A CONFERÊNCIA DE JOMTIEN E SUAS PRINCIPAIS EXPRESSÕES NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA DA DÉCADA DE 1990: O CASO DA LDB, DO PCN Sheila Graziele Acosta Dias* Ângela Mara de Barros Lara** Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar a organização e os principais resultados da Conferência realizada em Jomtien na Tailândia de 5 a 9 de março de 1990, evento esse organizado pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura. Esse evento ficou mais conhecido como Conferência Mundial sobre Educação para Todos e resultou no documento intitulado de Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Suas principais determinações e objetivos foram acatados por diversos governos, principalmente o brasileiro, tal fato é visível na elaboração dos seguintes documentos estudados nesse trabalho: LDB (1996) e PCN (1997). Para tanto, primeiramente será abordado a Declaração já enunciada no contexto da reestruturação do Estado na década de 1990, alinhado à doutrina neoliberal. Num segundo momento abordaremos as expressões da Declaração de Jomtien nos documentos brasileiros mencionados. Palavras-chave: EDUCAÇÃO - POLÍTICAS PÚBLICAS – CONSENSO DE JOMTIEN * ** Mestranda do Programa de Mestrado da Universidade Estadual de Maringá – UEM. Professora Doutora do Programa de Mestrado da Universidade Estadual de Maringá – UEM. A Conferência Mundial sobre Educação para Todos foi realizada de 5 a 9 de março de 1990, organizada pela UNESCO1, reuniu cerca de 1500 participantes, entre eles os delegados de 150 países incluindo especialistas em educação e autoridades nacionais. Além de contar com representantes de organismos inter-governamentais e não-governamentais que examinaram em 48 mesas-redondas e em sessão plenária aspectos sobre a educação. Os textos dos documentos foram revisados e aprovados na sessão plenária de encerramento da Conferência em 9 de março de 1990. Esses documentos compõem a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, publicados pela UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância – em maio de 1991. Neste trabalho porem, será enfatizada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. As principais motivações para a realização da conferência, tanto econômicas e educacionais, são apresentadas no preâmbulo do documento. Ressalta que apesar de passados mais de quarenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento esse que afirma que “toda pessoa tem direito à educação”, na realidade a educação ainda não é de acesso para todos. Os dados levantados apontam que um grande índice de crianças, principalmente meninas, não tem acesso ao ensino primário e 960 milhões de adultos são analfabetos, dos quais dois terços são mulheres. Isso acrescenta-se ao analfabetismo funcional, presente principalmente nos países industrializados ou em desenvolvimento e a falta de acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias. Associados a esses dados, soma-se o aumento da dívida de muitos países, ao aumento da população, à discrepância econômicas entre as nações e dentro delas, bem como as guerras, ocupações, lutas civis e violência. Durante a década de 1980 essas dificuldades impediram o avanço da educação básica em países pouco desenvolvidos. Diante do exposto, do avanço das informações e da comunicação na atualidade, como inovações, pesquisas, e o progresso em educação de muitos países, segundo o documento citado, a educação básica para todos é uma meta viável. Assim, os participantes da referida conferência relembram que a educação é um direito de todos 1 UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura foi fundada em 16 de novembro de 1945. Para esta agência especializada das Nações Unidas, não é suficiente construir salas de aula em países desfavorecidos ou publicar descobertas científicas. Educação, Ciências Sociais e Naturais, Cultura e Comunicação são os meios para se conseguir atingir um objetivo bem mais ambicioso: construir paz nas mentes dos homens (UNESCO, 2008). e que ela pode contribuir para um mundo mais seguro com maior tolerância e a cooperação internacional, isso por meio de uma educação de melhor qualidade. Para tanto, o documento é dividido em dez artigos que apresentam os principais objetivos que serão brevemente explanados. O primeiro artigo trata de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem como “[...] instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes)” (UNESCO, 1990, p.3). Dentre os demais objetivos apresentados, destacam-se a expansão do enfoque. Isso se dá através da universalização ao acesso à educação, à promoção da eqüidade, atenção aprendizagem, além de ampliar os meios de ação da educação básica por meio do fortalecimento de alianças, este último é expresso no artigo sétimo. Fortalecer as