A CENTRALIDADE DA CATEGORIA TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO DO SER
SOCIAL 1
Ana Paula Leite Nascimento 2
Ingredi Palmieri Oliveira
Maria Auxiliadora Silva Moreira Oliveira
Resumo
Este trabalho realizou uma análise sobre a centralidade da categoria trabalho na constituição
do ser social. Partiu-se da abordagem acerca do trabalho como fundante do ser social,
enfatizando o significado ontológico-social da categoria trabalho na emergência do ser social.
Em seguida, registraram-se alguns apontamentos a respeito do processo de trabalho,
destacando os seus componentes constituintes. O trabalho caracterizou-se como uma pesquisa
bibliográfica. A abordagem do estudo contemplou as dimensões qualitativa e quantitativa.
Destacou-se como predominante a natureza qualitativa. Para a coleta de dados utilizou-se do
levantamento bibliográfico, constituindo-se como procedimento metodológico por excelência
na coleta de informações, baseado nos objetivos propostos. A análise e interpretação dos
dados foram realizadas a partir de categorias definidas durante o estudo à luz do referencial
teórico, construído no decorrer da investigação. A pesquisa foi norteada pelo método
dialético, buscando interpretar a realidade mediante a perspectiva ontológica, sob o viés da
totalidade. Compreendeu-se que a categoria trabalho assume centralidade na constituição do
ser social. O trabalho difere das atividades vinculadas ao circuito estritamente natural em
virtude da relação mediada que estabelece entre o seu sujeito e o seu objeto. Notou-se que o
trabalho é uma atividade teleológica direcionada mediante uma finalidade proposta pelo
sujeito. Identificou-se que o trabalho tem um caráter coletivo, o que o torna social. O trabalho,
pois, implica uma interação no marco da sociedade, que afeta os seus sujeitos e a sua
organização. Verificou-se que o desenvolvimento do ser social é descrito como o processo de
humanização dos homens. Percebeu-se que o ser social dispõe da capacidade de sociabilizarse mediante os processos de interação social. Assim, o trabalho implica sociabilidade.
Observou-se que a práxis possibilita captar a riqueza do ser social desenvolvido. Aludiu-se
que o processo de trabalho se apresenta como condição necessária do intercâmbio material
entre o homem e a natureza.
Palavras-chave: trabalho; ser social; práxis.
1
Esse trabalho é resultado da pesquisa bibliográfica realizada na Disciplina Trabalho e Sociabilidade do
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social da Universidade Federal de Sergipe.
2
Assistente Social (UFS, 2009). Especialista em Escola e Comunidade (UFS, 2010). Mestranda em Serviço
Social (UFS). Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe (IFS), lotada no IFS - Campus
Lagarto. Travessa Visconde de Maracaju, Nº. 60, Bairro: 18 do Forte, Aracaju – SE, CEP: 49072-103. Contatos:
(79) 8815-8409; (79) 9918-7871; [email protected].
I. INTRODUÇÃO
O trabalho, ora apresentado, se propõe a realizar uma análise sobre a centralidade da
categoria 3 trabalho na constituição do ser social. Partiu-se, inicialmente, da abordagem acerca
do trabalho como fundante do ser social, enfatizando o significado ontológico-social da
categoria trabalho na emergência do ser social. Em seguida, registraram-se alguns
apontamentos a respeito do processo de trabalho, destacando os seus componentes
constituintes.
II. OBJETIVOS
2.1. Objetivo Geral
Realizar análise teórica sobre a centralidade da categoria trabalho na constituição do ser
social.
2.2. Objetivos Específicos
Desenvolver uma abordagem acerca do trabalho como fundante do ser social,
enfatizando o significado ontológico-social da categoria trabalho na emergência do ser social;
Registrar alguns apontamentos a respeito do processo de trabalho, destacando os seus
componentes constituintes.
III. METODOLOGIA
O trabalho em pauta caracterizou-se como uma pesquisa bibliográfica. A abordagem
do estudo contemplou as dimensões qualitativa e quantitativa, visto que “o conjunto de dados
quantitativos e qualitativos, porém, não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois a
realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”
(MINAYO, 1994, p. 22). Destacou-se como predominante, por sua vez, a natureza qualitativa
desta pesquisa.
