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PubDate: 06-02-2014 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_T User: Asimon Time: 02-05-2014 20:54 Color: C
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l O GLOBO
Quinta-feira 6 .2 .2014
OGLOBO
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Opinião
|
O apagão num setor elétrico vulnerabilizado
O
Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas; considerando-se apenas o setor elétrico, a participação de
fontes renováveis ultrapassa o patamar
de 80%. A geração de eletricidade no país provem
basicamente de usinas hidráulicas. Como o Brasil
tem extenso território, que vai da zona equatorial
no Hemisfério Norte até regiões temperadas no
Sul, o regime de chuvas é muito variado durante o
ano. Em determinados meses, uma região “exporta” energia para outra, por meio de longas linhas
de transmissão. Com exceção de Boa Vista, em
Roraima, todas as demais capitais brasileiras fazem parte de um sistema interligado (Macapá, no
Amapá, recentemente foi conectada e, em breve,
também poderá “importar” eletricidade por essas
linhas de transmissão).
Quando o regime de chuvas é favorável, despa-
Há sérios desequilíbrios, pois o
corte de tarifas ganhou função
eleitoral, enquanto a falta de
chuvas obriga à operação de
termelétricas, de custo elevado
cha-se a energia mais barata, de hidrelétricas próximas aos centros de consumo, e poupam-se na
operação as usinas térmicas, mais caras.
No entanto, para a própria segurança e qualidade da energia oferecida, algum percentual de
energia térmica é necessário para que a geração
fique próxima dos principais locais de consumo, e
esse é o caso das centrais nucleares de Angra dos
Reis e das usinas a gás natural do Estado do Rio de
Janeiro.
O sistema opera sem “gorduras” em momentos
como o que as regiões Sul e Sudeste passam: poucas chuvas e calor sufocante. Qualquer falha ou
defeito em um equipamento importante, seja na
geração, transmissão ou distribuição da eletricidade, pode causar um grande ou um miniapagão.
O de anteontem atingiu 11 estados e o Distrito Federal. E não é o primeiro, como se sabe.
Investimentos teriam de ser feitos para reduzir
esse risco, mas isso inicialmente poderia encarecer as tarifas de eletricidade (e o governo tem usado a chamada “modicidade tarifária” como peça
de propaganda política). Então o sistema tende a
operar sempre sobre o fio da navalha, não restando aos brasileiros outra opção a não ser torcer para o calor diminuir e ser regularizado o regime de
chuvas, de modo que possam elevar o nível dos
reservatórios. O país está mesmo muito vulnerá-
vel a apagões de energia, por mais que as autoridades do setor se esforcem para provar o contrário. Não é possível contestar a realidade.
Contribuiu para a trapalhada a intervenção autoritária do governo Dilma a fim de forçar o corte
de 20% nas tarifas, enquanto eram renovadas
concessões. Estatais federais foram obrigadas a se
enquadrar. Mas, como as contas não fecham, até
porque as chuvas fracas obrigam a que termelétricas, de custo mais elevado, continuem a operar, o
Tesouro tem subsidiado o setor. No ano passado,
foram R$ 10 bilhões. Neste, no mínimo outros tantos, estima-se. Além disso, a capacidade de investir de empresas foi afetada.
Como nada deverá ser consertado em ano eleitoral, pois a presidente candidata à reeleição tem
longa ligação com o setor e se comprometeu com
tarifas baixas, resta mesmo torcer. l
Eduardo Campos faz profissão de fé oposicionista
A
té por uma questão de geração, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, hoje com 48 anos, tinha aspirações
legítimas para depois dos dois mandatos de Lula, de quem foi ministro de Ciência e Tecnologia. Com a administração bem avaliada,
Campos, presidente nacional do PSB, passou a ser
ameaça latente aos planos do PT em Brasília. Até
que, nas eleições municipais de 2012, se ele guardava alguma dúvida com relação a 2014, deixou
de tê-las diante da intervenção com mão pesada
dos paulistas do PT no pleito do Recife, onde socialistas e petistas eram aliados. Mas Geraldo Júlio,
candidato do governador, venceu o petista Humberto Costa, e no primeiro turno.