alianças envolve “as autoridades responsáveis pela educação aos níveis nacional, estadual e municipal têm a obrigação prioritária de proporcionar educação básica para todos’’ (UNESCO, 1990, p.6). Porém, essas instâncias não são responsáveis em suprir todos os requisitos da educação, portanto são necessárias articulações e alianças todos os níveis “entre as organizações governamentais e nãogovernamentais, com o setor privado, com as comunidades locais, com os grupos religiosos, com as famílias. É particularmente importante reconhecer o papel vital dos educadores e das famílias” (UNESCO, 1990, p.7). Os requisitos para garantir uma educação para todos incluem o desenvolvimento de uma política contextualizada de apoio, apresentada no oitavo artigo, e de uma mobilização de recursos, apresentados no nono artigo. O primeiro ponto, que diz respeito às políticas de apoio, que refere-se ao setor social, cultural e econômico que servem para concretização da educação básica e para a elevação individual e social. Assim, o avanço da educação básica está amarrado a um ajuste político confirmado por reformas na política educacional, política essa vinculada com a economia, comércio, trabalho, emprego e saúde. Em relação a mobilizar os recursos, diz respeito a recursos humanos, públicos, privados e voluntários. Logo, toda a sociedade tem responsabilidade com a educação básica e o papel do setor público, por sua vez, é “atrair recursos de todos os órgãos governamentais responsáveis pelo desenvolvimento humano, mediante o aumento em valores absolutos e relativos, das dotações orçamentárias aos serviços de educação básica” (UNESCO, 1990, p.7-8). O último artigo diz respeito ao fortalecimento da solidariedade internacional, pois é uma responsabilidade comum e universal a todos os países, incluindo a solidariedade internacional para corrigir as disparidades econômicas. Para isso é preciso um avanço substancial dos recursos destinados à educação básica dos organismos e instituições inter-governamentais. Essas organizações são encarregadas de abrandar as barreiras que evitam com que alguns países têm de atingir a meta da educação para todos. Deste modo, de acordo com o documento (UNESCO, 1990) é tarefa de todas as nações agirem em conjunto para solucionar conflitos e garantir o atendimento das necessidades básicas de aprendizagem. Diante do exposto, os participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos defendem o direito de todos à educação, por meio de uma ação individual e coletiva. Os participantes comprometem-se a cooperar adotando as medidas necessárias para propiciar a educação para todos. A Declaração de Jomtien está em consonância com as diretrizes e objetivos traçados pelos organismos internacionais como o Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Organismos Multilateral de Garantia de Investimento (MIGA) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Para essas organizações a educação é concebida como uma solução para o combate à pobreza e sua responsabilidade é da comunidade, da família e do Estado. Os aspectos mais relevantes expressos nos documentos dessas organizações mencionadas, que tem relações entre si, são as seguintes: necessidade da reforma do estado e posteriormente da Educação, a focalização, a equidade, a descentralização, a privatização e a solidariedade. Esses aspectos serão discutidos no decorrer desse artigo, na relação direta com os documentos brasileiros anteriormente mencionados. Diante disso, de acordo com Peroni (2003, p.94) “[...] as políticas dos anos de 1990 foram formuladas dando respostas aos organismos internacionais. No âmbito nacional, passou-se por um período de forças políticas conservadoras saíram vitoriosas [...]”. Para o BM, ainda segundo Peroni (2003, p.101), “o objetivo é desenvolverem-se as habilidades básicas de aprendizagem, para que os trabalhadores possam satisfazer a demanda imposta pela acumulação flexível”.2 2 Acumulação flexível é um termo criado por David Harvey no seu livro “Condição pós-moderna” para designar a “flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (HARVEY, 1994, p.140). Para tratar da educação na década de 1990 no Brasil, é necessária uma breve explanação das determinações políticas, econômicas e sociais ocorridas no país nesse período que nortearam as políticas educacionais. A reforma do Estado elaborado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995) pode ser apontada como um marco importante para as alterações ocorridas a partir da segunda metade da década de 1990. Esse documento foi elaborado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) como resultado de uma necessidade criada pelo consenso entre as organizações internacionais e os governos das nações. O documento da reforma re-avalia o passado