Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 16, 17 e 18 de abril de 2013 ENCRUZILHADAS E DIREÇÕES NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO Helio Janny Teixeira Sérgio Mattoso Salomão 2 Painel 33/126 Avanços da meritocracia no Brasil – II ENCRUZILHADAS E DIREÇÕES NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO Helio Janny Teixeira Sérgio Mattoso Salomão RESUMO O labirinto em que se transformou a gestão de pessoas no setor público desafia a todos: acadêmicos, políticos e burocratas. Diagnósticos não faltam, mas em geral são pontuais e imediatistas sem identificar claramente os responsáveis pelos problemas e pelas soluções. A consequência é inevitável: a transformação das políticas de recursos humanos em uma colcha de retalhos desarmônica e amarrada em que se acumulam distorções desde as camadas estratégicas até as operacionais, desde o recrutamento até a aposentadoria. Este trabalho pretende analisar as distorções dos diagnósticos vigentes e as direções para sair do labirinto, superando as ilusões, os modismos e o temor da verdade. 3 1 PROBLEMAS E SOLUÇÕES DA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO BRASILEIRO: UMA VISÃO GLOBAL Sartre mostrou que o inferno são os outros. Neste artigo o inferno somos nós todos. Mas felizmente o céu também, pois depende do que fazemos determinados por livre arbítrio - bem menor do que o concebido pelo renomado autor - e também pelos papeis que desempenhamos. Podemos ser ou ter sido sindicalistas, políticos, burocratas ou acadêmicos e assumirmos as virtudes e os vícios inerentes. Portanto não queremos criticar indivíduos, de forma polarizada e estanque. Os conflitos são inevitáveis e dependem dos projetos e posições de cada um. Apenas mostraremos algumas condutas caricatas que podem obstruir a defesa do interesse público, quais sejam: Acadêmicos: Aprisionados pelo Sistema Qualis – CAPES de pontuação geram mais quantidade do que qualidade e significado nas publicações (vide RAE 2013, vol. 53 nº 1). Sindicalistas: mais salário, isonomia e menos contratualizações que reduzam o número de servidores. Políticos: fisiologismo, ampliação de base política acima dos interesses técnico-administrativos. Burocratas: corporativistas, envelhecidos, acomodados e frustrados (muitas vezes justificadamente em função de experiências anteriores). Cidadãos: peticionismo (espera soluções do estado) e cartorialismo. Este composto, que não deixa de ser pessimista quanto as perspectivas e ritmos de evolução da administração pública no Brasil e agravado pelos modelos mentais e diagnósticos bastante comuns que dificultam as transformações desejadas. Há 4 pontos a destacar: simplismo, imediatismo, modismo e sectarismo. Os quatro pontos suportam-se mutuamente numa síndrome conservadora e imobilista voltada à manutenção do status quo. As chamadas “reformas administrativas modernizadoras” trocam nomes, geram decretos, mudam estruturas, mas conservam o atraso e os privilégios. 4 1º) Simplismo É comum na área pública a existência de princípios e leis relevantes que marcam o sentido dos trabalhos nas diversas áreas da administração. A Lei 8.666 representa um marco para a área de licitações. O artigo 37 da constituição direciona a gestão de pessoas, estabelecendo, por exemplo, a obrigatoriedade de concurso público. A Lei de Responsabilidade Fiscal apresenta os limites de gastos e outras referências para as finanças públicas. Todos sabem, no entanto, que, apesar de sua abrangência e alto grau de detalhe com que consegue tratar as licitações públicas, a Lei 8.666 não apresenta e nem propõe um sistema de gestão de suprimentos integrado, pois trata apenas de licitações e contratações. Também os concursos públicos, essenciais e bem-vindos, não significam uma política de recursos humanos, mas apenas uma parte de dois dos seus aspectos: recrutamento e seleção. Da mesma forma, a Lei de Responsabilidade Fiscal nunca teve a pretensão de propor uma gestão financeira integrada. Mesmo com os seus direcionamentos e restrições, as leis mencionadas não vedam complementos e cuidados nas aplicações. A Lei 8.666 teria mais impactos se acompanhada de previsão bem feita da necessidade de materiais, análise de mercados fornecedores, estudo dos padrões de consumo, controle de estoque, estudo