UM ASPECTO IMPORTANTE PARA GARANTIR A
QUALIDADE DO ENSINO DE ENGENHARIA
Archimedes Azevedo Raia Junior
Universidade Federal de São Carlos-UFSCar
Departamento de Engenharia Civil-DECiv
Via Washington Luis, km 235
Cx.P. 676
13565-905 – SÃO CARLOS - SP
e-mail: [email protected]
Resumo. O sistema educacional brasileiro, particularmente o ensino de engenharia, necessita
passar por um processo de reformulação que venha a garantir um salto significativo de Qualidade.
Esse parece ser o entendimento da maioria das pessoas envolvidas na área. Ao longo do tempo,
pouco se questiona a respeito da postura dos atores do processo de ensino nas universidades,
sejam eles professores, alunos, funcionários e dirigentes. Em geral, o ensino de engenharia vem
sendo ministrado de forma tecnicista, utilitarista, esquecendo-se a importância do caráter
humanístico, que deve caminhar de forma paralela com o ensino dos aspectos tecnológicos. O
profissional a ser formado pelos Cursos de Engenharia têm a competência, o dever de colaborar
na construção de uma Nova Humanidade, qualquer que seja a sua especialização. A Engenharia,
quando aplicada de forma correta, deveria ajudar a garantir à toda a sociedade a sua plena
participação no processo de reprodução social, onde o homem é o centro de tudo. Esta Nova
Humanidade que, acredita-se, seja a aspiração de todos os cidadãos, deverá proporcionar, de
maneira geral, melhor qualidade de vida à população. Este trabalho tem como objetivo apresentar
algumas reflexões sobre o papel do docente, bem como a sua atuação na formação do futuro
engenheiro.
Palavras-chave: Humanidades; Qualidade de vida; Ensino de Engenharia.
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1.
INTRODUÇÃO
O sistema educacional praticado no Brasil, segundo Raia Jr. [1], precisa de uma reformulação e aperfeiçoamento
em todos os níveis, começando pelo básico, pelo médio, passando pelo terceiro grau, chegando até na formação de
mestres e doutores. Assim sendo, o ensino de graduação e pós graduação apresenta as mesmas carências e, portanto,
necessitam de melhorias. No ensino superior, as universidades públicas vivem uma crise sem precedentes, com
drásticas reduções orçamentárias e dos fundos de pesquisa, aliadas a uma onda de aposentadorias do corpo docente.
Mas, isso não é tudo.
“O despreparo profissional para a atuação na sociedade de muitos egressos das Escolas de Engenharia”, afirma
Bazzo [2], “constitui fator de preocupação para aqueles que têm sob sua responsabilidade o planejamento, a execução e
a avaliação dos processos de ensino nestas instituições”.
Fortes & Souza [3] fazem uma análise interessante sobre as condições do ensino, quando afirmam que “uma das
principais causas do desvirtuamento, deterioração, ineficiência e fracasso do sistema de ensino reside no fato de que,
intencionalmente e sistematicamente, não se reconhece sua dimensão e o seu caráter político. A análise do conteúdo e
dos resultados das reformas educativas já realizadas demonstram o caráter tecnocrático das mesmas, sua preeminência
utilitarista, sua neutralidade e apolicidade enganadoras”. A esta análise pode-se acrescentar um aspecto importante, que
é a falta de característica mais humanística na relação instituição-docente-aluno.
Esta visão é também corroborada por Ferraz [4] quando diz que “o problema com o qual os homens de nosso
sistema educativo pouco têm-se preocupado é o da identificação das relações realmente existentes entre o ensino
ministrado nas escolas, em todos os graus, sobretudo no superior, e os objetivos sociais, nem sempre são claramente
definidos e compreendidos, para uma ação educativa coerente”.
