Centro de Convenções Ulysses Guimarães
Brasília/DF – 16, 17 e 18 de abril de 2013
ENCRUZILHADAS E DIREÇÕES NA GESTÃO
DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO
Helio Janny Teixeira
Sérgio Mattoso Salomão
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Painel 33/126
Avanços da meritocracia no Brasil – II
ENCRUZILHADAS E DIREÇÕES NA GESTÃO DE PESSOAS NO
SETOR PÚBLICO
Helio Janny Teixeira
Sérgio Mattoso Salomão
RESUMO
O labirinto em que se transformou a gestão de pessoas no setor público desafia a
todos: acadêmicos, políticos e burocratas. Diagnósticos não faltam, mas em geral
são pontuais e imediatistas sem identificar claramente os responsáveis pelos
problemas e pelas soluções. A consequência é inevitável: a transformação das
políticas de recursos humanos em uma colcha de retalhos desarmônica e amarrada
em que se acumulam distorções desde as camadas estratégicas até as
operacionais, desde o recrutamento até a aposentadoria. Este trabalho pretende
analisar as distorções dos diagnósticos vigentes e as direções para sair do labirinto,
superando as ilusões, os modismos e o temor da verdade.
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1 PROBLEMAS E SOLUÇÕES DA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO
BRASILEIRO: UMA VISÃO GLOBAL
Sartre mostrou que o inferno são os outros. Neste artigo o inferno somos
nós todos. Mas felizmente o céu também, pois depende do que fazemos
determinados por livre arbítrio - bem menor do que o concebido pelo renomado autor
- e também pelos papeis que desempenhamos. Podemos ser ou ter sido
sindicalistas, políticos, burocratas ou acadêmicos e assumirmos as virtudes e os
vícios inerentes. Portanto não queremos criticar indivíduos, de forma polarizada e
estanque. Os conflitos são inevitáveis e dependem dos projetos e posições de cada
um. Apenas mostraremos algumas condutas caricatas que podem obstruir a defesa
do interesse público, quais sejam:
 Acadêmicos: Aprisionados pelo Sistema Qualis – CAPES de pontuação
geram mais quantidade do que qualidade e significado nas publicações
(vide RAE 2013, vol. 53 nº 1).
 Sindicalistas: mais salário, isonomia e menos contratualizações que
reduzam o número de servidores.
 Políticos: fisiologismo, ampliação de base política acima dos interesses
técnico-administrativos.
 Burocratas: corporativistas, envelhecidos, acomodados e frustrados
(muitas vezes justificadamente em função de experiências anteriores).
 Cidadãos: peticionismo (espera soluções do estado) e cartorialismo.
Este composto, que não deixa de ser pessimista quanto as perspectivas e
ritmos de evolução da administração pública no Brasil e agravado pelos modelos
mentais e diagnósticos bastante comuns que dificultam as transformações
desejadas. Há 4 pontos a destacar: simplismo, imediatismo, modismo e sectarismo.
Os quatro pontos suportam-se mutuamente numa síndrome conservadora
e imobilista voltada à manutenção do status quo. As chamadas “reformas
administrativas modernizadoras” trocam nomes, geram decretos, mudam estruturas,
mas conservam o atraso e os privilégios.
