PRIVATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO: UMA TENDÊNCIA ?
1 -INTRODUÇÃO
No exemplar de julho de 2006 da Revista Informações Econômicas a
pesquisadora Maria Auxiliadora de Carvalho publicou artigo no qual analisa com
profundidade a situação salarial e de condições de trabalho dos pesquisadores do
Instituto de Economia Agrícola, mas que por tabela pode refletir a situação dos
demais institutos do Sistema Paulista de Pesquisa que compreende órgãos das
Secretarias de Agricultura e Abastecimento, Saúde e Meio Ambiente.
Nesse artigo a autora trata também de intenção do atual governo paulista
(2002-2006) de querer transformar o estatuto jurídico dessas instituições de
administração direta para o de Organizações Sociais (OS).
A questão que se coloca é saber de onde surgiu essa idéia e a quem ela serve
ou serviria1. Isso porque conforme foi demonstrado no referido artigo na última
década pelo menos está ocorrendo um processo de sucateamento dos recursos
físicos e humanos dessas instituições. E são exatamente aqueles governos2 que
1
GORZ (1997) considera que deve-se ao imperativo de competitividade uma vez que há “...um poder planetário
que está concentrado em cada vez menos mãos. Das 37 mil firmas transnacionais que controlam 40% das trocas
mundiais e um terço da produção mundial contabilizável, 370 delas (ou seja 1 %) controlam 50%dos ativos
financeiros. Segundo o Fundo Monetário Internacional
(FMI), não mais de 50 bancos controlam as transações
cotidianas de um montante de 1.400milhões de dólares, nos mercados de cambio. Não mais de 6 bancos comerciais
controlam 90% das operações sobre produtos derivados.” ... “É o poder financeiro, pudicamente chamado de “os
mercados”
2
GORZ (1997) O presidente do Bundesbank, Hans Tietmeyer disse-o claramente em Davos, em fevereiro de 1996
que “Os mercados financeiros desempenharão cada vez mais o papel de ‘gendarmes’ ... os homens políticos devem
compreender que estão agora sob o controle dos mercados financeiros e não apenas dos debates nacionais”, citando
LIPIETZ (1996) em La société en sabliers
utilizam os argumentos de que essas instituições não são eficientes no atendimento
das demandas da sociedade, os mesmos que negam os recursos necessários para
manter e desenvolver adequadamente sua infra-estrutura de pesquisa e tem mantido
os salários achatados em níveis contribuem mais ainda para o desestímulo e saída
de pesquisadores e pessoal de apoio já capacitados em busca de melhores
condições de trabalho e salário. E depois de colocar essas instituições, algumas
delas já centenárias, em um “beco sem saída” anunciam agora essa grande solução
que seria a transformação dos seus estatutos jurídicos de Administração Direta
para o de Organizações Sociais (OS). E qualquer manifestação que busque uma
reflexão mais profunda sobre o tema é logo taxada de corporativismo.
O objetivo deste ensaio é o de refletir sobre as causas primeiras e os
interesses econômicos normalmente velados que levaram à justificativa dessa
proposta que é tão defendida como única solução para “salvar” as instituições de
pesquisa do estado de São Paulo.
2 – POR QUE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
A primeira questão que se coloca é saber de onde surge uma idéia como essa
? Numa economia capitalista o mais provável é que tenha surgido a partir do
vislumbre de maiores lucros por parte da articulação política de grupos ou redes
econômicas privadas e empresas transnacionais, que submetem a si cada vez mais
2
os poderes públicos. Isso porque os políticos de carreira sem que haja um “lobby”
de pressões, por moto próprio não teriam motivos para tentar tal transformação.
Essa campanha pela privatização possui antecedentes na década de 70 e foi
estancada pelo então governador Franco Montoro. Essas tentativas de privatização
das instituições públicas de pesquisa já duram décadas e fazem parte de um
conjunto de medidas tomadas que começou pela “demonização” dos funcionários
públicos de modo geral taxando-os de “marajás” privilegiados e de responsáveis
pelo “rombo” do sistema previdenciario brasileiro. E por incrível que pareça
grande parte das modificações introduzidas que prejudicaram os interesses dos
servidores públicos foi feita com o apoio de um governo dito de “esquerda” ao
reduzir seus direitos. A política salarial cujos resultados forma demonstrados por
CARVALHO(2006) faz parte, portanto, de um conjunto de medidas restritivas ao
pleno desenvolvimento dos Institutos de Pesquisa Paulistas. Em seguida a
concretização desses atos, surge de modo insistente a proposta de alterar o estatuto
jurídico das instituições de pesquisa do estado de São Paulo apresentando a forma
de organizações Sociais como “ O mais eficiente”.