Em alguns casos, a universidade brasileira, intencionalmente ou não, procura adequar a sua função social ao
papel do mercado capitalista, uma vez que pode estar subordinada às imposições políticas e governamentais, pois delas
pode depender. No entanto, é de grande importância que ela não se deixe transformar em uma escola puramente técnica;
a universidade tem de avançar para além do seu tempo, formando pessoas com capacidade e potencial intelectual
criativo. É importante resgatar o lugar do pensar dentro da universidade, pois o avanço tecnológico, bem como novas
exigências do mercado interessam-se, hoje, muito mais pela capacidade de pensar do que propriamente o sistema
educacional, segundo Righetto [5].
“Diante das discussões, das indagações e das análises sobre a situação em que se encontra o comportamento do
ser humano frente a todos os desafios que lhe são impostos, não podemos ficar alheios como se nada fosse de nossa
competência, achando que os futuros engenheiros passarão incólumes por essas significativas mudanças
comportamentais. Parece ser este o momento para marcar posição da Engenharia. Há espaço, há ambiente para se
investir numa nova forma de educação” Ref. [2].
Pretende-se aqui, como objetivo deste trabalho, desenvolver algumas reflexões consideras fundamentais para o
ensino de qualidade, voltado para os problemas sociais e que venha responder às necessidades do nosso País, no campo
da Engenharia, para a concretização de uma Nova Humanidade. E o que é esta Nova Humanidade? Nada mais é do que
uma sociedade onde a Engenharia, a Medicina, as Ciências Humanas e Exatas, enfim todas as áreas de conhecimento
estejam realmente voltadas e atuando com o objetivo precípuo: o bem estar do homem, a verdadeira qualidade de vida,
a sustentabilidade do planeta, a unidade entre as pessoas, etc. (ver Fig. 1).
Bem estar
Unidade
Ser Humano
Qualidade
de vida
Sustentabilidade
Figura 1. A construção da Nova Humanidade: em direção ao Ser Humano
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2.
O ENSINO EXAGERADAMENTE TECNICISTA DA ENGENHARIA
É comum que as engenharias tenham enfoque quase que totalmente tecnicista. Acredita-se que as soluções
adotadas, levando-se em conta os mais famosos compêndios de Engenharia, possam resolver todos, ou quase todos, os
problemas técnicos e sociais inerentes à área. Constata-se, na prática, que isso não é verdadeiro. Grandes projetos
elaborados em escritórios totalmente equipados e confortáveis, onde trabalham renomados engenheiros, quando não
discutidos e burilados juntamente com a comunidade envolvida e visando explicitamente o seu bem estar, tendem ao
fracasso, na sua quase totalidade.
O engenheiros recebem nos bancos das universidades, em geral, conhecimentos puramente teóricos, técnicos,
totalmente desprovidos de uma visão humanística. Ao engenheirando são transmitidas formas de como tratar os
problemas de maneira fria, como se aquilo não interferisse na vida diária de grande parcela da população.
Os engenheiros, de qualquer área, trabalhando no setor público ou iniciativa privada, deveriam prestar seus
serviços, de maneira que os seus conhecimentos adquiridos nas escolas de engenharia fossem aplicados na direção única
e exclusiva visando ao bem-estar do homem. Esse mesmo homem, salvo rara exceção, é esquecido pelo profissional
quando procura soluções para os seus problemas, ou seja, o profissional nem sempre trabalha com o intuito de
apresentar o melhor projeto, o melhor trabalho, a melhor solução, etc., mas sim aquilo que proporciona maior lucro.
A raiz dessa deficiência pode residir, ao menos em parte, na falta da visão humanística, na falta de sensibilidade,
na falta de um comprometimento dos professores de engenharia com a edificação de uma Humanidade Nova. Estes
professores, porque assim também foram formados, transmitem aos alunos as próprias deficiências, as suas carências e
por que não dizer, o seu despreparo.