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1º) Simplismo
É comum na área pública a existência de princípios e leis relevantes que
marcam o sentido dos trabalhos nas diversas áreas da administração. A Lei 8.666
representa um marco para a área de licitações. O artigo 37 da constituição direciona
a gestão de pessoas, estabelecendo, por exemplo, a obrigatoriedade de concurso
público. A Lei de Responsabilidade Fiscal apresenta os limites de gastos e outras
referências para as finanças públicas. Todos sabem, no entanto, que, apesar de sua
abrangência e alto grau de detalhe com que consegue tratar as licitações públicas, a
Lei 8.666 não apresenta e nem propõe um sistema de gestão de suprimentos
integrado, pois trata apenas de licitações e contratações. Também os concursos
públicos, essenciais e bem-vindos, não significam uma política de recursos
humanos, mas apenas uma parte de dois dos seus aspectos: recrutamento e
seleção. Da mesma forma, a Lei de Responsabilidade Fiscal nunca teve a pretensão
de propor uma gestão financeira integrada. Mesmo com os seus direcionamentos e
restrições, as leis mencionadas não vedam complementos e cuidados nas
aplicações. A Lei 8.666 teria mais impactos se acompanhada de previsão bem feita
da necessidade de materiais, análise de mercados fornecedores, estudo dos
padrões de consumo, controle de estoque, estudo de custos globais e treinamento
de compradores. Ou seja, a lei não coíbe uma logística pública integrada, mas
poucos a praticam. O mesmo vale para as outras leis citadas. Um concurso público
mal feito não trará grandes contribuições mesmo dentro da lei. Da mesma forma, um
concurso bem cuidado, livre da cobrança restrita do conhecimento acadêmico,
perderá força se os novos funcionários não forem bem integrados, orientados,
treinados, remunerados e motivados, ou seja, não basta cuidar bem de uma parte,
porque, na administração, o que importa é o conjunto.
Tanto a literatura como a prática da gestão de pessoas trata das funções
típicas de RH – recrutamento, seleção, treinamento, análise de cargos e carreira,
avaliação, remuneração e desligamento de forma isolada. Como mostram Zaccarelli
& Kwasnicka (1978, p. 47), “o tratamento conjunto desses assuntos é nulo ou
insuficiente, embora, evidente que seja muito importante.” Os autores nos alertam
para as relações que devem haver entre, por um lado, as estratégias
organizacionais e as políticas de recursos humanos, e, por outro, a coerência e a
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complementaridade que devem ser buscadas entre as próprias funções da gestão
de RH. Assim é que decisões acertadas no recrutamento e seleção tendem a
facilitar a formação e treinamento, que, por sua vez, viabilizam o desenvolvimento de
competências e a implantação de sistemas de carreira e remuneração, e assim
sucessivamente. Usualmente, não é feito o tratamento conjunto das partes, que
envolve a visualização das funções, suas articulações entre si e com o contexto.
Referenciais não faltam para indicar quais os componentes e condicionantes da gestão de pessoas. Longo (2003) apresenta um modelo integrado de
gestão bastante difundido nos países ibero-americanos e que deu origem a uma
metodologia de avaliação também bastante utilizada. Também Levy (2012)
apresenta um quadro amplo sobre a questão. Mas os acadêmicos e os estudiosos
têm avançado mais do que a prática. Os atores envolvidos com o mundo real estão
dispersos e marcados por interesses específicos. Assim, decisões que necessitam
de integração para constituir um todo significativo são tomadas por grupos distintos,
com referenciais particulares e sem visualização do conjunto.
2º Imediatismo
Fenômeno bastante abordado na política e na gestão pública brasileira
fica ainda mais grave quando tratamos de gestão de pessoas que envolvem
diversos ciclos temporais: diários, mensais, anuais, eleitorais, plurianuais, os 35
anos desde o concurso público até a aposentadoria e os tempos de previdência
social, incluindo os herdeiros (pensionistas).
Um bom gestor de pessoas deve pensar no dia seguinte e nos próximos
50 anos, pelo menos! Não é o que ocorre. Toda cultura brasileira de solução de
problemas é dominada pelo curto prazo. O orçamento público é anual, o PPA vale
por 4 anos e muitos problemas não podem ser resolvidos nos
horizontes do
calendário político. Revisões das políticas de recursos humanos não podem ser
feitas sem uma visão abrangente da força de trabalho e suas perspectivas de
evolução. Aposentadorias, saídas espontâneas (pouco frequentes), transferências,
mudanças nos papeis dos servidores, devem compor um grande quadro que
também considere custos, benefícios e produtividade.
As previsões devem considerar as transformações previstas nas
estruturas do Estado, sem o que é impossível planejar a força de trabalho: mais
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pessoas na administração direta ou na indireta? Mais concursos públicos ou mais
pessoas trabalhando em Organizações Sociais, PPPs, Serviços Autônomos etc.
Quais cargos e competências devem ser fortalecidos? Quais devem ser extintos?