Pesquisando o tema foi possível encontrar um autor que já trata desse tema
desde 1997 na França, André Gorz.
GORZ (1997) considera que “A mundialização, a intensificação da
concorrência em todos os mercados de todos os países servem para legitimar tudo
3
que se quiser: a diminuição dos salários reais, o desmantelamento das proteções
sociais, a explosão do desemprego, a precarização de todos os empregos, a
deterioração das condições de trabalho, etc.”. Considera também que no passado o
Estado colocava as empresas em concorrência e que atualmente são as grandes
empresas transnacionais que colocam os estados em concorrência. Essa visão é
corroborada por GENEREUX (1998) que afirma “O verdadeiro poder é exercido
no interior de um ‘clube’ muito fechado de capitalista, financistas, de
especuladores, que ditam sua lei ao mundo: a lei do lucro. Essas redes econômicas
privadas, transnacionais, dominam assim, cada vez mais, os poderes estatais; longe
de serem controladas por eles, são elas que os controlam. Constitui em suma uma
espécie de nação que, fora de qualquer território, de qualquer instituição
governamental, comanda cada vez mais as instituições políticas dos diversos
países, geralmente por meio de organizações de peso como o banco Mundial, o
FMI ou a OCDE”.
O conhecimento científico ou não (os saberes) tradicionalmente destinam-se
a trazer benefícios para a humanidade. GORZ (2005) traz à tona uma visão de que
está ocorrendo uma severa mudança nesse paradigma de fundo humanista. O autor
considera que “A ampla admissão do conhecimento como a principal força
produtiva provocou uma mudança que compromete a validade das categorias
4
econômicas chave e indica a necessidade do estabelecimento de outra economia”.
Gorz chama essa nova economia de “economia do conhecimento”.
O conhecimento há algumas décadas pelo menos no Brasil tem sido gerado
primordialmente pelo setor público, em especial as universidades e institutos de
pesquisa oficiais. Os seus objetivos primordiais também tem se destinado a atender
às necessidades e melhorar o bem-estar das populações em geral. Este paradigma
histórico, humanista e de objetivos sociais da pesquisa que predomina no Brasil
está sofrendo no presente uma radical alteração em sua origem principal.
Atualmente pode-se identificar um movimento ou determinação do Capital
internacional no sentido de que o conhecimento seja gradualmente retirado da
esfera pública e passe a ser gerado de forma fortemente subordinada aos interesses
privados e mais ainda apropriado privadamente através de patentes por uma
empresa em particular ou mesmo um consórcio de empresas.
3 - A ECONOMIA DO CONHECIMENTO
Os interesses que estão levando a que a pesquisa científica e tecnológica de
São Paulo siga por esse novo, mas estranho caminho “social” (afinal são
Organizações Sociais) da sua privatização/semi - privatização decorre do fato de
que no paradigma anterior “Todo conhecimento passível de formalização podia ser
abstraído de seu suporte material e humano, multiplicado quase sem custos na
5
forma de procedimentos e software e utilizados ilimitadamente em máquinas que
seguem um padrão universal. Quanto mais se propagava (o conhecimento), mais
útil era para a sociedade. Seu valor mercantil, ao contrário, diminuía com a
propagação e tendia a zero: o conhecimento tornava-se um bem comum possível a
todos. Uma autentica economia do conhecimento corresponderia a um comunismo
do saber no qual deixa de serem necessárias as relações monetárias de troca"
(GORZ, 2005).
Para as grandes empresas transnacionais, entretanto, não interessa mais a
permanência desse modelo de difusão geral de todo o conhecimento historicamente
gerado pelo setor público brasileiro que é no país o que mais (talvez quase único)
que investe em pesquisas.
Interessa
sim, a esses setores privados que a
propagação do conhecimento siga no sentido exatamente contrário dessa afirmação.