de custos globais e treinamento de compradores. Ou seja, a lei não coíbe uma logística pública integrada, mas poucos a praticam. O mesmo vale para as outras leis citadas. Um concurso público mal feito não trará grandes contribuições mesmo dentro da lei. Da mesma forma, um concurso bem cuidado, livre da cobrança restrita do conhecimento acadêmico, perderá força se os novos funcionários não forem bem integrados, orientados, treinados, remunerados e motivados, ou seja, não basta cuidar bem de uma parte, porque, na administração, o que importa é o conjunto. Tanto a literatura como a prática da gestão de pessoas trata das funções típicas de RH – recrutamento, seleção, treinamento, análise de cargos e carreira, avaliação, remuneração e desligamento de forma isolada. Como mostram Zaccarelli & Kwasnicka (1978, p. 47), “o tratamento conjunto desses assuntos é nulo ou insuficiente, embora, evidente que seja muito importante.” Os autores nos alertam para as relações que devem haver entre, por um lado, as estratégias organizacionais e as políticas de recursos humanos, e, por outro, a coerência e a 5 complementaridade que devem ser buscadas entre as próprias funções da gestão de RH. Assim é que decisões acertadas no recrutamento e seleção tendem a facilitar a formação e treinamento, que, por sua vez, viabilizam o desenvolvimento de competências e a implantação de sistemas de carreira e remuneração, e assim sucessivamente. Usualmente, não é feito o tratamento conjunto das partes, que envolve a visualização das funções, suas articulações entre si e com o contexto. Referenciais não faltam para indicar quais os componentes e condicionantes da gestão de pessoas. Longo (2003) apresenta um modelo integrado de gestão bastante difundido nos países ibero-americanos e que deu origem a uma metodologia de avaliação também bastante utilizada. Também Levy (2012) apresenta um quadro amplo sobre a questão. Mas os acadêmicos e os estudiosos têm avançado mais do que a prática. Os atores envolvidos com o mundo real estão dispersos e marcados por interesses específicos. Assim, decisões que necessitam de integração para constituir um todo significativo são tomadas por grupos distintos, com referenciais particulares e sem visualização do conjunto. 2º Imediatismo Fenômeno bastante abordado na política e na gestão pública brasileira fica ainda mais grave quando tratamos de gestão de pessoas que envolvem diversos ciclos temporais: diários, mensais, anuais, eleitorais, plurianuais, os 35 anos desde o concurso público até a aposentadoria e os tempos de previdência social, incluindo os herdeiros (pensionistas). Um bom gestor de pessoas deve pensar no dia seguinte e nos próximos 50 anos, pelo menos! Não é o que ocorre. Toda cultura brasileira de solução de problemas é dominada pelo curto prazo. O orçamento público é anual, o PPA vale por 4 anos e muitos problemas não podem ser resolvidos nos horizontes do calendário político. Revisões das políticas de recursos humanos não podem ser feitas sem uma visão abrangente da força de trabalho e suas perspectivas de evolução. Aposentadorias, saídas espontâneas (pouco frequentes), transferências, mudanças nos papeis dos servidores, devem compor um grande quadro que também considere custos, benefícios e produtividade. As previsões devem considerar as transformações previstas nas estruturas do Estado, sem o que é impossível planejar a força de trabalho: mais 6 pessoas na administração direta ou na indireta? Mais concursos públicos ou mais pessoas trabalhando em Organizações Sociais, PPPs, Serviços Autônomos etc. Quais cargos e competências devem ser fortalecidos? Quais devem ser extintos? Tudo isto num contexto de revisão da organização societária (Estado x Mercado x Sociedade) em que as missões, papeis e encargos de cada segmento devem ser alterados em função do interesse público, livre das amarras da tradição e da rigidez ideológica. Ninguém duvida da necessidade urgente de adoção do planejamento sistêmico multitemporal para a gestão de Recursos Humanos no setor público. 