Tudo isto num contexto de revisão da organização societária (Estado x Mercado x
Sociedade) em que as missões, papeis e encargos de cada segmento devem ser
alterados em função do interesse público, livre das amarras da tradição e da
rigidez ideológica.
Ninguém duvida da necessidade urgente de adoção do planejamento
sistêmico multitemporal para a gestão de Recursos Humanos no setor público.
3º) Modismo
A falta de visão sistêmica e o imediatismo facilitam a adoção de soluções
ilusórias. Normalmente, na área pública elas vêm do setor privado, dos países
estrangeiros considerados desenvolvidos e dos gurus. Já analisamos este assunto
em Teixeira (2010). Modismos, exageros e propaganda enganosa fazem parte do
mundo atual, e a administração não fica de fora dessa onda. Vivemos numa
sociedade do conhecimento, da informação, mas também da confusão, da dúvida e
dos paradoxos. Esforços são necessários para identificar o que é relevante e fugir
das armadilhas representadas pelas soluções fáceis e enganosas. Esse é um dos
nossos objetivos neste artigo. Vale um alerta: as armadilhas estão mais nas
generalizações das soluções sem análise de contexto do que na pobreza das ideias
em si que são propostas nos textos que entram e saem da moda.
A extrema complexidade da área pública, aliada a necessidade política de
soluções urgentes acaba valorizando a adoção de soluções ilusórias e consagradas
pela propaganda. Como já afirmamos, elas não são ruins de “per si”. Mas a crença
nas mesmas como soluções amplas geram frustrações e equívocos. São
conhecidas as adaptações mal sucedidas dos contratos de gestão franceses, as
soluções confusas da New Public Management e a visão etapista do Plano Diretor
da Reforma do Estado quando contrapôs a Administração Burocrática à Gerencial.
Soluções bipolares e sectárias são abundantes e são inoportunas por não
corresponderem a um mundo multipolar e pleno de ambiguidades. Também
predominam as soluções funcionais e disciplinares inadequadas para as situações
que demandam sinergias e multidisciplinaridade.
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4º) Sectarismo
Embora inexistam diagnósticos claros sobre a adequação do porte da
máquina pública, bem como do número de funcionários públicos, sempre causam
admiração os valores da despesa com pessoal. O orçamento da União para 2013
prevê gastos de R$ 228 bilhões com pessoas, sendo aproximadamente 2 milhões de
servidores dos quais 900.000 ativos. No estado de São Paulo os números também
são impressionantes. Em 2011 foram gastos R$ 49 bilhões com 1.200.000
funcionários, dos quais 740.000 ativos. Os valores, embora representem no período
mais da metade da despesa não financeira do estado, atingiu no poder executivo
40,33 % da Receita Corrente Líquida, abaixo do teto de 49% e do limite prudencial
de 46,55% estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo estudos
(jornal Valor Econômico: 19.02.2013) indicam que, embora dentro da lei os
porcentuais de despesa têm crescido inercialmente em diversos estados brasileiros.
A pergunta crítica é: A eficiência do funcionalismo tem crescido na mesma taxa de
aumento de despesas? Não há respostas precisas, mas as impressões não são
favoráveis. Em primeiro lugar não há estudos sistemáticos para responder a
pergunta. Em segundo, a questão é tratada sob uma perspectiva fiscalista, sem as
devidas articulações com as diversas funções envolvidas na gestão de pessoas.
Elas são tratadas como despesas a serem combatidas, como se fossem pragas.
Com isto não questionamos as limitações estabelecidas pela LRF – Lei de
Responsabilidade Fiscal, apenas realçamos a pobreza do diálogo entre os
economistas da fazenda pública com suas agregações fiscais e os gestores de
pessoas com óticas mais particulares. A preocupação dominante está na limitação
de despesas e não no aumento da eficiência.
2 DIAGNÓSTICOS VÁLIDOS, MAS INCOMPLETOS
O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, coordenado pelo
ministro Bresser Pereira em 1995 apresenta diagnóstico da política de recursos
humanos, válido até hoje, infelizmente. Itemizamos alguns pontos (p. 27 a 36).
