobre a concepção clássica de serviço público na União Europeia. Verifica-se que a crise do Estado Social se deu principalmente pelos gastos elevados do poder público, pela carga tributária pesada para o seu financiamento, pelo déficit público incontrolável e pela ineficácia e ineficiência da gestão pública. A esses fatores, somam-se as exigências derivadas do processo de integração da Comunidade Europeia, ligada à construção do mercado único e a eleição do princípio da livre concorrência como vigente neste período, ocasionando a necessidade de disposição ao mercado, a iniciativa privada, certas atividades e serviços exclusivos do Estado.112 Com a mudança do modelo de organização jurídico-política do Estado, observase também uma significativa mudança quanto à forma de prestação dos serviços públicos, que passa de uma administração prestacional para administração de controle e garantia, isto é, uma administração reguladora. 113 Nota-se que o Estado intervencionista não tinha mais condições de promover o bem comum, ou seja, prestar e garantir a eficiência dos serviços públicos, passando-se a se comportar como Estado Regulador, com o objetivo principal de atender a dignidade da pessoa humana. Conforme entendimento de Jacques CHEVALLIER, a reforma do Estado pretende ser fiel às tradições republicanas nas quais não deixa de observar quatro garantias proporcionadas à população francesa: a igualdade de acesso aos serviços públicos, a coesão social da nação, o respeito ao direito e, por fim, a defesa dos interesses da França perante o mundo todo.114 Assim, tem-se que a reforma do Estado adaptou os serviços públicos às exigências do mundo moderno, uma vez que esses serviços, deveriam assegurar as 112 GONÇALVES, Pedro; MARTINS, Licínio Lopes. Os serviços públicos econômicos e a concessão no Estado Regulador. In: MOREIRA, Vital. (Org.). Estudos de regulação pública I. Coimbra: Coimbra, 2004. p. 180. 113 BOURGES, Fernanda Schuhli. Transformações nos serviços públicos e a prestação por particulares. In: BACELLAR FILHO, Romeu; BLANCHET, Luiz Alberto (Coord.). Serviços públicos: estudos dirigidos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 134. 114 CHEVALLIER, Jacques. A reforma do Estado e a concepção francesa do serviço público. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 120, n. 3, p. 35-58, set./dez. 1996. p. 36. 21 funções primárias do Estado, promovendo os valores republicanos, o interesse geral e o progresso econômico e social. 115 A partir dos anos oitenta, nota-se que a reforma do Estado modernizou a política administrativa da França, questionando estruturas nas quais repousavam a ação pública. A crise do Estado Social provocou a reforma administrativa, que foi explícita pelo surgimento de novas temáticas, quais sejam, produtividade, avaliação, novas tecnologias, inovação, transparência, entre outras.116 Desse modo, observa-se que essas temáticas foram tomadas por uma reforma sustentada pela ideia de modernização. Assim, verificam-se diversas novas ideias para melhorar a prestação dos serviços públicos, as quais se deram por meio de métodos de gestão privada, bem como por meio do desenvolvimento do diálogo social dos serviços, e por fim, porém não menos importante, por meio de colocar o usuário do serviço público no centro da administração pública — no primeiro plano — situando o cidadão no coração do serviço público, uma vez que seu objetivo sua prioridade, passa a ser o de melhor servir os cidadãos.117 Cabe ainda mencionar que, antes da reforma do Estado, o serviço público estava associado ao monopólio, ao público e ao Estado, sendo, então, contrário ao mercado. Deste modo, depois da referida reforma, observa-se a necessidade de dispor ao mercado algumas atividades e serviços que eram exclusivos do Estado. 118 Neste sentido, bem versa Agustín GORDILLO que ―a partir de los años 90 se recepta en el país el cambio de orientación mundial de las ideas económicas, tanto abandonando la regimentación de la economía privada como traspasando nuevamente a la actividad privada ciertas actividades asumidas medio siglo antes por el Estado‖.119 Houve, nesse período, a privatização de atividades públicas, isto é, o Estado deslocou certas tarefas, que lhe pertenciam, para o mercado, para a iniciativa privada. 115 Idem. Ibidem, p. 36-37. 117 Ibidem, p. 37. 118 BOURGES, Fernanda Schuhli. Transformações nos serviços públicos e a prestação por particulares, p. 134. 119 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rei, 2003. p. VI-3-VI-4. 116 22 Cabe ainda destacar que as tarefas privatizadas tinham uma importância essencial para o cidadão, continuando a ser consideradas como se fossem necessidades básicas.120 É importante citar que o Estado seleciona as atividades que continuará prestando: os serviços ligados à saúde, à segurança e à educação, e privatiza o restante das atividades. A privatização consiste na transferência das atividades exclusivas do Estado para a iniciativa privada, buscando sempre a quebra dos monopólios, uma vez que viabiliza essas atividades a diversos particulares, promovendo a concorrência e competição entre eles. 121 Com a privatização, o Estado deixa de prestar determinados serviços públicos e de ser o titular dessas atividades, entretanto, torna-se nada mais nada menos que o responsável em assegurar e garantir a existência e a prestação desses serviços, e ainda, responsável pelo controle e fiscalização dessas atividades.122 É neste contexto que surge o Estado Regulador, que passou a assumir a responsabilidade de regulação. Nota-se que o Estado deixa de prestar serviços essenciais e assume a responsabilidade para regular a execução, isto é, o dever de disciplinar o modo como os agentes do mercado passam a prestar referidos serviços. 