PRIVATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO: UMA TENDÊNCIA ? 1 -INTRODUÇÃO No exemplar de julho de 2006 da Revista Informações Econômicas a pesquisadora Maria Auxiliadora de Carvalho publicou artigo no qual analisa com profundidade a situação salarial e de condições de trabalho dos pesquisadores do Instituto de Economia Agrícola, mas que por tabela pode refletir a situação dos demais institutos do Sistema Paulista de Pesquisa que compreende órgãos das Secretarias de Agricultura e Abastecimento, Saúde e Meio Ambiente. Nesse artigo a autora trata também de intenção do atual governo paulista (2002-2006) de querer transformar o estatuto jurídico dessas instituições de administração direta para o de Organizações Sociais (OS). A questão que se coloca é saber de onde surgiu essa idéia e a quem ela serve ou serviria1. Isso porque conforme foi demonstrado no referido artigo na última década pelo menos está ocorrendo um processo de sucateamento dos recursos físicos e humanos dessas instituições. E são exatamente aqueles governos2 que 1 GORZ (1997) considera que deve-se ao imperativo de competitividade uma vez que há “...um poder planetário que está concentrado em cada vez menos mãos. Das 37 mil firmas transnacionais que controlam 40% das trocas mundiais e um terço da produção mundial contabilizável, 370 delas (ou seja 1 %) controlam 50%dos ativos financeiros. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), não mais de 50 bancos controlam as transações cotidianas de um montante de 1.400milhões de dólares, nos mercados de cambio. Não mais de 6 bancos comerciais controlam 90% das operações sobre produtos derivados.” ... “É o poder financeiro, pudicamente chamado de “os mercados” 2 GORZ (1997) O presidente do Bundesbank, Hans Tietmeyer disse-o claramente em Davos, em fevereiro de 1996 que “Os mercados financeiros desempenharão cada vez mais o papel de ‘gendarmes’ ... os homens políticos devem compreender que estão agora sob o controle dos mercados financeiros e não apenas dos debates nacionais”, citando LIPIETZ (1996) em La société en sabliers utilizam os argumentos de que essas instituições não são eficientes no atendimento das demandas da sociedade, os mesmos que negam os recursos necessários para manter e desenvolver adequadamente sua infra-estrutura de pesquisa e tem mantido os salários achatados em níveis contribuem mais ainda para o desestímulo e saída de pesquisadores e pessoal de apoio já capacitados em busca de melhores condições de trabalho e salário. E depois de colocar essas instituições, algumas delas já centenárias, em um “beco sem saída” anunciam agora essa grande solução que seria a transformação dos seus estatutos jurídicos de Administração Direta para o de Organizações Sociais (OS). E qualquer manifestação que busque uma reflexão mais profunda sobre o tema é logo taxada de corporativismo. O objetivo deste ensaio é o de refletir sobre as causas primeiras e os interesses econômicos normalmente velados que levaram à justificativa dessa proposta que é tão defendida como única solução para “salvar” as instituições de pesquisa do estado de São Paulo. 2 – POR QUE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS A primeira questão que se coloca é saber de onde surge uma idéia como essa ? Numa economia capitalista o mais provável é que tenha surgido a partir do vislumbre de maiores lucros por parte da articulação política de grupos ou redes econômicas privadas e empresas transnacionais, que submetem a si cada vez mais 2 os poderes públicos. Isso porque os políticos de carreira sem que haja um “lobby” de pressões, por moto próprio não teriam motivos para tentar tal transformação. Essa campanha pela privatização possui antecedentes na década de 70 e foi estancada pelo então governador Franco Montoro. Essas tentativas de privatização das instituições públicas de pesquisa já duram décadas e fazem parte de um conjunto de medidas tomadas que começou pela “demonização” dos funcionários públicos de modo geral taxando-os de “marajás” privilegiados e de responsáveis pelo “rombo” do sistema previdenciario brasileiro. E por incrível que pareça grande parte das modificações introduzidas que prejudicaram os interesses dos servidores públicos foi feita com o apoio de um governo dito de “esquerda” ao reduzir seus direitos. A política salarial cujos resultados forma demonstrados