4. PRINCÍPIOS OU REQUISITOS FUNDAMENTAIS
Em vez da expressão ampla defesa, para o Júri o legislador optou por prever
plenitude de defesa. Para a grande parte dos doutrinadores a distinção não é levada em
conta. Alguns, contudo, consideram que são distintos os efeitos das duas expressões,
argumentando que a defesa no Júri há de ser mais abrangente. Guilherme de Souza
Nucci, por exemplo, afirma que os próprios termos indicam dessemelhança, porque
amplo significa vasto, largo, copioso, ao passo que pleno quer dizer completo, perfeito,
absoluto. "O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de
defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer
forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro,
obviamente, das limitações naturais dos seres humanos".
Para justificar a distinção Nucci exemplifica com a atuação do defensor que
haverá de ser perfeita no Júri, podendo ser apenas satisfatória no processo comum; isto
porque, no Júri são julgadores leigos, votam sem fundamentar a decisão e a má atuação
da defesa pode resultar em condenação, enquanto que no processo comum o juiz terá
condições de suprir a deficiência defensiva, absolvendo o réu.
A nosso ver, contudo, não é tão significativa a distinção. É certo que a defesa do
réu no processo criminal deveria ser mesmo plena, isto é, perfeita, se fosse possível. No
caso do Júri, o que propicia melhores condições de defesa é o próprio rito, que a isso
conduz tendo em vista suas peculiaridades.
De fato, no procedimento do Júri, o acusado tem maiores oportunidades de
defesa. Além das duas fases para se proferir juízos de admissibilidade, a primeira,
quando se decide pelo recebimento da denúncia ou da queixa e, a segunda, por ocasião
da pronúncia, haverá a oportunidade perante os jurados, onde a maior publicidade do
julgamento exige, igualmente, mais empenho da defesa e, ao mesmo tempo, melhor
fiscalização popular.
Observe-se que a Constituição Federal de 1946, que dentre outras qualidades
unanimemente reconhecidas, resgatou a dignidade do Tribunal do Júri, não faz
distinção: menciona plena defesa aos acusados em geral, e plenitude de defesa quando
se refere ao Júri. Ao comentar esses dispositivos, escreveu José Frederico Marques: No
art. 141, § 25, a defesa plena é assegurada como garantia genérica envolvendo toda a
contextura jurídica da ordem legal. No § 28, a amplitude de defesa do réu vem
assegurada como consagração prévia de formas processuais que ao Júri se ligam com o
caráter de normas pro defensionis. No § 25, a defesa é plena, bastando que se assegurem
aos acusados "os meios e recursos essenciais a ela"; n § 28, a defesa é ampla, devendo,
portanto, o legislador estatuir meios e recursos não essenciais ao direito de defesa, mas a
este inerentes dentro da instituição do Júri. A recusa peremptória não é meio ou recurso
essencial ao direito de defesa, mas se enquadra na defesa ampla perante o Júri, como
elemento constitutivo das prerrogativas do réu.
Pelo que se nota, além do texto constitucional anterior (que foi repetido na
Constituição de 1988) também na doutrina não se fazia distinção efetiva, senão quanto
ao aspecto de se tratar de um procedimento especialíssimo, cujas peculiaridades
ensejam defesa mais ampla ou plena.
No mesmo sentido, Antonio Alberto Machado assevera.
É claro que o princípio da ampla defesa caracteriza todo o edifício processual,
tanto no processo do Júri quanto nas demais formas de procedimento. Todavia, a sua
afirmação específica em relação ao tribunal popular significa que a defesa deve ser
exercida com todos os meios e recursos inerentes a ela, bem como a utilização de
argumentos e teses que eventualmente possam refugir ao âmbito jurídico. É o caso, por
exemplo, da utilização de argumentos morais, filosóficos, sociais, religiosos, políticos
etc., que não são propriamente jurídicos e podem perfeitamente embasar as decisões dos
jurados, já que estas não necessitam de motivação e podem muito bem se louvar em
elementos que não constituem exatamente uma razão jurídica expressa num
determinado dispositivo legal.
Não nos parece correto, contudo, a faculdade de nova manifestação da defesa,
equivalente ao exercício de tréplica, sem que a acusação faça uso da réplica, como se
defende, em nome da plenitude da defesa. Em primeiro lugar, não seria tréplica, que
pressupõe a existência de réplica. Depois, configuraria inegável ferimento ao princípio
da isonomia processual e do devido processo legal. Afinal, o direito de defesa, seja ela
ampla ou plena, decorre do direito de ação, cujo exercício, por parte do órgão acusador,
não pode ser restringida.
Ou, então, que a defesa possa inovar suas teses por ocasião da tréplica, cujo
procedimento afetaria gravemente o contraditório, na medida em que o acusador já não
disporá de oportunidade para se manifestar, a não ser por meio de ligeiros e, muitas
vezes, conturbados apartes.
Também se costuma dizer que o juiz presidente estará obrigado a formular
quesito sobre a tese apresentada pelo próprio réu, ainda que divergente do que a
apresentada pelo defensor técnico, em virtude desse princípio. Contudo, essa postura
pode ser prejudicial ao réu. Os jurados poderão entender como falta de sinceridade, de
um ou de outro. A meu ver, a confiança do acusado em seu advogado é condição
indispensável ao efetivo exercício de defesa, razão pela qual as duas participações –
defesa técnica e autodefesa – devem ser convergentes e coerentes entre si.
