Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.002.801 - DF (2006/0143859-3)
RELATOR
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
ADVOGADO
:
:
:
:
:
MINISTRO MASSAMI UYEDA
CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA
CELSO CARDOSO E OUTRO(S)
DIONÍZIO TELES DE GÓIS
NILMA GERVASIO AZEVEDO SOUZA FERREIRA SANTOS DEFENSORA PÚBLICA E OUTROS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Os elementos dos autos dão conta de que DIONÍZIO TELES DE
GÓIS ajuizou ação de indenização por danos morais em face do CARREFOUR
COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, alegando, em síntese, ser cliente do
CARREFOUR e ter utilizado-se de um cartão de crédito fornecido pelo
supermercado para a aquisição de um fogão e outros utensílios domésticos, no
valor total de R$ 553,15 (quinhentos e cinqüenta e três reais e quinze centavos), a
serem pagos em dez parcelas. Afirmou o autor/recorrido DIONÍZIO que recebeu o
fogão, mas que este teria apresentado defeito, não podendo ser utilizado, razão
pela qual teria procurado o CARREFOUR e solicitado e troca do produto, sendo
tratado com indiferença, tendo o CARREFOUR providenciado a troca da mercadoria
por uma nova somente 6 (seis) meses após a primeira reclamação do ora recorrido
DIONÍZIO, fato que teria lhe ocasionado inquestionável dor moral (fls. 15/20).
O CARREFOUR apresentou contestação, refutando, em síntese,
todos os argumentos apresentados por DIONÍZIO (fls. 42/54).
O r. Juízo de Direito a quo julgou a ação improcedente,
fundamentando, em síntese, que, "a partir do momento em que houve a substituição
do produto, conforme anotado na inicial, não subsistiu prejuízo algum resultante da
relação de consumo" (fls. 100/102).
Interposto recurso de apelação por DIONÍZIO (fls. 105/115) e
apresentadas as contra-razões pelo CARREFOUR (fls. 120/123), o e. Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios conferiu provimento ao recurso, para
condenar o CARREFOUR ao pagamento de indenização por danos morais no valor
de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), estando o julgado assim ementado:
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"DANO
MORAL.
CORREÇÃO
CÓDIGO
MONETÁRIA.
DE DEFESA
TERMO
'A
DO CONSUMIDOR.
QUO'.
RECURSO
PROVIDO.
I - O art. 6º, VI, do Código Consumeirista garante ao consumidor a
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos.
II - Em se tratando de dano moral, o termo 'a quo' da incidência da
correção monetária deve ser a data da decisão judicial que estipulou
o valor da condenação, pois fixar sua incidência a partir da data do
fato ou da propositura da ação importa dupla atualização do mesmo
dinheiro, uma vez que, ao ser arbitrado na decisão judicial, o valor já
se encontrava atualizado" (fl. 133).
Opostos embargos de declaração pelo CARREFOUR, foram eles
improvidos (fls. 164/172).
No presente recurso especial, interposto pelo CARREFOUR com
fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal de 1988, em que se
alega negativa de vigência do art. 18, § 1º, I e III, do Código de Defesa do
Consumidor, além de dissídio jurisprudencial, busca o recorrente a reforma do r.
decisum , sustentando, em síntese, o não-cabimento de indenização por danos
morais na hipótese dos autos, porquanto, não tendo sido o vício sanado no prazo
máximo de 30 (trinta) dias, caberia ao recorrido DIONÍZIO, alternativamente e à sua
escolha, exigir a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,
sem prejuízo de eventuais perdas e danos ou o abatimento proporcional do preço.
Assevera, assim, que a faculdade proporcionada pelo art. 18, § 1º, I e III, do CDC,
exclui a possibilidade de condenação por danos morais, "isso porque
a
compensação pelos vícios nos produtos já está implicitamente sanada, quando da
escolha do consumidor por outro produto igual e pelo abatimento proporcional do
preço, que seriam alternativas do consumidor" (fls. 176/188).
O ora recorrido DIONÍZIO apresentou contra-razões ao recurso
especial do CARREFOUR (fls. 207/217).
A Presidência do e. TJDFT negou seguimento ao recurso especial
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(fls. 219/220), decisão objeto de agravo de instrumento ao STJ, o qual foi provido
pelo e. Ministro Humberto Gomes de Barros, relator original, que determinou a
conversão do agravo de instrumento em recurso especial (fl. 237).