Isso porque para eles será somente através da apropriação privada do conhecimento
via patentes que o valor mercantil do conhecimento não será reduzido. Daí o
interesse em impedir a sua ampla e livre propagação (como tem sido feita
tradicionalmente pelas instituições públicas de pesquisa paulista) procedimento que
faz o valor dos novos conhecimentos tenderem a zero no tempo. A propagação do
conhecimento conforme os objetivos das Organizações Sociais propostas deve
passar a ser estabelecidos e controlados em função da preservação dos interesses
6
privados, ou seja, do lucro. Será essencial que o valor mercantil do conhecimento
gerado deva manter-se como uma mercadoria ou bem escasso no tempo.
GORZ (2006) afirma também que “A pesquisa privada quase sempre tem
como objetivo principal permitir às empresas que as realizam erguer um monopólio
do conhecimento que lhe proporcione um rendimento exclusivo por um razoável
periodo de tempo. O montante de rendimento passa a contar mais do que a utilidade
social do conhecimento alcançado”.
Paralelamente essas grandes empresas desenvolvem ainda atividades de
“marketing” destinadas a atribuir aos seus novos produtos qualidades de que os
mais antigos não dispõem de modo a que possam ser vendidos a preços
exorbitantes, e também quando os preços decorridos algum tempo, começam a cair,
rapidamente tornam-nos obsoletos mediante a divulgação de “inovações” mais
modernas.
A apropriação privada do conhecimento tem, portanto, como meta principal
“fugir” da abundância ameaçadora de conhecimentos que o paradigma da pesquisa
pública tem imposto como padrão ao mercado. GORZ (2005). Indo no sentido
contrário esse paradigma privatista busca criar uma escassez artificial do
conhecimento que possa garantir no maior periodo de tempo possível a
exclusividade dos lucros de uma só empresa.
7
O forte movimento promovido por esses interesses econômicos com a
justificativa da necessidade da “modernização do Estado”, melhor dizendo dos seus
aparelhos dedicados à pesquisa, pode ser identificado pelas propostas e medidas
dos recentes governos em todos os níveis de administração no País que visam
subtrair ao poder público a responsabilidade pela geração e difusão da principal
massa de conhecimento científico e tecnológico existente e a ser gerado no futuro.
E ao mesmo tempo esse setor privado busca no presente desenvolver ações que
visam à apropriação quase que gratuita da existente infra-estrutura pública de
pesquisa. Pretende dessa forma alterar a visão histórica firmada no imaginário da
população de que esta, pertencendo ao setor público promove o bem comum
através do repasse desses conhecimentos ao público em geral via todas as empresas
privadas interessadas em conjunto, competindo entre si no mercado livre,
produzido e levando seus produtos ao mercado a preços que beneficiem mais a
população.
Essa nova visão é que tentam inculcar a força, “martelando” a idéia de que
uma maior “eficiência” somente será alcançada através da privatização do
conhecimento,
“fantasiada”
com
a
denominação
de
“modernização
ou
flexibilização do Estado”. Para isso consideram fundamental se apropriar das
existentes estruturas públicas de pesquisa transferindo-as gratuitamente para os
interesses privados que buscam na realidade impor uma ideologia que justifique a
8
apropriação privada da nova e principal fonte de riqueza recém identificada por
eles, e desvendada por GORZ (2005). E essa nova fonte é o conhecimento
científico e tecnológico cuja produção, pelo menos no Brasil, ainda se situa em
grande parte na esfera da pesquisa pública.
É interessante destacar também que de um lado os setores econômicos,
políticos e ideológicos que acusam de ineficiência3
crônica e ineficazes4 os
aparelhos estatais responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisas científicas e
tecnológicas, são os mesmos que por décadas vem “sucateando” suas instalações5 e
desestimulando o pessoal via baixos salários. Por outro lado, desenvolvem há
décadas uma verdadeira “pilhagem” dos saberes populares que consideram, se
encontrar “presos” nas comunidades, ou seja, fora do mercado. Este cenário de
apropriação privada confirma a afirmação de GORZ (2005) de que para o grande
capital o que conta “É principalmente transformar a invenção em mercadoria, e pôla no mercado como um produto de marca patenteada”.
3
Eficiência é a relação entre os recursos que deveriam ser consumidos e os recursos realmente consumidos.
4
Eficácia é a relação entre os resultados obtidos e os resultados desejados ou previstos.
