Estrutura de Sentimento de Raymond Williams...Teixeira
Estrutura de Sentimento de Raymond Williams: uma
abordagem devocional do festejo do glorioso São José de
Ribamar
d.o.i. 10.13115/2236-1499.2013v1n10p95
Edvaldo Rogério Santos Teixeira1
(Mestrando da UMESP)
RESUMO
Este artigo tem como objetivo fazer uma abordagem entre a
Estrutura de Sentimento de Raymond Williams e a devoção
popular do festejo do glorioso São José de Ribamar. Para nos
auxiliar no desenvolvimento desta pesquisa apresentaremos como
quadro teórico, a colaboração dos seguintes autores: Raymond
Williams, que ao salientar a estrutura de sentimento, enquanto
sentimento social, vivido e sentido numa determinada época,
ajudam a compreender o presente. Partindo para o campo da
fenomenologia da religião destacaremos Émile Durkheim e
Mircea Eliade que apontam um conceito sociológico da religião.
No que concerne à religiosidade popular, citaremos alguns
documentos da Igreja, tais como: O documento de Medellín e
Evangelli Nuntiandi, que desenvolvem a conceituação e a prática
votiva da piedade popular. Nesse intuito, o presente trabalho,
amplia esta reflexão a outros que desejarem enveredar a sua linha
1
Graduado em Teologia e especialista em Catequética pelo Instituto de
Estudos Superiores do Maranhão. Licenciado em Filosofia pela Faculdade
Paulista São José. Graduado em Comunicação Social (Jornalista) pela
Faculdade São Luís. Especialista em Docência em Ensino Superior pelo
Centro Universitário Barão de Mauá. Mestrando em Comunicação Social pela
UMESP. Email: [email protected]
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de pesquisa na Estrutura de Sentimento no intuito de entender o
sentimento das estruturas socioculturais que regem a atualidade.
Palavras – chave: Estrutura de Sentimento, experiências, época,
piedade popular, ex-votos.
Conhecendo Raymond Williams
Na fronteira que dividia o país de Gales e a Inglaterra,
nascia no ano de 1921, na pequena Vila de Pandy (Pais de Gales),
Raymond Williams. Era filho de um assalariado ferroviário que
pertencia ao partido trabalhista britânico e neto de agricultores
que prestavam serviços às grandes fazendas. A saber, os
fazendeiros faziam parte dos Liberais. Esses dois grupos vão
viver em certos momentos uma guerra fria e em outros uma
guerra declarada, mas havia uma relação de proximidade. Fora
esses conflitos, “as relações entre esses dois grupos eram bem
próximas. Era comum ir à guarita do sinaleiro e encontrar um ou
dois agricultores sentados conversando com os ferroviários”.
(WILLIAMS, 2003b, p. 88)
De certo modo, essas duas realidades, como aponta
Williams (2003), colaboraram para a sua formação sociocultural
e também para a sua maneira de ver a sociedade. Devido à
localização geográfica, Pandy, por ser uma vila de fronteira,
despertava no sentimento dos galeses, uma forte dúvida quanto à
nacionalidade galesa. Como descreve Williams (2003b, p. 90):
As pessoas sempre se perguntavam o que o
país de Gales realmente é, porque percebem
que todos os galeses perguntam a si mesmo o
que é ser galês. [...]. Havia um sentimento
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curioso no qual podíamos falar tanto do galês
como do inglês como estrangeiros, como não
sendo nós.
Diante da dúvida que pairava no sentimento do povo
galês, Williams em meio às duas grandes Guerras Mundiais, vai
viver uma infância e adolescência conturbada pela grande crise
econômica que essas guerras vão causar. Essa crise vai mexer não
só com as estruturas econômicas do Estado, mas também nas
estruturas familiares.
Por isso, as guerras vão ser consideradas as principais
geradoras da crise econômica da época. E, por conseguinte, vão
incentivar a migração de um grande numero de famílias atingidas
pela crise econômica, às grandes cidades em busca de melhores
condições de vida. Inclusive as mulheres que buscavam nas
cidades emprego doméstico como forma de sustentabilidade. Ao
referir-se à sua mãe, Williams (2003b, p. 91) destaca: “Fazia chá,
endereçava e distribuía a correspondência, mas não tinha muitas
atividades políticas. Mas minha mãe tinha suas próprias
opiniões”.
De família socialista Williams deixou a escola de Pandy
para estudar como bolsista na King Henry VIII Grammar School.
“Não havia nenhum sentido no qual a educação fosse sentida
como algo curioso na comunidade” (WILLIAMS, 2003b, p. 93).