123 Nesse toar, verifica-se que ―agora o Estado é regulador ao invés de ser responsável pela prestação dos serviços públicos, assume a atividade de regular a prestação dos serviços no mercado, deste modo, o Estado não estaria a se descomprometer por completo com as atividades correspondentes aos serviços públicos‖.124 Nesse sentido, uma vez privatizados os serviços, submetem-se ao direito privado, passando a ser necessárias apenas autorizações e licenças do Poder Público e a submissão às eventuais fiscalizações e regulações do Estado.125 120 GONÇALVES, Pedro; MARTINS, Licínio Lopes. Op. cit., p. 181-182. BOURGES, Fernanda Schuhli. Transformações nos serviços públicos e a prestação por particulares, p. 134-135. 122 Ibidem, p. 135. 123 GONÇALVES, Pedro; MARTINS, Licínio Lopes. Op. cit., p. 182. 124 BOURGES, Fernanda Schuhli. Transformações nos serviços públicos e a prestação por particulares, p.135. 125 Idem. 121 23 Quanto à questão do monopólio convém lembrar que a França estabeleceu uma ligação bem próxima entre serviço público e monopólio — a ligação que um implicava o outro. Ainda, acreditava-se que não haveria a possibilidade de proteger os direitos coletivos com a concorrência, isso porque a circular do dia 26 de julho de 1995 versou que o Estado deveria ―zelar, ao mesmo tempo, pelo cumprimento dos objetivos do serviço público e pelo respeito a regras leais de concorrência‖. 126 Nota-se ainda que ―asseguradas certas obrigações de serviço público, a tendência tem sido a desmonopolização, abertura para concorrência, com a admissão apenas dos monopólios naturais, por necessidade econômica, abandonando-se questões políticas‖.127 Neste sentido, quanto à privatização com desmonopolização, Agustín GORDILLO versa que al efectuarse la desestatización algunas actividades quedaron además desmonopolizadas, libradas a las reglas del mercado y la libre competencia, sin una destacada regulación estatal. Por cierto, el Estado mantiene el deber de controlar si se produce una tendencia monopolizante o de abuso de posición dominante en el mercado, con la finalidade de mantener la competencia como regla. Y hay casos en que la regulación existe sin que se aplique la calificación de servicio 128 público: bancos y entidades financieras, seguros, etc. No tocante à privatização com monopólio, o autor versa que ―si determinados servicios están en manos de particulares en condiciones monopólicas, sea de hecho o por concesión o licencia otorgada por la administración, el Estado debe ejercer su potestad de controlar cómo se presta ese poder. Allí reaparece un corpus normativo y una realidad económica que puede ser calificada útilmente como servicio público‖. 129 Continua o autor no sentido que puede ocurrir que en determinadas localidades exista libre competencia y ella falte en otras zonas del país para el mismo servicio y las mimas empresas; allí donde falta la libre competencia, por la razón que fuere, renace el poder regulatorio del Estado. Como aplicación de este criterio puede advertirse que en el monopolio se suele considerar que no pueden 126 CHEVALLIER, Jacques. Op. cit., p. 53. BOURGES, Fernanda Schuhli. Transformações nos serviços públicos e a prestação por particulares, p. 142. 128 GORDILLO, Agustín. Op. cit., p. VI-4. 129 Idem. 127 24 aplicarse sus resultados económicos ni el poder que él confiere sobre el mercado, para 130 subsidiar otras actividades realizadas en libre competencia. Por fim, conclui que así como en el pasado ha podido señalarse que lo típico del servicio público era un monopolio en manos del Estado, con la consecuencia de atribuir potestades al Estado prestador, ahora lo distintivo ha pasado a ser el monopolio en manos privadas, con l consecuencia opuesta de limitar las potestades y los derechos del prestador monopólico, limitación ésta que debe realizar 131 el Estado a través de sus tres poderes. Logo, a privatização132, no específico sentido aqui delimitado, significa a transição de um regime de direito público a um regime de direito privado, transição esta que pode envolver pessoas, bens ou atividades. Assim, tem-se que envolve a substituição de uma instituição pública por uma instituição controlada por indivíduos privados ou por uma pessoa jurídica. Neste sentido, nota-se que conceito de privatização pode ser entendido de duas formas, quais sejam, formal e substancial. 133 A privatização formal indica uma mudança na estrutura organizacional de uma entidade de direito público (empresa independente, empresa pública, ente gestor das participações do Estado) para uma entidade de direito privado (sociedades anônimas), sendo supervisionado por mãos públicas, do momento que o Estado continua a ser o proprietário de todas as ações ou da maior parte delas.134 130 Ibidem, p. VI-6. Idem. 132 Cabe mencionar que para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, existem diversos conceitos para a privatização, porém, o conceito disciplinado no direito brasileiro é o estrito ―que abrange apenas a transferência de ativos ou de ações em empresas estatais para o setor privado‖. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 25. 