3º) Modismo A falta de visão sistêmica e o imediatismo facilitam a adoção de soluções ilusórias. Normalmente, na área pública elas vêm do setor privado, dos países estrangeiros considerados desenvolvidos e dos gurus. Já analisamos este assunto em Teixeira (2010). Modismos, exageros e propaganda enganosa fazem parte do mundo atual, e a administração não fica de fora dessa onda. Vivemos numa sociedade do conhecimento, da informação, mas também da confusão, da dúvida e dos paradoxos. Esforços são necessários para identificar o que é relevante e fugir das armadilhas representadas pelas soluções fáceis e enganosas. Esse é um dos nossos objetivos neste artigo. Vale um alerta: as armadilhas estão mais nas generalizações das soluções sem análise de contexto do que na pobreza das ideias em si que são propostas nos textos que entram e saem da moda. A extrema complexidade da área pública, aliada a necessidade política de soluções urgentes acaba valorizando a adoção de soluções ilusórias e consagradas pela propaganda. Como já afirmamos, elas não são ruins de “per si”. Mas a crença nas mesmas como soluções amplas geram frustrações e equívocos. São conhecidas as adaptações mal sucedidas dos contratos de gestão franceses, as soluções confusas da New Public Management e a visão etapista do Plano Diretor da Reforma do Estado quando contrapôs a Administração Burocrática à Gerencial. Soluções bipolares e sectárias são abundantes e são inoportunas por não corresponderem a um mundo multipolar e pleno de ambiguidades. Também predominam as soluções funcionais e disciplinares inadequadas para as situações que demandam sinergias e multidisciplinaridade. 7 4º) Sectarismo Embora inexistam diagnósticos claros sobre a adequação do porte da máquina pública, bem como do número de funcionários públicos, sempre causam admiração os valores da despesa com pessoal. O orçamento da União para 2013 prevê gastos de R$ 228 bilhões com pessoas, sendo aproximadamente 2 milhões de servidores dos quais 900.000 ativos. No estado de São Paulo os números também são impressionantes. Em 2011 foram gastos R$ 49 bilhões com 1.200.000 funcionários, dos quais 740.000 ativos. Os valores, embora representem no período mais da metade da despesa não financeira do estado, atingiu no poder executivo 40,33 % da Receita Corrente Líquida, abaixo do teto de 49% e do limite prudencial de 46,55% estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo estudos (jornal Valor Econômico: 19.02.2013) indicam que, embora dentro da lei os porcentuais de despesa têm crescido inercialmente em diversos estados brasileiros. A pergunta crítica é: A eficiência do funcionalismo tem crescido na mesma taxa de aumento de despesas? Não há respostas precisas, mas as impressões não são favoráveis. Em primeiro lugar não há estudos sistemáticos para responder a pergunta. Em segundo, a questão é tratada sob uma perspectiva fiscalista, sem as devidas articulações com as diversas funções envolvidas na gestão de pessoas. Elas são tratadas como despesas a serem combatidas, como se fossem pragas. Com isto não questionamos as limitações estabelecidas pela LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal, apenas realçamos a pobreza do diálogo entre os economistas da fazenda pública com suas agregações fiscais e os gestores de pessoas com óticas mais particulares. A preocupação dominante está na limitação de despesas e não no aumento da eficiência. 2 DIAGNÓSTICOS VÁLIDOS, MAS INCOMPLETOS O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, coordenado pelo ministro Bresser Pereira em 1995 apresenta diagnóstico da política de recursos humanos, válido até hoje, infelizmente. Itemizamos alguns pontos (p. 27 a 36). 8 a) A legislação que regula as relações de trabalho no setor público é inadequada, notadamente pelo seu caráter protecionista e inibidor do espírito empreendedor. b) Uniformização do tratamento de todos os servidores da administração direta e indireta. Limitou-se o ingresso ao concurso público, sendo que poderiam ser também utilizadas outras formas de seleção que tornariam mais flexível o recrutamento de pessoal sem permitir a volta do clientelismo patrimonialista. c) Os concursos públicos, por outro lado, são realizados sem nenhuma regularização e avaliação periódica da necessidade de quadros, fato que leva à admissão de um contingente excessivo de candidatos a um só tempo, seguida de longos períodos sem uma nova seleção, o que inviabiliza a criação de verdadeiras carreiras. d) Inexistência tanto de uma política de