4.2.O sigilo das votações
Desde a Constituição de 1946, se estabeleceu que a votação dos quesitos, pelos
jurados, seria sigilosa, em relação ao público e ao réu. Para cumprimento dessa regra,
prevê o Código que a votação ocorra em sala especial ou sala secreta onde ficarão
apenas o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o
defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça (art. 485caput); onde não houver
essa sala, determina-se a retirada deste e de todos os circunstantes do plenário (art. 485,
§ 1.º), permanecendo as mesmas pessoas referidas.
Além disso, dispõe o § 2.º, do art. 485, que o juiz presidente advertirá as partes
de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação
do Conselho e fará retirar da sala quem se portar inconvenientemente.
De acordo com o art. 486, antes de proceder-se à votação de cada quesito, o juiz
presidente mandará distribuir aos jurados cédulas de papel, contendo 7 (sete) delas a
palavra sim, 7 (sete) a palavra não. E visando assegurar o sigilo do voto, o oficial de
justiça recolherá em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não
utilizadas (art. 487).
Anteriormente, todos os jurados deveriam depositar o seu voto, de forma que a
decisão por unanimidade quebrava o sigilo das votações. Com a reforma introduzida
pela Lei n. 11.689/08, a decisão será encerrada quando atingidos quatro votos.
A regra do sigilo se estende aos jurados entre si, para que um não influencie no
convencimento do outro. Aliás, será causa de nulidade do julgamento se um jurado
externar sua opinião, ainda que inconsciente ou inadvertidamente, por exemplo, por
meio de pergunta. A confirmar a assertiva, o Código exige a incomunicabilidade dos
jurados, entre si, quanto ao tema do processo (art. 466).
A esse respeito, preleciona Mauricio Antonio Ribeiro Lopes:
A forma sigilosa, ou secreta, da votação – principalmente, mas também do
restante da participação do jurado na sessão de julgamento – decorre da necessidade de
resguardar-se a independência dos jurados (juízes leigos, destituídos de garantias, ao
contrário dos juízes togados), no ato crucial do julgamento, que é a deposição dos votos,
em sentido positivo ou negativo, dela resultando a sorte do veredicto e o destino dos
acusados.
Em virtude da determinação constitucional da publicidade dos atos e das
decisões judiciais, surgiu o entendimento de que o julgamento do Júri, também, deveria
ocorrer a portas abertas, no mesmo local público onde houve os debates, abolindo-se,
em conseqüência, a chamada "sala secreta". No entanto, a jurisprudência pacificou o
entendimento de que não foi abolida a sala secreta.
Desse modo, o sigilo, no julgamento pelo Júri, se desdobra no sigilo das
votações e na incomunicabilidade dos jurados.
4.3.Soberania dos veredictos
O princípio da soberania dos veredictos do Júri indica que suas decisões não
podem ser substituídas por decisões de juízes togados. Por isso, a decisão proferida pelo
juiz, na primeira fase do procedimento, não constitui decisão de mérito, nem deve
conter expressões que possam sugestionar os jurados. Cumpre-lhe, nessa oportunidade,
evitar que alguém seja, injustamente, submetido a julgamento popular. Sua função é a
de verificar se estão presentes os elementos que justificam a pronúncia.
Mas, não é absoluta a soberania do Júri.
Em primeiro plano, o tribunal superior (togado), na sua competência funcional,
quando acionado, verifica a regularidade do veredicto. Se for o caso, determina que
outro julgamento seja realizado, pelo Tribunal do Júri. Segundo Frederico Marques, a
Constituição não se refere a soberania de cada veredicto e sim do conjunto de
veredictos. "Quer isto dizer que mais de um veredicto pode haver, embora o último,
predominando sobre o primeiro, forçosamente o revogue".
Essa situação pode ocorrer na apelação (CPP, art. 593, § 3.°, d), em que o
Tribunal togado, se der provimento ao recurso, o fará para que outro julgamento seja
feito, pelo próprio Tribunal do Júri.
Mas, se na apelação não há quebra da soberania do Júri, o mesmo não se pode
dizer da revisão criminal. Nesta, salvo a hipótese de nulidade, os casos de
reconhecimento de erro judiciário provocam a substituição da decisão dos jurados leigos
pelo técnico, em nova decisão de mérito.
4.4.Competência mínima
Após relembrar que as regras de competência funcional são fixadas em razão da
fase do processo, do objeto do juízo e dos graus de jurisdição, Hermínio Marques
Porto destaca que os três critérios são identificados no procedimento do Júri. O primeiro
critério se revela no fato de que este procedimento se desenvolve em etapas; o segundo
consiste na fixação de atribuições diferentes para o juiz presidente e para os jurados; e o
terceiro estabelece a competência dos tribunais de segundo grau, em fase de recurso.
A Constituição Federal, ao estabelecer a competência do Tribunal do Júri, indica
que, no mínimo, lhe estão afetos os crimes dolosos contra a vida. Essa competência não
poderá ser retirada. Mas, poderá ser ampliada, para incluir outros crimes. Como se sabe,
na sua origem, o Júri não se restringia a julgamento apenas de crimes dessa natureza. E,
mais recentemente, a Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que dispunha sobre os
crimes contra a economia popular, atribuía competência ao Júri (art. 12).
Em decorrência disso, o art. 74, do CPP, relaciona os crimes previstos nos arts.
121, §§ 1.° e 2.°, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127, do CP, consumados ou
tentados. Relembre-se, outrossim, que o Júri terá competência, também, nos crimes
conexos e continentes, em razão do disposto no art. 78, I, do CPP.
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