Frequentou a Universidade onde cursou Letras, serviu o exercito
na Segunda Guerra Mundial, fato que devido a algumas
mudanças políticas e religiosas o levou a fazer uma reflexão
sobre a cultura.
Constatei que uma única palavra me
preocupava, cultura, que parecia escutar-se
com muito mais frequência: não só em
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comparação com as conversas em um
regimento de artilharia ou em minha própria
família, senão em um cortejo direto com o
ambiente universitário de poucos anos atrás.
(WILLIAMS, 2003a, p. 16)
No período pós-guerra as estruturas sociais, econômicas e
políticas da Europa vão estar fragilizadas. Por isso, o termo
cultura vai ganhar duas resignações, segundo Williams (2003, p.
16), “no campo literário indica uma formação de valores; nas
discussões gerais modo de vida particular”.
Na trajetória intelectual vai ser conhecido como uma das
mentes mais insígnias do pensamento Marxista do período pósguerra. Escreveu varias obras que mais tarde influenciaram os
estudos culturais. Na visão de Cevasco (2001, p. 184), a
inquietude de Williams era aprofundar os autores consagrados
com intuito de responder à pergunta: “Como esses autores estão
lidando com a forma herdada do século XVIII, respondendo às
pressões e limites do seu tempo?”
Como grande pensador Williams, vai buscar na literatura
e na arte a retratação de um sentimento social que marcou uma
determinada época. Por isso, segundo ele, “a mais forte barreira
ao reconhecimento da atividade cultural humana é essa
transformação imediata e regular da experiência em produtos
acabados”. (WLLIAMS, 1979, p. 130)
Williams abriu as portas, a partir da estrutura de
sentimento, às gerações posteriores ao entendimento de um
sentimento sociocultural não fixado em um saudosismo, mas, sim
a um sentimento que vive em constante transformação. É certo
que a estrutura de sentimento de Williams pode ser identificada,
além do campo sociocultural, também nos campos da política, da
religião, da econômica, etc.
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Portanto, as reflexões feitas por Williams sobre a estrutura
de sentimento presentes na arte e na literatura, que o levou a
compreender a vida sociocultural do seu tempo, devem ser
consideradas um verdadeiro legado à compreensão da estrutura
de sentimento que perdura na vida social e cultural nos tempos
atuais. Devido a essas reflexões, Raymond Williams vai ser
considerado, pelos grandes estudiosos, um dos fundadores dos
estudos culturais e um grande pensador da cultura e das analises
literárias e sociológicas.
Abordando a Estrutura de sentimento de Raymond Williams
Todos os acontecimentos socioculturais que marcaram
épocas e que hoje são estudados e aprofundados por nós,
defendiam uma ideologia identitária que tinha em si um valor
inestimável, uma vez que, a sociedade em meio a tantas
transformações, tende a reproduzir os acontecimentos afastandose da vivencia de uma época. É certo que os acontecimentos,
embora sendo analisados após o ocorrido, estão em constante
transformação.
Diante dessa análise sociocultural, Raymond Williams vai
chegar à conclusão de que por detrás dos acontecimentos sociais
há uma estrutura de sentimento, pois ele vai procurar articular a
experiência intelectual à sua prática concreta.
Esse conceito foge, segundo a intenção de Williams
(1979), aos parâmetros das estruturas institucionais formadas que
devido aos acontecimentos do momento podem manter-se ou não
vivas. Segundo ele:
A análise se centraliza então nas relações
entre essas instituições produzidas, formações
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e experiências, de modo que agora, como
naquele passado produzido, somente formas
fixas explícitas existem, e a presença viva se
está sempre por definição, afastando.
(WILLIAMS, 1979, p. 130)
Na concepção de Williams os acontecimentos sociais não
podem ser resumidos, simplesmente, a um sentimento que ficou
no passado. Embora as instituições sociais apresentem alguns
valores que sustentem na sua trajetória uma ideologia, não podem
ser avaliadas como produtos acabados ou fixados, mas, sim como
instituições vivas e atuantes que carregam, no presente momento,
sentimentos que estão em constante transformação na vida social
e cultural.
Se o social é sempre passado, no sentido de
que é sempre formado, temos na verdade de
encontrar outros termos para a experiência
inegável do presente: não só o presente
temporal, a realização deste instante, mas o
presente específico de ser. (WILLIAMS,
1979, p. 130)
A fixação das formas sociais como vimos acima, vão ser
criticadas ironicamente por Williams (1979, p. 130), quando
afirma que “elas existem e são vividas de forma específica e
definitiva, em formas singulares e em desenvolvimento”.
Na análise e aprofundamento dos sentimentos há
complexidades de valores que são reconhecidos pelo autor, como
ele mesmo salienta: “Estamos então definindo esses elementos
como uma ‘estrutura’: como uma série, com relações internas
específicas, ao mesmo tempo engrenadas e em tensão”.