remuneração adequada como de uma estrutura de cargos e salários compatível com as funções exercidas e a rigidez excessiva do processo de contratação e demissão do servidor, tidas como as características marcantes do mercado de trabalho do setor público, terminam por inibir o desenvolvimento de uma administração pública moderna, com ênfase nos aspectos gerenciais e na busca de resultados. Segundo Bergue (2010) a gestão de recursos humanos, na maioria das organizações públicas brasileiras é condicionada pelas seguintes características (p. 14 a 16): a) Rigidez imposta pela legislação b) Desvinculação da visão do cidadão como destinatário do serviço público c) Pouca ênfase no desempenho d) Remuneração independente de desempenho e) Inércia gerencial f) Pouca preocupação com a gestão g) Rotatividade na ocupação de posições de chefia h) Gratificação distorcida e utilizada como forma de remuneração 9 Marconi (p. 3 e 4) parte do pressuposto de que o modelo predominante na área pública é o burocrático com o seguinte quadro de problemas: a) Número excessivo de carreiras baseada em categorias profissionais: arquiteto, advogado, engenheiro, etc. e não de acordo com a atividade a ser desempenhada. b) Como os cargos são estreitos a movimentação é reduzida, com risco permanente de caracterizar desvio de função. c) Insuficiência de política de desenvolvimento de funcionário por meio de treinamento e progressão na carreira. d) Valores salariais distorcidos dos praticados no mercado de trabalho e) Grande número de gratificações que mascaram os salários, a transparência e o controle social. f) Concursos pouco frequentes geram hiatos consideráveis entre as gerações de funcionários. g) Atratividade para os funcionários relacionada à estabilidade, à segurança e ao aumento de salário de acordo com o tempo de serviço e aposentadoria integral. h) Consequentemente um quadro de funcionários antigos, acomodados, sem motivação para inovar e melhorar o desempenho. Segundo o relatório de “Avaliação da Gestão de Recursos Humanos no Governo: Brasil 2010” (OCDE, 2010), da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), cerca de 40% da força de trabalho do governo federal superam 50 anos e logo vão se aposentar. O relatório ressalta ainda que, atualmente, a gestão de recursos humanos do governo federal tende a concentrar mais esforços no controle do cumprimento das regras e normas básicas, com pouco espaço para a gestão estratégica baseada em competências e desempenho. O próprio relatório reconhece repetindo os diagnósticos já citados, que existem muitos impedimentos para a gestão estratégica de recursos humanos no governo federal, entre eles: “o quadro de servidores é bastante rígido e não permite muita mobilidade”; “os servidores são contratados em uma carreira [específica] e devem fazer concursos para mudar de carreira”; e, se forem identificadas novas necessidades o governo deve preencher somente com a realização de novos 10 concursos (OCDE, 2010, p. 74-75). Isto porque, em caso de investidura em determinada carreira pública, torna-se inconstitucional a realocação de servidor em cargos integrantes de outra carreira, ou mesmo o deslocamento do próprio cargo para outro órgão ou ente público. Ou seja, não é possível a mudança de cargo, numa hipótese de alteração nas atribuições do servidor, sem a previsão de concurso para o novo cargo pretendido. A mobilidade é limitada pelo fato de que muitas categorias estão estreitamente definidas e são específicas para ministérios individuais ou agências, até mesmo para funções semelhantes, sem qualquer sistema de classificação geral que permitiria determinar posições equivalentes entre os ministérios. [...] as funções e atributos de cada carreira são definidos por meio da legislação e tendem a ser interpretadas estreitamente. O resultado é que os servidores públicos têm posse efetivamente em uma posição individual e é virtualmente impossível transferir pessoal disponível para outro ministério. Os concursos parecem ser relativamente rudimentares na maioria dos casos devido à interpretação restritiva da cláusula constitucional relevante. (OCDE, 2010, p. 177). Como então prover serviços e atender às necessidades demandadas sem ter condições estruturais de gerir seu quadro de recursos humanos? Surge