133 ―Con tale termine si indica il passaggio da un regime di diritto pubblico ad un regime di diritto privado, passaggio che può riguardare soggetti, beni o attività. Con particolare riferimento al primo tipo di privatizzazione, esso comporta la sostituzione di un ente pubblico con una società di capitali, di massima una società per azioni, controllata da privati o con una persona giuridica‖. DELPINO, Luigi; GIUDICE, Federico del. Diritto Amministrativo. 25. ed. Napoli: Simone, 2008. p. 636-637. 134 ―Privatizzazioni formale, indica il cambiamento della struttura organizzativa di un ente da pubblicistica (azienda autonoma, ente pubblico economico, ente gestore di partecipazioni statali) in privatistica (società per azioni), pur restando sotto il controllo della mano pubblica, dal momento che lo Stato rimane proprietario della totalità delle azioni oppure del pacchetto di maggioranza‖. Idem. 131 25 Já a privatização substancial, indica a transferência efetiva de partes de empresas ou de empresas inteiras pertencentes ao Estado para a iniciativa privada.135 Assim, conclui-se que com a reforma do Estado Social e a consequente instalação do Estado Regulador, houve a necessidade de privatizar os serviços públicos, quebrando assim com a ideia de monopólio do Estado. Deste modo, o Estado Regulador passa a gerenciar as atividades ao invés de prestá-las, cabendo à iniciativa privada prestar os serviços públicos de forma eficiente e célere. Assim, passa-se a analisar os diversos tratados que deram origem à União Europeia, bem como as inovações que o Direito Comunitário trouxe em matéria de serviço público. Após a Segunda Guerra Mundial, os países europeus estavam demasiadamente debilitados, deste modo, houve a necessidade de evitar novos conflitos buscando estabelecer bases concretas entre os países, diante disto, houve a celebração do Tratado de Paris (1951).136 Tem-se que referido tratado instituiu a primeira das Comunidades Europeias, a chamada CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), com a clara intenção pacifista de evitar novos conflitos bélicos entre as potências regionais. Nota-se que a CECA foi integrada pela Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Itália e Luxemburgo. 137 O processo de integração europeia evoluiu e na data de 25 de março de 1957, foi celebrado o Tratado de Roma que instituiu mais duas outras novas comunidades. A primeira foi a CEE (Comunidade Econômica Europeia) e a Euratom (Comunidade Europeia de Energia Atômica). Assim, tem-se que os três organismos (a CECA, a CEE e a Euratom) instituíram o ordenamento jurídico do Direito Comunitário. 138 A Comunidade Econômica Europeia foi caracterizada por ter definido um ―mercado comum, abrangendo todos os produtos e serviços para a construção de um ‗conjunto econômico progressivamente supranacional‘, pautado na preponderância do 135 ―Privatizzazione sostanziale, indica il vero e proprio transferimento di quote di società o di interi pacchetti azionari dallo Stato a soggetti privati‖. Idem. 136 GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos econômicos solução de controvérsias: uma análise comparativa a partir da União Europeia e Mercosul. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2005. p. 38-39. 137 Idem. 138 Ibidem, p. 40. 26 direito comunitário sobre o direito interno‖.139 Nesse mercado comum, deveriam ser asseguradas as quatro liberdades comunitárias, quais sejam: a livre circulação de bens, de serviços, de pessoas e de capitais.140 Conforme entendimento de Monica Spezia JUSTEN, ―a assinatura do Tratado de Roma, encetou, antes e acima de tudo, o projeto de alcançar a supremacia econômica dos seus signatários. Para isso, as mudanças deveriam tomar o rumo da liberalização e da redução da intervenção do Estado ao mínimo necessário à manutenção do funcionamento do mercado‖.141 Como bem versa Carlo AMIRANTE, a progressiva expansão de normas jurídicas, destinadas a assegurar o funcionamento de cada setor até a instauração de um mercado geral unicompreensivo, deixou pouco espaço para a introdução no ordenamento comunitário de regras e instituições alternativas, destinadas à promoção daqueles princípios, direitos e programas de desenvolvimento social, que no segundo pó-guerra eram considerados, pelas constituições de cada Estado, instrumentos indispensáveis 142 à convivência civil. Observa-se que o Tratado de Roma praticamente desconhece a existência dos serviços públicos143, sendo que o setor de transporte foi o único expressamente consagrado.144 Porém, é nesse tratado que surge a noção de ―serviço de interesse econômico geral‖.145 Cabe ainda mencionar que os objetivos do Tratado de Roma eram estabelecer um mercado comum por meio da criação de uma política econômica comum, que permitisse uma expansão contínua dos países, uma estabilidade crescente e por fim um aumento de nível da população europeia. 146 Diante do sucesso do processo de integração europeu, alguns países mostraram interesse em aderir ao referido tratado. Deste modo, tem-se que em 1972, o 139 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 73. Idem. 141 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 173. 142 AMIRANTE, Carlo. Uniões supranacionais e reorganização constitucional do Estado. São Leopoldo: Unisinos, 2003. p. 88-89. 143 MOREIRA, Vital. Os serviços públicos tradicionais sob o impacto da União Europeia. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, a.1, n.1, p. 227-248 , jan./mar. 2003. p. 233. 