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a) A legislação que regula as relações de trabalho no setor público é
inadequada, notadamente pelo seu caráter protecionista e inibidor do
espírito empreendedor.
b) Uniformização do tratamento de todos os servidores da administração
direta e indireta. Limitou-se o ingresso ao concurso público, sendo que
poderiam ser também utilizadas outras formas de seleção que
tornariam mais flexível o recrutamento de pessoal sem permitir a volta
do clientelismo patrimonialista.
c) Os concursos públicos, por outro lado, são realizados sem nenhuma
regularização e avaliação periódica da necessidade de quadros, fato
que leva à admissão de um contingente excessivo de candidatos a um
só tempo, seguida de longos períodos sem uma nova seleção, o que
inviabiliza a criação de verdadeiras carreiras.
d) Inexistência tanto de uma política de remuneração adequada como de
uma estrutura de cargos e salários compatível com as funções
exercidas e a rigidez excessiva do processo de contratação e demissão
do servidor, tidas como as características marcantes do mercado de
trabalho do setor público, terminam por inibir o desenvolvimento de
uma administração pública moderna, com ênfase nos aspectos
gerenciais e na busca de resultados.
Segundo Bergue (2010) a gestão de recursos humanos, na maioria das
organizações públicas brasileiras é condicionada pelas seguintes características
(p. 14 a 16):
a) Rigidez imposta pela legislação
b) Desvinculação da visão do cidadão como destinatário do serviço
público
c) Pouca ênfase no desempenho
d) Remuneração independente de desempenho
e) Inércia gerencial
f) Pouca preocupação com a gestão
g) Rotatividade na ocupação de posições de chefia
h) Gratificação distorcida e utilizada como forma de remuneração
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Marconi (p. 3 e 4) parte do pressuposto de que o modelo predominante na
área pública é o burocrático com o seguinte quadro de problemas:
a) Número excessivo de carreiras baseada em categorias profissionais:
arquiteto, advogado, engenheiro, etc. e não de acordo com a atividade
a ser desempenhada.
b) Como os cargos são estreitos a movimentação é reduzida, com risco
permanente de caracterizar desvio de função.
c) Insuficiência de política de desenvolvimento de funcionário por meio de
treinamento e progressão na carreira.
d) Valores salariais distorcidos dos praticados no mercado de trabalho
e) Grande número de gratificações que mascaram os salários, a
transparência e o controle social.
f) Concursos pouco frequentes geram hiatos consideráveis entre as
gerações de funcionários.
g) Atratividade para os funcionários relacionada à estabilidade, à
segurança e ao aumento de salário de acordo com o tempo de serviço
e aposentadoria integral.
h) Consequentemente um quadro de funcionários antigos, acomodados,
sem motivação para inovar e melhorar o desempenho.
Segundo o relatório de “Avaliação da Gestão de Recursos Humanos no
Governo: Brasil 2010” (OCDE, 2010), da Organização de Cooperação e de
Desenvolvimento Econômico (OCDE), cerca de 40% da força de trabalho do
governo federal superam 50 anos e logo vão se aposentar.
O relatório ressalta ainda que, atualmente, a gestão de recursos humanos
do governo federal tende a concentrar mais esforços no controle do cumprimento
das regras e normas básicas, com pouco espaço para a gestão estratégica baseada
em competências e desempenho.
O próprio relatório reconhece repetindo os diagnósticos já citados, que
existem muitos impedimentos para a gestão estratégica de recursos humanos no
governo federal, entre eles: “o quadro de servidores é bastante rígido e não permite
muita mobilidade”; “os servidores são contratados em uma carreira [específica] e
devem fazer concursos para mudar de carreira”; e, se forem identificadas novas
necessidades o governo deve preencher somente com a realização de novos
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concursos (OCDE, 2010, p. 74-75). Isto porque, em caso de investidura em
determinada carreira pública, torna-se inconstitucional a realocação de servidor em
cargos integrantes de outra carreira, ou mesmo o deslocamento do próprio cargo
para outro órgão ou ente público. Ou seja, não é possível a mudança de cargo,
numa hipótese de alteração nas atribuições do servidor, sem a previsão de concurso
para o novo cargo pretendido.