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.002.801 - DF (2006/0143859-3)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS
MORAIS - CUMULAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
E MATERIAIS ORIUNDOS DO MESMO FATO - POSSIBILIDADE SÚMULA 37/STJ - DEFEITO APRESENTADO EM BEM DE
PRIMEIRA UTILIDADE (FOGÃO) - GRANDE ESPAÇO DE TEMPO
(6 MESES) ENTRE A COMUNICAÇÃO DO DEFEITO AO
FORNECEDOR E A SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO - CONDIÇÃO
PECULIAR DA VÍTIMA (POBRE) - REPARAÇÃO POR DANOS
MORAIS
-
IMPUGNAÇÃO
CABIMENTO
DOS
-
ADEMAIS,
FUNDAMENTOS
AUSÊNCIA
DO
DE
ACÓRDÃO
RECORRIDO - INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 283 DA
SÚMULA/STF
-
DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL
NÃO
COMPROVADO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que são
cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral
oriundos o mesmo fato (Súmula 37/STJ);
II - Na aferição da ocorrência ou não do dano moral, é necessária
uma análise minuciosa das condições nas quais se deram as
ofensas à moral, à boa-fé ou à dignidade da vítima, bem como das
conseqüências do fato para a sua vida pessoal, tendo em vista que
cada pessoa é detentora de uma situação peculiar no meio social;
III - Bem delineada a moldura fática pelas Instâncias ordinárias,
veja-se que a situação tratada nos autos não pode ser classificada
como
mero
aborrecimento
ou
mera
conseqüência
de
descumprimento contratual, dado o enorme espaço de tempo (6
meses) entre a comunicação do defeito ao supermercado recorrente
e a troca do produto, bem como as condições pessoais da vítima e a
imprescindibilidade do bem por ela adquirido (fogão), sendo devida,
pois, a reparação por danos morais;
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IV - Ademais, a ausência de impugnação, pelo recorrente, dos
fundamentos do v. acórdão, atrai o óbice do Enunciado n. 283/STF;
V - O dissídio jurisprudencial não foi devidamente demonstrado,
porquanto não há cotejo analítico e tampouco similitude fática entre
o acórdão recorrido e o paradigma colacionado pelo recorrente;
VI - Recurso especial improvido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
O inconformismo recursal não merece prosperar.
Com efeito.
Inicialmente, afasta-se a alegação do recorrente CARREFOUR de
que a faculdade proporcionada pelo art. 18, § 1º, I e III, do CDC, excluiria a
possibilidade de condenação por danos morais também não merece prosperar,
porquanto a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que são cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral oriundos o mesmo fato (Súmula
37/STJ).
Partindo dessa premissa inicial, não se olvida que os danos morais
surgem em decorrência de um ato ilícito, que venha a causar fortes sentimentos
negativos
em
qualquer
pessoa
de
senso
comum,
tais
como
vexame,
constrangimento, humilhação, dor, sendo que, havendo simples transtorno ou
aborrecimento e estando ausente uma situação que produza no consumidor abalo
da honra ou sofrimento na esfera de sua dignidade, não há falar em condenação
por danos morais. Nesse sentido: REsp 628.854/ES, relator Ministro Castro Filho,
DJ de 18.06.2007; e REsp 625.478/MA, relator Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito, DJ de 6.3.2006.
Do mesmo modo, não cabe dano moral em caso de mero
descumprimento contratual. A propósito: AgRg no REsp 761.801/RS, relator Ministro
Humberto Gomes de Barros, DJ de 12.12.2007.
Contudo, na aferição da ocorrência ou não do dano moral, é
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necessária uma análise minuciosa das condições nas quais se deram as ofensas à
moral, à boa-fé ou à dignidade da vítima, bem como das conseqüências do fato
para a sua vida pessoal, tendo em vista que cada pessoa é detentora de uma
situação peculiar no meio social. Dessa forma, em muitos casos, pode ocorrer de
um mesmo fato causar simples transtorno ou aborrecimento para determinada
vítima, e, ao revés, constrangimento, humilhação ou dor para outra vítima que
possui condições pessoais diferentes.