A pesquisa bibliográfica é elaborada com base em material já publicado.
Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso, como
livros, revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos. Todavia,
em virtude da disseminação de novos formatos de informação, estas pesquisas
passaram a incluir outros tipos de fontes, como discos, fitas magnéticas, CDs, bem
3
Para Marx “as categorias são formas de ser, determinações da existência”. As categorias, diz ele, “exprimem
[...] formas de modos de ser, determinações de existência, frequentemente aspectos isolados de [uma] sociedade
determinada” – ou seja: elas são objetivas, reais (pertencem à ordem do ser – são categorias ontológicas);
mediante procedimentos intelectivos (basicamente, mediante a abstração), o pesquisador as reproduz
teoricamente (e, assim, também pertencem à ordem do pensamento – são categorias reflexivas). Por isto mesmo,
tanto real quanto teoricamente, as categorias são históricas e transitórias [...] (NETTO, 2009, p. 685).
como o material disponibilizado pela Internet. Praticamente toda pesquisa
acadêmica requer em algum momento a realização de trabalho que pode ser
caracterizado como pesquisa bibliográfica (GIL, 2010, p.29).
Para a coleta de dados utilizou-se do levantamento bibliográfico, constituindo-se como
procedimento metodológico por excelência na coleta de informações, baseado nos objetivos
propostos. A análise e interpretação dos dados foram realizadas a partir de categorias
definidas durante o estudo à luz do referencial teórico, construído no decorrer da investigação.
Vale mencionar que a pesquisa foi norteada pelo método dialético 4, buscando interpretar a
realidade mediante a perspectiva ontológica, sob o viés da totalidade.
IV. RESULTADOS
Com base na prerrogativa que “o trabalho [...] é uma categoria central para
compreensão do próprio fenômeno humano-social” (NETTO & BRAZ, 2006, p.29), faremos
aqui uma trajetória de exposição acerca da categoria trabalho como fundante no processo de
constituição do ser social.
O trabalho “é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que
o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material
com a natureza” (MARX, 2011, p.211).
[...] as condições materiais de existência e reprodução da sociedade – vale
dizer, a satisfação material das necessidades dos homens e mulheres que
constituem a sociedade – obtêm-se numa interação com a natureza: a
sociedade, através dos seus membros (homens e mulheres), transforma
matérias naturais em produtos que atendem às suas necessidades. Essa
transformação é realizada através da atividade a que denominamos trabalho
(NETTO & BRAZ, 2006, p.30).
Em Marx (2011) tem-se que no trabalho o homem “defronta-se com a natureza como
uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo [...], a fim de
apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana” (p.211).
Assevera ainda que “atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo
tempo modifica sua própria natureza” (Ibidem).
As “atividades que atendem a necessidades de sobrevivência são generalizadas entre
as espécies animais” (NETTO & BRAZ, 2006, p.30). Todavia, verifica-se que determinadas
4
O método dialético procura captar as mediações que explicam as relações dos complexos com a totalidade para
desvendar o real a partir de suas contradições e determinações. Para tanto, parte-se dos fenômenos aparentes e
através de um processo de abstração, busca-se chegar à sua essência, reproduzindo-se a realidade pesquisada no
plano do pensamento, enquanto real pensado (KOSIK, 1995).
atividades “processam-se no interior de circuitos estritamente naturais: realizam-se no marco
de uma herança determinada geneticamente [...], numa relação imediata entre o animal e o
seu meio ambiente [...] e satisfazem, sob formas em geral fixas, necessidades biologicamente
estabelecidas [...]” (NETTO & BRAZ, 2006, p.30).