O jeitoso Lula ainda tentou conversar para conter Eduardo Campos. Não conseguiu. Já virtualmente candidato à sucessão de Dilma Rousseff, o
governador recebeu a ajuda da adesão de Marina
Silva e sua Rede, e na terça-feira os dois lançaram,
em documento de 72 páginas, diretrizes para a
formulação do programa de governo da coligação
PSB-Rede-PPS. O discurso do pré-candidato foi
de clara oposição: “(...) O Brasil parou. Tem uma
dinâmica econômica que não funciona. Não há
política econômica que se sustente como esta.”
Começa, então, a se configurar um cenário negativo para a favorita Dilma Rousseff, com o fato
de haver uma chapa oposicionista dentro do próprio campo político dominado pelo PT. Algo diferente do que aconteceu em 2010, quando a já dissidente Marina arrebanhou no primeiro turno
surpreendentes 20 milhões de votos. O ardor oposicionista da ex-petista Marina Silva, no entanto,
não foi suficiente para levá-la a apoiar no turno final o oposicionista tucano José Serra contra a can-
O governador é uma
dissidência do campo da esquerda e
reúne credenciais para ser bem
votado no Nordeste, o que pode
atrapalhar os planos do PT
didata de seu antigo partido, Dilma. Com quem se
desentendera quando era ministra do Meio Ambiente de Lula, e a atual presidente, chefe da Casa
Civil, gerente plenipotenciária do governo.
Se houver segundo turno este ano e Eduardo
Campos ficar de fora, seu comportamento deverá
ser diferente. Especula-se até que já haveria acordo neste sentido entre ele e o tucano Aécio Neves.
Quem for para a disputa final receberia o apoio do
outro. Para projetar mais nuvens na rota progra-
mada pelo PT, Campos é um candidato com
chances de ser bem votado no Nordeste, região
pródiga para petistas. Como Aécio é favorito em
Minas e espera contar com apoio do governo tucano de Geraldo Alckmin em São Paulo, aumentam as chances teóricas do segundo turno.
Mas ainda há muitas léguas à frente do pré-candidato socialista. Resistências de Marina a alianças regionais com o PSDB inspiram análises maldosas de que a fundadora da Rede está mais interessada em fortalecer seu partido do que no futuro de Campos. A resistência da Rede ao agronegócio, sem o qual as contas externas brasileiras já teriam explodido e, com elas, o câmbio, também é
um ponto sensível a ser administrado pelo futuro
candidato socialista. Nada parece fácil, a esta altura, para todos os aspirantes ao Planalto. Inclusive
para quem deseja continuar nele, a favorita. l
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Esse apagão é nosso
A
gente tem que admitir: dadas as circunstâncias, o pessoal da presidente Dilma
saiu-se muito bem no dia do
apagão. Não estava nada fácil garantir
a segurança do sistema elétrico no
momento mesmo em que faltava luz
para seis milhões de pessoas, em 13
estados e mais o Distrito Federal. E isso no improviso: a coletiva de terça
fora chamada para garantir que não
haveria apagões; a energia pifou mal
as autoridades começavam a explicar.
Tudo considerado, a resposta foi, em
interpretação livre, a seguinte: o nosso apagão é muito melhor.
Ainda completaram: melhor que os
apagões do governo FH, melhor do que
os ocorridos em outros países e melhor
mesmo que aqueles verificados no
próprio governo Dilma. Como? A rapidez com que se detectou o duplo curtocircuito e, mais importante, a rapidez
com que se restabeleceu o sistema —
isso é Primeiro Mundo, pessoal.