É necessário que, nos bancos escolares, os alunos aprendam, além da técnica, a problemática social vigente na
sua cidade, estado e país; a forma com que a técnica adquirida na universidade pode contribuir para a solução, ou ao
menos, o abrandamento dos problemas sociais Ref. [1]. Cabe a cada área de conhecimento da humanidade uma parcela
importante na transformação deste mundo segmentado, insensível, egoísta, devastador do meio ambiente, desunido,
edificar uma Humanidade Nova, que nada mais é do que um mundo renovado pela solidariedade, pela preservação
ambiental e pelos verdadeiros valores humanos, que possam conduzir não a uma sociedade globalizada, mas um mundo
unido e fraterno. Aliás, a este respeito fala Cidade Nova [13], que a globalização deveria ser substituída pela
mundialização, porque um mundo unido supõe a participação de todos e em todos os campos: engenharia, ciência,
tecnologia, cultura, religião etc., com ganhos partilhados
O ensino atual, “eminentemente pragmático e utilitário, concentra sua atenção na aquisição de conhecimentos e
no desenvolvimento de habilidades intelectuais, que são designação de modos de operação e técnicas gerais de
tratamento de temas e problemas; são denominados por certos autores, pensamento crítico, pensamento reflexivo,
resolução de problemas. Entretanto, o desenvolvimento integral da pessoa exigirá uma atenção igual, ou mesmo
superior ao desenvolvimento afetivo e emocional do estudante” Ref. [3].
“A esta altura do século torna-se impossível, até para educadores medianamente conscientes, desligar as
implicações econômicas, sociais e políticas de suas atividades pedagógicas. Sociólogos e educadores de diferentes
tendências estão de acordo que já não há motivo para pretender ocultar o fato tão evidente e tão essencial para a
compreensão exata do fato educativo. Educar é, portanto, socializar, preparar indivíduos para uma sociedade concreta e
ideologicamente definida” Ref. [3].
Varela [6] afirma “que não é exatamente contra o uso ou o ensino de métodos científicos (...) mas sim contra as
limitações epistemológicas impostas pela ideologia do determinismo científico, em detrimento de posturas mais
libertadoras do pensamento”.
Uma nova visão para o ensino na Engenharia Civil, por exemplo, é também corroborada por Santos e Silva [7],
os quais sugerem uma reestruturação do arcabouço curricular que privilegie a uma compreensão mais abrangente da
cidade e do território, em seus aspectos físicos, sociais, econômicos e ambientais.
A adoção de uma formação humanística ao engenheiro é defendida por Souza e Agazzi [8], pois, ele “se prepara
para lidar com situações cambiantes de mercado, para enfrentar problemas de ordem social ou ligados à preservação do
meio ambiente, para se relacionar adequadamente com as pessoas, sejam elas clientes externos ou internos ou
subordinados, para adaptar ele mesmo às contínuas mudanças das estruturas empresariais, para desenvolver qualidades
de liderança e para desempenhar com lisura suas obrigações éticas”.
Melhorar a formação do engenheiro, na atualidade, segundo Pacheco [9], passa necessariamente por um processo
de ensino-aprendizagem que forme o engenheirando com pensamento estruturado, com capacidade verbal e escrita de
comunicar suas idéias, além das aptidões naturais da profissão, no entanto, mais inteligente emocionalmente, com uma
formação mais holística.
A precariedade da formação humanística dos estudantes de engenharia e, sobretudo enquanto seres humanos,
traduzida sob a forma de conhecimentos curriculares que colocam em relevo a racionalidade funcional em vez de deixar
fluir a racionalidade substancial, que conferiria a eles a ética da convicção que está estreitamente associada com a
característica que faz do homem o ser mais evoluído, ou seja , a sua liberdade de escolha e de decisão.
As exigências da sociedade de hoje, num mundo em constante transformação pela dinâmica da tecnologia,
apontam a necessidade da formação do engenheiro alicerçada em convicções metodológicas que confiram igual
importância ao seu conhecimento, afetivo e social. O engenheirando deve estar comprometido com a função social que
envolve os componentes legais e éticos do exercício de engenharia, considerando-a uma garantia das futuras condições
de vivência e sobrevivência do ser humano.