por CARVALHO(2006) faz parte, portanto, de um conjunto de medidas restritivas ao pleno desenvolvimento dos Institutos de Pesquisa Paulistas. Em seguida a concretização desses atos, surge de modo insistente a proposta de alterar o estatuto jurídico das instituições de pesquisa do estado de São Paulo apresentando a forma de organizações Sociais como “ O mais eficiente”. Pesquisando o tema foi possível encontrar um autor que já trata desse tema desde 1997 na França, André Gorz. GORZ (1997) considera que “A mundialização, a intensificação da concorrência em todos os mercados de todos os países servem para legitimar tudo 3 que se quiser: a diminuição dos salários reais, o desmantelamento das proteções sociais, a explosão do desemprego, a precarização de todos os empregos, a deterioração das condições de trabalho, etc.”. Considera também que no passado o Estado colocava as empresas em concorrência e que atualmente são as grandes empresas transnacionais que colocam os estados em concorrência. Essa visão é corroborada por GENEREUX (1998) que afirma “O verdadeiro poder é exercido no interior de um ‘clube’ muito fechado de capitalista, financistas, de especuladores, que ditam sua lei ao mundo: a lei do lucro. Essas redes econômicas privadas, transnacionais, dominam assim, cada vez mais, os poderes estatais; longe de serem controladas por eles, são elas que os controlam. Constitui em suma uma espécie de nação que, fora de qualquer território, de qualquer instituição governamental, comanda cada vez mais as instituições políticas dos diversos países, geralmente por meio de organizações de peso como o banco Mundial, o FMI ou a OCDE”. O conhecimento científico ou não (os saberes) tradicionalmente destinam-se a trazer benefícios para a humanidade. GORZ (2005) traz à tona uma visão de que está ocorrendo uma severa mudança nesse paradigma de fundo humanista. O autor considera que “A ampla admissão do conhecimento como a principal força produtiva provocou uma mudança que compromete a validade das categorias 4 econômicas chave e indica a necessidade do estabelecimento de outra economia”. Gorz chama essa nova economia de “economia do conhecimento”. O conhecimento há algumas décadas pelo menos no Brasil tem sido gerado primordialmente pelo setor público, em especial as universidades e institutos de pesquisa oficiais. Os seus objetivos primordiais também tem se destinado a atender às necessidades e melhorar o bem-estar das populações em geral. Este paradigma histórico, humanista e de objetivos sociais da pesquisa que predomina no Brasil está sofrendo no presente uma radical alteração em sua origem principal. Atualmente pode-se identificar um movimento ou determinação do Capital internacional no sentido de que o conhecimento seja gradualmente retirado da esfera pública e passe a ser gerado de forma fortemente subordinada aos interesses privados e mais ainda apropriado privadamente através de patentes por uma empresa em particular ou mesmo um consórcio de empresas. 3 - A ECONOMIA DO CONHECIMENTO Os interesses que estão levando a que a pesquisa científica e tecnológica de São Paulo siga por esse novo, mas estranho caminho “social” (afinal são Organizações Sociais) da sua privatização/semi - privatização decorre do fato de que no paradigma anterior “Todo conhecimento passível de formalização podia ser abstraído de seu suporte material e humano, multiplicado quase sem custos na 5 forma de procedimentos e software e utilizados ilimitadamente em máquinas que seguem um padrão universal. Quanto mais se propagava (o conhecimento), mais útil era para a sociedade. Seu valor mercantil, ao contrário, diminuía com a propagação e tendia a zero: o conhecimento tornava-se um bem comum possível a todos. Uma autentica economia do conhecimento corresponderia a um comunismo do saber no qual deixa de serem necessárias as relações monetárias de troca" (GORZ, 2005). Para as grandes empresas transnacionais, entretanto, não interessa mais a permanência desse modelo de difusão geral de todo o conhecimento historicamente gerado pelo setor público brasileiro que é no país o que mais (talvez quase único) que investe em pesquisas. Interessa sim, a esses setores privados que a propagação do conhecimento siga no sentido exatamente contrário dessa afirmação. Isso porque para eles será somente através da apropriação privada do conhecimento