O PROJETO PEDAGÓGICO E A CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA DE
QUALIDADE.
Prof. Dra. Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos Santos
([email protected])
Departamento deAdministração e Planejamento da EducaçãoCentro de Educação da UFPA
RESUMO
É uma proposta de intervenção organizada, que deve ser planejada dentro da escola, devendo
refletir-se nela como um todo. Suas possibilidades de estimular a mudança estão na medida de
sua construção, pois só o corpo escolar tende a ser capaz de atribuir-lhes uma identidade,
condição fundamental para a construção de sua organização e rumos, sem descuidar do apoio do
Sistema de Ensino, com vistas a manter a governabilidade do processo. Não é tarefa simples,
porque a escola é um micro-mundo onde se reproduzem e ajudam a reproduzir a sociedade, com
suas contradições e disputas de poder. Participar ainda é um processo novo não só para os atores
escolares como para grande parte dos cidadãos brasileiros. Além disso é preciso considerar-se
que o projeto pedagógico só adquire capilaridade pelas ações do dia-a-dia da escola, o que exige
mudanças subjetivas e objetivas, com a necessidade de comprometimento com a proposta.
EDUCATIONAL PROJECT AND DEMOCRATIC CONSTRUCTION OF A HIGH
QUALITY SCHOOL
ABSTRACT
It is na organized intervention that might be planned inside the school; may we reflect about it as
a whole. The organized intervention´s possibilities to encourage any change occur whenever its
constructions develop since only the school unit tend1s to be capable of attribute it na identity,
crucial condition to its constructions and drives, not neglecting the Teaching System support in
order to keep the process managing on. It is not a simple task, since school is a micro-world
where society produces and is produced, taking into account its contradictions and fights for
power. To participate is yet a new process, not only to school players but also to great part of
brazilian citizens. Beside all, it is needed to consider that the educational project solely acquires
penetration by the school day-by-day; it demands subjective and objectives changes, which needs
commitment with the purpose.
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O PROJETO PEDAGÓGICO E A CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA DE
QUALIDADE.
Prof. Dra. Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos Santos
Centro de Educação da UFPA
Desde 1993 venho canalizando esforços na pesquisa, como professora de Planejamento
Educacional da Graduação em Pedagog2ia e na Pós-graduação em Educação, na extensão, a
partir de muitas inquietações e observações, sobretudo no contato direto com escolas públicas de
Belém, onde percebia a quase total ausência de proposta pedagógica que as orientassem.
Em 1996, orientei meu foco de referência para a gestão escolar das escolas médias
públicas de Belém e, atualmente, estou desenvolvendo pesquisa sobre o impacto das medidas
democráticas adotadas, no processo de ensino-aprendizagem dessas escolas, bem como
coordenando o Laboratório de Gestão Democrática - LAGE, que foi criado em abril de 2001 e
aprovado no CONSEP pela Resolução 2855 de 23.11.2001, onde se oferece assessoria, cursos,
palestras e outros serviços, advindos de pesquisas e das demandas das unidades escolares de
forma gratuita para as escolas públicas do Pará.
As inquietações e impertinências acadêmicas levaram-me a indagar o que realmente
ocorre com os profissionais da educação que dirigem as escolas e a querer aprofundar a
investigação acerca das relações da prática profissional do gestor com o processo pedagógico
que se desenvolve na escola, a partir da percepção dele próprio.
Na realidade, o exercício profissional do diretor escolar parece estar desvinculado dos
objetivos pedagógicos, políticos e culturais da escola, mesmo porque esses objetivos não estão
bem definidos, pelo menos não é conhecido pelos atores educacionais das unidades escolares
pesquisadas, já que não há projeto pedagógico sistematizado e divulgado. (Santos, 1999, p.127)
A pesquisa revelou que a ação intencional do gestor não se dirige à consecução de um
determinado projeto educativo, a ser desenvolvido pelo conjunto dos atores educacionais diretos,
sob sua liderança, ficando restrita aos mecanismos de controle do trabalho e as rotinas
administrativas e pedagógicas. Além do que as relações de poder existentes na escola tendem a
reproduzir uma dominação autoritária e conservadora, tanto por conta da hierarquia interna como
pela estabelecida pelos órgãos superiores do Sistema de Ensino, que burocratizam e centralizam
as decisões. (Idem, ibidem)
No processo de análise da relação entre prática profissional do diretor observada e o
processo pedagógico, procurou-se refletir com mais profundidade acerca do projeto político –
pedagógico da escola, buscando captar seu real significado para transformação da relação
educativa e da escola com um todo, na construção democrática de uma escola de qualidade e,
notadamente, avaliar como os atores escolares o consideram.