e adota objetivo e metas, de acordo com bases modernas, evidenciando assim a tendência à descentralização, à desregulamentação e desobrigação do Estado em favor do livre mercado. Estabelece a mudança de uma administração pública burocrática para uma administração pública gerencial. A Reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento (BRASIL, 1995, p.12 – grifo nosso). O Estado posiciona-se cada vez mais desvinculado de responsabilidades como educação, habitação, direitos trabalhistas entre outros. Neste contexto, a educação novamente serve aos interesses do Estado, ou seja, da classe hegemônica. Essas transformações do Estado estão vinculadas ao pensamento neoliberal, uma doutrina que passou a influenciar as relações de Estado e mercado a partir da década de 1970. Para o neoliberalismo o Estado deve interferir o mínimo no setor social e não regular o mercado, deixando-o livre para a concorrência e competitividade. Essa pouca intervenção do Estado também pode ser vista nas propostas de descentralização que podem ser descritas segundo Peroni (2003) com as ações de privatização, transferência de um serviço público para o setor privado, terceirização de serviços de administração pública e a participação da população na gestão pública. Assim, a função do Estado passa a ser mínima na regulamentação e ação em vários setores, mas não de uma forma generalizada, mas setores esses inerentes às políticas sociais. Isso pode ser visto diante da afirmação de que “é o Estado de classe, hegemonizados pelas elites do setor financeiro, neste período particular do capitalismo, e que se torna mínimo apenas para as políticas sociais” (PERONI, 2003, p.50). No que tange a educação “os neoliberais não defendem a responsabilidade do Estado em relação ao oferecimento de educação pública a todo cidadão, em termos universalizantes, de maneira padronizada” (HÖLFLING, 2001, p.37). Após a reforma do Estado, que traz com ela a privatização de empresas públicas e mudanças estruturais econômicas, inicia-se a reforma no campo da educação. A educação nesse contexto serve ao Estado capitalista para a formação do consenso e de acordo com Falleiros (2005, p.210) “as estratégias educacionais mais do que nunca ganham importância vital na difusão dos conteúdos, habilidades e valores ligados a esse modelo de sociabilidade”. No Brasil, a primeira grande mudança educacional da década de 1990 é trazida com Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Lei n. 9394/96, promulgada 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, que substitui a Lei de Diretrizes e Bases 5692/71. A LDB 9394/96 estabelece que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996 art.1º). A reforma da política educacional brasileira está em consonância com as propostas firmadas na Conferência de Jomtien, anteriormente a essa conferência, a educação era assegurada pelo Estado, depois a educação passa a ser responsabilidade da comunidade e da família através das relações de parcerias entre governo e iniciativa privada. Isso está em conformidade com o sétimo artigo da Declaração de Jomtien, assim o Estado, em contrapartida, fica responsável por apurar apenas os resultados. Isso pode ser visto no seguinte fragmento: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996, art.2º). Para atingir tal meta, a educação básica no Brasil é dividida em três etapas: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Limitamo-nos a ressaltar neste trabalho o ensino fundamental, pois é a única etapa da educação básica que é obrigatória. “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996, art.29). Seguido pelo ensino fundamental, que a LDB determina que é obrigatório e gratuito na escola pública, com duração de nove anos (o ensino fundamental passou a ser de nove anos a partir da Lei n.11.274 de 2006), mas também pode ser da iniciativa privada. Terá como objetivo a formação básica do cidadão, para tanto é necessário: I- o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II- a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III- o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV- o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social (BRASIL, 1996, art.32). O ensino fundamental é seguido pelo ensino médio, que é a última etapa do ensino básico, e de acordo com a Lei 9394/96, prepara para “a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos” (BRASIL, 1996, art.35-I). O prosseguimento dos estudos pode ser compreendido como o ensino superior. A respeito do ensino superior, ele não é garantido para todos, mas para alguns, conforme o referido documento o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (BRASIL, 1996, art.4-V). Observamos que a educação infantil, bem como o ensino médio e principalmente o ensino superior não são