Mediante o exposto, cabe destacar que o trabalho é algo substantivamente diverso
daquelas atividades que transitam no interior de circuitos estritamente naturais na medida em
que rompe com o padrão natural das atividades em questão. Então vejamos as razões:
[...] em primeiro lugar, porque o trabalho não se opera com uma atuação
imediata sobre a matéria natural; diferentemente, ele exige instrumentos que,
no seu desenvolvimento, vão cada vez mais se interpondo entre aqueles que
o executam e a matéria; em segundo lugar, porque o trabalho não se realiza
cumprindo determinações genéticas; bem ao contrário, passa a exigir
habilidades e conhecimentos que se adquirem inicialmente por repetição e
experimentação e que se transmitem mediante aprendizado; em terceiro
lugar, porque o trabalho não atende a um elenco limitado e praticamente
invariável de necessidades, nem as satisfaz sob formas fixas; se é verdade
que há um conjunto de necessidades que sempre deve ser atendido
(alimentação, proteção contra intempéries, reprodução biológica etc.), as
formas desse atendimento variam muitíssimo e, sobretudo, implicam o
desenvolvimento, quase sem limites, de novas necessidades (Ibidem, p.3031).
Infere-se, portanto, que o trabalho se diferencia das atividades naturais em decorrência
da “relação mediada entre o seu sujeito (aqueles que o executam, homens em sociedade) e o
seu objeto (as várias formas da natureza, orgânica e inorgânica)” (Ibidem, p.32).
Para Marx “o trabalho é o fundamento ontológico-social do ser social; é ele que
permite o desenvolvimento de mediações que instituem a diferencialidade do ser social em
face de outros seres da natureza” (BARROCO, 2006, p.26). Assim, “a condição ontológicosocial ineliminável do trabalho, na (re)produção do ser social, dá a ele um caráter universal e
sócio-histórico” (Ibidem).
Sabe-se que “o trabalho é uma atividade projetada, teleologicamente direcionada, ou
seja: conduzida a partir do fim proposto pelo sujeito” (NETTO & BRAZ, 2006, p.32). Marx
enfatiza “o papel da finalidade numa atividade prática como o trabalho humano: ao final do
processo de trabalho, surge um resultado que antes de começar já existia na mente do
operário: ou seja, um resultado que já tinha existência ideal” (VÁZQUEZ, 1990, p.189-190).
Vázquez (1990) argumenta que “ao antecipar idealmente o resultado efetivo, pode
ajustar seus atos como elementos de uma totalidade regida pelo objetivo” (p.190). Salienta
ainda que “essa prefiguração ideal do resultado real diferencia radicalmente a atividade do
homem de qualquer outra atividade animal que, aparentemente pudesse aparecer com ela”
(Ibidem).
Entretanto, se essa prefiguração (ou, no dizer de Lukács, essa prévia ideação
é indispensável à efetivação do trabalho, ela em absoluto o realiza: a
realização do trabalho só se dá quando essa prefiguração ideal se objetiva,
isto é, quando a matéria natural, pela ação material do sujeito, é
transformada. O trabalho implica, pois, um movimento indissociável em
dois planos: num plano subjetivo (pois a prefiguração se processa no âmbito
do sujeito) e num plano objetivo (que resulta na transformação material da
natureza); assim, a realização do trabalho constitui uma objetivação do
sujeito que o efetua. [...] Não basta prefigurar idealmente o fim da atividade
para que o sujeito realize o trabalho; é preciso que ele reproduza, também
idealmente, as condições objetivas em que atua (a dureza da pedra etc.) e
possa transmitir a outrem essas representações (NETTO & BRAZ, 2006,
p.32-33).
Observa-se que “por ser consciente, o homem age teleologicamente; transforma suas
necessidades e formas de satisfação em novas perguntas; autoconstrói-se como um ser de
projetos; torna-se autoconsciente, como sujeito construtor de si mesmo e da história”
(BARROCO, 2006, p.28).
O “trabalho é, sempre atividade coletiva: seu sujeito nunca é um sujeito isolado, mas
sempre se insere num conjunto (maior ou menor, mais ou menos estruturado) de outros
sujeitos” (NETTO & BRAZ, 2006, p.34). Logo, o caráter coletivo da atividade do trabalho “é,
substantivamente, aquilo que se denominará de social” (Ibidem).