O projeto pedagógico é importante para a organização e acompanhamento do processo
educativo, porque se destina, sobretudo, a orientar o processo ensino- aprendizagem, o que não
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quer dizer que problemas administrativos e até operacionais da escola não guardem relação com
esse projeto, porque toda as ações desenvolvidas no interior da unidade de ensino devem
convergir para a consecução do processo pedagógico, que é sua razão de ser.
Nesse sentido, Veiga (1997, p. 14) afirma: “... o projeto político – pedagógico tem a ver
com a organização do trabalho pedagógico em dois níveis: como organização da escola como um
todo e como organização da sala de aula, incluindo sua rela3ção com o contexto social imediato,
procurando preservar a visão de totalidade. Nesta caminhada será importante ressaltar que o
projeto político – pedagógico busca a organização do trabalho pedagógico da escola na sua
globalidade.”
O projeto pedagógico envolve portanto a estrutura organizacional e a estrutura
pedagógica. A primeira se refere a recursos humanos, físicos e financeiros, aí incluindo a forma
material da escola. A estrutura pedagógica diz respeito “as interações políticas, às questões de
ensino – aprendizagem e às de currículo.” (Veiga, op. cit. p. 25). Na verdade essas estruturas se
imbricam na dinâmica interna da escola.
Uma questão importante a ser enfatizada é a necessidade da escola definir concreta e
claramente o tipo de projeto político-pedagógico a ser construído, porque dessa decisão
dependerão os caminhos a ser percorridos, no movimento real do planejamento escolar. Algumas
escolas, em número reduzido, é certo, mesmo antes da imposição oficial, a partir da Constituição
Estadual de 1989 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9394/96, já vinham
desenvolvendo seus projetos pedagógicos e, diga-se de passagem, até com êxito.
As boas escolas particulares e algumas públicas, por exemplo, em geral possuem projeto
pedagógico definido e atuam em sua direção, com planejamento e avaliação sistemática.
Dos vinte e cinco diretores pesquisadas da rede pública de Belém, (Santos, op. cit. p. 92 )
cerca de 95% deles defendem a necessidade de um projeto pedagógico para melhorar a escola,
mesmo que alguns não tenham ainda uma visão clara do que realmente significa. Estando
quase todos empenhados na elaboração, com vistas ao processo eletivo para diretor que se
avizinha,(no momento final da pesquisa), sem o qual não será permitido concorrer. Esses gestores
assim se manifestaram:
... será um elemento norteador para o desenvolvimento das atividades préestabelecidas, visando o objetivo máximo da escola, a formação do homem
integral.
Muito necessário, porque todas as situações, principalmente no trabalho
administrativo é importante a organização, o planejamento e a execução de
todas as atividades a serem realizadas ou as que se espera realizar em nossos
trabalhos..
... é uma bússola para trabalharmos com confiança, responsabilidade e
compromisso.
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Evidencie-se que esses gestores possuem uma noção de que o projeto pedagógico é de
suas inteiras responsabilidades, e não como um produto da ação coletiva do corpo escolar e da
comunidade local, conforme depoimentos abaixo:
Eu estou dando tudo de mim, para elaborar o projeto políticopedagógico da escola....
Bom, já comecei a fazer o projeto pedagógico da escola e estou
fazendo o curso para ter melhores condi4ções...”
Nós já elaboramos o projeto, mas precisa de muita coisa ainda, e
só vamos submetê-lo aos colegas da escola, quando
aprontarmos...”.