via patentes que o valor mercantil do conhecimento não será reduzido. Daí o interesse em impedir a sua ampla e livre propagação (como tem sido feita tradicionalmente pelas instituições públicas de pesquisa paulista) procedimento que faz o valor dos novos conhecimentos tenderem a zero no tempo. A propagação do conhecimento conforme os objetivos das Organizações Sociais propostas deve passar a ser estabelecidos e controlados em função da preservação dos interesses 6 privados, ou seja, do lucro. Será essencial que o valor mercantil do conhecimento gerado deva manter-se como uma mercadoria ou bem escasso no tempo. GORZ (2006) afirma também que “A pesquisa privada quase sempre tem como objetivo principal permitir às empresas que as realizam erguer um monopólio do conhecimento que lhe proporcione um rendimento exclusivo por um razoável periodo de tempo. O montante de rendimento passa a contar mais do que a utilidade social do conhecimento alcançado”. Paralelamente essas grandes empresas desenvolvem ainda atividades de “marketing” destinadas a atribuir aos seus novos produtos qualidades de que os mais antigos não dispõem de modo a que possam ser vendidos a preços exorbitantes, e também quando os preços decorridos algum tempo, começam a cair, rapidamente tornam-nos obsoletos mediante a divulgação de “inovações” mais modernas. A apropriação privada do conhecimento tem, portanto, como meta principal “fugir” da abundância ameaçadora de conhecimentos que o paradigma da pesquisa pública tem imposto como padrão ao mercado. GORZ (2005). Indo no sentido contrário esse paradigma privatista busca criar uma escassez artificial do conhecimento que possa garantir no maior periodo de tempo possível a exclusividade dos lucros de uma só empresa. 7 O forte movimento promovido por esses interesses econômicos com a justificativa da necessidade da “modernização do Estado”, melhor dizendo dos seus aparelhos dedicados à pesquisa, pode ser identificado pelas propostas e medidas dos recentes governos em todos os níveis de administração no País que visam subtrair ao poder público a responsabilidade pela geração e difusão da principal massa de conhecimento científico e tecnológico existente e a ser gerado no futuro. E ao mesmo tempo esse setor privado busca no presente desenvolver ações que visam à apropriação quase que gratuita da existente infra-estrutura pública de pesquisa. Pretende dessa forma alterar a visão histórica firmada no imaginário da população de que esta, pertencendo ao setor público promove o bem comum através do repasse desses conhecimentos ao público em geral via todas as empresas privadas interessadas em conjunto, competindo entre si no mercado livre, produzido e levando seus produtos ao mercado a preços que beneficiem mais a população. Essa nova visão é que tentam inculcar a força, “martelando” a idéia de que uma maior “eficiência” somente será alcançada através da privatização do conhecimento, “fantasiada” com a denominação de “modernização ou flexibilização do Estado”. Para isso consideram fundamental se apropriar das existentes estruturas públicas de pesquisa transferindo-as gratuitamente para os interesses privados que buscam na realidade impor uma ideologia que justifique a 8 apropriação privada da nova e principal fonte de riqueza recém identificada por eles, e desvendada por GORZ (2005). E essa nova fonte é o conhecimento científico e tecnológico cuja produção, pelo menos no Brasil, ainda se situa em grande parte na esfera da pesquisa pública. É interessante destacar também que de um lado os setores econômicos, políticos e ideológicos que acusam de ineficiência3 crônica e ineficazes4 os aparelhos estatais responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas, são os mesmos que por décadas vem “sucateando” suas instalações5 e desestimulando o pessoal via baixos salários. Por outro lado, desenvolvem há décadas uma verdadeira “pilhagem” dos saberes populares que consideram, se encontrar “presos” nas comunidades, ou seja, fora do mercado. Este cenário de apropriação privada confirma a afirmação de GORZ (2005) de que para o grande capital o que conta “É principalmente transformar a invenção em mercadoria, e pôla no mercado como um produto de marca patenteada”. 3 Eficiência é a relação entre os recursos que deveriam ser consumidos e os recursos realmente consumidos. 