No caso dos autos, o e. Tribunal de origem, ao analisar a prova
produzida nos autos, fundamentou, in verbis:
"Ao receber o eletrodoméstico, constatou (DIONÍZIO) que este não
funcionava, por estar a apresentar defeito de fabricação, razão pela
qual procurou o apelado (CARREFOUR), narrando-lhe o ocorrido e
solicitando a adoção de providências. Todavia, o recorrido não
atuou com a diligência vindicada pela situação, pautando-se pelo
descaso e pela negligência, uma vez que só veio a solucionar o
problema, trocando o produto defeituoso por um novo, após 6
meses do ocorrido, fato esse que, indiscutivelmente, é ensejador de
dor moral, posto que o bem adquirido, qual seja, um fogão,
qualifica-se como bem de primeira necessidade, não consistindo em
objeto de adorno ou de mera comodidade, no sentido de ter por
finalidade tão-somente proporcionar mais facilidade à vida de seus
usuários. Contrariamente, é bem imprescindível, cuja ausência, em
qualquer
lar,
oportuniza
indiscutíveis
transtornos,
posto
que
destinado ao preparo de alimentos, os quais são feitos todos os dias
e sem os quais o ser humano sequer sobrevive.
A
falta
do
citado
eletrodoméstico,
a
toda
evidência,
foi
acentuadamente desastrosa, quando se traz a lume a situação
pessoal do apelante, porquanto, nos termos do comprovante de
rendimentos acostado à fl. 08, o mesmo é pessoa detentora de
parcos recursos, não dispondo de renda suficiente para comprar, de
imediato, outro fogão, tampouco para servir-se de meios alternativos
para a realização de suas refeições, mais dispendiosos, tendo sido
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compelido
a submeter-se,
irresignadamente,
à disposição
do
apelado em resolver o problema quando lhe conviesse.
Registre-se
que a ocorrência
de tais fatos, notadamente
o
transcorrer de 6 meses para solucionar o problema, não foi
impugnado ou desmentido pelo recorrido, que, não os contestando,
limitou-se a defender que os mesmos não se mostrariam hábeis à
configuração do dano moral, na medida em que se traduziriam em
meros aborrecimentos,
costumeiros
no dia-a-dia das pessoas,
decorrentes da própria vida em sociedade" (fl. 137).
Bem delineada, assim, a moldura fática pelas Instâncias ordinárias cuja revisão é inviável na presente via recursal, ante o óbice do Enunciado n. 7 da
Súmula/STJ -, impende observar que, ao contrário do sustentado pelo ora
recorrente CARREFOUR, tal situação não pode ser classificada como mero
aborrecimento ou ainda mero descumprimento contratual, sendo possível aferir todo
o constrangimento suportado pelo ora recorrido, dado o enorme espaço de tempo (6
meses) entre a comunicação do defeito ao CARREFOUR e a troca do produto, bem
como as condições pessoais do recorrido DIONÍZIO (vítima pobre) e a
imprescindibilidade do bem por ele adquirido (fogão), sendo devida, pois, a
reparação por danos morais.
Ademais, é certo que o CARREFOUR não impugnou, nas razões de
recurso especial, os principais fundamentos adotados do v. acórdão utilizado para
embasar a condenação do supermercado ao pagamento de indenização por danos
morais, quais sejam: i) a condição econômica desfavorável do recorrido DIONÍZIO;
e ii) a imprescindibilidade do bem por ele adquirido. Incide, portanto, na espécie, o
Enunciado n. 283 da Súmula/STJ.
Por fim, assinala-se que, no tocante à admissibilidade do recurso
especial pela alínea “c” do permissivo constitucional, esta Corte tem decidido,
iterativamente, que, para a correta demonstração da divergência jurisprudencial,
deve haver o cotejo analítico, expondo-se as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os casos confrontados, a fim de demonstrar a perfeita similitude fática
entre o acórdão impugnado e os paradigmas colacionados.
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Na espécie, entretanto, não há cotejo analítico, e tampouco restou
evidenciada a similitude fática entre os acórdãos cotejados, mormente porque o
acórdão reputado paradigma (REsp n. 445.804/RJ), diversamente do acórdão
objurgado, trata de ação de indenização por defeito apresentado em veículo
"zero-quilômetro" , diversamente do caso dos autos, que trata de ação de
indenização por defeito apresentado em bem de primeira utilidade (fogão), com a
condição peculiar de a vítima ser detentora de parcos recursos financeiros, o que
impede, na verdade, a apreciação do alegado dissídio jurisprudencial.
Assim sendo, nega-se provimento ao recurso especial.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
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