nesse cenário a possibilidade de minimizar os reflexos de tais impedimentos com a terceirização. Nesse aspecto, o relatório da OCDE destaca que: “Muitos países membros da OCDE aumentaram a terceirização, dado que esta é, por vezes, considerada mais eficiente do que a mão de obra do setor público para determinadas atividades e mais flexível”. O mesmo documento ressalta, porém, que, de acordo com a experiência desses países, deve se considerar, na decisão de terceirizar, os “investimentos internos no acompanhamento dos contratos”. Dessa forma, a OCDE coloca que as “Decisões sobre terceirização devem ter participação do planejamento da força de trabalho e serem descritas nos diversos documentos de prestação de contas” (OCDE, 2010, p. 84): [...] a administração federal do Brasil se beneficiaria de uma política menos restritiva relativa ao uso de prestadores de serviço externos, mas com planejamento transparente das atividades a serem terceirizadas e uma lógica clara exposta. A terceirização não deve ser vista, porém, como uma meta política em si mesma e não deve haver nenhum objetivo a este respeito. Ao invés disso, as organizações federais deverão ser encorajadas e auxiliadas a desenvolverem políticas organizacionais específicas para maior uso dos prestadores de serviço externos. Um modo para fazer isto seria montar uma rede igualitária para a terceirização dentro da administração federal. 11 Por meio de uma rede igualitária, as diferentes organizações federais poderiam trocar experiências e prover apoio mútuo. Há grupos de trabalhadores que trabalham para prestadores de serviço externos chamados de “trabalhadores terceirizados irregulares”. Parece razoável assumir que, para alguns postos, o motivador principal não foi o melhor custo ou patronato, mas a necessidade de acessar competências especializadas que não podem ser adquiridas pelo atual sistema de carreiras e concursos. Neste caso, soluções mais sofisticadas precisam ser estabelecidas para ter acesso a essas habilidades dado que simplesmente proibir tais contratações privará as administrações de habilidades necessárias. Consequentemente, “A capacidade do pessoal [...] continua mal gerenciada com uma gestão muito limitada de competências, sistemas de seleção por mérito estritos e carreiras rígidas e estreitas que impedem a alocação ótima de recursos humanos e limitam as oportunidades para os servidores desenvolverem suas carreiras por meio de mobilidade lateral ou progressão vertical” (OCDE, 2010, p. 196). Os diagnósticos são válidos, se sobrepõem e se completam. As mudanças decorrentes ocorrem lentamente e falta uma dimensão importante: a política. É conhecida a dificuldade de equilibrar critérios técnicos e políticos nas diversas decisões da administração pública, como por exemplo, na escolha de dirigentes. Segundo Motta (2013, p. 86), “Os gestores públicos têm carreira e cargos mais vulneráveis à política e menos ao desempenho “Abrucio, 2007, p. 5, fortalece e complementa essa ideia. “boa parte do sistema político tem um cálculo de carreira que bate de frente com a modernização administrativa. Profissionalizar a burocracia e avaliá-la constantemente por meio de metas e indicadores são ações que reduziriam a interferência política sobre a distribuição de cargos e verbas públicas”. As mudanças na gestão pública não envolvem apenas questões técnicas e administrativas, mas também dimensões políticas e sociais nem sempre bem compreendidas e explicitadas, como já abordamos anteriormente (Teixeira e Santana, 1994, p. 7). Introduzir mudanças na administração pública representa sempre ir de encontro a interesses estabelecidos num contexto com múltiplos atores com posições divergentes, ou seja, os processos de mudança são sempre sóciotécnico-políticos. Cada grupo, ou, cada componente ou “parte”, visualizará o “sistema” e seus objetivos conforme suas posições e interesses. Ignorar esse aspecto da natureza da administração pública e supervalorizar soluções simplistas é meio caminho para a frustração. 