144 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit. p. 73-74. 145 MOREIRA, Vital. Op. cit., p. 233. 146 GOMES, Eduardo Biacchi. Op. cit., p. 40. 140 27 Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca aderiram ao tratado. Já em 1982 a Grécia, em 1986 Portugal e Espanha, em 1994, Áustria, Finlândia e a Suécia e em 2004, a Polônia, Letônia, Lituânia, República Tcheca, Eslováquia, Hungria, Estônia, Eslovênia, Malta e Chipre passaram a integrar a União Europeia.147 Cabe ressaltar que o processo integracionista europeu teve como intuito instituir o mercado comum no qual seu eficiente funcionamento dependeria de decisões tomadas por organismos comunitários. É importante destacar que entre os paísesmembros era assegurada a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais.148 A União Europeia foi fundamentada em três pilares, quais sejam, um mercado comum que era representado pela comunidade europeia (Comunidade Europeia, CECA e CEEA), cooperação entre os países para a defesa externa dos mesmos e por fim, cooperação policial judiciária em matéria penal e civil.149 Em 1992 os países-membros assinaram o Tratado de Maastrich, que teve como principal função a instituição do mercado comum. Referido tratado se caracterizou por ter sido responsável pela revisão do Tratado de Roma, bem como por ter modificado a denominação de Comunidade Econômica Europeia para Comunidade Europeia.150 Neste tratado, houve a instituição da União Europeia e inauguração formal da supranacionalidade no âmbito das relações interestatais.151 Cabe versar que com a assinatura do Tratado de Maastrich houve uma ―crescente tendência de proteção dos cidadãos e de seus direitos, paralelamente à preocupação de proteger o mercado‖152, ampliando o campo de intervenção das políticas comunitárias que passaram a se preocupar com o cidadão comunitário. Além 147 Ibidem, p. 41. Ibidem, p. 42. 149 Ibidem, p. 43. Conforme doutrina italiana, ―Con tale accordo veniva creata l‘Unione europea, una organizzazione anomala che da un lato inglobava le Comunità europee già esistenti e dall‘altro avviava la cooperazione tra gli Stati membri anche in settori non strettamente economici, come la politica estera comune, la politica di difesa europea, la cooperazione tra le forze di polizia e tra le autorità giudiziarie”. (grifos do autor) BASILE, Giovanna. Instituzioni di Diritto Pubblico. 17. Ed. Napoli:Simone, 2008. p. 51. 150 GOMES, Eduardo Biacchi. Op. cit., p. 43 e 64. 151 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 75. 152 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 187. 148 28 disso, referido tratado ―se ocupou também de outras questões, entre as quais a econômica, gerando reflexos nos mais diversos âmbitos comunitários‖. 153 É de bom alvitre mencionar que os reflexos gerados no âmbito comunitário pelo Tratado de Maastrich, culminaram no processo de adoção de uma moeda única que se deu por meio da assinatura do Tratado de Amsterdã de 02 de outubro de 1997. Logo, com a assinatura deste tratado o bloco europeu evoluiu para o estágio de união monetária. Esta evolução para união monetária não se deu de imediato, tendo o bloco econômico que passar por diversas etapas: a primeira etapa teve inicio em julho de 1990, e teve como intuito o ―reforço de coordenação de políticas econômicas e monetárias; a segunda, com a criação do sistema europeu dos bancos centrais e do Banco Central Europeu e a adoção de políticas visando à estabilidade monetária e de preços e à gestão das taxas de câmbio e reservas cambiais (Tratado de Maastrich); a terceira, se iniciou com a circulação do euro‖.154 O tratado de Amsterdã apresentou quatro grandes metas, quais sejam: ―1) colocar o emprego e os direitos dos cidadãos no centro das atenções da União Europeia‖; ―2) suprir os últimos entraves à livre circulação de pessoas e reforçar a segurança no espaço comunitário‖; ―3) conceder à União a possibilidade de ter voz própria nas questões internacionais‖ e por fim, ―4) introduzir algumas alterações institucionais para dar mais celeridade e eficácia aos processos decisórios comunitários e acolhido um trabalho de simplificação de todos os textos fundamentais da União, através de uma consolidação de manuseio fácil‖.155 Quanto aos serviços públicos, nota-se que foi depois da assinatura deste tratado que houve a consagração definitiva dos serviços de interesse econômico geral na ordem econômica. Conforme entendimento de Vital MOREIRA, ―foi nesse contexto que as diretivas comunitárias de liberalização de serviços públicos vieram estabelecer 153 GOMES, Eduardo Biacchi. Op. cit., p. 44 e 64. Ibidem, p. 43-44. 155 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 75. 154 29 elas mesmas ou permitir que os Estados-membros estabelecessem ‗obrigações de serviço universal‘ e ‗obrigações de serviço público‘.‖156 (grifos do autor) Já em 2001, houve a assinatura do Tratado de Nice que consolidou a reforma institucional do bloco econômico, bem como possibilitou a entrada de mais dez países à Comunidade Europeia. 