EQC - 56
O mundo, hoje, não aceita mais o profissional que tenha apenas uma visão parcial da sociedade. A sociedade
espera e precisa de um profissional completo, inicialmente como homem, com formação ética, religiosa e humanística
e, posteriormente, como engenheiro e por que não dizer como técnico de qualquer outra área, competente, responsável,
solidário e agregador.
3.
QUANDO A ENGENHARIA NÃO CONSTRÓI
Quando os engenheiros são formados, amalgamados, sem a dose necessária de ética, humanidade, sensibilidade
para o social, para a sustentabilidade e preservação do meio ambiente, as conseqüências, muitas vezes, são desastrosas.
Um pequeno exemplo disso será apresentado a seguir.
Parece pouco provável que a grande maioria das pessoas esteja satisfeita com a sociedade moderna, onde o mais
forte sobrepõe o menor; nações poderosas massacram e subjugam as do terceiro e quarto mundos; onde o poderio
tecnológico não é compartilhado com os menos desenvolvidos, onde a tecnologia gera a violência como proposta de
defesa, etc. As cidades, lares estendidos onde moram as pessoas, estão em processo falimentar, com sério
comprometimento da qualidade de vida e da sustentabilidade.
Os sistemas urbanos podem ser considerados como o sangue da cidade, fazendo-se uma analogia ao corpo
humano. Se falta sangue, o corpo morre; se este mesmo sangue está doente, todo o corpo está doente e, portanto, a
cidade padece. Fazer “hemodiálise”, é apenas um paliativo para o corpo não parar, mas não é solução. Portanto, o
“hematologista” urbano, ou seja o engenheiro urbano, tem uma função social esplêndida e é preciso que ele atue de
maneira plena de forma a se preservar a vida, no seu sentido mais amplo Ref. [1].
A engenharia, que tem parcela significativa na ação de desenvolver novas tecnologias, como por exemplo a
aplicações da energia nuclear, a tecnologia de armamentos, a exploração espacial, a engenharia genética, a informática e
os novos meios de comunicação constituem-se como situações ambivalentes, no sentido de que reúnem dados de
avanço da história da humanidade, mas trazem, por outro lado, outra ordem de preocupação. A mesma ciência e/ou
tecnologia que, com seus resultados, apontam para diversas melhorias na qualidade de vida podem também, pela
utilização perversa de seus conceitos, constituir-se ponto negativo e nefasto para a pessoa humana. (...) Por outro lado, a
fragmentação do saber, com sua crescente especialização, deu margem à compartimentalização do ser, desintegrado da
própria dimensão humana, segundo o pensamento de Araújo Ref. [14].
A ciência e a tecnologia são conduzidas, de acordo com José Lutzemberger, citado por Luccas [15], de acordo
com o pensamento econômico moderno, que tem como principal dogma a idéia de que a tecnologia é sempre
insuficiente. Este conceito levaria à prática de políticas de obsolescência planejada, como por exemplo, o lançamento de
um videocassete ou um chip de computador mais avançado a cada três meses, que não atende às necessidades humanas,
mas à interesses econômicos.
O exacerbado interesse pelo lucro fácil, a incompetência ou mesmo negligência têm feito, muitas vezes, com que
prédios residenciais sejam projetados de maneira errada, construídos com material de segunda e, como conseqüência,
vindo abaixo; veículos são projetados e fabricados com materiais que não condizem com a segurança necessária aos
seus usuários, embora custem caro; sistemas de transportes são criados, implementados e operados sem a mínima
consideração com o usuário; produtos químicos são recomendados e prescritos aos agricultores para aumento de
produtividade mas que, no entanto, contaminam o solo e a natureza; casa populares são construídas sem que se
considere um mínimo de dignidade dos seus futuros moradores, etc.