Nas escolas pesquisadas, o projeto pedagógico, ao que parece, vem surgindo a partir do
esforço isolado de profissionais interessados em concorrer nas eleições para diretor escolar,
estabelecido pela SEDUC, como requisito essencial à inscrição dos candidatos, além da formação
acadêmica (Licenciatura Plena em Pedagogia), com habilitação em Administração Escolar e que
comprovem dois anos no magistério da rede estadual de ensino, conforme já explicitei
anteriormente.
Hoje, os discursos dos políticos, governantes, empresários, educadores e outras lideranças
paraenses pregam a centralidade da qualidade e não mais da democracia nas relações econômicas
e sociais, como se essa já tivesse sido alcançada. E como se poderá chegar a essa qualidade na
escola, por exemplo, sem organização, sem objetivos bem determinados sobre que pessoa se quer
formar e para que tipo de sociedade. Isso exige muito trabalho, estudo, vontade política,
paciência e capacidade de articular as diferentes instâncias escolares, a partir de objetivos
comuns, o que não significa harmonia entre todos os segmentos da escola, algo inteiramente
impossível num espaço plural. A expressão manifesta e concreta dessa necessidade precisa estar
registrada e vivenciada na prática cotidiana, por meio de diversos instrumentos, onde se destaca
o projeto pedagógico.
Note-se, entretanto que a existência de um projeto pedagógico ainda que bem formulado
com o envolvimento dos atores escolares não é garantia de mudança de comportamentos e
práticas, na direção da melhoria da qualidade do processo educativo escolar, uma vez que o
resultado maior do advento desse projeto é a transformação das pessoas e da instituição, no
processo de construção de novas relações. É um processo, como já se afirmou, e como tal não se
encerra num momento e, como consequência imediata, tudo estará resolvido.
É necessário muito mais, o que significa, por exemplo, colocar o planejamento como
ferramenta permanente de organização do trabalho da escola. É abolir de vez aquela prática
arraigada em grande parte de nossas escolas, de fazer-se do planejamento um momento,
geralmente no início do ano letivo, que se esgota na elaboração de um plano ou outro qualquer
documento que se esteriliza nos arquivos. É uma tradição que talvez advenha da organização
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política da própria sociedade, de vez que os governantes, em geral, apresentam seus Planos de
governo, para dar satisfação à sociedade e não os seguem na execução e acompanhamento.
Percebe-se também um descrédito por parte da comunidade escolar sobre a eficiência e
eficácia do planejamento, daí a pouca motivação e satisfação para tão importante processo. Para
Gandin (1999, p. 22): “os profissionais das escolas perderam quase por completo a noção da
relação ação/resultado (provavelmente isto é só consequência); com isso as ações escolares
passaram a ser realizadas como fins em si mes5mas e todo fracasso, além de não compreendido,
transferiu-se para a responsabilidade dos alunos, de seus pais ou da sociedade.”
O planejamento é processo, o que significa um contínum dinâmico, um seguir à frente,
um acompanhamento permanente de todas as atividades da unidade educativa, a partir de um
direção determinada, o que não exclui a flexibilidade para a gestão, no monitoramento da vida
escolar – uma realidade específica que precisa ser compreendida e trabalhada para a consecução
de seus objetivos, de forma intencional. Tais objetivos sâo percebidos, valorizados e analisados
de forma diversa pelos diferentes atores que convivem no mesmo espaço escolar.
Nos discursos analisados, o gestor aparece como a autoridade máxima dentro da escola,
que representa o Estado, a quem deve obediência e respeito às suas determinações, mesmo
algumas vezes com o sacrifício de convicções para que a escola cumpra suas normas,
regulamentos, enfim seus deveres institucionais. (Santos, op. cit. p. 97)
Ressalte-se que os atores que interagem no espaço escolar em geral só reconhecem como
autoridade o diretor, exatamente por ela ser formal, daí as decisões fundamentais centrarem-se
em seu poder.
O processo pedagógico dessas escolas
parece acontecer sem uma intencional
organização, consistência, coerência e unidade, de vez que, além de não possuir um projeto
pedagógico, a direção e o corpo escolar dispensam pouca atenção ao essencial da unidade
educativa, atuando fragmentadamente, cada um dentro de seu espaço de governabilidade, o que
por certo rebate de forma aguda na qualidade do ensino oferecido.