157 Referido tratado alterou o ―Tratado da União Europeia, os Tratados que instituem as Comunidades Europeias e alguns atos relativos a esses Tratados, abrindo caminho ao alargamento da União Europeia, ao países da Europa central, oriental, mediterrânea e báltica e às alterações institucionais necessárias à adesão de novos Estados-membros.158 Deste modo, bem versa Monica Spezia JUSTEN que ―a Carta dos direitos fundamentais da União contempla em seu artigo 36º159, a garantia de respeito ao acesso aos serviços de interesse econômico geral, nos moldes estabelecidos pelas leis e práticas nacionais e conforme as regras do Tratado da Comunidade‖.160 Diante do exposto, cabe breve análise do Direito Comunitário Europeu. O Direito Comunitário Europeu, para uma das correntes doutrinárias, é um sistema jurídico sui generis, não se confundindo, deste modo com o direito interno dos paísesmembros. Neste contexto, nota-se que as normas comunitárias têm aplicabilidade imediata aos Estados-membros, sendo autônomas em relação a eles e criadas por órgãos de natureza comunitária.161 156 MOREIRA, Vital. Op. cit., p. 237. GOMES, Eduardo Biacchi. Op. cit., p. 43. 158 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Op. cit., p. 77-78. Neste sentido, como bem versa a doutrina ilatiana, ―All‘alba del nuovo millennio la sfida più importante presentatasi all‘Unione europea è stata quella di procedere al più grande allargamento della sua storia, con la prevista adesione di ben 12 Stati, in maggioranza appartenenti all‘Europa centrale e orientale, molti dei quali facevano parte dell‘ex blocco socialista. Per gestire al meglio tale allargamento era necessario ripensare l‘assetto instituzionale dell‘Unione, creato nel 1957 per solo sei Stati membri e da allora sostanzialmente immutato‖. BASILE, Giovanna. Op. cit., p. 52. 159 Art. 36. ―A União, reconhece e respeita o acesso os serviços de interesse econômico geral conforme sejam providos pelas práticas e leis nacionais, de acordo com o Tratado que estabelece a Comunidade Européia, com o fim de promover a coesão social e territorial da União‖. 160 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., 220. 161 GOMES, Eduardo Biacchi. Op. cit., p. 106. 157 30 Deste modo, conclui que o Direito Comunitário constitui um novo sistema jurídico, totalmente diferente de qualquer outro sistema jurídico existente.162 Conforme outros posicionamentos doutrinários, o Direito Comunitário seria um sistema jurídico em ―estágio superior da evolução do Direito Internacional Público‖, uma vez que tem como fonte primária seus tratados constitutivos. 163 Com a ratificação dos tratados comunitários foi estabelecido um novo tipo de ordenamento jurídico (no campo dos direitos internacionais), que impõe aos Estadosmembros, comportamentos específicos para a adesão à união econômica e monetária. A principal característica da comunidade supranacional é o fato de que as relações entre os Estados-Membros não são marcadas pela mera coordenação intergovernamental para alcançar os objetivos da instituição, mas são subordinados diretamente à vontade superior da comunidade.164 Em comparação com as organizações de cooperação simples (ou seja, as organizações internacionais clássicas), estas organizações têm algumas particularidades; isso porque, para realizar o processo de integração, os Estadosmembros devem limitar sua soberania, atribuindo a instituição de organização o poder de tomar decisões vinculativas para todos os Estados, reconhecendo a aplicabilidade direta à lei emanada a partir da organização.165 Monica Spezia JUSTEN, bem versa que ―o direito comunitário impõe que se adote uma nova postura diante do setor tradicionalmente regido pelo regime de direito 162 Idem. Ibidem, p. 106-107. 164 ―Con la ratifica dei trattati comunitari è stato istituito un nuovo tipo di ordinamento giuridico (nel campo del diritto internazionale) che impone agli Stati membri determinati comportamenti per il raggiungimento di un‘unione economica e monetaria tra gli stessi. La caratteristica di tale comunità sovranazionale è rappresentata dal fatto che i rapporti fra gli Stati membri non sono improntati alla mera coordinazione intergovernativa per il raggiungimento dei fini dell‘ente, ma sono subordinati direttamente (solo in determinati campi) alla volontà superiore dell‘ente stesso‖. BASILE, Giovanna. Op. cit., p. 49-50. 165 ―Rispetto alle organizzazioni di semplice cooperazione (vale a dire le classiche organizzazioni internazionali), queste organizzazioni presentano alcune particolarità; infati, perché si realizzi il processo di integrazione, ocorre che gli Stati membri limitino in qualche modo la propria sovranità, attribuendo alle istituzioni dell‘organizzazione il potere di prendere decisioni vincolati per tutti gli Stati, riconoscendo diretta applicabilità al diritto emanante dall‘organizzazione e conferendo completa autonomia dai governi nazionali ad alcuni organi decisionali‖. Ibidem, p. 50. 163 31 público, deixando que as regras de direito privado e a lógica de mercado sejam, respectivamente o fundamento e o vetor do novo serviço público‖.166 Os serviços públicos no passado eram prestados em regime de monopólio por empresas públicas ou empresas privadas sob o regime de concessão, hoje, ao invés disso os serviços públicos se tornaram, na maioria dos casos, objeto da iniciativa privada. Este é o resultado da intervenção do direito comunitário, que não permite restrições à concorrência e à livre circulação de mercadorias.167 Cabe mencionar que os Estados-membros poderiam manter os monopólios, porém esta conduta deveria estar de acordo com o ordenamento jurídico comunitário. 