O projeto de implantação da Hidrovia Paraguai-Paraná, por exemplo, implica em graves conseqüências
ambientais, com a construção de diques e canais nas áreas marginais dos rios Paraguai e Paraná, Seria preciso corrigir o
curso do Rio Paraguai, rebaixar sua calha, explodindo rochas e construindo diques nos seus afluentes. Além disso, o
projeto feito por engenheiros prevê a construção de eclusas ou barragens nos dois rios para manter um regime
permanente de águas, capaz de regular e controlar as cheias. Este projeto deveria ter como parâmetro projetos
semelhantes, tal como ocorreu na ex-União Soviética, onde foi feita uma obra de drenagem no grande Lago de Baical,
para levar água às plantações. Hoje, boa parte do lago se transformou em um deserto, segundo relata Barbieri [17].
Tantos outros exemplos poderiam ser aqui citados para demonstrar atuações da engenharia pouco condizentes com o
seu objetivo principal: servir ao ser humano.
Embora não sejam os engenheiros os únicos ou, talvez, os maiores culpados em todos os casos acima
mencionados, pois outras parcelas de culpa poderiam ser imputadas a administradores e políticos, ainda assim uma
atuação mais firme e transparente ajudaria a reduzir os impactos negativos de “obras” de engenharia para a sociedade
com um todo.
4.
HOMEM: O CENTRO
“Os homens valem muito mais do que as suas ações, pois o papel histórico de cada um, por mais importante que
seja, é sempre mais limitado do que a absoluta aspiração de bem que existe em cada um”, de acordo com o pensamento
de Baggio [12].
O exercício da engenharia, nos seus mais variados campos, deveria apontar para o atendimento das necessidades
do homem, afinal de contas, é ele quem se beneficia (ou sofre as conseqüências) de todos os “engenhos” projetados,
implementados, mantidos e recuperados pelo profissional de engenharia. Embora o ser humano seja, teoricamente, o
objetivo do profissional da engenharia, pois é ele que, de alguma forma, adquire o produto oferecido ou vendido pelo
EQC - 57
engenheiro ou empresas de engenharia, os seus requisitos e necessidades nem sempre são atendidos, mesmo que
minimamente.
A atividade de uma cidade, local onde moram cerca de 80% dos cidadãos brasileiros, é um desencadear
ininterrupto de relações mantidas pelos homens entre si, tendo em vista a produção daquilo que é necessário à vida.
Dessa forma, a base do planejamento urbano, uma das funções do engenheiro civil e do urbanista, não deve ser
estabelecida sob a visão estreita do homem como uma mera peça, o homem matéria, sem espírito, sem alma, sem ideais,
muito menos direitos, mas sim a visão do homem responsável pelo processo produtivo, o homem social Ref. [10].
O sistema de circulação desta mesma cidade faz parte de um sistema maior que se pode chamar de sistema
urbano. Planejar o sistema de transporte, tarefa que em grande parte dos casos é atribuição do engenheiro, subentendese criar condições propícias no sentido de permitir ao indivíduo contribuir, com seu semelhante, na realização da vida.
Esta cooperação vem tornar possível a unidade social, através da união de todos os participantes e, por isso mesmo,
torna-se uma necessidade vital, constituindo aquilo que, na realidade, se chama o bem comum ou interesse social Ref.
[10].
Os planejamento urbano e de transportes não decorrem simplesmente da união de planos dos especialistas, para
atividades também especializadas, desenvolvidas pelos engenheiros e outros técnicos, embora tais planos procurem
entrar em harmonia com o desenvolvimento das técnicas produtivas da economia. Disto resulta que o fim último do
planejamento urbano e de transportes consiste na criação de meios, no sentido de garantir a todos os membros da
sociedade, através do sistema produtivo, uma existência de tal forma concebida que, além de uma quantidade suficiente
de bens materiais, a cidade lhes assegure uma plena e livre formação moral e espiritual, para uma sociedade cada vez
mais rica de valores Ref. [10].