A mobilidade é limitada pelo fato de que muitas categorias estão
estreitamente definidas e são específicas para ministérios individuais ou
agências, até mesmo para funções semelhantes, sem qualquer sistema de
classificação geral que permitiria determinar posições equivalentes entre os
ministérios.
[...] as funções e atributos de cada carreira são definidos por meio da
legislação e tendem a ser interpretadas estreitamente. O resultado é que os
servidores públicos têm posse efetivamente em uma posição individual e é
virtualmente impossível transferir pessoal disponível para outro ministério.
Os concursos parecem ser relativamente rudimentares na maioria dos
casos devido à interpretação restritiva da cláusula constitucional relevante.
(OCDE, 2010, p. 177).
Como então prover serviços e atender às necessidades demandadas sem
ter condições estruturais de gerir seu quadro de recursos humanos?
Surge nesse cenário a possibilidade de minimizar os reflexos de tais
impedimentos com a terceirização. Nesse aspecto, o relatório da OCDE destaca
que: “Muitos países membros da OCDE aumentaram a terceirização, dado que esta
é, por vezes, considerada mais eficiente do que a mão de obra do setor público para
determinadas atividades e mais flexível”. O mesmo documento ressalta, porém, que,
de acordo com a experiência desses países, deve se considerar, na decisão de
terceirizar, os “investimentos internos no acompanhamento dos contratos”.
Dessa forma, a OCDE coloca que as “Decisões sobre terceirização
devem ter participação do planejamento da força de trabalho e serem descritas nos
diversos documentos de prestação de contas” (OCDE, 2010, p. 84):
[...] a administração federal do Brasil se beneficiaria de uma política menos
restritiva relativa ao uso de prestadores de serviço externos, mas com
planejamento transparente das atividades a serem terceirizadas e uma
lógica clara exposta.
A terceirização não deve ser vista, porém, como uma meta política em si
mesma e não deve haver nenhum objetivo a este respeito. Ao invés disso,
as organizações federais deverão ser encorajadas e auxiliadas a
desenvolverem políticas organizacionais específicas para maior uso dos
prestadores de serviço externos. Um modo para fazer isto seria montar uma
rede igualitária para a terceirização dentro da administração federal.
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Por meio de uma rede igualitária, as diferentes organizações federais
poderiam trocar experiências e prover apoio mútuo. Há grupos de
trabalhadores que trabalham para prestadores de serviço externos
chamados de “trabalhadores terceirizados irregulares”. Parece razoável
assumir que, para alguns postos, o motivador principal não foi o melhor
custo ou patronato, mas a necessidade de acessar competências
especializadas que não podem ser adquiridas pelo atual sistema de
carreiras e concursos. Neste caso, soluções mais sofisticadas precisam ser
estabelecidas para ter acesso a essas habilidades dado que simplesmente
proibir tais contratações privará as administrações de habilidades
necessárias.
Consequentemente, “A capacidade do pessoal [...] continua mal gerenciada
com uma gestão muito limitada de competências, sistemas de seleção por mérito
estritos e carreiras rígidas e estreitas que impedem a alocação ótima de recursos
humanos e limitam as oportunidades para os servidores desenvolverem suas carreiras
por meio de mobilidade lateral ou progressão vertical” (OCDE, 2010, p. 196).
Os diagnósticos são válidos, se sobrepõem e se completam. As mudanças
decorrentes ocorrem lentamente e falta uma dimensão importante: a política. É
conhecida a dificuldade de equilibrar critérios técnicos e políticos nas diversas
decisões da administração pública, como por exemplo, na escolha de dirigentes.
Segundo Motta (2013, p. 86), “Os gestores públicos têm carreira e cargos
mais vulneráveis à política e menos ao desempenho “Abrucio, 2007, p. 5, fortalece e
complementa essa ideia. “boa parte do sistema político tem um cálculo de carreira
que bate de frente com a modernização administrativa. Profissionalizar a burocracia
e avaliá-la constantemente por meio de metas e indicadores são ações que
reduziriam a interferência política sobre a distribuição de cargos e verbas públicas”.