prioridades da educação oferecida pelo Estado. Ressalta-se assim que as responsabilidades do Estado são focalizadas no ensino fundamental e mesmo assim, são mínimas, pois são divididas com comunidade, com a família e com a iniciativa privada, seguindo as diretrizes da Declaração de Jomtien, aqui podemos notar outro ponto que diz respeito à equidade. O termo equidade, utilizado nos documentos estudados, está em substituição do termo igualdade. A igualdade de acesso à educação, por exemplo, garantiria, em tese, o acesso igual a todas as esferas sociais a todos os níveis de ensino. Mas o termo equidade garante, no caso a educação, apenas para um grupo focalizado, os que não têm condições de o acesso ao ensino privado, acesso esse à uma educação focalizada, a educação fundamental. O ensino fundamental obrigatório seria uma forma de equalizar o conhecimento entre todos e as oportunidades para os cidadãos exercerem seu papel na sociedade. Para tanto, dois anos após a implantação da LDB 9394/96, o governo brasileiro elaborou e publicou “Os Parâmetros Curriculares Nacionais” para a educação fundamental. A elaboração desse documento foi justificada pela precariedade dos currículos existentes no país e a necessidade de um currículo nacional, “a estratégia do MEC foi divulgar a noção de que a defasagem dos projetos curriculares elaborados pelas secretarias estaduais de educação evidenciavam a carência de novos parâmetros nacionais” (FALLEIROS, 2005, p.214) Este documento é dividido em dez volumes, sendo o primeiro volume o Documento Introdutório, que apresenta as principais características e objetivos do PCN, portanto, é este documento que será abordado neste artigo. Segundo o próprio PCN, o procedimento para elaborar os Parâmetros Curriculares Nacionais, foi a partir do estudo de currículos de Estados e Municípios do Brasil, ao mesmo tempo da análise da Fundação Carlos Chagas a respeito dos currículos oficiais e experiências de outros países. Além disso, de dados estatísticos sobre desempenho e de experiências de sala de aula com alunos do ensino fundamental oriundos de encontros, seminários e publicações. Logo no início do documento é apresentada sua relação direta com a conferência de Jomtien: Em 1990 o Brasil participou da Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, convocada pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Dessa conferência, assim como da Declaração de Nova Delhi – assinada pelos nove países em desenvolvimento de maior contingente populacional do mundo –, resultaram posições consensuais na luta pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a educação fundamental e de ampliar as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e adultos (BRASIL, 1997, p.14). Assim, as posições consensuais e os compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil na conferência estão de acordo com as diretrizes já expostas pela declaração mencionada. Segundo o PCN a escola tem por objetivo formar cidadãos para atuar com dignidade na sociedade. “Para tanto ainda é necessário que a instituição escolar garanta um conjunto de práticas planejadas com o propósito de contribuir para que os alunos se apropriem dos conteúdos de maneira crítica e construtiva” (BRASIL, 1997, p.34). Para atingir tal objetivo, o PCN aponta questões didáticas por área e por ciclo (primeiro e segundo), buscando manter coerência entre os pressupostos teóricos, os objetivos e os conteúdos. Isso se dá, segundo o mesmo documento, por meio de orientações didáticas e critérios de avaliação, apontam o que e como trabalhar a partir das séries iniciais. Em relação aos conteúdos, o PCN muda o foco dos conteúdos curriculares, propõe um ensino em que o conteúdo serve como meio para que os alunos desenvolvam as capacidades, para produzir e usufruir dos bens culturais, sociais e econômicos (BRASIL, 1997, p.516). À escola também é atribuído o papel de socializadora, que visa o desenvolvimento individual, social e cultural do aluno, construindo a igualdade e o respeito às diferenças entre as pessoas, aqui entra a questão da formação da cidadania: [...] na perspectiva de construção de cidadania, precisa assumir a valorização da cultura de sua própria comunidade e, ao mesmo tempo, buscar ultrapassar seus limites, propiciando às crianças pertencentes aos diferentes grupos sociais o acesso ao saber, tanto no que diz respeito aos conhecimentos socialmente relevantes da cultura brasileira no âmbito nacional e regional como no que faz parte do patrimônio universal da humanidade (BRASIL, 1997, p.34). A questão da formação do cidadão, trazida tanto pela conferência mencionada quanto pela legislação brasileira, pode ser entendida como uma formação ampla do aluno para a atuação em sociedade de um novo modelo de homem. Um homem com mais