Desta feita, o trabalho “não é obra de um indivíduo mas da cooperação entre os
homens; só se objetiva socialmente, de modo determinado; responde a necessidades sóciohistóricas, produz formas de interação humana [...]” (BARROCO, 2006, p.26).
O trabalho implica mais que a relação sociedade / natureza: implica uma
interação no marco da própria sociedade, afetando os seus sujeitos e a sua
organização. O trabalho, através do qual o sujeito transforma a natureza (e,
na medida em que é uma transformação que se realiza materialmente, tratase de uma transformação prática), transforma também o seu sujeito: foi
através do trabalho que, de grupos de primatas, surgiram os primeiros grupos
humanos – numa espécie de salto que fez emergir um novo tipo de ser,
distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser social. [...] o trabalho
não é apenas uma atividade específica de homens em sociedade, mas é,
também e ainda, o processo histórico pelo qual surgiu o ser desses homens, o
ser social (NETTO & BRAZ, 2006, p.34).
Lukács (1972) menciona que “com o ato da posição teleológica do trabalho, temos
em-si o ser social” (p.17).
O processo histórico da sua explicitação, contudo, implica a importantíssima
transformação desse ser em-si num ser para-si; e, portanto, implica a
superação tendencial das formas e dos conteúdos de ser meramente naturais
em formas e conteúdos sociais mais puros, mais específicos (Ibidem).
Nota-se que “foi através do trabalho que a humanidade se constituiu como tal. Ou, se
quiser: o trabalho é fundante do ser social, precisamente porque é de ser social que falamos
quando falamos de humanidade (sociedade)” (NETTO & BRAZ, 2006, p.37). Por isso a
assertiva de que “é na sociedade e nos membros que a compõem que o ser social existe: a
sociedade, e seus membros, constitui o ser social e dele se constitui” (Ibidem).
Então, “o desenvolvimento da sociabilidade implica a (re)criação de necessidades e
formas de satisfação, do que decorre a transformação do ser social e do mundo natural, isto é,
do sujeito e do objeto” (BARROCO, 2006, p.27).
Afirma-se que “o desenvolvimento do ser social – ou a história mesma – pode ser
descrito como o processo de humanização dos homens, processo através do qual as
determinações naturais, sem deixar de existir, jogam um papel cada vez menos relevante na
vida humana” (NETTO & BRAZ, 2006, p.39).
[...] o estudo ontológico do ser social mostra que só de modo bastante
gradual, passando por muitíssimas etapas, é que suas categorias e relações
adquiriram o caráter de socialidade predominante. Repetimos: predominante,
já que o ser social – por sua própria essência – jamais pode se separar
completamente de seus fundamentos naturais (o homem resta
ineliminavelmente um ser biológico), do mesmo modo como a natureza
orgânica tem de incorporar, em forma dialeticamente superada, a natureza
inorgânica. O ser social, todavia, tem um desenvolvimento no qual essas
categorias naturais, mesmo sem jamais desaparecerem, recuam de modo
cada vez mais nítido, deixando o lugar de destaque para categorias que não
têm na natureza sequer um correspondente analógico (LUKÁCS, 1972,
p.53).
Registra-se que “[...] os sujeitos do trabalho experimentam um multimilenar processo
que acaba por distingui-los da natureza: o processo de humanização” (NETTO & BRAZ,
2006, p.40). O avanço deste processo “pode ser compreendido, pois, como a diferenciação e a
complexificação das objetivações do ser social. O trabalho aparece como a objetivação
primária e ineliminável do ser social [...]” (Ibidem, p.40-41).
Vale ainda ressaltar que
[...] o ser social constitui-se como um ser que, dentre todos os tipos de ser, se
particulariza porque é capaz de: 1. realizar atividades teleologicamente
orientadas; 2. objetivar-se material e idealmente; 3. comunicar-se e
expressar-se pela linguagem articulada; 4. tratar suas atividades e a si mesmo
de modo reflexivo, consciente e autoconsciente; 5. escolher entre alternativas
concretas; 6. universalizar-se; e, 7. sociabilizar-se (Ibidem, p.41).