5
O Governo de São Paulo sucateia e depois privatiza - Nos últimos 10 anos, o Governo do Estado vem promovendo
o sucateamento das estruturas públicas de pesquisa, reduzindo as dotações orçamentárias e número de pesquisadores
lotados nos Institutos. No IPT, por exemplo, apesar da importância e resultados práticos de sua atuação, a dotação
orçamentária foi reduzida em 50%.
No apagar das luzes, Alckmin "privatiza" o centenário Instituto de Pesquisas Tecnológicas
FELIX, L. No apagar das luzes, Alckmin "privatiza" o centenário Instituto de Pesquisas Tecnológicas Disponível
em: http://www.vermelho.org.br/diario/2006/0401/0401_ipt.asp Acessado em 25/09/06.
COSTA, M.da ; GUERRERO, N. institutos públicos depesquisa sob ameaça Revista da ADFUP setembro de
2006 Disponivel em :
http://www.adusp.org.br/revista/38/r38a07.pdf#search=%22apqc%20privatiza%C3%A7%C3%A3o%22
Acessado em 25/09/06
9
Como exemplo de que essa apropriação privada também ocorre em relação
ao “saber popular” através do patenteamento face a simples possibilidade de gerar
lucros, há o da fruta Cupuaçu, há alguns anos patenteada pelos japoneses. Há
também casos de empresas estrangeiras que patentearam conhecimentos extraídos a
partir da cultura de índios brasileiros. Um laboratório europeu desenvolveu um
poderoso anestésico a partir do conhecimento dos índios caretianas (de Rondônia) a
respeito dos poderes medicinais de uma certa espécie de sapo amazônico6.
O Capital segundo GORZ (2005) dominou por décadas o homem por meio
da propriedade das maquinas, mas atualmente está passando para uma fase em que
tenta dominá-lo a partir da apropriação privada dos centros de geração de
conhecimento científico e dos saberes populares.
E isso por que segundo IZERROUGENE (S.D.) “O capitalismo material
está caminhando para um capitalismo imaterial, um capitalismo cognitivo que não
obedece aos mesmos fundamentos de criação de riquezas e que possui
características próprias: a) preeminência do intangível e produção do conhecimento
por conhecimento, a partir de uma nova tecnologia em que a informação e o
trabalho intelectual são novas fontes de exploração; b) realização da exploração não
mais sobre o trabalho manual individual, mas sobre novos aspectos coletivos de
uma sociedade de conhecimento, de informação, afeto e cooperação. A força de
6
Índios pedem proteção ao conhecimento Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual - INBRAPI
10
trabalho coletiva e os meios de produção do capital humano tornam-se a principal
fonte de criação, abrindo espaço para um novo regime de acumulação, no qual, não
obstante, a relação capital/trabalho segue como elemento fundamental na regulação
e dinâmica do capital”.
Este é o novo “ovo de Colombo” descoberto pelo grande capital que explica
as sucessivas e crescentes tentativas de privatização dos principais centros
geradores de conhecimento científico, tecnológico e de saberes no nosso país e
especialmente no estado de São Paulo.
Ainda como apoio a essa argumentação Gorz afirma que “O capitalismo
moderno, centrado sobre a valorização de grandes massas de capital fixo material, é
cada vez mais rapidamente substituído por um capitalismo pós-moderno centrado
na valorização de um capital dito imaterial, qualificado também de ‘capital
humano’, ‘capital conhecimento’ ou ‘capital inteligência’ ”. GORZ (2005).
Essa visão é compartida por IZERROUGENE (S/D)
que afirma “O
desenvolvimento econômico é hoje nitidamente dominado pela produção imaterial
que reconfigura os processos de produção, altera as suas formas institucionais de
regulação e abre espaço considerável para a acumulação. O trabalho imaterial
ocupa um lugar de destaque na produção de externalidades. A sua combinação com
os meios de produção se torna fonte dominante de criação de riqueza”.
Disponível em: http://www.inbrapi.org.br/shownews.php?id=114 Acessado em 9 de março de 2006.
11
Essa tendência de tratar a produção do conhecimento e o próprio
conhecimento como um fim em si mesmo ignora o fato de que o conhecimento
científico e tecnológico e os saberes populares não são uma mercadoria qualquer,
pois do ponto de vista ético devem prioritariamente estar a serviço, beneficiar e
promover o bem estar da população.