valores de solidariedade com o próximo. De acordo com Falleiros (2005, p.211) o papel da escola nessa perspectiva é “[...] a tarefa de ensinar as futuras gerações a exercer uma cidadania de ‘qualidade nova’, a partir da qual o espírito de competitividade seja desenvolvido em paralelo ao espírito de solidariedade”. Assim, ocorre uma renúncia, uma negação da expectativa de divisão de classes e há um ajuntamento para uma atitude ‘cidadã’ que diminua as diferenças e a miséria incutindo uma noção de solidariedade e amenização das lutas de classes e diferenças raciais, sociais, culturais entre tantas outras. No que se refere aos conteúdos trazidos pelo PCN, são divididos em três categorias: “conteúdos conceituais, que envolvem fatos e princípios; conteúdos procedimentais e conteúdos atitudinais, que envolvem a abordagem de valores, normas e atitudes” (BRASIL, 1997, p.51). As definições dos conteúdos elaborados pelos PCNs, “é uma referência suficientemente aberta para técnicos e professores analisarem, refletirem e tomarem decisões, resultando em ampliações ou reduções de certos aspectos, em função das necessidades de aprendizagem de seus alunos” (BRASIL, 1997, p.54). Assim fica visível que o PCN não tem a intenção de se obrigatório, mas sim como uma recomendação ou orientação para o trabalho pedagógico. Ao mesmo modo sugere a participação dos agentes da educação como técnicos e professores, como redigido no próprio documento. Essa participação faz parte das próprias diretrizes da Conferencia de Jomtien, que encaminham para uma divisão de responsabilidades e descentralização que já foi discutido anteriormente. Para Falleiros (2005, p.218-219) isso não se efetivou “dado que o novo modelo de gestão estatal instalado nos governos do FHC os papeis do núcleo central e das esferas locais de poder foram desmontados e restabelecidos de acordo com o modelo de descentralização”. Assim, o MEC tinha o papel político-estratégico e as secretarias estaduais e municipais o papel estratégico-gerencial e as escolas por sua vez, o papel gerencial-operacional. Segundo a Falleiros (2005, p.219) isso se caracterizava por uma organização hierarquizada. A participação da qual o Estado se refere, diz respeito à divisão das responsabilidades de investimentos e manutenção entre a família e a comunidade e o Estado. Porém as estratégias são centralizadas e verificadas pelo governo por meio de variadas formas de provas aplicadas nas escolas publicas de todo o Brasil e os resultados obtidos, por sua vez, sevem ao interesse do governo para garantir investimentos e empréstimos dos organismos internacionais já citados. Em relação à avaliação realizada na escola, o PCN traz que devem “[...] refletir de forma equilibrada os diferentes tipos de capacidades e as três dimensões de conteúdos, e servir para encaminhar a programação e as atividades de ensino e aprendizagem” (BRASIL, 1997, p.58). A proposta de avaliação é ampla, pois os mecanismos do governo para avaliação direcionam-se para o índice de aprovação e evasão da escola, índices esses que são geralmente verificados pelas provas de níveis nacionais. Diante do exposto, observamos que a interferência dos organismos internacionais na economia e na reorganização do Estado brasileiro é evidente na área da educação, pois os principais documentos referentes à política educacional apresentam esse alinhamento com as propostas internacionais, aqui analisadas, principalmente da UNESCO. Porém, duas observações devem ser levantadas com cuidado, a primeira é que não podemos acreditar em um simples transplante de idéias e determinações internacionais na política educacional brasileira, mas de uma adaptação dessas deliberações às condições de do Brasil. Essas adequações são feitas por meio da legislação e de documentos produzidos pelo governo, como os estudados aqui: LDB (1996) e PCN (1997). Uma segunda observação é de que as propostas internacionais, desde um nível mais amplo, como a reforma de toda a aparelhagem estatal expressa no Brasil através da Reforma do Aparelho do Estado (1995), até mesmo às reformas mais específicas, como a educação aqui abordada, não são impostas de forma ditatorial pelas organizações internacionais. Essas deliberações são propostas oferecidas para os governos dos países, mas elas são efetivadas pela aceitação e pelo consenso de atores e autores sociais de cada nação. Esses atores e autores são todos os envolvidos na elaboração, organização e efetivação dessas determinações. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988. _____ . Ministério da Administração e da Reforma de Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, DF: MARE, 1995. _____ . Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.9.394/96. 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