As mudanças na gestão pública não envolvem apenas questões técnicas
e administrativas, mas também dimensões políticas e sociais nem sempre bem
compreendidas e explicitadas, como já abordamos anteriormente (Teixeira e
Santana, 1994, p. 7). Introduzir mudanças na administração pública representa
sempre ir de encontro a interesses estabelecidos num contexto com múltiplos atores
com posições divergentes, ou seja, os processos de mudança são sempre sóciotécnico-políticos. Cada grupo, ou, cada componente ou “parte”, visualizará o
“sistema” e seus objetivos conforme suas posições e interesses. Ignorar esse
aspecto da natureza da administração pública e supervalorizar soluções simplistas é
meio caminho para a frustração.
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3 DO DEPARTAMENTO DE PESSOAL À GESTÃO DE PESSOAS: MUDANÇAS
DE NOME E ILUSÕES
Tornou-se lugar comum a afirmação de que o Departamento de Recursos
Humanos (DRH) dos órgãos públicos é atrasado, rotineiro, reativo e sem atuação
condizente com a modernidade. Pobre DRH... As comparações imprecisas com o
setor privado - sempre idealizado e considerado nos seus extremos que brilham e
não pela média - ajudam a depreciar os DRHs. São descritas com galhardia as fases
de evolução do assunto no mundo privado: Departamento de Pessoal transformouse em Gestão de Pessoas.
Nas empresas em que ocorre de fato a transformação e não apenas
mudança de nome, os gestores de linha passaram a assumir ou a compartilhar a
aplicação de funções típicas de RH nas suas equipes: seleção, treinamento,
orientação, salários, demissão etc. Reafirma-se o óbvio: o gerente deve assumir o
gerenciamento de sua equipe, relembrando as sugestões de Fayol conhecidas no
início do século XX sobre as funções administrativas: planejamento, organização,
direção, coordenação e controle. As críticas repetidas à improdutividade dos DRHs
são injustas. Cumprem suas funções rotineiras, garantem a legalidade dos
procedimentos e protegem o Estado e os funcionários. Não têm poderes para
interferir na linha, são staff ou atividade meio, conforme a velha teoria clássica da
departamentalização. O problema é sistêmico, mas o atraso do DRH é útil...como
bode expiatório.
Nossa vivência no setor público nas esferas Federal, Estadual e Municipal
nos faz acreditar que um bom gerenciamento sempre supera as difíceis condições
de trabalho vigentes.
4 SOLUÇÕES EM BUSCA DE INTEGRAÇÃO E VIABILIZAÇÃO
Uma boa visão das propostas para a gestão de pessoas na área pública
pode ser extraída do PAF – Programa de Ajuste Fiscal, parte integrante de contrato
de confissão e refinamento da dívida paulista com a União, a exemplo dos que são
assinados com muitos outros estados da federação. O artigo 33 apresenta uma série
de compromissos abrangentes, para resolver boa parte dos problemas apontados no
tópico 3:
13
O Estado deverá adotar ações voltadas à gestão das despesas com
pessoal do Poder Executivo, a saber:
1) Sistema Previdenciário:
1.1 - Regime Próprio:
I – aprimorar os instrumentos geradores de informações gerenciais relativos
aos reflexos previdenciários de decisões inerentes à política de recursos
humanos do Estado que venham a ser implantadas.
[...]