Os institutos de pesquisa e universidades públicas são órgãos nos quais há
décadas existe uma inteligência coletiva buscando, gerando e tentando sempre
desvendar e colocar em prática conhecimentos que possam melhorar o bem estar
comum e que está lastreada em preocupações sociais e humanitárias.
Já o que o grande capital tenta fazer atualmente é apropriar-se dessa
inteligência coletiva e do espaço físico que ela ocupa submetendo-a as suas
necessidades e interesses econômicos privados de curtíssimo prazo. E isso por que
não o satisfaz mais conseguir a plena cooptação de alguns indivíduos pesquisadores
de elevada competência do setor público que trabalham com ciência e tecnologia,
via financiamento de suas pesquisas individuais ou temáticas. E essa insatisfação
ocorreu porque as características da tecnociência e a velocidade com que avança no
presente exigem uma interação entre os campos de conhecimentos das mais
diversas disciplinas, ou seja, de vários pesquisadores das mais diferentes áreas do
conhecimento e exigem infra-estruturas complexas. Como afirma GORZ (2005)
12
“O ator potencial dessa mudança é o ‘capital humano’ ” e não mais apenas
pesquisadores individuais. Para a acumulação de riqueza não interessa mais ao
grande capital a dominação de alguns elementos
dessa força de trabalho
intelectual, mas sim a dominação completa, total e gerencial do capital humano
reconhecido como o principal gerador do conhecimento, o que atualmente eqüivale
a geração da nova base da riqueza. E isso porque o retorno ao capital investido
depende nesse novo cenário muito mais do trabalho conjunto de pesquisadores do
que de pesquisadores individuais.
O poder de comando do capital com o objetivo de gerar elevados lucros não
vem mais do amplo domínio da materialidade, da propriedade privada dos meios de
produção, mas sim do domínio completo e monopolizado dos meios de produção
do conhecimento - do capital humano - e do conhecimento abstrato que este detém
e/ou podem criar. Caso típico deste fato são os softwares.
As empresas transnacionais nas últimas décadas obtiveram êxito em
libertarem-se da dependência/interferência dos Estados Nacionais via globalização
da economia e do sistema financeiro impondo as “Leis de mercado”. No presente
buscam de forma semelhante libertarem-se da remanescente “tutela estatal” em
relação aos principais setores geradores de conhecimento científico e tecnológico
que passaram a constituir o cerne gerador de riqueza da economia mundial. Essa
presença dominante do setor público de pesquisa “incomoda”, “entrava” o “livre
13
desenvolvimento da ciência” agora focada no único objetivo de produzir elevados
lucros privados.
Segundo essa verdadeira ideologia que serve às empresas privadas e setores
políticos a elas submissos engajados na promoção da privatização do conhecimento
científico e tecnológico, somente essa providência permitirá o avanço mais rápido,
eficiente e eficaz da ciência e tecnologia no país.
A implantação do regime jurídico das Organizações Sociais nas instituições
de pesquisa corresponderá à privatização das vias de acesso publico ao
conhecimento o que permitirá às empresas interessadas uma forma privilegiada de
capitalização das riquezas imateriais.
GORZ (2005) afirma que “O capital tudo fará para capitalizar o
conhecimento, para fazê-lo corresponder às condições essenciais pelas quais o
capital funciona e existe como tal, a saber: o conhecimento deve economizar mais
trabalho do que originalmente custou, deve submeter ao seu controle a utilização
que dele é feita; e, enfim, deve-se tornar a propriedade exclusiva da firma que o
valoriza incorporando-o nas mercadorias que com ele se produzem”.
Nessa mesma linha de pensamento RULLANI citado por GORZ (2005)
afirma que “O valor de troca do conhecimento está, pois, inteiramente ligado à
capacidade prática de limitar sua livre difusão, ou seja, de limitar com meios
jurídicos (certificados, direitos autorais, licenças, contratos) ou monopolistas, a
14
possibilidade de copiar, imitar, de ‘reinventar’, de aprender conhecimentos dos
outros”... “o valor do conhecimento não decorre de sua raridade natural, mas
unicamente das limitações estabelecidas, institucionalmente ou de fato, ao acesso
ao conhecimento” e que “a raridade do conhecimento, o que lhe dá valor, é, pois,
de natureza artificial”. Essa reflexão traduz e desvenda o cerne das motivações dos
que propõem transformar as instituições de pesquisa do estado de São Paulo em
Organizações Sociais (OS).