Percebe-se que “além de supor a sociabilidade e a universalidade, o trabalho implica
um dado conhecimento da natureza e a valoração dos objetos necessários ao seu
desenvolvimento: aí é dada a gênese da consciência humana – como capacidade racional e
valorativa” (BARROCO, 2006, p.27).
Depreende-se, por sua vez, que “[...] o ser social dispõe da capacidade de
sociabilização, isto é, ele é passível de apropriação e desenvolvimento por parte dos membros
da sociedade no interior da própria sociedade, através, fundamentalmente, dos processos de
interação social [...]” (NETTO & BRAZ, 2006, p.42).
Argumenta-se ainda que “o trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não
se reduz ou esgota no trabalho. Quanto mais se desenvolve o ser social, mais as suas
objetivações transcendem o espaço ligado diretamente ao trabalho” (Ibidem, p.43).
O desenvolvimento do ser social implica o surgimento de uma racionalidade,
de uma sensibilidade e de uma atividade que, sobre a base necessária do
trabalho, criam objetivações próprias. No ser social desenvolvido, o trabalho
é uma das suas objetivações – e, como já assinalamos, quanto mais rico o ser
social, tanto mais diversificadas e complexas são as suas objetivações. O
trabalho, porém, não só permanece como a objetivação fundante e necessária
do ser social – permanece, ainda, como o que se poderia chamar de modelo
das objetivações do ser social, uma vez que todas elas supõem as
características constitutivas do trabalho (a atividade teleologicamente
orientada, a tendência à universalização e a linguagem articulada) (NETTO
& BRAZ, 2006, p.43).
Assim, pode-se afirmar que “o ser social é mais que trabalho, para assinalar que ele
cria objetivações que transcendem o universo do trabalho, existe uma categoria teórica mais
abrangente: a categoria de práxis” (Ibidem, p.43). Barroco (2006) aponta que “o trabalho é
uma atividade teleológica, donde o papel ativo da consciência no processo de autoconstrução
humana; o produto objetivo da práxis personifica suas intenções e seus projetos” (p.28).
Marx ressalta o caráter real, objetivo, da práxis na medida em que
transforma o mundo exterior que é independente de sua consciência e de sua
existência. O objeto da atividade prática é a natureza, a sociedade ou os
homens reais. A finalidade dessa atividade é a transformação real, objetiva,
do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana.
E o resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do
sujeito ou dos sujeitos concretos que a engendraram com sua atividade
subjetiva, mas que, sem dúvida, só existe pelo homem e para o homem,
como ser social (VÁZQUEZ, 1990, p.194).
Portanto, a práxis “envolve o trabalho, que na verdade, é o seu modelo – mais inclui
muito mais que ele: inclui todas as objetivações humanas” (NETTO & BRAZ, 2006, p.43).
No contexto do trato das objetivações salienta-se que:
Primeiro: deve-se distinguir entre formas de práxis voltadas para o controle
e a exploração da natureza e formas voltadas para influir no comportamento
e na ação dos homens. No primeiro caso, que é o do trabalho, o homem é o
sujeito e a natureza é o objeto; no segundo caso, trata-se de relações de
sujeito a sujeito, daquelas formas de práxis em que o homem atua sobre si
mesmo (como na práxis educativa e na práxis política). Segundo: os
produtos e obras resultantes da práxis podem objetivar-se materialmente e/ou
idealmente: no caso do trabalho, sua objetivação é necessariamente algo
material; mas há objetivações (por exemplo, os valores éticos) que se
realizam sem operar transformações numa estrutura material qualquer
(NETTO & BRAZ, 2006, p.43-44, grifos nossos).
Chega-se a compreensão que “a categoria [...] práxis permite apreender a riqueza do
ser social desenvolvido [...]. [...] revela o homem como ser criativo e autoprodutivo: ser da
práxis, o homem é produto e criação da sua auto-atividade, ele é o que (se) fez e (se) faz”
(Ibidem, p.44).
