A CENTRALIDADE DA CATEGORIA TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO DO SER SOCIAL 1 Ana Paula Leite Nascimento 2 Ingredi Palmieri Oliveira Maria Auxiliadora Silva Moreira Oliveira Resumo Este trabalho realizou uma análise sobre a centralidade da categoria trabalho na constituição do ser social. Partiu-se da abordagem acerca do trabalho como fundante do ser social, enfatizando o significado ontológico-social da categoria trabalho na emergência do ser social. Em seguida, registraram-se alguns apontamentos a respeito do processo de trabalho, destacando os seus componentes constituintes. O trabalho caracterizou-se como uma pesquisa bibliográfica. A abordagem do estudo contemplou as dimensões qualitativa e quantitativa. Destacou-se como predominante a natureza qualitativa. Para a coleta de dados utilizou-se do levantamento bibliográfico, constituindo-se como procedimento metodológico por excelência na coleta de informações, baseado nos objetivos propostos. A análise e interpretação dos dados foram realizadas a partir de categorias definidas durante o estudo à luz do referencial teórico, construído no decorrer da investigação. A pesquisa foi norteada pelo método dialético, buscando interpretar a realidade mediante a perspectiva ontológica, sob o viés da totalidade. Compreendeu-se que a categoria trabalho assume centralidade na constituição do ser social. O trabalho difere das atividades vinculadas ao circuito estritamente natural em virtude da relação mediada que estabelece entre o seu sujeito e o seu objeto. Notou-se que o trabalho é uma atividade teleológica direcionada mediante uma finalidade proposta pelo sujeito. Identificou-se que o trabalho tem um caráter coletivo, o que o torna social. O trabalho, pois, implica uma interação no marco da sociedade, que afeta os seus sujeitos e a sua organização. Verificou-se que o desenvolvimento do ser social é descrito como o processo de humanização dos homens. Percebeu-se que o ser social dispõe da capacidade de sociabilizarse mediante os processos de interação social. Assim, o trabalho implica sociabilidade. Observou-se que a práxis possibilita captar a riqueza do ser social desenvolvido. Aludiu-se que o processo de trabalho se apresenta como condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza. Palavras-chave: trabalho; ser social; práxis. 1 Esse trabalho é resultado da pesquisa bibliográfica realizada na Disciplina Trabalho e Sociabilidade do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social da Universidade Federal de Sergipe. 2 Assistente Social (UFS, 2009). Especialista em Escola e Comunidade (UFS, 2010). Mestranda em Serviço Social (UFS). Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe (IFS), lotada no IFS - Campus Lagarto. Travessa Visconde de Maracaju, Nº. 60, Bairro: 18 do Forte, Aracaju – SE, CEP: 49072-103. Contatos: (79) 8815-8409; (79) 9918-7871; [email protected]. I. INTRODUÇÃO O trabalho, ora apresentado, se propõe a realizar uma análise sobre a centralidade da categoria 3 trabalho na constituição do ser social. Partiu-se, inicialmente, da abordagem acerca do trabalho como fundante do ser social, enfatizando o significado ontológico-social da categoria trabalho na emergência do ser social. Em seguida, registraram-se alguns apontamentos a respeito do processo de trabalho, destacando os seus componentes constituintes. II. OBJETIVOS 2.1. Objetivo Geral Realizar análise teórica sobre a centralidade da categoria trabalho na constituição do ser social. 2.2. Objetivos Específicos Desenvolver uma abordagem acerca do trabalho como fundante do ser social, enfatizando o significado ontológico-social da categoria trabalho na emergência do ser social; Registrar alguns apontamentos a respeito do processo de trabalho, destacando os seus componentes constituintes. III. METODOLOGIA O trabalho em pauta caracterizou-se como uma pesquisa bibliográfica. A abordagem do estudo contemplou as dimensões qualitativa e quantitativa, visto que “o conjunto de dados quantitativos e qualitativos, porém, não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia” (MINAYO, 1994, p. 22). Destacou-se como predominante, por sua vez, a natureza qualitativa desta pesquisa. A pesquisa bibliográfica é elaborada com base em material já publicado. Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso, como livros, revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos. Todavia, em virtude da disseminação de novos formatos de informação, estas pesquisas passaram a incluir outros tipos de fontes, como discos, fitas magnéticas, CDs, bem 3 Para Marx “as categorias são formas de ser, determinações da existência”. As categorias, diz ele, “exprimem [...] formas de modos de ser, determinações de existência, frequentemente aspectos isolados de [uma] sociedade determinada” – ou seja: elas são objetivas, reais (pertencem à ordem do ser – são categorias ontológicas); mediante procedimentos intelectivos (basicamente, mediante a abstração), o pesquisador as reproduz teoricamente (e, assim, também pertencem à ordem do pensamento – são categorias reflexivas). Por isto mesmo, tanto real quanto teoricamente, as categorias são históricas e transitórias [...] (NETTO, 2009, p. 685). como o material disponibilizado pela Internet. Praticamente toda pesquisa acadêmica requer em algum momento a realização de trabalho que pode ser caracterizado como pesquisa bibliográfica (GIL, 2010, p.29). Para a coleta de dados utilizou-se do levantamento bibliográfico, constituindo-se como procedimento metodológico por excelência na coleta de informações, baseado nos objetivos propostos. A análise e interpretação dos dados foram realizadas a partir de categorias definidas durante o estudo à luz do referencial teórico, construído no decorrer da investigação. Vale mencionar que a pesquisa foi norteada pelo método dialético 4, buscando interpretar a realidade mediante a perspectiva ontológica, sob o viés da totalidade. IV. RESULTADOS Com base na prerrogativa que “o trabalho [...] é uma categoria central para compreensão do próprio fenômeno humano-social” (NETTO & BRAZ, 2006, p.29), faremos aqui uma trajetória de exposição acerca da categoria trabalho como fundante no processo de constituição do ser social. O trabalho “é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza” (MARX, 2011, p.211). [...] as condições materiais de existência e reprodução da sociedade – vale dizer, a satisfação material das necessidades dos homens e mulheres que constituem a sociedade – obtêm-se numa interação com a natureza: a sociedade, através dos seus membros (homens e mulheres), transforma matérias naturais em produtos que atendem às suas necessidades. Essa transformação é realizada através da atividade a que denominamos trabalho (NETTO & BRAZ, 2006, p.30). Em Marx (2011) tem-se que no trabalho o homem “defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo [...], a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana” (p.211). Assevera ainda que “atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza” (Ibidem). As “atividades que atendem a necessidades de sobrevivência são generalizadas entre as espécies animais” (NETTO & BRAZ, 2006, p.30). Todavia, verifica-se que determinadas 4 O método dialético procura captar as mediações que explicam as relações dos complexos com a totalidade para desvendar o real a partir de suas contradições e determinações. Para tanto, parte-se dos fenômenos aparentes e através de um processo de abstração, busca-se chegar à sua essência, reproduzindo-se a realidade pesquisada no plano do pensamento, enquanto real pensado (KOSIK, 1995). atividades “processam-se no interior de circuitos estritamente naturais: realizam-se no marco de uma herança determinada geneticamente [...], numa relação imediata entre o animal e o seu meio ambiente [...] e satisfazem, sob formas em geral fixas, necessidades biologicamente estabelecidas [...]” (NETTO & BRAZ, 2006, p.30). Mediante o exposto, cabe destacar que o trabalho é algo substantivamente diverso daquelas atividades que transitam no interior de circuitos estritamente naturais na medida em que rompe com o padrão natural das atividades em questão. Então vejamos as razões: [...] em primeiro lugar, porque o trabalho não se opera com uma atuação imediata sobre a matéria natural; diferentemente, ele exige instrumentos que, no seu desenvolvimento, vão cada vez mais se interpondo entre aqueles que o executam e a matéria; em segundo lugar, porque o trabalho não se realiza cumprindo determinações genéticas; bem ao contrário, passa a exigir habilidades e conhecimentos que se adquirem inicialmente por repetição e experimentação e que se transmitem mediante aprendizado; em terceiro lugar, porque o trabalho não atende a um elenco limitado e praticamente invariável de necessidades, nem as satisfaz sob formas fixas; se é verdade que há um conjunto de necessidades que sempre deve ser atendido (alimentação, proteção contra intempéries, reprodução biológica etc.), as formas desse atendimento variam muitíssimo e, sobretudo, implicam o desenvolvimento, quase sem limites, de novas necessidades (Ibidem, p.3031). Infere-se, portanto, que o trabalho se diferencia das atividades naturais em decorrência da “relação mediada entre o seu sujeito (aqueles que o executam, homens em sociedade) e o seu objeto (as várias formas da natureza, orgânica e inorgânica)” (Ibidem, p.32). Para Marx “o trabalho é o fundamento ontológico-social do ser social; é ele que permite o desenvolvimento de mediações que instituem a diferencialidade do ser social em face de outros seres da natureza” (BARROCO, 2006, p.26). Assim, “a condição ontológicosocial ineliminável do trabalho, na (re)produção do ser social, dá a ele um caráter universal e sócio-histórico” (Ibidem). Sabe-se que “o trabalho é uma atividade projetada, teleologicamente direcionada, ou seja: conduzida a partir do fim proposto pelo sujeito” (NETTO & BRAZ, 2006, p.32). Marx enfatiza “o papel da finalidade numa atividade prática como o trabalho humano: ao final do processo de trabalho, surge um resultado que antes de começar já existia na mente do operário: ou seja, um resultado que já tinha existência ideal” (VÁZQUEZ, 1990, p.189-190). Vázquez (1990) argumenta que “ao antecipar idealmente o resultado efetivo, pode ajustar seus atos como elementos de uma totalidade regida pelo objetivo” (p.190). Salienta ainda que “essa prefiguração ideal do resultado real diferencia radicalmente a atividade do homem de qualquer outra atividade animal que, aparentemente pudesse aparecer com ela” (Ibidem). Entretanto, se essa prefiguração (ou, no dizer de Lukács, essa prévia ideação é indispensável à efetivação do trabalho, ela em absoluto o realiza: a realização do trabalho só se dá quando essa prefiguração ideal se objetiva, isto é, quando a matéria natural, pela ação material do sujeito, é transformada. O trabalho implica, pois, um movimento indissociável em dois planos: num plano subjetivo (pois a prefiguração se processa no âmbito do sujeito) e num plano objetivo (que resulta na transformação material da natureza); assim, a realização do trabalho constitui uma objetivação do sujeito que o efetua. [...] Não basta prefigurar idealmente o fim da atividade para que o sujeito realize o trabalho; é preciso que ele reproduza, também idealmente, as condições objetivas em que atua (a dureza da pedra etc.) e possa transmitir a outrem essas representações (NETTO & BRAZ, 2006, p.32-33). Observa-se que “por ser consciente, o homem age teleologicamente; transforma suas necessidades e formas de satisfação em novas perguntas; autoconstrói-se como um ser de projetos; torna-se autoconsciente, como sujeito construtor de si mesmo e da história” (BARROCO, 2006, p.28). O “trabalho é, sempre atividade coletiva: seu sujeito nunca é um sujeito isolado, mas sempre se insere num conjunto (maior ou menor, mais ou menos estruturado) de outros sujeitos” (NETTO & BRAZ, 2006, p.34). Logo, o caráter coletivo da atividade do trabalho “é, substantivamente, aquilo que se denominará de social” (Ibidem). Desta feita, o trabalho “não é obra de um indivíduo mas da cooperação entre os homens; só se objetiva socialmente, de modo determinado; responde a necessidades sóciohistóricas, produz formas de interação humana [...]” (BARROCO, 2006, p.26). O trabalho implica mais que a relação sociedade / natureza: implica uma interação no marco da própria sociedade, afetando os seus sujeitos e a sua organização. O trabalho, através do qual o sujeito transforma a natureza (e, na medida em que é uma transformação que se realiza materialmente, tratase de uma transformação prática), transforma também o seu sujeito: foi através do trabalho que, de grupos de primatas, surgiram os primeiros grupos humanos – numa espécie de salto que fez emergir um novo tipo de ser, distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser social. [...] o trabalho não é apenas uma atividade específica de homens em sociedade, mas é, também e ainda, o processo histórico pelo qual surgiu o ser desses homens, o ser social (NETTO & BRAZ, 2006, p.34). Lukács (1972) menciona que “com o ato da posição teleológica do trabalho, temos em-si o ser social” (p.17). O processo histórico da sua explicitação, contudo, implica a importantíssima transformação desse ser em-si num ser para-si; e, portanto, implica a superação tendencial das formas e dos conteúdos de ser meramente naturais em formas e conteúdos sociais mais puros, mais específicos (Ibidem). Nota-se que “foi através do trabalho que a humanidade se constituiu como tal. Ou, se quiser: o trabalho é fundante do ser social, precisamente porque é de ser social que falamos quando falamos de humanidade (sociedade)” (NETTO & BRAZ, 2006, p.37). Por isso a assertiva de que “é na sociedade e nos membros que a compõem que o ser social existe: a sociedade, e seus membros, constitui o ser social e dele se constitui” (Ibidem). Então, “o desenvolvimento da sociabilidade implica a (re)criação de necessidades e formas de satisfação, do que decorre a transformação do ser social e do mundo natural, isto é, do sujeito e do objeto” (BARROCO, 2006, p.27). Afirma-se que “o desenvolvimento do ser social – ou a história mesma – pode ser descrito como o processo de humanização dos homens, processo através do qual as determinações naturais, sem deixar de existir, jogam um papel cada vez menos relevante na vida humana” (NETTO & BRAZ, 2006, p.39). [...] o estudo ontológico do ser social mostra que só de modo bastante gradual, passando por muitíssimas etapas, é que suas categorias e relações adquiriram o caráter de socialidade predominante. Repetimos: predominante, já que o ser social – por sua própria essência – jamais pode se separar completamente de seus fundamentos naturais (o homem resta ineliminavelmente um ser biológico), do mesmo modo como a natureza orgânica tem de incorporar, em forma dialeticamente superada, a natureza inorgânica. O ser social, todavia, tem um desenvolvimento no qual essas categorias naturais, mesmo sem jamais desaparecerem, recuam de modo cada vez mais nítido, deixando o lugar de destaque para categorias que não têm na natureza sequer um correspondente analógico (LUKÁCS, 1972, p.53). Registra-se que “[...] os sujeitos do trabalho experimentam um multimilenar processo que acaba por distingui-los da natureza: o processo de humanização” (NETTO & BRAZ, 2006, p.40). O avanço deste processo “pode ser compreendido, pois, como a diferenciação e a complexificação das objetivações do ser social. O trabalho aparece como a objetivação primária e ineliminável do ser social [...]” (Ibidem, p.40-41). Vale ainda ressaltar que [...] o ser social constitui-se como um ser que, dentre todos os tipos de ser, se particulariza porque é capaz de: 1. realizar atividades teleologicamente orientadas; 2. objetivar-se material e idealmente; 3. comunicar-se e expressar-se pela linguagem articulada; 4. tratar suas atividades e a si mesmo de modo reflexivo, consciente e autoconsciente; 5. escolher entre alternativas concretas; 6. universalizar-se; e, 7. sociabilizar-se (Ibidem, p.41). Percebe-se que “além de supor a sociabilidade e a universalidade, o trabalho implica um dado conhecimento da natureza e a valoração dos objetos necessários ao seu desenvolvimento: aí é dada a gênese da consciência humana – como capacidade racional e valorativa” (BARROCO, 2006, p.27). Depreende-se, por sua vez, que “[...] o ser social dispõe da capacidade de sociabilização, isto é, ele é passível de apropriação e desenvolvimento por parte dos membros da sociedade no interior da própria sociedade, através, fundamentalmente, dos processos de interação social [...]” (NETTO & BRAZ, 2006, p.42). Argumenta-se ainda que “o trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se reduz ou esgota no trabalho. Quanto mais se desenvolve o ser social, mais as suas objetivações transcendem o espaço ligado diretamente ao trabalho” (Ibidem, p.43). O desenvolvimento do ser social implica o surgimento de uma racionalidade, de uma sensibilidade e de uma atividade que, sobre a base necessária do trabalho, criam objetivações próprias. No ser social desenvolvido, o trabalho é uma das suas objetivações – e, como já assinalamos, quanto mais rico o ser social, tanto mais diversificadas e complexas são as suas objetivações. O trabalho, porém, não só permanece como a objetivação fundante e necessária do ser social – permanece, ainda, como o que se poderia chamar de modelo das objetivações do ser social, uma vez que todas elas supõem as características constitutivas do trabalho (a atividade teleologicamente orientada, a tendência à universalização e a linguagem articulada) (NETTO & BRAZ, 2006, p.43). Assim, pode-se afirmar que “o ser social é mais que trabalho, para assinalar que ele cria objetivações que transcendem o universo do trabalho, existe uma categoria teórica mais abrangente: a categoria de práxis” (Ibidem, p.43). Barroco (2006) aponta que “o trabalho é uma atividade teleológica, donde o papel ativo da consciência no processo de autoconstrução humana; o produto objetivo da práxis personifica suas intenções e seus projetos” (p.28). Marx ressalta o caráter real, objetivo, da práxis na medida em que transforma o mundo exterior que é independente de sua consciência e de sua existência. O objeto da atividade prática é a natureza, a sociedade ou os homens reais. A finalidade dessa atividade é a transformação real, objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana. E o resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito ou dos sujeitos concretos que a engendraram com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só existe pelo homem e para o homem, como ser social (VÁZQUEZ, 1990, p.194). Portanto, a