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não interessa mais ao capital dominar alguns pesquisadores detentores de
conhecimentos específicos, mas sim controlar a inteligência geral das instituições
de pesquisa. E isso para que disponha de formas de se apropriar e impedir que o
conhecimento gerado pelas instituições públicas de pesquisa continue a ser um bem
coletivo, mas sim como afirma GORZ (2005) passem a funcionar como um “capital
imaterial”. E o exemplo dado por esse autor para mostrar esse fato é o da empresa
Nike “que não possui nem instalações, nem máquinas: sua atividade se limita à
concepção e ao design. A fabricação, a distribuição, o marketing e a publicidade
são confiadas a empresas contratadas para tal” GORZ (2005).
A adoção do regime jurídico das OS para as instituições de pesquisa pública
eqüivalerá a atender ao desejo do capital de se apropriar da inteligência coletiva
15
existente nos aparelhos de Estado e não mais apenas de alguns indivíduos que neles
trabalham
Pode-se deduzir dessas reflexões que o principal interesse do capital é de
semi-privatizar as instituições de pesquisa, privatizando apenas o conhecimento por
eles gerados utilizando a sua infra-estrutura sem adquiri-las, pois estas
continuariam públicas, evitando dessa forma que tivessem que investir em novas
instalações e equipamentos.
A questão que fica para ser respondida é a seguinte: esse avanço, eficiência,
eficácia, competitividade, benefícios, bem estar vislumbrado pela adoção do
estatuto jurídico das Organizações Sociais... Beneficiará principalmente a quem ?
GORZ (2005) fornece uma indicação precisa sobre essa questão afirmando
“O saber não é uma mercadoria qualquer, seu valor (monetário) é indeterminável;
ele pode, uma vez que é digitalizável, se multiplicar indefinidamente e sem custos;
sua propagação eleva sua fecundidade, sua privatização a reduz e contradiz sua
essência”.
5 – LITERATURA CITADA
IZERROUGENE, B. A economia política do capitalismo cognitivo. Disponível
em:
http://www.lab4t.ufba.br/aecopolitcap.pdf#search=%22%20cognitivo%20capitalis
mo%20conceito%20%22 Acessado em 22/09/06
16
GORZ, A. Misérias do presente, riqueza do possível. Tradução de Ana
Montoia./André Gorz – São Paulo: Annablume, 2004.
GORZ, A. O imaterial: conhecimento, valor e capital. .Tradução de Celso Azan
Junior./André Gorz – São Paulo: Annablume, 2005
Richard Domingues Dulley
Email: [email protected]
http://www.anped.org.br/rbe27/anped-n27art10.pdf#search=%22%20enzo%20rullani%20capitalismo%20conceito%20%22
RESUMO
Este ensaio constitui uma breve reflexão sobre as possíveis motivações que
tem levado os governos a promover alteração nos estatutos jurídicos das
instituições de pesquisa do estado de São Paulo. Com base em dois autores que
desenvolveram trabalhos sobre o tema do capitalismo cognitivo ou capitalismo do
conhecimento, estabelecem-se indicações de que o principal interesse do capital é
de semi-privatizar as instituições de pesquisa, privatizando apenas o conhecimento
por eles gerado e a serem gerados utilizando a sua infra-estrutura sem adquiri-las,
pois continuariam como propriedades públicas, evitando dessa forma que tivessem
que investir em instalações e equipamentos. E que a questão que fica para ser
respondida é de que: esse prometido avanço, eficiência, eficácia, competitividade,
17
benefícios, bem estar vislumbrado pela adoção do estatuto jurídico das
Organizações Sociais... Beneficiará principalmente a quem ?
ABSTRACT
This analysis constitutes a concise reflection about possible motivations that has
induced governments to promote legal statutes changes in the Estate of São Paulo
research institutions. Founded in two authors that developed papers about cognitive
capitalism or knowledge capitalism subject, there were established indications that
capital main interest is to incite half privatization of the research institutions,
privatizing only the knowledge produced and to be produced making use of its
infra structure. In this way they would continue as public properties avoiding in
this way private investments in installations and equipment. And the remaining
question to be answered is : this promised advance, efficiency, efficacy,
competitivity, welfare, glimpsed by the adoption of Social Organizations legal
statutes ... will benefit whom ?
18
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PRIVATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO