O GLOBO
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OPINIÃO
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PRETO/BRANCO
PÁGINA 6 - Edição: 13/06/2011 - Impresso: 12/06/2011 — 21: 06 h
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Segunda-feira, 13 de junho de 2011
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O GLOBO
TEMA EM DISCUSSÃO: O alcance das cotas raciais
OUTRA OPINIÃO
NOSSA OPINIÃO
Um falso atalho
Identidade com a cor
— uma virtude da sociedade brasileira, nos
uase sempre, em assuntos intrinúltimos anos sob ataque racialista —, os Escados, as soluções aparentemente
tados Unidos se constituíram sobre o conceimais fáceis, baseadas em ideias
to inaceitável de “raças”. Se muitos negros
derivadas do rasteiro senso conão ascendem socialmente no Brasil não é
mum, são as erradas. E, se estivepela cor da pele. É pela má qualificação derem embaladas em ideologias, mais ainda. O
terminada pela pobreza. Também o branco
grande exemplo no Brasil dos últimos oito
pobre enfrenta as mesmas barreiras.
anos é a política de cotas raciais, de cunho
O Rio de Janeiro deu o primeiro passo nas
discriminatório pernicioso, porém azeitada
cotas raciais para o ensino superior, na unipor argumentos “do bem”. Como acontece
versidade do estado (Uerj). Há pesquisas innessas situações, este tipo de política se fundicando que os cotistas apresentam, em aldamenta em fatos verdadeiros, manejados
guns casos, melhor rendimento que não copara justificar equívocos.
tistas. Pode ser, mas continua inaceitável um
Não se discute que o Brasil, além de ter sijovem tomar a vaga de um outro jovem apedo o último a abolir a escravidão, nada fez
nas devido à cor da pele. Há
para a sociedade do século XIX
pouco, o governo fluminense
absorver os ex-escravos — não
decidiu dar mais um passo e
mais como força de trabalho
instituiu a cota no emprego púcujo custo para os donos era a
Discriminação
blico — dispositivo existente
manutenção dela fisiologicamente viva, mas como cidainocula o veneno no projeto do Estatuto da Igualdade Racial, em tramitação no
dãos. Faltaram educação e treiCongresso. A parcela de 20%
namento, políticas inclusivas,
do racismo na
das vagas estará reservada a
como se diz. Sobre este passanegros e índios. Rende votos, é
do, constrói-se a tese da “repasociedade
politicamente correto. E a quesração histórica”. Edifica-se a
tão do emprego e do ensino
ideia de uma “reparação”, cujo
brasileira
continua para ser equacionada.
resultado é, mais de 120 anos
É grave quando o mérito passa
depois da Abolição, dificultar o
para segundo plano, não imacesso ao ensino superior e ao
porta por qual motivo: partidários, ditos soemprego público do pobre de pele clara e
ciais, étnicos, quais sejam. Afastar jovens do
baixa instrução.
ensino superior ou pessoas do mercado de
Funciona, aqui, o mecanismo da enganosa
trabalho no setor público por não serem “nesimplicidade de coisas complexas. O senso
gros”, “pardos” ou “índios” é injetar na sociecomum não considera que negros também
dade o veneno do racismo. Funciona ao coneram senhores de escravos no Brasil. Mercatrário do que pregam ideólogos do racialisdores, inclusive. Nem que a “mercadoria” era
mo. Se o “Estatuto” virar lei federal, cumprirá
capturada na África por outros negros, de triesta função com eficiência.
bos inimigas, e vendida a “comerciantes”,
Enquanto isso, a única “ação afirmativa”
num abjeto negócio. Tampouco leva em condesejável, a melhoria do ensino público báta a diferença visceral entre a escravidão no
sico e profissionalizante, forma adequada paBrasil e nos Estados Unidos — de onde a
ra qualificar o jovem de famílias de baixa renideologia de sustentação da política de cotas,
da, sem discriminações racistas, continua um
das “ações afirmativas” foi importada. Qualalvo em horizonte longínquo. Mas as “cotas”
quer subjugação do ser humano é repulsiva,
garantem votos para já.
mas, enquanto houve miscigenação no Brasil
Ainda hoje, mais de 120 anos após a Abolição, a fragilidade socioeconômica do segmento é notável. Não é por acaso que os nepopulação brasileira deixou de ser
gros são maioria entre os beneficiários do Bolmajoritariamente branca, segundo o
sa Família, e que, de acordo com o Censo, reCenso 2010. É notícia animadora,
presentem 70% das pessoas que sobrevivem
pois indica a elevação da autoestiem situação de extrema pobreza. Estas consma do povo durante a última década. O autatações apontam a necessidade de aprofunmento no percentual de pretos e pardos não
dar e dar sustentabilidade às políticas de profoi registrado só entre os mais jovens, mas
moção da igualdade racial, que devem ser totambém nos segmentos etários intermediámadas com o objetivo de tornar os extratos
rios, demonstrando claramente um sentimenelevados da pirâmide social mais permeáveis
to de pertencimento e de maior identificação
à presença de pretos e pardos.
do cidadão com a cor de sua pele. Essa muO foco dessas políticas, conhecidas como
dança se explica pelo sucesso das políticas e
ações afirmativas, deverá estar voltado prininiciativas, públicas e privadas, para promocipalmente para a Educação e a
ver a igualdade de direitos e
qualificação para o trabalho.
oportunidades entre os segmenDessa forma será possível mutos étnicos da população.
dar o quadro das relações raA cara da nova classe média
A cara da nova
ciais no Brasil. O Programa Unié negra, e o mercado já acorversidade para Todos (ProUni),
dou para este fato. No entanto,
classe média
a adoção de cotas raciais em
embora essas transformações
universidades públicas e a proestejam ocorrendo de forma
é negra, e o
gressiva valorização da matriz
semelhante em outros níveis e
cultural negra no sistema eduitens da vida nacional, a difemercado já
cacional brasileiro são medidas
rença que separa negros e
importantes, mas é preciso
brancos no Brasil ainda se trapercebeu
muito mais.
duz em índices de enorme deAlém do amplo reconhecisigualdade. Neste sentido, é
mento da gravidade da questão
revelador o Relatório Anual
racial que atinge a maioria de nossa populadas Desigualdades Raciais no Brasil —
ção, pela primeira vez na história do país te2009/ 2010, organizado pelo professor Marmos formalizado, no Estatuto da Igualdade
celo Paixão e divulgado pela UFRJ.
Racial, o direito a ações afirmativas. O desafio
O documento mostra que a população neé materializar esse direito, uma vez que há digra brasileira está em desvantagem no acesso
ferença entre o legal e o real. Pois, embora sea serviços públicos, como educação, saúde,
ja uma ferramenta importante, a legislação,
justiça e previdência social, recebe uma mesozinha, não é capaz de promover mudanças
nor renda e tem uma expectativa de vida mais
estruturais no país. Apenas a união de todos
baixa do que outros segmentos. As raízes des— governo, Parlamento, Judiciário, sociedade
ta situação são históricas. Pois a mudança da
civil a e iniciativa privada — poderá desencacategoria de escravos para a de homens e mudear um amplo processo de reestruturação
lheres livres, em 13 de maio de 1888, não foi
do Estado democrático.
capaz de alterar o quadro de exclusão da população negra, na medida em que não veio
EDSON SANTOS é deputado federal (PT-RJ) e exacompanhada da garantia de acesso à terra,
ministro da Igualdade Racial.
ao trabalho, à saúde e à educação.
Q
EDSON SANTOS
A
Dilemas da política econômica
pouco tempo o Conselho de Assessores
Econômicos do presidente, assinala que
s sequelas da crise financei- nem sempre é desejável ter uma moeda
ra nos Estados Unidos e a forte. “Em condições de pleno emprego,
postura monetária adotada um dólar forte favorece o padrão de vipelo Federal Reser ve (o da dos americanos. Um dólar valorizabanco central) estão criando uma do significa que nossa moeda tem um
conjuntura externa de difícil manejo alto poder de compra no exterior. Numa
economia deprimida, não é tão claro
para as nações emergentes.
A resistência do Congresso america- que seja desejável um dólar forte. Um
no a aumentar o déficit fiscal com a fi- dólar mais fraco significa que nossos
nalidade de reativar a economia acen- produtos custam menos que os estrantuou o caráter expansivo da política geiros. Isso estimula nossas exportamonetária como ingrediente central da ções e reduz nossas importações. Maioresposta anticíclica. Por ser o dólar a res exportações líquidas aumentam a
produção doméstica e o
principal moeda de reseremprego. Os bens imporva do mundo, o conseguintados encarecem, mas há
te aumento da liquidez internacional tem efeitos inÉ aconselhável mais americanos trabalhando. À luz da angusflacionários além das frontiante necessidade de
teiras dos Estados Unidos.
fechar
criar emprego, nos conEmbora não seja este o
objetivo explícito das megradualmente vém então ter um dólar
fraco por algum tempo.”
didas mencionadas, a conPor seu turno, num arseguinte desvalorização
a conta de
tigo recente, Paul Krugdo dólar favorece as exman defende desinibidaportações e permite aliviar
capitais
mente que os Estados
a carga financeira dos EstaUnidos se ocupem de sua
dos Unidos, graças ao pridifícil situação de desemvilégio de poder contrair
dívida externa em sua própria moeda. prego sem preocupar-se com as reperAs autoridades americanas mantêm cussões de suas decisões monetárias
um discreto silêncio sobre o impacto no sobre a inflação internacional ou sobre
resto do mundo de políticas concebidas as economias emergentes. (“On Ecocom o exclusivo propósito de beneficiar nomic Hooliganism”, “The New York
a economia nacional. A mensagem táci- Times”, 15/05/2011). O subtítulo era:
ta da implementação daquelas políticas “Descontentes com os Estados Unidos
parece ser que as consequências sobre por exportar inflação ao resto do munos demais países não são assunto seu. do? Má sorte.”
É uma posição que surpreende. O
A respeito da taxa de câmbio, a argumentação ritual dos funcionários da Ca- discurso a favor da soberania econôsa Branca e do Federal Reserve é que o mica extrema se associa à direita do
tema é da responsabilidade do Depar- Partido Republicano. Essa atitude,
tamento do Tesouro, mas que os Esta- que tantos prejuízos causou na décados Unidos são a favor de um dólar for- da de 30, parecia ter sido superada
te. Christina Romer, que dirigia até há depois da Segunda Guerra Mundial
Marcelo
RODRIGO BOTERO MONTOYA
A
com a criação de instituições multilaterais como o Banco Mundial, o
Fundo Monetário Internacional e a
Organização Mundial de Comércio.
A recomendação de Krugman para
as nações emergentes que não desejam
importar a inflação internacional é que
deixem suas moedas se valorizar. O que
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implicaria escolher entre duas alternativas indesejáveis: mais inflação ou
mais desemprego. Essa situação perversa se agrava se for mantida a plena
abertura da conta de capitais, algo que
nem a mais rigorosa ortodoxia exige.
Ante semelhante escolha, e enquanto passa a tormenta externa, re-
sulta aconselhável fechar gradualmente a conta de capitais, se se deseja defender a política de pleno emprego com inflação baixa.
RODRIGO BOTERO MONTOYA é
economista e foi ministro da Fazenda da
Colômbia.
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