168 Verifica-se que o serviço público deve ser visto como uma atividade realizada por uma entidade pública ou privada, com a finalidade de atender a busca do interesse público geral. Com base em um ato do poder público, o direito comunitário superou a ideia de uma gestão totalmente pública dos serviços públicos, introduzindo, deste modo, a regra da concorrência.169 Porém, os Estados-membros devem obedecer regras diversas no tocante à regulação da concorrência, ou seja, ficam impedidos de praticar acordos verticais, ―abusos de monopólios, proteção de empresas nacionais ou qualquer outra modalidade de protecionismo‖.170 Nota-se que a União Europeia se preocupou em promover um espaço de livre circulação em termos concorrências, deixando de lado a noção de serviço público. 166 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 169. ―I servizi pubblici venivano, in passato, erogati in regime di monopolio da imprese pubbliche o da concessionari incaricati dall‘amministrazione; oggi, invece sono diventati, nella maggior parte dei casi, oggetto dell‘iniziativa economica dei privati. Ciò è il risultato dell‘intervento del diritto comunitario, che non ammette limitazioni alla concorrenza ed alla libera circolazione di mercato‖. (grifos do autor) DELPINO, Luigi; GIUDICE, Federico del. Op. cit., 609. 168 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 169. 169 ―In particolare, il servizio pubblico viene a configurarsi come una attività esercitata da un‘impresa pubblica o privata, finalizzata al perseguimento del pubblico interesse economico generale gestite da um soggetto pubblico o privato, sulla base di un atto del potere pubblico, il diritto comunitario ha così superato l‘idea di una gestione totalmente pubblicistica dei servizi pubblici, introducendo, in tale settore, la regola della concorrenza”. (grifos do autor) DELPINO, Luigi; GIUDICE, Federico del. Op. cit., 609. 170 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 174. 167 32 Cabe mencionar que o artigo 90 (atual artigo 86, §2º171) do Tratado da Comunidade introduziu a noção de serviço de interesse geral.172 Nesse contexto, tem-se que ―o serviço público ou o serviço de interesse econômico geral configuram, não mecanismos normais de actuação ou intervenção pública, mas mecanismos que funcionam através do mercado e das regras de concorrência‖. 173 A Comunicação da Comissão nº 281/1996 define os serviços de interesse econômico geral como sendo ―as atividades de serviço comercializáveis que preenchem missões de interesse geral, estando, por conseguinte, sujeitas a obrigações específicas de serviço público‖.174 Assim, serviço de interesse econômico geral ―é uma noção central em direito comunitário que visa abarcar, num supra conceito, a totalidade de concepções dos países-membros a propósito do ‗serviço público‘ (em especial construção do serviço público francesa e das public utilities anglosaxónicas)‖.175 Podem-se destacar algumas notas que agregam à noção de serviço de interesse econômico geral, quais sejam: a existência de um serviço (qualquer prestação), que deve ser um serviço de interesse público (no âmbito material), de caráter econômico e de interesse geral.176 Nesse cariz, tem-se que o interesse geral pode ser suprimido tanto por uma empresa pública quanto por uma empresa privada, podendo a atividade ser desempenhada tanto pelo Estado quanto pelo particular, importando somente que as regras à concorrência sejam respeitadas.177 171 Art. 86, §2º. ―As empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse econômico geral ou que tenham a natureza do monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de fato, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afetado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade‖. 172 GONÇALVES, Pedro; MARTINS, Licínio Lopes. Op. cit., p. 187-188. 173 Ibidem, p. 196. 174 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 179. 175 GONÇALVES, Pedro; MARTINS, Licínio Lopes. Op. cit., p. 198. 176 Ibidem, p. 204. 177 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 185. 33 Logo, conforme entendimento de Franck MODERNE, cabe aos Estadosmembros definir de quem será a competência para prestar os serviços de interesse econômico geral.178 Continua o autor: ―aparentemente son servicios de interés económico general aquellas actividades que conforman la infraestructura de las actividades económicas (energía, telecomunicaciones, correos, transportes) o las actividades cuya finalidad primaria no es empresarial siempre que se produzcan dentro del sistema económico, dominado por el imperativo de la competencia‖.179 O Tratado de Amsterdã, seu artigo 16180, consagrou definitivamente na ordem comunitária os serviços de interesse econômico geral, sendo ―considerado parte do regime jurídico da concorrência, desde que isso não interfira no cumprimento de sua ‗missão‘ específica‖.181 Logo, ―a noção de serviço de interesse geral incorpora uma concepção material, funcional ou, ainda, objetiva de serviço público. Isso significa que o aspecto subjetivo perde em relevância para o reconhecimento do instituto. Importa apenas que se trate de uma atividade material que persegue o fim de interesse público‖.182 É oportuno ressaltar que ―outro dado importante dessa nova concepção é a sua relativa indiferença quanto à questão do regime jurídico da atividade prestada. Para o direito comunitário o regime jurídico tornou-se uma opção que o legislador fez no memento em que identifica uma dada atividade como de interesse geral‖. 