4 Eficácia é a relação entre os resultados obtidos e os resultados desejados ou previstos. 5 O Governo de São Paulo sucateia e depois privatiza - Nos últimos 10 anos, o Governo do Estado vem promovendo o sucateamento das estruturas públicas de pesquisa, reduzindo as dotações orçamentárias e número de pesquisadores lotados nos Institutos. No IPT, por exemplo, apesar da importância e resultados práticos de sua atuação, a dotação orçamentária foi reduzida em 50%. No apagar das luzes, Alckmin "privatiza" o centenário Instituto de Pesquisas Tecnológicas FELIX, L. No apagar das luzes, Alckmin "privatiza" o centenário Instituto de Pesquisas Tecnológicas Disponível em: http://www.vermelho.org.br/diario/2006/0401/0401_ipt.asp Acessado em 25/09/06. COSTA, M.da ; GUERRERO, N. institutos públicos depesquisa sob ameaça Revista da ADFUP setembro de 2006 Disponivel em : http://www.adusp.org.br/revista/38/r38a07.pdf#search=%22apqc%20privatiza%C3%A7%C3%A3o%22 Acessado em 25/09/06 9 Como exemplo de que essa apropriação privada também ocorre em relação ao “saber popular” através do patenteamento face a simples possibilidade de gerar lucros, há o da fruta Cupuaçu, há alguns anos patenteada pelos japoneses. Há também casos de empresas estrangeiras que patentearam conhecimentos extraídos a partir da cultura de índios brasileiros. Um laboratório europeu desenvolveu um poderoso anestésico a partir do conhecimento dos índios caretianas (de Rondônia) a respeito dos poderes medicinais de uma certa espécie de sapo amazônico6. O Capital segundo GORZ (2005) dominou por décadas o homem por meio da propriedade das maquinas, mas atualmente está passando para uma fase em que tenta dominá-lo a partir da apropriação privada dos centros de geração de conhecimento científico e dos saberes populares. E isso por que segundo IZERROUGENE (S.D.) “O capitalismo material está caminhando para um capitalismo imaterial, um capitalismo cognitivo que não obedece aos mesmos fundamentos de criação de riquezas e que possui características próprias: a) preeminência do intangível e produção do conhecimento por conhecimento, a partir de uma nova tecnologia em que a informação e o trabalho intelectual são novas fontes de exploração; b) realização da exploração não mais sobre o trabalho manual individual, mas sobre novos aspectos coletivos de uma sociedade de conhecimento, de informação, afeto e cooperação. A força de 6 Índios pedem proteção ao conhecimento Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual - INBRAPI 10 trabalho coletiva e os meios de produção do capital humano tornam-se a principal fonte de criação, abrindo espaço para um novo regime de acumulação, no qual, não obstante, a relação capital/trabalho segue como elemento fundamental na regulação e dinâmica do capital”. Este é o novo “ovo de Colombo” descoberto pelo grande capital que explica as sucessivas e crescentes tentativas de privatização dos principais centros geradores de conhecimento científico, tecnológico e de saberes no nosso país e especialmente no estado de São Paulo. Ainda como apoio a essa argumentação Gorz afirma que “O capitalismo moderno, centrado sobre a valorização de grandes massas de capital fixo material, é cada vez mais rapidamente substituído por um capitalismo pós-moderno centrado na valorização de um capital dito imaterial, qualificado também de ‘capital humano’, ‘capital conhecimento’ ou ‘capital inteligência’ ”. GORZ (2005). Essa visão é compartida por IZERROUGENE (S/D) que afirma “O desenvolvimento econômico é hoje nitidamente dominado pela produção imaterial que reconfigura os processos de produção, altera as suas formas institucionais de regulação e abre espaço considerável para a acumulação. O trabalho imaterial ocupa um lugar de destaque na produção de externalidades. A sua combinação com os meios de produção se torna fonte dominante de criação de riqueza”. Disponível em: http://www.inbrapi.org.br/shownews.php?id=114 Acessado em 9 de março de 2006. 