3) Buscar maior eficiência das organizações públicas, melhorando o nível
de despesa com pessoal, que no campo da gestão de recursos humanos
compreende:
I - planejamento da força de trabalho, compatibilizando os quadros de
pessoal às estruturas organizacionais;
II - reestruturação das classes e carreiras com características abrangentes e
generalistas, inclusive com amplitude que se alcance o final em no mínimo
25 anos, e ascensão funcional por mérito e por competências;
III - ampliação da sistemática de remuneração do Poder Executivo voltada à
gestão de resultados;
IV - Revisão da legislação que rege vantagens pecuniárias específicas e
que sejam incompatíveis com as normas constitucionais, com o mercado de
trabalho e/ou com a LRF, a exemplo do adicional de insalubridade e do
adicional noturno;
V - extinção de cargos e funções-atividades vagos e/ou considerados não
adequados às novas funções do Estado;
VI - implantar ferramenta que possibilite a consolidação das leis que regem
o servidor público estadual, com vistas à edição do novo estatuto do
servidor público estadual;
VII – expansão do processo de certificação ocupacional, por meio de
avaliação e desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades básicas,
inerentes ao exercício de cargos em comissão e funções ou empregos em
confiança, no âmbito da administração direta e autárquica;
VIII - diminuição dos custos com o absenteísmo por meio de medidas de
ordem legal, sobre as ações de saúde e de gestão, inclusive no que se
refere às perícias médicas, por abranger o ingresso e os afastamentos de
servidores, além da concessão de vantagem a título de insalubridade;
IX - implementação de avaliações por competências adquiridas, para fins de
progressão funcional para as classes da área meio (LC n. 1080/08), no
âmbito da administração direta e autárquica;
X - implementação dos concursos de promoção e progressão para as
classes da área saúde (LC 1.157/11), no âmbito da administração direta e
autárquica.
4) Outras medidas de natureza permanente e periódica pré-fixada ou de
acordo com a necessidade com o objetivo de contenção das despesas com
pessoal:
I - revisão de pagamentos de complementações de aposentadorias
concedidas nos termos da Lei 4.819/58
II - recadastramento dos inativos e pensionistas via rede bancária oficial,
com auditoria da situação cadastral, via amostragem, inclusive por meio de
visitação ao beneficiário;
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III - realização de auditorias externas nas folhas de pagamento dos
servidores ativos, inativos e pensionistas;
IV - recadastramento anual dos servidores ativos.
5) Implantação de um sistema único de informação aplicável à área de
recursos humanos, inclusive com integração e/ou geração de folhas de
pagamento, visando, além da racionalidade das atividades, um melhor
controle sobre a despesa com pessoal. (Governo do Estado de São Paulo,
2012, p. 9-11).
Consideramos todas as medidas apropriadas, mas a aplicação exige
articulação entre elas e maior clareza dos impactos na operação das organizações
do Estado. Devem ser respondidas questões como: quantas pessoas estão
envolvidas em cada tipo de medida? Quais cargos? Qual será o impacto ao longo do
tempo? Quais as interdependências entre as soluções propostas? Quanto tempo vai
demorar para termos de fato uma grande mudança? Quais os custos e benefícios?
Qual o aumento da eficiência?
Há medidas gerais que se aplicam a toda a máquina pública e seus
servidores como mudanças do sistema previdenciário, elaboração de um novo
estatuto do servidor público, mas a maioria deve considerar a especificidade do
setor, da organização em análise e seu contexto.
Soluções e encaminhamentos gerais não bastam. São necessários
diagnósticos, soluções e encaminhamentos para cada unidade relevante da
máquina pública.
5 PLANEJAMENTO A LONGO PRAZO E PERSPECTIVAS DE EVOLUÇÃO DA
ESTRUTURA DO ESTADO
Muitas vezes, o diálogo social referente às grandes questões da
administração pública se fecha em dicotomias empobrecedoras que não respeitam a
evolução e o acúmulo de ideias no campo do direito, economia, administração e
política, só para citar alguns grandes domínios do conhecimento. Partidos políticos,
candidatos e gestores públicos opõem-se quase como torcedores de futebol.
Contagens simples e ironias substituem as análises mais profundas. A favor vs.
contra a privatização. A favor vs. contra a contratação de OSs. A favor vs. contra a
terceirização da prestação de serviços. Todos têm direito à opinião, mas cria-se um
processo de contraposições em que o grande derrotado é o interesse público, pouco
defendido e pouco considerado nas arenas competitivas e sangrentas dos duelos de
interesses corporativos, clientelísticos, ou simplesmente sectários.