183 Cabe ainda mencionar que o serviço de interesse econômico geral está associado a uma noção mais ampla, ou seja, a noção de serviço de interesse geral, que 178 MODERNE, Franck. MODERNE, Franck. La idea de servicio público en el derecho europeo: nuevas perspectivas. In: CASSAGNE, Juan Carlos (Dir.). Servicio Público y Policía. Buenos Aires: Universitas, 2006. p. 18. 179 Idem. 180 Artigo 16. ―sem prejuízo no disposto nos artigos 73, 86 e 87, e atendendo à posição que os serviços de interesse econômico geral ocupam no conjunto dos valores comuns da União e ao papel que desempenham na promoção da coesão social e territorial, a Comunidade e os seus Estados-Membros, dentro do limite das respectivas competências e no âmbito de aplicação do presente Tratado, zelarão por que esses serviços funcionem com base em princípios e em condições que lhes permitam cumprir as suas missões.‖ 181 AMIRANTE, Carlo. Op. cit., p. 91. 182 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 229. 183 Idem. 34 consiste nas ―actividades de serviços, comerciais, considerados de interesse geral pelas autoridades públicas e, por esse motivo, sujeitas a obrigações específicas de interesse público‖.184 (grifos do autor) Nessa senda, tem-se que em 21 de maio de 2003, foi instituído o Livro Verde que teve por objetivo organizar um debate sobre o como a União Europeia deveria fornecer os serviços de interesse geral, bem como sobre a forma que esses serviços são organizados, financiados e avaliados. Quanto aos serviços universais, tem-se que estes tiveram origem no direito americano, vindo a ser incorporados posteriormente pelo Direito Comunitário, sendo introduzido por meio do Ato Único de 1986, com a finalidade de não excluir uma parcela dos cidadãos ao processo tecnológico.185 Os serviços universais para uns são considerados como ―um conceito vizinho do conceito tradicional de serviço público‖ e para outros ―reforça e concretiza a noção de serviço público‖.186 Monica Spezia JUSTEN, bem versa que ―a ideia principal de que se reveste a concepção de serviço universal é a de que ele visa assegurar a existência de prestações essenciais, ou mínimas, de qualidade e de preço acessível‖.187 Nesta senda, trata Franck MODERNE: la idea es la de que se debe conseguir la prestación de ciertos servicios básicos (el de correos, el de comunicaciones electrónicas, etc.), que se consideran de interés público, que los ciudadanos deben poder usar en todo el territorio nacional a precios razonables, en condiciones de igualdad de trato aceptables y con una calidad garantizada, aunque no en todas partes sean 188 servicios rentables. O direito comunitário aplicou primeiramente a noção dos serviços universais no setor das telecomunicações e dos correios e depois no setor de transportes, de energia elétrica e de gás.189 184 GONÇALVES, Pedro; MARTINS, Licínio Lopes. Op. cit., p 199. JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 193-194. 186 GONÇALVES, Pedro; MARTINS, Licínio Lopes. Op. cit., p 205. 187 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 193. 188 MODERNE, Franck. Op. cit., p. 22. 189 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 195. 185 35 Assim, conforme entendimento de Monica Spezia JUSTEN, verifica-se que a noção se serviço universal é: ―o serviço ou conjunto de serviços mínimos definidos, que visam a assegurar o acesso de todos os usuários a prestações essenciais de uma determinada qualidade e a preços justos em face das condições específicas nacionais. Intrínsecos à noção são os três princípios gerais clássicos de serviço público: universalidade, igualdade e continuidade‖.190 Logo, tem-se que o serviço universal se diferencia dos serviços de interesse econômico geral em razão de se submeter a um regime especial.191 Neste sentido, bem versa Juan Martín González MORAS: a) la noción de ―servicio universal‖ debería ser vinculada directamente a la regulación de los servicios prestados a través de ―redes transeuropeas‖ es decir, éstas definirían el ámbito infraestructural de regulación preponderantemente comunitaria (infraestrutura que sería construida, materialmente, a partir de la interconexión de las ―redes nacionales‖ y de la homologación técnica de las mismas, de manera de garantir las posibilidades de acceso a ellas, y jurídicamente por la uniformidad regulatoria a través del Derecho comunitario); b) a noción de ―servicio de interés económico general‖, por su parte, debería dejarse a una especificación preponderantemente local, que incorpore, por un lado, los ―mínimos‖ garantidos en la regulación del ―servicio universal‖, y por otro, las posibles modificaciones a los mismos o a las formas de organización de los servicios que localmente sean considerados necesarias (admitiéndose en estos casos una aplicación de más amplia de las excepciones al principio de la concurrencia del tratado), en la búsqueda de la optimización 192 de la utilización de los recursos a nivel regional que ya hemos comentado. Cabe ainda mencionar que com relação ao prestador do serviço universal, este pode ser empresa pública ou privada, dependendo da opção adotada pelo direito interno de cada Estado-membro.193 Resta ainda observar que conforme entendimento de Pedro GONÇALVES e Licínio Lopes MARTINS existe ainda obrigações de serviço público, que se tornam mais evidentes na medida que se diferenciam as noções de serviço público obrigatório (visa satisfazer necessidades essenciais) e serviço não obrigatório (visa a satisfação de necessidades não tão intensas).194 190 Idem. Ibidem, p. 229. 