Os engenheiros têm trabalhado intensamente, concorrendo com suas forças e conhecimento no sentido de dar ao
homem uma melhor qualidade de vida. Seus esforços, contudo, não têm alcançado os resultados sociais esperados,
porque os meios que têm sido empregados em transportes privilegiam de maneira clara, particularmente através do
automóvel, uma camada da população de maior renda. Esse meio particular de transporte, no entanto, socializa uma
série de externalidades negativas, tais como os congestionamentos, os acidentes de trânsito, a poluição sonora e do ar,
segundo Raia Jr. [11].
5.
MUDANÇAS DE PARADÍGMAS
Para uma nova formação, técnica e humanística, do futuro engenheiro, condizente com as expectativas de
mudanças na sociedade como um todo, criadas para o novo milênio, é necessário que seja alterada uma série de
paradigmas existentes, particularmente no ambiente acadêmico. Nos bancos das universidades é que estão sendo
forjados os profissionais que terão em mãos a incumbência de conduzir com esperança a caminhada do mundo no
século XXI. Portanto, é preciso transformar radicalmente as estruturas universitárias.
A recuperação do autêntico espírito do processo educacional, particularmente da engenharia, passa pelo
estabelecimento de um contrato social envolvendo toda a sociedade: governo, mantenedoras, professores, pais e alunos.
De sua parte, o governo não deve ficar refém de políticas externas para captar recursos ou implantar modelos externos à
realidade brasileira. Também precisa conhecer mais os seus professores e as suas universidades, não apenas o mercado.
Um aspecto fundamental é o respeito à dignidade do professor, por meio da valorização profissional, segundo Souza
Neto [16].
Mantenedoras privadas devem ter um compromisso na formação desses engenheirandos e não somente visão no
lucro. Descobriu-se que a prestação da atividade de ensino superior é altamente lucrativa no Brasil e é um filão que as
escolas particulares têm corrido atrás, como numa corrida ao ouro.
Os alunos, colocados no centro do processo de escolarização, devem ser levados a assumir uma nova postura em
relação à faculdade ou universidade, ou seja, não mais como receptáculos ou objetos, mas como sujeitos, como agentes
de sua escolarização. Por sua vez, os pais não podem se furtar a participar do processo de formação profissional de seus
filhos Ref. [15].
Por último, como o direito à educação passa pelo exercício da cidadania, os professores não podem perder a sua
autonomia pedagógica. Necessitam, por isso, revigorar suas associações, estabelecendo programas de conteúdo em
consonância com as diretrizes oficiais de ensino. Como professores, são convidados, mais uma vez a professarem o seu
saber como um ato público e como um serviço para as novas gerações.
De forma geral, poder-se-ia recomendar a adoção da Gestão de Qualidade Total-GQT nas universidades, nos
departamentos ou cursos. A aplicação da GQT na organização de ensino de engenharia ou qualquer outro curso, pode e
deve ser bastante debatida para se encontrar o melhor e mais adequado enfoque.
Em vista disso, será a seguir apresentada a proposta feita por Figueiredo Neto e Rodrigues [18], para a que a
organização de ensino que pretenda implementar um sistema de Gestão da Qualidade, possa atingir a excelência em
seus serviços (ver Fig. 2) e que parece ter a pertinência necessária. Isto faz parte da formação de “novos” engenheiros,
construtores da Nova Humanidade.