Primeiro Mundo, não. Foi mal. A
presidente Dilma acha que eles, do
mundo desenvolvido, têm feito praticamente só coisas erradas. Na linguagem do governo, portanto, o apagão
de terça é Brasil, assim como a nossa
Copa será a Copa das Copas.
Assim como a política econômica
brasileira, com tudo — inflação, superávit primário e contas externas — na
meta. Vá lá, alvo ampliado, mas e daí?
O problema é que os chamados
agentes econômicos — as pessoas
que compram, vendem, produzem,
consomem, poupam e gastam —
não estão acreditando que a nossa
energia, quer dizer, nossa econo-
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MARCELO
mia está brilhando.
Perguntas e dúvidas embaraçam,
aqui e ali. No apagão, não se sabe
bem se a culpa de tudo foi mesmo o
duplo curto-circuito. E mais, por que
teria ocorrido o curto? E por que um
“curtinho” termina num apagão?
Uma investigação, digamos, normal
talvez procurasse alguma ligação entre a falha e circunstâncias como: sobrecarga do sistema, uso seguido no
pico, já que houve um recorde de carga três minutos antes de a luz pifar.
Negativo, assegura a equipe elétrica
de Dilma, tão firme quanto a equipe
econômica. O pessoal pode não saber
ainda a causa — tem uma reunião hoje para discutir isso —, mas garante
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Algo que se passa no
modelo Dilma como
um todo: muito consumo,
pouco investimento
que não há sobrecargas, nem “estresse estrutural”.
Em resumo, até aqui, a resposta é
essa mesma: apagão é apagão, acontece. O que queriam, que não ocorresse nenhum problema num sistema
tão grande? A convicção das autoridades do setor elétrico é muito mais
firme que o próprio sistema, disso
não há dúvida.
Só não é mais firme que a convicção
da presidente Dilma e do ministro
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Mantega quando falam de economia.
E, entretanto, parece que, na política econômica, o governo vai tentar
dar uma satisfação ao distinto público. Ou seja, fazer algumas mudanças
sem admitir que se está mudando. Ou
anunciar mudanças sem mudar nada
— dizem os céticos.
O problema é que há problemas reais. No setor elétrico, por exemplo, há
um erro de fundo: o preço. A tarifa cobrada dos consumidores, residenciais e industriais, reduzida à força no
ano passado, resulta mais barata que
o custo de produção. Isso cria um incentivo às avessas: estimula o uso de
um serviço caro e que não está sobrando. E não estimula o investimen-
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to para aumentar a oferta, pois as empresas do setor só não quebraram
porque o governo federal lhes passou
mais de R$ 20 bilhões no ano passado
— dinheiro do contribuinte.
Eis, num detalhe, algo que se passa
no modelo Dilma como um todo:
muito consumo, pouco investimento.
Há duas possibilidades de se manejar o desequilíbrio financeiro do setor
elétrico: ou aumentar a tarifa ao consumidor ou o Tesouro usar dinheiro
dos impostos para cobrir os buracos.
Alta da tarifa bate na inflação. Não haveria problema se fosse verdade que a
inflação está controlada, não é mesmo?
O Tesouro pagar a diferença — isso
reduz o superávit primário, piora o
estado das contas públicas, sob desconfiança das agências de classificação de risco. Também não seria problema se as contas públicas estivesses
equilibradas...
E tem a política: a redução da conta
de luz é ponto de campanha. Subi-la
agora, justo no ano eleitoral e no momento em que a outra promessa de
redução, a dos juros, já foi descumprida? Sim, descumprida: o Banco Central está elevando a taxa básica. Por
que faria isso se dólar e preços estivessem controlados?
Em resumo: apagão acontece — esses curtos... —, mas o sistema é uma
fortaleza. Preços sobem — esse mercado internacional.... —, mas não tem
inflação. O superávit está caindo, mas
a culpa é dos governadores e prefeitos, pois no federal vai tudo bem.
Os outros é que não entendem nada. l
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
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