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Defendemos o distanciamento de polarizações, por meio de uma
abordagem mais científica. Parte-se, portanto, do reconhecimento de que a gestão,
sobretudo pública, não é algo simples. A “solução ótima” não tem uma fórmula fixa e
universal, pois tal solução exige análise do contexto econômico, social e jurídico, e
envolve necessariamente aprimoramento tanto da máquina pública, ou seja, das
relações internas, quanto das terceirizações, utilização de OSs e outras formas de
contratação externa. Por exemplo, não há como terceirizar bem sem um bom
planejamento e controle do processo; por outro lado, não se deve realizar concurso
público simplesmente para “completar os quadros”. O conjunto, o composto, a
organização societária, envolvendo Estado, Mercado e Sociedade deve melhorar
suas articulações para que se efetivem progressos verdadeiros e de fato ocorra a
defesa do interesse público, acima de ilusões e ideologias.
Consideramos que o interesse público deve ser defendido de forma
ampla, como valor compartilhado que demanda atuação conjunta do Estado,
Mercado e Sociedade conforme conveniências históricas. Nenhum segmento possui
o monopólio das virtudes e soluções e tampouco dispõe de recursos e energias para
atender
às
crescentes
contratualizações,
demandas
coprodução
sociais.
público-privado
Articulação
são
criativa,
essenciais.
novas
Infelizmente,
preconceitos, corporativismo, clientelismo, patrimonialismo, entre outros “ismos”, têm
truncado os debates e a evolução das ideias e soluções. Repetindo as questões
tratadas no tópico 1, quanto ao imediatismo, como estabelecer uma política de
recursos humanos sem clareza das perspectivas de evolução das estruturas do
Estado? Mais gente na administração direta ou mais na indireta? Mais pessoal
próprio ou mais terceiros contratados, credenciados ou conveniados? Ou é melhor
privatizar de vez certas atividades? Quais cargos, quais carreiras permanecem e
devem ser fortalecidas? Quais competências devem ser desenvolvidas? Mal
comparando,
as
dúvidas
equivalem
a
ter
de
renovar
um
guarda-roupa
desconhecendo o tamanho do corpo e os hábitos de vida que demandam
vestimentas específicas. O indivíduo pratica esportes? Quais? Natação ou esgrima?
Prefere o estilo social ou esportivo? Roupas claras ou escuras?
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE), de 1995
(BRASIL, 1995), parte de algumas perguntas básicas: 1) Qual a missão desta
entidade? 2) O Estado deve se encarregar dessa missão e das respectivas
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atividades envolvidas? 3) Quais podem ser eliminadas? 4) Quais devem ser
transferidas da União, para os estados ou para os municípios? 5) E quais podem ser
transferidas para o setor público não estatal? 6) Ou então para o setor privado? Não
parece possível responder a essas perguntas para o Estado ou o governo como um
todo, em qualquer dos níveis ou poderes. Mas, dada uma organização específica,
com autonomia administrativa suficiente para tal, parece bastante razoável ao
menos refletir sobre essas questões na definição de suas estratégias, processos e
estruturas e as consequências para a gestão de pessoas.
Concluindo de forma mais otimista, afirmamos que temos em nossa
sociedade, dentro e fora do setor público, energia e competências para resolver os
problemas citados, que devem ter progressivamente seus contornos e pesos melhor
definidos. Boa gestão é fundamental e, quanto mais alto o nível hierárquico do
administrador público, maiores são os poderes e as responsabilidades pela solução
das dificuldades da gestão de pessoas É necessário melhorar a articulação dos
diversos atores e torná-los mais conscientes das consequências dos “ismos”
(simplismo, imediatismo, modismos e sectarismo) e também dos campos de forças
inevitáveis nas mudanças da administração pública brasileira.
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REFARÊNCIAS
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AUTORIA
Helio Janny Teixeira – Doutor e Livre-docente em Administração pela FEA-USP e professor da
mesma instituição.
Endereço eletrônico: [email protected]
Sérgio Mattoso Salomão – Administrador pela FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de
Administração (FIA).
Endereço eletrônico: [email protected]
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encruzilhadas e direções na gestão de pessoas no setor público