A pesquisa revelou, ainda, que os gestores escolares, em sua maioria, ainda se encontram
presos aos rituais burocráticos e formalísticos, no cumprimento das determinações do Sistema de
Ensino, sem uma conveniente e necessária reflexão sobre seus conteúdos e práticas, embora
existam alguns dirigentes que fogem a tais esquemas, que representam cerca de 20% do universo
examinado, o que vem reforçar a convicção de que se pode fazer algo pela transformação do
quadro atual da educação, ainda que as condições não sejam das mais favoráveis.
As instituições tem um arcabouço rígido, com pouca flexibilidade para inovações, mas
elas são constituídas por ações de pessoas, sujeitos coletivos, com capacidade de pensar, refletir,
criticar, interagir e com capacidade de inovar, e provavelmente será a partir desses mesmos
sujeitos que as mudanças poderão advir. Não por alguma ação isolada de um único sujeito
iluminado, mas de um conjunto organizado e determinado a lutar e encarar de frente os
problemas, na busca de soluções, a partir de aproximações sucessivas ao ideal perseguido.
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Um dos resultados já encontrados se refere à pouca participação política dos atores
educacionais na dinâmica das relações da escola, na construção efetiva de seu fazer, na direção
das mudanças requeridas. O Estado e a sociedade precisam buscar em profundidade as causas
geradoras disso e atacá-las de frente.
As medidas de democracia na escola pública aparentam ser muito mais uma adaptação
funcional aos novos tempos do que propriamente um projeto em construção, embora
contraditoriamente possam até contribuir, de algum modo, na direção democrática.
Os gestores tendem a ser mais tarefeiros, controladores da força de trabalho e
reprodutores das determinações superiores, ao exercerem seu poder, sobre o corpo escolar, com
exemplos de puro autoritarismo. As relações ditatoriais ainda persistem em se manter em grande
parte de nossas escolas públicas e nos órgãos do Sistema de Ensino.
O controle da força de trabalho não é absoluto, o espaço escolar, embora seja permeado
por diferentes forças externas, ainda conserva um lugar para a autonomia, para que o sujeito
possa atuar, conforme suas crenças, histórias, representações e valores, enfim, suas
subjetividades.
Por outro lado, o avanço democrático nas atividades escolares, ainda hoje é compreendido
como transposição de limites e abuso, como enfraquecimento da autoridade do gestor. Já
encontramos vários exemplos significativos dessa prática nas escolas objeto de nossas pesquisas.
Como exemplo, pode-se ilustrar com o caso de um diretor escolar que disse achar um absurdo a
atitude dos alunos participantes do Conselho Escolar, “que ficam pensando que são autoridades e
abusam...”6
Veja-se, por exemplo, o triste exemplo de autoritarismo explícito na atitude da Secretária
Executiva de Educação do Pará, ao exonerar um diretor de uma escola pública de Belém,
legitimamente eleito, utilizando-se de força policial para tal, segundo a imprensa. Apenas porque
citado gestor não cumpriu o calendário de matrículas, estipulado pela SEDUC, em consequência
de problemas internos da escola (Diário do Pará dia 12.01.2002), enquanto muitas crianças e
jovens ficam de fora da escola, por falta de vagas e falta de organização do mesmo Sistema de
Ensino, ainda que o discursos de seus dirigentes afirmem o contrário
De qualquer modo, a exigência oficial da necessidade de elaboração do projeto
pedagógico em cada escola pode servir para impulsionar um novo momento desse espaço, onde
a comunidade escolar comece a participar efetivamente da construção de novas relações em seu
interior, o que poderá representar um passo para isso.
As possibilidades participativas na escola se abrirão, provavelmente, se essa detiver certa
autonomia (digo certa, porque o próprio projeto pedagógico pode ajudar a consolidar a
autonomia) e se a comunidade escolar estiver realmente interessada e comprometida
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politicamente com um novo desenho das relações pedagógicas, aqui incluindo da administração à
sala da aula.