EQC - 58
Foco no aluno
Comprometimento
Processos
otimizados e
documentados
Visão
estratégica
Excelência
no
Ensino
Espírito de
Equipe
Capacitação de
pessoal
Inovações e
Mudanças
Sistema de
informações
Figura 2. Características desejáveis para se atingir a Excelência no Ensino
São as seguintes as características desejáveis para se obter a excelência no ensino, segundo o pensamento dos
autores da Ref. [18]:
Foco centrado no cliente principal: o aluno - o aumento da qualidade centrada na satisfação do aluno
(cliente), propicia aumento na produtividade, reduz atividades que não agregam valor, diminui a
quantidade de trabalho e erros;
Comprometimento dos dirigentes - há consenso de que uma efetiva gestão da qualidade se inicia pela
alta direção, ou seja, reitor, pró-reitores e diretores. Segundo Schaub et al, citados pela Ref. [18], sem
que haja o devido apoio, representado por investimentos de tempo e de esforços, da alta direção, a
universidade não tem meios de implementar mudanças estratégicas, técnicas e culturais, necessárias para
a gestão da qualidade;
Visão estratégica claramente definida: valores, missão e objetivos - deve existir uma estratégia clara
e coerente na implantação do programa, devidamente alinhada à realidade da universidade;
Processos documentados e otimizados - os métodos de melhoria da qualidade requerem um número
suficiente de facilitadores e uma base de dados adequada ao exercício dessa facilitação, uma vez que
implicam em compreender os processos, diagnosticar causas dos problemas, testar bloqueios e
melhorias, conceber e manter sistemas de monitoramento e avaliação, etc.
Funcionários capacitados na execução de tarefas - treinar e capacitar é fundamental, porém é
necessário que haja um plano de mudanças que torne viável a colocação em prática dos conhecimentos
obtidos;
Informações com circulação rápida e correta entre setores e funcionários - é necessário para
permitir a avaliação periódica dos processos e sua melhoria. É necessária a existência de um plano
estratégico de qualidade, de facilitadores e multiplicadores bem treinados, de um sistema de análise e
disseminação de informações sobre a satisfação dos clientes (alunos) e de mensurações sobre a qualidade
do atendimento e do desempenho interno, tornando mais fácil a correta utilização dos princípios,
conceitos e métodos da gestão da qualidade;
Preocupação com inovações e mudanças - já que a implementação da Gestão da Qualidade induz à
mudanças culturais, estratégicas e técnicas significativas na universidade, os agentes envolvidos nos
processos organizacionais precisam esforçar-se para realizar melhorias de forma continuada. Por isso,
torna-se imprescindível que a alta direção atue no sentido de eliminar barreiras contrárias às mudanças
desejadas; e
Sólido espírito de equipe - este é um componente imprescindível no processo de melhoria da qualidade.
Existe, em alguns casos, a tendência de começar a Gestão da Qualidade pelos processos administrativos,
deixando para mais tarde os processos relacionados com o ensino e aprendizagem, considerados mais
trabalhosos.
Qualquer que seja o enfoque a ser dado ou programa de qualidade a ser seguido na gestão universitária,
basicamente nos cursos de engenharia, é primordial que essa adoção realmente aconteça. Gestão da Qualidade Total
tem sido implementada com muito sucesso em muitos órgãos e empresas. Por que não na universidade?
EQC - 59
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É líquido e certo que o sistema educacional brasileiro, desde o nível fundamental até o nível superior, está de
alguma forma falido e superado, requerendo uma transformação substancial.
O modelo adotado no ensino de engenharia tem produzido resultados, muitas vezes, não satisfatórios. Os
engenheiros formados nas universidades brasileiras têm sido moldados sob um forte enfoque tecnicista, com grande
conhecimento tecnológico, muitas vezes com fama internacional, mas que, no entanto, em alguns casos, deixam a
desejar quanto à visão humanística. Estas falhas formativas do engenheiro brasileiro, particularmente, em grande parte
são proporcionadas pela falta de formação humanística do próprio professor.
O resultado dessa formação incompleta pode ser visto nas obras em geral, dentre elas, as de engenharia, que
agridem o meio ambiente, que lesam o ser humano, que depõem contra a consciência coletiva e humanitária.