11 Essa tendência de tratar a produção do conhecimento e o próprio conhecimento como um fim em si mesmo ignora o fato de que o conhecimento científico e tecnológico e os saberes populares não são uma mercadoria qualquer, pois do ponto de vista ético devem prioritariamente estar a serviço, beneficiar e promover o bem estar da população. Os institutos de pesquisa e universidades públicas são órgãos nos quais há décadas existe uma inteligência coletiva buscando, gerando e tentando sempre desvendar e colocar em prática conhecimentos que possam melhorar o bem estar comum e que está lastreada em preocupações sociais e humanitárias. Já o que o grande capital tenta fazer atualmente é apropriar-se dessa inteligência coletiva e do espaço físico que ela ocupa submetendo-a as suas necessidades e interesses econômicos privados de curtíssimo prazo. E isso por que não o satisfaz mais conseguir a plena cooptação de alguns indivíduos pesquisadores de elevada competência do setor público que trabalham com ciência e tecnologia, via financiamento de suas pesquisas individuais ou temáticas. E essa insatisfação ocorreu porque as características da tecnociência e a velocidade com que avança no presente exigem uma interação entre os campos de conhecimentos das mais diversas disciplinas, ou seja, de vários pesquisadores das mais diferentes áreas do conhecimento e exigem infra-estruturas complexas. Como afirma GORZ (2005) 12 “O ator potencial dessa mudança é o ‘capital humano’ ” e não mais apenas pesquisadores individuais. Para a acumulação de riqueza não interessa mais ao grande capital a dominação de alguns elementos dessa força de trabalho intelectual, mas sim a dominação completa, total e gerencial do capital humano reconhecido como o principal gerador do conhecimento, o que atualmente eqüivale a geração da nova base da riqueza. E isso porque o retorno ao capital investido depende nesse novo cenário muito mais do trabalho conjunto de pesquisadores do que de pesquisadores individuais. O poder de comando do capital com o objetivo de gerar elevados lucros não vem mais do amplo domínio da materialidade, da propriedade privada dos meios de produção, mas sim do domínio completo e monopolizado dos meios de produção do conhecimento - do capital humano - e do conhecimento abstrato que este detém e/ou podem criar. Caso típico deste fato são os softwares. As empresas transnacionais nas últimas décadas obtiveram êxito em libertarem-se da dependência/interferência dos Estados Nacionais via globalização da economia e do sistema financeiro impondo as “Leis de mercado”. No presente buscam de forma semelhante libertarem-se da remanescente “tutela estatal” em relação aos principais setores geradores de conhecimento científico e tecnológico que passaram a constituir o cerne gerador de riqueza da economia mundial. Essa presença dominante do setor público de pesquisa “incomoda”, “entrava” o “livre 13 desenvolvimento da ciência” agora focada no único objetivo de produzir elevados lucros privados. Segundo essa verdadeira ideologia que serve às empresas privadas e setores políticos a elas submissos engajados na promoção da privatização do conhecimento científico e tecnológico, somente essa providência permitirá o avanço mais rápido, eficiente e eficaz da ciência e tecnologia no país. A implantação do regime jurídico das Organizações Sociais nas instituições de pesquisa corresponderá à privatização das vias de acesso publico ao conhecimento o que permitirá às empresas interessadas uma forma privilegiada de capitalização das riquezas imateriais. GORZ (2005) afirma que “O capital tudo fará para capitalizar o conhecimento, para fazê-lo corresponder às condições essenciais pelas quais o capital funciona e existe como tal, a saber: o conhecimento deve economizar mais trabalho do que originalmente custou, deve submeter ao seu controle a utilização que dele é feita; e, enfim, deve-se tornar a propriedade exclusiva da firma que o valoriza incorporando-o nas mercadorias que com ele se produzem”. Nessa mesma linha de pensamento RULLANI citado por GORZ (2005) afirma que “O valor de troca do conhecimento está, pois, inteiramente ligado à capacidade prática de limitar sua livre difusão, ou seja, de limitar com meios jurídicos (certificados, direitos autorais, licenças, contratos) ou monopolistas, a 14 possibilidade de copiar, imitar, de ‘reinventar’, de aprender conhecimentos dos outros”... “o valor do conhecimento não decorre de sua raridade natural, mas unicamente das limitações estabelecidas, institucionalmente ou de fato, ao acesso ao conhecimento” e que “a raridade do conhecimento, o que lhe dá valor, é, pois, de natureza artificial”. Essa reflexão traduz e desvenda o cerne das motivações dos que propõem transformar as instituições de pesquisa do estado de São Paulo em Organizações Sociais (OS). 