É bom não se perder de vista que o projeto político-pedagógico por si só não terá grande
ressonância e capilaridade na escola e nem deve ser super-dimensio7nado, pois seu significado
está na exata proporção do comprometimento, vontade e compromisso do coletivo escolar em
construir as mudanças requeridas.
Por outro lado, importa ressaltar-se que já existem reflexões sobre as consequências
concretas do projeto político-pedagógico no cotidiano da escola, podendo caracterizar-se até
como uma armadilha para a escola, sobretudo porque nem sempre as escolas se comprometem
com as mudanças advindas das propostas, além do que há necessidade de “transformação
individual e coletiva” para a melhoria da qualidade pedagógica. (Rossa, op. cit. P. 80-83).
O projeto pedagógico é um dos instrumentos mais importantes para a realização do
processo educativo no interior da escola e começou a ser objeto de estudos e debates mais
sistemáticos nesta última década, embora seja uma antiga reivindicação dos educadores
brasileiros. É uma proposta de organização da escola que se refletirá nela como um todo,
conforme já enfatizamos, ao longo do texto.
Quando se proclama projeto político – pedagógico é para reforçar sua função intencional,
de assumir posição, tomar um rumo determinado, de vez que toda ação pedagógica é ação
política e poderia por isso ser considerado até um pleonasmo, algo desnecessário de ressaltar.
Construir esse projeto é tarefa árdua e exige muito esforço, disponibilidade, receptividade ao
novo, tolerância e comprometimento.
Tem sido objeto de preocupação dos educadores, na luta pela democratização da escola,
incorporado na nova LDB, nos seus Art. 12, 13 e 14 item I, sendo hoje decisão política das
autoridades educacionais de que sejam criados nas escolas.
A escola, como locus prioritário do saber, atua com um caráter de intencionalidade,
necessária para o alcance de seus objetivos e é exatamente isso que pode distingui-la de outros
espaços educativos. Essa direção entretanto, precisa ser planejada dentro da própria escola, pelo
conjunto de seus atores e não de fora, pelo Sistema de Ensino, como vem sendo feito há muito
tempo.
Só o corpo interno da escola é capaz de atribuir-lhe uma identidade, que é condição “sina
qua non” para que se possa estabelecer sua organização e rumos, evidentemente sem descuidar do
apoio do sistema de ensino. Se o projeto político – pedagógico precisa ser gestado pelo coletivo
escolar, ele só frutificará em terreno democrático, onde todos consigam participar da experiência
construtiva de decidir sobre o que é melhor para sua escola. Isso não pode ser imposto, decidido
de cima para baixo, por mérito de uma autoridade institucional.
Tal construção é processo, e que, portanto, não se esgota na elaboração de um documento
propositivo estéril, encaminhado às autoridades competentes, embora seja importante tal
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documento. O projeto pedagógico representa a vida da unidade escolar e visa, sobretudo,
enfrentar com organização o cotidiano escolar e por isso não pode ser entendido como uma tarefa
simples a cumprir, num prazo estipulado.
Não é uma tarefa simples, porque a escola é um micro-mundo, onde proliferam relações
de conflito e disputa de poder, além do que há uma forte tradição cultural de tudo ser decidido
sem a participação das pessoas que vivem as relações, através de procedimentos autoritários e
burocráticos. Participar ainda parece ser algo muito novo não só para o corpo escolar como para
todos os cidadãos brasileiros. Alie-se a isso ainda os mascaramentos de posturas, atitudes e
realidades, nem sempre o que aparenta é o real e pouco se conhece sobre os parceiros
profissionais.
Certamente que a participação precisa ser construída ou mesmo re(construída) no
cotidiano das relações não só no espaço escol8ar como na sociedade. Mas antes de tudo, deve
haver a vontade, o interesse e compromisso dos atores escolares com as mudanças.
Entretanto, somente a autonomia, vontade política e compromisso não são suficientes para
a construção do projeto pedagógico. É necessário muito estudo, aprofundamento e reflexão sobre
as teorias pedagógicas, métodos de ensino, avaliação, dentre outros, referenciais capazes de dar
sustentação ao novo formato de escola e de ensino que se deseja.
Um fator a considerar-se é que na implantação efetiva do projeto, provavelmente o
trabalho dos atores escolares elevar-se-á consideravelmente, além da responsabilidade ampliada,
gerando consequências nem sempre previsíveis, que precisam ser partilhadas pelo coletivo
escolar: mais tempo na escola, mais trabalho dentro e fora da sala de aula, mais cobrança da
comunidade escolar e dos pais, mais controle do processo pedagógico, dentre outros.
CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO
Um dos resultados já encontrados se refere à pouca participação política dos atores
educacionais na dinâmica das relações da escola, na construção efetiva de seu fazer, na direção
das mudanças requeridas. Mas, é necessário que se enfrente a questão com seriedade e
honestidade, procurando descobrir os reais motivos dessa ausência, que o Sistema não se
interessa em revelar.
As medidas de democracia da escola, dentre as quais se destaca o projeto políticopedagógico, aparentam ser muito mais uma adaptação funcional aos novos tempos do que
propriamente um projeto em construção, embora contraditoriamente possa até contribuir, de
algum modo, na direção democrática.
De qualquer modo, a exigência oficial da necessidade de elaboração do projeto políticopedagógico em cada escola pode servir para impulsionar um novo momento desse espaço, onde
a comunidade escolar comece a participar efetivamente da construção de novas relações em seu
interior, e sobretudo para a redenção do planejamento, como necessidade e processo permanente
para a melhoria da qualidade pedagógica e social da escola.
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Esse processo permanente de planejamento, que surge como produto e produtor do
projeto político-pedagógico não tem razão para existir se a escola objetiva ap9enas a transmissão
e reprodução de conhecimentos, porque não há necessidade de objetivar-se para quem e para o
que se está formando.
Se realmente se está preocupado com a qualidade social da Educação que é oferecida aos
usuários da escola pública, tudo sinaliza para a construção de um projeto político-pedagógico
“coletivo, inclusivo e solidário”, como diz o Prof. Rossa (op. cit. p.81). Coletivo, porque deve
envolver todos os partícipes da tarefa educativa; inclusivo porque deve objetivar a incorporação
aos benefícios oferecidos pela Educação daqueles que historicamente foram excluídos dos
direitos básicos de cidadania – os tradicionais usuários temporários da escola pública; e solidário,
no sentido de trabalhar com a efetiva construção da solidariedade e não aquela “solidariedade de
dia marcado” do tipo muito divulgado na mídia.
Nas escolas públicas de Belém, objeto da nossa investigação, o projeto pedagógico, ao
que parece, vem surgindo a partir do esforço isolado de profissionais interessados em concorrer
nas eleições para diretor escolar, colocado pela SEDUC, como requisito essencial à inscrição dos
candidatos, ou ainda a partir do engajamento político e consciência do gestor escolar. Nas escolas
municipais há uma diferença na concepção e na forma de implantação, ainda que haja muitos
óbices à implantação efetiva. A diferença fundamental se manifesta no proposta da Secretaria
Municipal de Educação para a educação em Belém, que se preocupa efetivamente em construir
uma escola de qualidade para as populações menos favorecidas, que sempre estiveram excluídas
da qualidade, por esta ainda ser privilégio de poucos e não um direito de todos.
Sabe-se as dificuldades das escolas incorporarem a necessidade da mudança de relações
de poder e o trabalho organizado, consequente. Pelo menos, nas dez escolas, onde estamos
investigando os impactos das medidas democráticas, percebe-se isso, nas falas queixosas dos
atores, aí incluindo os diretores.
Pensamos ser importante concluir as observações, enfatizando a necessidade da
elaboração do projeto político-pedagógico e muito mais ainda: de sua implantação e
acompanhamento coletivo, com a formulação contínua de outros pequenos projetos setoriais,
capazes de concretizar na prática seus objetivos e metas. Mas um cuidado deve ter-se
permanentemente, o de entender que nenhum projeto pedagógico por melhor que seja, tem o
poder de fazer a salvação e redenção da escola e da educação por si só. Ele representa apenas um
passo na construção de uma escola de qualidade para todos.
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