12 3 DO DEPARTAMENTO DE PESSOAL À GESTÃO DE PESSOAS: MUDANÇAS DE NOME E ILUSÕES Tornou-se lugar comum a afirmação de que o Departamento de Recursos Humanos (DRH) dos órgãos públicos é atrasado, rotineiro, reativo e sem atuação condizente com a modernidade. Pobre DRH... As comparações imprecisas com o setor privado - sempre idealizado e considerado nos seus extremos que brilham e não pela média - ajudam a depreciar os DRHs. São descritas com galhardia as fases de evolução do assunto no mundo privado: Departamento de Pessoal transformouse em Gestão de Pessoas. Nas empresas em que ocorre de fato a transformação e não apenas mudança de nome, os gestores de linha passaram a assumir ou a compartilhar a aplicação de funções típicas de RH nas suas equipes: seleção, treinamento, orientação, salários, demissão etc. Reafirma-se o óbvio: o gerente deve assumir o gerenciamento de sua equipe, relembrando as sugestões de Fayol conhecidas no início do século XX sobre as funções administrativas: planejamento, organização, direção, coordenação e controle. As críticas repetidas à improdutividade dos DRHs são injustas. Cumprem suas funções rotineiras, garantem a legalidade dos procedimentos e protegem o Estado e os funcionários. Não têm poderes para interferir na linha, são staff ou atividade meio, conforme a velha teoria clássica da departamentalização. O problema é sistêmico, mas o atraso do DRH é útil...como bode expiatório. Nossa vivência no setor público nas esferas Federal, Estadual e Municipal nos faz acreditar que um bom gerenciamento sempre supera as difíceis condições de trabalho vigentes. 4 SOLUÇÕES EM BUSCA DE INTEGRAÇÃO E VIABILIZAÇÃO Uma boa visão das propostas para a gestão de pessoas na área pública pode ser extraída do PAF – Programa de Ajuste Fiscal, parte integrante de contrato de confissão e refinamento da dívida paulista com a União, a exemplo dos que são assinados com muitos outros estados da federação. O artigo 33 apresenta uma série de compromissos abrangentes, para resolver boa parte dos problemas apontados no tópico 3: 13 O Estado deverá adotar ações voltadas à gestão das despesas com pessoal do Poder Executivo, a saber: 1) Sistema Previdenciário: 1.1 - Regime Próprio: I – aprimorar os instrumentos geradores de informações gerenciais relativos aos reflexos previdenciários de decisões inerentes à política de recursos humanos do Estado que venham a ser implantadas. [...] 3) Buscar maior eficiência das organizações públicas, melhorando o nível de despesa com pessoal, que no campo da gestão de recursos humanos compreende: I - planejamento da força de trabalho, compatibilizando os quadros de pessoal às estruturas organizacionais; II - reestruturação das classes e carreiras com características abrangentes e generalistas, inclusive com amplitude que se alcance o final em no mínimo 25 anos, e ascensão funcional por mérito e por competências; III - ampliação da sistemática de remuneração do Poder Executivo voltada à gestão de resultados; IV - Revisão da legislação que rege vantagens pecuniárias específicas e que sejam incompatíveis com as normas constitucionais, com o mercado de trabalho e/ou com a LRF, a exemplo do adicional de insalubridade e do adicional noturno; V - extinção de cargos e funções-atividades vagos e/ou considerados não adequados às novas funções do Estado; VI - implantar ferramenta que possibilite a consolidação das leis que regem o servidor público estadual, com vistas à edição do novo estatuto do servidor público estadual; VII – expansão do processo de certificação ocupacional, por meio de avaliação e desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades básicas, inerentes ao exercício de cargos em comissão e funções ou empregos em confiança, no âmbito da administração direta e autárquica; VIII - diminuição dos custos com o absenteísmo por meio de medidas de ordem legal, sobre as ações de saúde e de gestão, inclusive no que se refere às perícias médicas, por abranger o ingresso e os afastamentos de servidores, além da concessão de vantagem a título de insalubridade; IX - implementação de avaliações por competências adquiridas, para fins de progressão funcional para as classes da área meio (LC n. 1080/08), no âmbito da administração direta e autárquica; X - implementação dos concursos de promoção e progressão para as classes da área saúde (LC 1.157/11), no âmbito da administração direta e autárquica. 