práxis “envolve o trabalho, que na verdade, é o seu modelo – mais inclui muito mais que ele: inclui todas as objetivações humanas” (NETTO & BRAZ, 2006, p.43). No contexto do trato das objetivações salienta-se que: Primeiro: deve-se distinguir entre formas de práxis voltadas para o controle e a exploração da natureza e formas voltadas para influir no comportamento e na ação dos homens. No primeiro caso, que é o do trabalho, o homem é o sujeito e a natureza é o objeto; no segundo caso, trata-se de relações de sujeito a sujeito, daquelas formas de práxis em que o homem atua sobre si mesmo (como na práxis educativa e na práxis política). Segundo: os produtos e obras resultantes da práxis podem objetivar-se materialmente e/ou idealmente: no caso do trabalho, sua objetivação é necessariamente algo material; mas há objetivações (por exemplo, os valores éticos) que se realizam sem operar transformações numa estrutura material qualquer (NETTO & BRAZ, 2006, p.43-44, grifos nossos). Chega-se a compreensão que “a categoria [...] práxis permite apreender a riqueza do ser social desenvolvido [...]. [...] revela o homem como ser criativo e autoprodutivo: ser da práxis, o homem é produto e criação da sua auto-atividade, ele é o que (se) fez e (se) faz” (Ibidem, p.44). Marx (2011) aponta que “a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho” (p.211). Ele ainda pressupõe “o trabalho sob forma exclusivamente humana” (Ibidem). Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho [...] (Ibidem, p.211-212). Apresentam-se como elementos componentes do processo de trabalho: “a atividade adequada a um fim, isto é o próprio trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; e, os meios de trabalho, o instrumental de trabalho” (Ibidem, p.212). É no processo de trabalho que “o homem, valendo-se dos instrumentos ou meios adequados, transforma um objeto obedecendo a uma finalidade” (VÁZQUEZ, 1990, p.195). Por conseguinte, na medida em que “materializa certa finalidade ou certo projeto, ele se objetiva de certo modo em seu produto” (Ibidem). No trabalho – diz Marx – o homem assimila “sob uma forma útil para sua própria vida, as matérias que a natureza lhe oferece”, mas só pode assimilá- las objetivando-se nelas, ou seja, imprimindo na matéria trabalhada o cunho de suas finalidades. Marx aponta essa adequação a uma finalidade como um dos fatôres essenciais do processo de trabalho: “Os fatores simples que intervêm no processo de trabalho são: a atividade adequada a uma finalidade, isto é, o próprio trabalho, seu objeto e seus meios” (VÁZQUEZ, 1990, p.195). Verifica-se que “todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata com seu meio natural constituem objetos de trabalho fornecidos pela natureza” (MARX, 2011, p.212). O meio de trabalho “é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto” (Ibidem, p.213). No caso dos instrumentos de trabalho, Marx denota que “não são apenas o barômetro indicador do desenvolvimento da força de trabalho do homem, como também o expoente das condições sociais em que trabalha” (VÁZQUEZ, 1990, p.196). Logo, “os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho” (MARX, 2011, p.214). Além das coisas que permitem ao trabalho aplicar-se a seu objeto e servem, de qualquer modo, para conduzir a atividade, consideramos meios de trabalho, em sentido lato, todas as condições materiais, seja como for, necessárias à realização do processo de trabalho. Elas não participam diretamente do processo, mas este fica, sem elas, total ou parcialmente impossibilitado de concretizar-se (Ibidem). Com o aparecimento de instrumentos mais aperfeiçoados modifica-se “o tipo de relação entre o homem e a natureza, e, nesse sentido, é um índice revelador do desenvolvimento de sua fôrça de trabalho e de seu domínio sôbre a natureza” (VÁZQUEZ, 1990, p.196). Barroco (2006) informa que “para transformar a natureza, o homem desenvolve um certo nível de conhecimento que lhe permite saber quais são as formas apropriadas para essa intervenção” (p.29). Evidencia-se em Lukács (1972) que “[...] a força-de-trabalho é uma mercadoria sui generis, cujo valor-de-uso possui a qualidade peculiar de conduzir, durante a sua utilização real, a uma criação de valor” (p.44). O autor acrescenta ainda que “[...] apenas a qualidade específica da mercadoria força-de-trabalho é capaz de criar valor novo, enquanto os meios de produção, matérias-primas, etc., simplesmente conservam o seu valor no processo de trabalho (LUKÁCS, 1972, p.62). Marx (2011) sinaliza que “no processo de trabalho, a atividade do homem opera uma transformação, subordinada a um determinado fim, no objeto sobre que atua por meio do instrumental de