Marx (2011) aponta que “a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho”
(p.211). Ele ainda pressupõe “o trabalho sob forma exclusivamente humana” (Ibidem).
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera
mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um
resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele
não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao
material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei
determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua
vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos
órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através
da atenção durante todo o curso do trabalho [...] (Ibidem, p.211-212).
Apresentam-se como elementos componentes do processo de trabalho: “a atividade
adequada a um fim, isto é o próprio trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de
trabalho; e, os meios de trabalho, o instrumental de trabalho” (Ibidem, p.212).
É no processo de trabalho que “o homem, valendo-se dos instrumentos ou meios
adequados, transforma um objeto obedecendo a uma finalidade” (VÁZQUEZ, 1990, p.195).
Por conseguinte, na medida em que “materializa certa finalidade ou certo projeto, ele se
objetiva de certo modo em seu produto” (Ibidem).
No trabalho – diz Marx – o homem assimila “sob uma forma útil para sua
própria vida, as matérias que a natureza lhe oferece”, mas só pode assimilá-
las objetivando-se nelas, ou seja, imprimindo na matéria trabalhada o cunho
de suas finalidades. Marx aponta essa adequação a uma finalidade como um
dos fatôres essenciais do processo de trabalho: “Os fatores simples que
intervêm no processo de trabalho são: a atividade adequada a uma
finalidade, isto é, o próprio trabalho, seu objeto e seus meios” (VÁZQUEZ,
1990, p.195).
Verifica-se que “todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata
com seu meio natural constituem objetos de trabalho fornecidos pela natureza” (MARX,
2011, p.212). O meio de trabalho “é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador
insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse
objeto” (Ibidem, p.213).
No caso dos instrumentos de trabalho, Marx denota que “não são apenas o barômetro
indicador do desenvolvimento da força de trabalho do homem, como também o expoente das
condições sociais em que trabalha” (VÁZQUEZ, 1990, p.196). Logo, “os meios de trabalho
servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as
condições sociais em que se realiza o trabalho” (MARX, 2011, p.214).
Além das coisas que permitem ao trabalho aplicar-se a seu objeto e servem,
de qualquer modo, para conduzir a atividade, consideramos meios de
trabalho, em sentido lato, todas as condições materiais, seja como for,
necessárias à realização do processo de trabalho. Elas não participam
diretamente do processo, mas este fica, sem elas, total ou parcialmente
impossibilitado de concretizar-se (Ibidem).
Com o aparecimento de instrumentos mais aperfeiçoados modifica-se “o tipo de
relação entre o homem e a natureza, e, nesse sentido, é um índice revelador do
desenvolvimento de sua fôrça de trabalho e de seu domínio sôbre a natureza” (VÁZQUEZ,
1990, p.196).
Barroco (2006) informa que “para transformar a natureza, o homem desenvolve um
certo nível de conhecimento que lhe permite saber quais são as formas apropriadas para essa
intervenção” (p.29).
Evidencia-se em Lukács (1972) que “[...] a força-de-trabalho é uma mercadoria sui
generis, cujo valor-de-uso possui a qualidade peculiar de conduzir, durante a sua utilização
real, a uma criação de valor” (p.44). O autor acrescenta ainda que “[...] apenas a qualidade
específica da mercadoria força-de-trabalho é capaz de criar valor novo, enquanto os meios de
produção, matérias-primas, etc., simplesmente conservam o seu valor no processo de trabalho
(LUKÁCS, 1972, p.62).
Marx (2011) sinaliza que “no processo de trabalho, a atividade do homem opera uma
transformação, subordinada a um determinado fim, no objeto sobre que atua por meio do
instrumental de trabalho” (p.214).
O processo extingue-se ao concluir-se o produto. O produto é um valor-deuso, um material da natureza adaptado às necessidades humanas através da
mudança de forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou.