192 MORAS, Juan, Martín González. Los servicios públicos en la unián europea y el principio de subsidiariedad. Buenos Aires: Adhoc, 2000. p.185. 193 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 200. 194 GONÇALVES, Pedro; MARTINS, Licínio Lopes. Op. cit., p 207. 191 36 Neste sentido, ―as obrigações de serviço público, ainda que variáveis consoante o país e o sector em causa, não são senão as constrições a que um serviço de interesse econômico geral ou serviço universal deve obedecer‖, 195 isto é, seria a ―sujeição a um estatuto mínimo comum, que engloba um conjunto de obrigações‖. 196 Essas obrigações estão ligadas às Leis de Rolland, isto é, a um regime jurídico próprio.197 Diante de todo o exposto, pode-se concluir que os serviços públicos estão sofrendo um período de adaptação a uma nova realidade, uma vez que ao analisar a noção francesa de serviço público e a noção presente nos Tratados Comunitários, verifica-se que ambas estão intimamente ligadas a seus conceitos intrínsecos.198 Sendo assim, observa-se que ―a ideia de serviço público para o direito comunitário poderia ser compreendida melhor pelos seus efeitos do que pelo seu conceito‖.199 Deste modo, tem-se que ―em virtude da existência da expressão serviço de interesse econômico geral, do artigo 86, §2º, e da consagração da expressão (...) serviço universal, estar-se-ia diante da manifestação de dois dos efeitos da noção de serviço público‖.200 Nota-se que cada país e cada povo tem sua peculiaridade no tocante aos serviços públicos, fazendo com que a prestação desses serviços, o regime jurídico e também as expectativas de cada povo com relação ao desempenho do Estado sejam diversas. Logo, em conclusão verifica-se que esse diferencial não pode se sujeitar à unificação do direito comunitário, uma vez que o serviço público esta ligado à soberania de cada Estado-membro, cabendo a eles decidir o que seria o serviço público e o regime jurídico aplicado a ele.201 195 Idem. Ibidem, p. 208. 197 Idem. 198 JUSTEN, Monica Spezia. Op. cit., p. 222. 199 Idem. 200 Idem. 201 Ibidem, p. 223. 196 37 CONCLUSÃO Esse trabalho buscou traçar um panorama, a partir da perspectiva teórica, de como ocorre a prestação dos serviços públicos no contexto nacional e em âmbito estrangeiro, notadamente na esfera do Direito Comunitário Europeu. Quanto ao surgimento histórico dos serviços públicos, pode-se concluir que este se deu na França, na Escola do Serviço Público, e teve como maiores defensores os autores Léon DUGUIT e Gaston JÈZE. Cabe ainda mencionar que parte da doutrina considera o caso Blanco como o marco inicial dos serviços públicos franceses. Quanto à noção de serviço público, conclui-se que há uma grande divergência doutrinária, principalmente em relação aos seus principais aspectos. Há autores que acreditam existir somente o elemento material e o formal. Outros defendem a existência do elemento material, do elemento formal adicionado ao critério objetivo, sendo que este último posicionamento seria o mais adequado, uma vez que nenhum dos critérios, por si só oferecem condições suficientes para delimitar uma noção satisfatória de serviços públicos. Do estudo realizado, adotou-se a noção de serviço público explicada por três elementos: subjetivo, material e formal. Por isso, atribuiu-se relevância ao tema do regime jurídico. Este elemento consiste no critério formal da noção de serviço público; são os princípios utilizados para impor a adequada prestação dos serviços públicos, enunciados primeiramente pelas chamadas ―Leis de Rolland‖. Quanto à noção clássica de serviço público na concepção francesa, verifica-se que esta, na presente pesquisa, basicamente foi analisada diante da visão de dois autores diversos, de Léon DUGUIT e Gaston JÈZE. Entendeu-se que a melhor definição, diante das necessidades concretas da sociedade, seria a união de ambos os conceitos. Cabe mencionar que as referidas considerações francesas influenciaram as concepções de serviços públicos pátrio. No decorrer do trabalho monográfico, percebeu-se que essa noção de serviço público clássica sofreu fortes abalos, uma vez que houve a mudança nos seus elementos, ocasionando diversas crises. 38 Com relação ao serviço público pátrio, conclui-se que a Constituição Federal enumera determinados serviços de competência dos entes federativos, bem como traça alguns princípios que devem ser observados para sua prestação. Apesar disso, verificase que a Carta Magna não traça um regime jurídico uniforme para a prestação desses serviços. Já no tocante aos serviços públicos no âmbito da União Europeia, verificou-se que em um primeiro momento, os serviços públicos foram praticamente esquecidos, uma vez que não foi contemplada a matéria pelo Tratado de Roma, no qual só continha a expressão ―serviço de interesse econômico geral‖. A partir do Direito Comunitário, a noção de serviço público traz novos enfoques que, de uma maneira geral interferem nas concepções tradicionais adotadas pelos Países-membros. Na França, a noção à francesa de serviço público foi incorporada ao Direito Comunitário e, a partir dela, emergiram novas noções: o serviço de interesse geral, o serviço de interesse econômico geral e o serviço universal. O presente trabalho não visou exaurir o tema proposto, mas humildemente, tentou fazer referência a situações atuais sobre o serviço público, procurando trazer para o debate nacional as maiores discussões sobre o presente tema. REFERÊNCIAS AMIRANTE, Carlo. 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