trabalho” (p.214). O processo extingue-se ao concluir-se o produto. O produto é um valor-deuso, um material da natureza adaptado às necessidades humanas através da mudança de forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou. Concretizou-se, e a matéria está trabalhada. O que se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto. Ele teceu, e o produto é um tecido. Observandose todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se que meio e objeto de trabalho são meios de produção e o trabalho é trabalho produtivo (Ibidem, p.214-215). Na descrição do processo de trabalho realizada por Marx (2011), considerando os seus elementos simples e abstratos, o processo de trabalho “[...] é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza” (p.218). É ainda “condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais” (Ibidem). Partindo do pressuposto do trabalho, enquanto formador de valores de uso, enquanto trabalho útil, tem-se o trabalho configurado como “uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade; é uma necessidade natural eterna, que tem a função de mediatizar o intercâmbio orgânico entre o homem e a natureza, ou seja, a vida dos homens” (LUKÁCS, 1972, p. 16). V. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no estudo realizado, compreendeu-se que a categoria trabalho assume centralidade na constituição do ser social. O trabalho enquanto processo de transformação da natureza, neste caso, das matérias primas, em produto para o atendimento às necessidades dos homens em sociedade, configura-se como atividade e/ou ação essencialmente humana. Nessa relação ao mesmo tempo o homem transforma a natureza e se transforma, logo, o trabalho se apresenta como fundante do ser social. Verificou-se que o trabalho difere das atividades vinculadas ao circuito estritamente natural em virtude da relação mediada que estabelece entre o seu sujeito e o seu objeto. Notou-se também que o trabalho é uma atividade teleológica direcionada mediante uma finalidade proposta pelo sujeito. Portanto, o resultado real ao final do processo de trabalho, ou seja, o produto, denota um resultado com existência ideal, ao que se denomina como prévia ideação. O trabalho possui um movimento indissociável em dois planos, a saber, o subjetivo e o objetivo, constituindo-se numa objetivação do sujeito. Identificou-se que o trabalho tem um caráter coletivo, o que o torna social. A atividade de trabalho realizada socialmente, por sua vez, produz interação humana. O trabalho, pois, implica uma interação no marco da sociedade, que afeta os seus sujeitos e a sua organização. Percebeu-se que o trabalho leva àquilo que os autores classificam como uma espécie de salto, ocasionando a emergência e constituição do ser social. Registrou-se que o desenvolvimento do ser social é descrito como o processo de humanização dos homens, onde o trabalho aparece como objetivação primária. Aqui ocorre o afastamento das determinações naturais, dado o recuo da relevância do seu papel na vida humana. O ser social dispõe da capacidade de sociabilizar-se mediante os processos de interação social. Assim, o trabalho implica sociabilidade. Desta feita, apreendeu-se o significado ontológico-social do trabalho como constitutivo do ser social. Observou-se ainda que o ser social é mais que trabalho, visto que quanto mais se desenvolve, as suas objetivações transcendem o universo do trabalho. Isso se explica pela práxis, categoria que inclui o trabalho e as demais objetivações humanas. É a práxis que possibilita captar a riqueza do ser social desenvolvido. No decurso desta análise, aludiu-se que o processo de trabalho se apresenta como condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza. Constitui-se como componentes do processo de trabalho a atividade direcionada a um fim, o objeto de trabalho e os meios de trabalho. No caso dos meios de trabalho, confirmou-se a sua importância para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho, além de indicar sob quais condições sociais o trabalho é realizado. REFERÊNCIAS BARROCO, Maria Lucia Silva. Trabalho, ser social e ética. In: Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006. LUKÁCS, György. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1972. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, Volume 1. 28. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. NETTO, José Paulo. Introdução ao método da teoria social. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. v. 1. Coleção Biblioteca Básica de Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2006. VÁZQUEZ, A.S. O que é a práxis. In: Filosofia da práxis. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.