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Não interessa mais ao capital dominar alguns pesquisadores detentores de conhecimentos específicos, mas sim controlar a inteligência geral das instituições de pesquisa. E isso para que disponha de formas de se apropriar e impedir que o conhecimento gerado pelas instituições públicas de pesquisa continue a ser um bem coletivo, mas sim como afirma GORZ (2005) passem a funcionar como um “capital imaterial”. E o exemplo dado por esse autor para mostrar esse fato é o da empresa Nike “que não possui nem instalações, nem máquinas: sua atividade se limita à concepção e ao design. A fabricação, a distribuição, o marketing e a publicidade são confiadas a empresas contratadas para tal” GORZ (2005). A adoção do regime jurídico das OS para as instituições de pesquisa pública eqüivalerá a atender ao desejo do capital de se apropriar da inteligência coletiva 15 existente nos aparelhos de Estado e não mais apenas de alguns indivíduos que neles trabalham Pode-se deduzir dessas reflexões que o principal interesse do capital é de semi-privatizar as instituições de pesquisa, privatizando apenas o conhecimento por eles gerados utilizando a sua infra-estrutura sem adquiri-las, pois estas continuariam públicas, evitando dessa forma que tivessem que investir em novas instalações e equipamentos. A questão que fica para ser respondida é a seguinte: esse avanço, eficiência, eficácia, competitividade, benefícios, bem estar vislumbrado pela adoção do estatuto jurídico das Organizações Sociais... Beneficiará principalmente a quem ? GORZ (2005) fornece uma indicação precisa sobre essa questão afirmando “O saber não é uma mercadoria qualquer, seu valor (monetário) é indeterminável; ele pode, uma vez que é digitalizável, se multiplicar indefinidamente e sem custos; sua propagação eleva sua fecundidade, sua privatização a reduz e contradiz sua essência”. 5 – LITERATURA CITADA IZERROUGENE, B. A economia política do capitalismo cognitivo. Disponível em: http://www.lab4t.ufba.br/aecopolitcap.pdf#search=%22%20cognitivo%20capitalis mo%20conceito%20%22 Acessado em 22/09/06 16 GORZ, A. Misérias do presente, riqueza do possível. Tradução de Ana Montoia./André Gorz – São Paulo: Annablume, 2004. GORZ, A. O imaterial: conhecimento, valor e capital. .Tradução de Celso Azan Junior./André Gorz – São Paulo: Annablume, 2005 Richard Domingues Dulley Email: [email protected] http://www.anped.org.br/rbe27/anped-n27art10.pdf#search=%22%20enzo%20rullani%20capitalismo%20conceito%20%22 RESUMO Este ensaio constitui uma breve reflexão sobre as possíveis motivações que tem levado os governos a promover alteração nos estatutos jurídicos das instituições de pesquisa do estado de São Paulo. Com base em dois autores que desenvolveram trabalhos sobre o tema do capitalismo cognitivo ou capitalismo do conhecimento, estabelecem-se indicações de que o principal interesse do capital é de semi-privatizar as instituições de pesquisa, privatizando apenas o conhecimento por eles gerado e a serem gerados utilizando a sua infra-estrutura sem adquiri-las, pois continuariam como propriedades públicas, evitando dessa forma que tivessem que investir em instalações e equipamentos. E que a questão que fica para ser respondida é de que: esse prometido avanço, eficiência, eficácia, competitividade, 17 benefícios, bem estar vislumbrado pela adoção do estatuto jurídico das Organizações Sociais... Beneficiará principalmente a quem ? ABSTRACT This analysis constitutes a concise reflection about possible motivations that has induced governments to promote legal statutes changes in the Estate of São Paulo research institutions. Founded in two authors that developed papers about cognitive capitalism or knowledge capitalism subject, there were established indications that capital main interest is to incite half privatization of the research institutions, privatizing only the knowledge produced and to be produced making use of its infra structure. In this way they would continue as public properties avoiding in this way private investments in installations and equipment. And the remaining question to be answered is : this promised advance, efficiency, efficacy, competitivity, welfare, glimpsed by the adoption of Social Organizations legal statutes ... will benefit whom ? 18