4) Outras medidas de natureza permanente e periódica pré-fixada ou de acordo com a necessidade com o objetivo de contenção das despesas com pessoal: I - revisão de pagamentos de complementações de aposentadorias concedidas nos termos da Lei 4.819/58 II - recadastramento dos inativos e pensionistas via rede bancária oficial, com auditoria da situação cadastral, via amostragem, inclusive por meio de visitação ao beneficiário; 14 III - realização de auditorias externas nas folhas de pagamento dos servidores ativos, inativos e pensionistas; IV - recadastramento anual dos servidores ativos. 5) Implantação de um sistema único de informação aplicável à área de recursos humanos, inclusive com integração e/ou geração de folhas de pagamento, visando, além da racionalidade das atividades, um melhor controle sobre a despesa com pessoal. (Governo do Estado de São Paulo, 2012, p. 9-11). Consideramos todas as medidas apropriadas, mas a aplicação exige articulação entre elas e maior clareza dos impactos na operação das organizações do Estado. Devem ser respondidas questões como: quantas pessoas estão envolvidas em cada tipo de medida? Quais cargos? Qual será o impacto ao longo do tempo? Quais as interdependências entre as soluções propostas? Quanto tempo vai demorar para termos de fato uma grande mudança? Quais os custos e benefícios? Qual o aumento da eficiência? Há medidas gerais que se aplicam a toda a máquina pública e seus servidores como mudanças do sistema previdenciário, elaboração de um novo estatuto do servidor público, mas a maioria deve considerar a especificidade do setor, da organização em análise e seu contexto. Soluções e encaminhamentos gerais não bastam. São necessários diagnósticos, soluções e encaminhamentos para cada unidade relevante da máquina pública. 5 PLANEJAMENTO A LONGO PRAZO E PERSPECTIVAS DE EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DO ESTADO Muitas vezes, o diálogo social referente às grandes questões da administração pública se fecha em dicotomias empobrecedoras que não respeitam a evolução e o acúmulo de ideias no campo do direito, economia, administração e política, só para citar alguns grandes domínios do conhecimento. Partidos políticos, candidatos e gestores públicos opõem-se quase como torcedores de futebol. Contagens simples e ironias substituem as análises mais profundas. A favor vs. contra a privatização. A favor vs. contra a contratação de OSs. A favor vs. contra a terceirização da prestação de serviços. Todos têm direito à opinião, mas cria-se um processo de contraposições em que o grande derrotado é o interesse público, pouco defendido e pouco considerado nas arenas competitivas e sangrentas dos duelos de interesses corporativos, clientelísticos, ou simplesmente sectários. 15 Defendemos o distanciamento de polarizações, por meio de uma abordagem mais científica. Parte-se, portanto, do reconhecimento de que a gestão, sobretudo pública, não é algo simples. A “solução ótima” não tem uma fórmula fixa e universal, pois tal solução exige análise do contexto econômico, social e jurídico, e envolve necessariamente aprimoramento tanto da máquina pública, ou seja, das relações internas, quanto das terceirizações, utilização de OSs e outras formas de contratação externa. Por exemplo, não há como terceirizar bem sem um bom planejamento e controle do processo; por outro lado, não se deve realizar concurso público simplesmente para “completar os quadros”. O conjunto, o composto, a organização societária, envolvendo Estado, Mercado e Sociedade deve melhorar suas articulações para que se efetivem progressos verdadeiros e de fato ocorra a defesa do interesse público, acima de ilusões e ideologias. Consideramos que o interesse público deve ser defendido de forma ampla, como valor compartilhado que demanda atuação conjunta do Estado, Mercado e Sociedade conforme conveniências históricas. Nenhum segmento possui o monopólio das virtudes e soluções e tampouco dispõe de recursos e energias para atender às crescentes contratualizações, demandas coprodução sociais. público-privado Articulação são criativa, essenciais. novas Infelizmente, preconceitos, corporativismo, clientelismo, patrimonialismo, entre outros “ismos”, têm truncado os debates e a evolução das ideias e soluções. Repetindo as questões tratadas no tópico 1, quanto ao imediatismo, como estabelecer uma política de recursos humanos sem clareza das perspectivas de evolução