Concretizou-se, e a matéria está trabalhada. O que se manifestava em
movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma
de ser, do lado do produto. Ele teceu, e o produto é um tecido. Observandose todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se
que meio e objeto de trabalho são meios de produção e o trabalho é trabalho
produtivo (Ibidem, p.214-215).
Na descrição do processo de trabalho realizada por Marx (2011), considerando os seus
elementos simples e abstratos, o processo de trabalho “[...] é atividade dirigida com o fim de
criar valores-de-uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição
necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza” (p.218). É ainda “condição
natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo
antes comum a todas as suas formas sociais” (Ibidem).
Partindo do pressuposto do trabalho, enquanto formador de valores de uso, enquanto
trabalho útil, tem-se o trabalho configurado como “uma condição de existência do homem,
independente de todas as formas de sociedade; é uma necessidade natural eterna, que tem a
função de mediatizar o intercâmbio orgânico entre o homem e a natureza, ou seja, a vida dos
homens” (LUKÁCS, 1972, p. 16).
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no estudo realizado, compreendeu-se que a categoria trabalho assume
centralidade na constituição do ser social. O trabalho enquanto processo de transformação da
natureza, neste caso, das matérias primas, em produto para o atendimento às necessidades dos
homens em sociedade, configura-se como atividade e/ou ação essencialmente humana. Nessa
relação ao mesmo tempo o homem transforma a natureza e se transforma, logo, o trabalho se
apresenta como fundante do ser social.
Verificou-se que o trabalho difere das atividades vinculadas ao circuito estritamente
natural em virtude da relação mediada que estabelece entre o seu sujeito e o seu objeto.
Notou-se também que o trabalho é uma atividade teleológica direcionada mediante uma
finalidade proposta pelo sujeito. Portanto, o resultado real ao final do processo de trabalho, ou
seja, o produto, denota um resultado com existência ideal, ao que se denomina como prévia
ideação. O trabalho possui um movimento indissociável em dois planos, a saber, o subjetivo e
o objetivo, constituindo-se numa objetivação do sujeito.
Identificou-se que o trabalho tem um caráter coletivo, o que o torna social. A atividade
de trabalho realizada socialmente, por sua vez, produz interação humana. O trabalho, pois,
implica uma interação no marco da sociedade, que afeta os seus sujeitos e a sua organização.
Percebeu-se que o trabalho leva àquilo que os autores classificam como uma espécie de salto,
ocasionando a emergência e constituição do ser social.
Registrou-se que o desenvolvimento do ser social é descrito como o processo de
humanização dos homens, onde o trabalho aparece como objetivação primária. Aqui ocorre o
afastamento das determinações naturais, dado o recuo da relevância do seu papel na vida
humana.
O ser social dispõe da capacidade de sociabilizar-se mediante os processos de
interação social. Assim, o trabalho implica sociabilidade. Desta feita, apreendeu-se o
significado ontológico-social do trabalho como constitutivo do ser social.
Observou-se ainda que o ser social é mais que trabalho, visto que quanto mais se
desenvolve, as suas objetivações transcendem o universo do trabalho. Isso se explica pela
práxis, categoria que inclui o trabalho e as demais objetivações humanas. É a práxis que
possibilita captar a riqueza do ser social desenvolvido.
No decurso desta análise, aludiu-se que o processo de trabalho se apresenta como
condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza. Constitui-se como
componentes do processo de trabalho a atividade direcionada a um fim, o objeto de trabalho e
os meios de trabalho. No caso dos meios de trabalho, confirmou-se a sua importância para
medir o desenvolvimento da força humana de trabalho, além de indicar sob quais condições
sociais o trabalho é realizado.
REFERÊNCIAS
BARROCO, Maria Lucia Silva. Trabalho, ser social e ética. In: Ética e Serviço Social:
fundamentos ontológicos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
LUKÁCS, György. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de
Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1972.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, Volume 1. 28. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
NETTO, José Paulo. Introdução ao método da teoria social. In: Serviço Social: direitos
sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. v. 1.
Coleção Biblioteca Básica de Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2006.
VÁZQUEZ, A.S. O que é a práxis. In: Filosofia da práxis. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1990.
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