A expectativa que se tem quanto ao novo século que se inicia é a da criação de uma Nova Humanidade, com a
bússola volta para uma sociedade mais justa, fraterna, com atitudes baseadas no pensamento da preservabilidade e
sustentabilidade, permitindo que o planeta seja conservado em condições aceitáveis para as novas gerações. Esta Nova
Humanidade é de responsabilidade de todos, não só de engenheiros, mas também de profissionais da medicina, das
ciências sociais, humanas e exatas, de juristas a políticos, de administradores a educadores, etc.
Urge que se mudem os paradigmas. Um boa forma de começar poderia ser pela adoção de Gestão da Qualidade
Total nas universidades, centros e departamentos, quaisquer que sejam os enfoques eleitos, uma vez que, na sua grande
maioria, a qualidade direciona necessariamente para que se tenha o foco no cliente, neste caso específico, o aluno de
engenharia. Assim fazendo, estar-se-á contribuindo de maneira enfática para uma sociedade renovada.
7.
REFERÊNCIAS
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Ensino de Engenharia, v. 4. Salvador: 1997, ABENGE-Associação Brasileira de Ensino de Engenharia, , pp.
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[3]
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Pesquisa e Ensino em Transportes, v. 4, ANPET-Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes, São
Paulo: 1993, pp. 1954-1965.
[4]
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[5]
A.V.D. Righetto, “No cruzamento do técnico e do humano: a engenharia da PUCCAMP”, Anais do XXV
Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia, v. 4, Salvador: 1997, ABENGE-Associação Brasileira de Ensino
de Engenharia, pp. 1815-1830.
[6]
G.C. Varela, “Reflexões sobre a visão filosófica no ensino de transportes”, Anais do VIII Congresso de Pesquisa e
Ensino em Transportes, v. 1, ANPET-Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes, Recife: 1994, p.
142-150.
[7]
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Pesquisa e Ensino em Transportes, v. 2, ANPET-Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes, São
Paulo: 1993, pp. 954-958.
[8]
F.V. Souza e C. Agazzi, “A importância do conhecimento humanístico na formação do engenheiro”, Anais do
XXV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia, v. 4, Salvador: 1997, ABENGE-Associação Brasileira de
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[9]
J.L. Pacheco, “Formação humanística e criatividade no ensino de engenharia”, Anais do XXV Congresso
Brasileiro de Ensino de Engenharia, v. 4, Salvador: 1997, ABENGE-Associação Brasileira de Ensino de
Engenharia, pp. 1769-1777.
[10] H. Ferraz, Cidade e vida, João Scortecci Editora, São Paulo: 1996, p. 195.
[11] A.A. Raia Jr., “A função social da Engenharia de Transportes”, Anais do XXVI Congresso Brasileiro de Ensino
de Engenharia, v. 1, São Paulo: 1998, ABENGE-Associação Brasileira de Ensino de Engenharia, pp. 325-337.
[12] A.M. Baggio, “Das ideologias aos ideais”, Revista Cidade Nova, Ano XLII, no. 4, Abr. 2000, pp. 14-15.
EQC - 60
[13] Cidade Nova, “Globalização ou mundialização?”, Revista Cidade Nova, Ano XLII, no. 6, Jun., 2000, pp. 5.
[14] V.C. Araújo, “Em busca de uma visão unitária”, Revista Cidade Nova, Ano XLII, no. 6, Jun., 2000, pp. 40-41.
[15] J. Luccas, “Por uma globalização da solidariedade”, Revista Cidade Nova, Ano XLIII, no. 3, Março, 2001, pp. 1012.
[16] S. Souza Neto, “Direito social ou mercadoria?”, Revista Cidade Nova, Ano XLII, no. 10, Out. 2000, pp. 8-9.
[17] E. Barbieri, “Equilíbrio ameaçado”, Revista Cidade Nova, Ano XLII, no. 7, Jul. 2000, pp. 40-41.
[18] L.F. Figueiredo Neto e J.S. Rodrigues, “Gestão de Qualidade Total no ensino superior: possíveis aplicações”,
Revista de Ensino de Engenharia-Abenge, v. 19, no. 2. Dez. 2000, pp. 21-26.
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