das estruturas do Estado? Mais gente na administração direta ou mais na indireta? Mais pessoal próprio ou mais terceiros contratados, credenciados ou conveniados? Ou é melhor privatizar de vez certas atividades? Quais cargos, quais carreiras permanecem e devem ser fortalecidas? Quais competências devem ser desenvolvidas? Mal comparando, as dúvidas equivalem a ter de renovar um guarda-roupa desconhecendo o tamanho do corpo e os hábitos de vida que demandam vestimentas específicas. O indivíduo pratica esportes? Quais? Natação ou esgrima? Prefere o estilo social ou esportivo? Roupas claras ou escuras? O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE), de 1995 (BRASIL, 1995), parte de algumas perguntas básicas: 1) Qual a missão desta entidade? 2) O Estado deve se encarregar dessa missão e das respectivas 16 atividades envolvidas? 3) Quais podem ser eliminadas? 4) Quais devem ser transferidas da União, para os estados ou para os municípios? 5) E quais podem ser transferidas para o setor público não estatal? 6) Ou então para o setor privado? Não parece possível responder a essas perguntas para o Estado ou o governo como um todo, em qualquer dos níveis ou poderes. Mas, dada uma organização específica, com autonomia administrativa suficiente para tal, parece bastante razoável ao menos refletir sobre essas questões na definição de suas estratégias, processos e estruturas e as consequências para a gestão de pessoas. Concluindo de forma mais otimista, afirmamos que temos em nossa sociedade, dentro e fora do setor público, energia e competências para resolver os problemas citados, que devem ter progressivamente seus contornos e pesos melhor definidos. Boa gestão é fundamental e, quanto mais alto o nível hierárquico do administrador público, maiores são os poderes e as responsabilidades pela solução das dificuldades da gestão de pessoas É necessário melhorar a articulação dos diversos atores e torná-los mais conscientes das consequências dos “ismos” (simplismo, imediatismo, modismos e sectarismo) e também dos campos de forças inevitáveis nas mudanças da administração pública brasileira. 17 REFARÊNCIAS ABRUCIO, F.L. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Rio de Janeiro: Revista de Adm. Pública. Vol 41 nº especial, 2007 BERGUE, S. T.; Camões, M. R. .S.; Pantoja, M. J.. Gestão de pessoas: bases teóricas e experiências no setor público. Brasília : ENAP, 2010 BRASIL. Câmara da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma, 1995. LEVY, E. Incentivos e condições para o desempenho dos servidores públicos: conclusões a partir de um estudo sobre Austrália e Brasil. In VII CONGRESSO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA. Cartagena de Indias, 30 oct./02 nov. 2012. LONGO, M. F. VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, oct. 2003, p. 28-31. LOUREIRO, M. R.; Abrucio, F. L.; Pacheco, R. C. Burocracia e política no Brasil – desafios para o estado democrático no século XXI. São Paulo: FGV, 2010. MARCONI, N. Políticas integradas de recursos humanos para o setor público. Biblioteca Virtual TOP sobre Gestión Pública. Disponível em http://www.top.org.ar/publicac.aspx, 2003 MOTTA, P. M. .M. O Estado da arte da gestão pública. Revista de Administração de Empresas, volume 53 - número 1 – jan-fev/2013. OCDE. Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Avaliação da gestão de recursos humanos no governo: Brasil 2010 – Governo Federal. Traduzido pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Brasil. 2010. TEIXEIRA, H. J.; Santana, S. M. Remodelando a gestão pública. São Paulo: Edgard Blücher, 1994. TEIXEIRA, H. J.; Salomão, S. M.; Teixeira, C. J. Fundamentos de administração: a busca do essencial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. ZACARELLI, S.B. Kwasnicka, E.L. Hierarquização de decisões da função pessoal. Revista de Administração, USP, v.13, n.3, p.47-62, jul/set, 1978. 18 ___________________________________________________________________ AUTORIA Helio Janny Teixeira – Doutor e Livre-docente em Administração pela FEA-USP e professor da mesma instituição. Endereço eletrônico: [email protected] Sérgio Mattoso Salomão – Administrador pela FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de Administração (FIA). Endereço eletrônico: [email protected]