(WILLIAMS, 1979, p. 134).
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A estrutura de sentimento presente na literatura e na obra
de arte não serve somente de elo entre uma geração e uma época,
mas também para compreender alguns fenômenos socioculturais,
cujas convenções se renovam. Segundo Williams (1979, p. 18):
Muitas vezes, quando essa estrutura de
sentimento tiver sido absorvida, são as
conexões, as correspondências, e até mesmo
as semelhanças de época, que mais saltam à
vista. O que era então uma estrutura vivida é
agora uma estrutura registrada, que pode ser
examinada, identificada e até generalizada.
[...] O que isso significa na prática é a criação
de novas convenções e de novas formas.
Em meio a essa estrutura existente na obra de arte, é
possível “relacionar uma obra de arte com qualquer aspecto da
totalidade observada pode ser, em diferentes graus, bastante
produtivo. [...], e só pode ser percebido através da própria
experiência da obra de arte.” (CEVASCO, 2001, p. 152).
Segundo Cevasco (2001), Williams querendo contrapor o
conceito de ideologia e a visão de mundo criou o termo
sentimento e, por outro lado, a palavra estrutura que “opera nos
mais delicados e intangíveis aspectos de nossas atividades” (p.
152). Neste sentido, estrutura de sentimento, na visão de Cevasco
(2001), está associada às práticas e hábitos sugestivamente
sociais e mentais. Segundo Williams (1979, p. 13):
A ideia de uma estrutura de sentimentos pode
ser especificamente relacionada à evidência
de formas e convenções, figuras semânticas,
que na arte e na literatura estão quase sempre
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entre as primeiras indicações que tal estrutura
está se formando.
Seguindo essa linha de pensamento Cevasco (2001, p.
150) ao analisar a estrutura de sentimento discorre que “Ideologia
se apresenta, em seus diversos sentidos, como um sistema
relativamente formal de valores, crenças e ideias que pode ser
abstraído de um todo social, como uma visão de mundo ou de
classe”. Por conseguinte, Williams (1979, p. 131) referindo-se à
arte, afirma que a estrutura “é sempre um processo formativo
com um presente especifico”.
No cenário sociocultural, Williams (1979) observa que a
realidade, uma vez afirmada e vivenciada na prática, apresenta
nas próprias formas um universo oposto a outras formas vigentes.
Nos apontamentos feitos por Williams (1979, p 131) são
observados “O subjetivo em distinção do objetivo; a experiência
em oposição à crença; o sentimento em oposição ao pensamento;
o imediato em oposição ao geral; o pessoal em oposição ao
social”.
Em julgamento a esses elementos que se opõem o social
se reduz a formas fixas, por isso, a estrutura de sentimento
presente no social vem sendo substituída por elementos
subjugados aquém da estrutura sociocultural pré-estabelecida.
Conhecendo o campo da Religiosidade Popular
Ao estudarmos o campo religioso, é compreensível definilo como um espaço que envolve duas realidades: visível e
transcendental. A realidade visível se refere ao mundo físico,
enquanto que a realidade transcendental se refere ao metafísico
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(sagrado). Na abordagem feita pela fenomenologia da religião, o
ser humano de todos os tempos é considerado por natureza um
ser religioso.
Na Gênesis do universo, Deus criou o homem (ishi) e a
mulher (ishá) à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 27). Como
diz o salmista: “Pouco abaixo dos anjos o fizeste e o coroaste de
glória e esplendor” (Sl 8, 6). Isso significa dizer que no principio,
o homem e a mulher, eram sem mácula, viviam a perfeição de
Deus. Mas a desobediência, fruto do pecado, os fez maculosos
(cf. Gn 3, 1- 24).
Essa realidade de pecado que envolveu o coração humano
causou o desligamento do humano como o sagrado. Esse fato
gerou a necessidade de um reencontro, de um religamento (re
ligari), dai surge à expressão religião, cujo intuito é religar a
natureza humana à natureza divina. Além de ver a religião como
um fenômeno coletivo, o sociólogo Durkheim (2000, p. 32), a
apresenta como:
Um sistema solidário de crenças e de prática
relativas a coisas sagradas, isto é, separadas
proibidas, crenças e prática que se reúne
numa mesma comunidade moral, chamada
Igreja, todos aqueles que a elas aderem.
Partindo para o campo da fenomenologia da religião “todo
rito, todo mito, toda crença ou figura divina reflete a experiência
do sagrado e, por conseguinte, implica as noções de ser,
significação e verdade” (ELIAD, 1989, p. 45). Nesse caso, a
experiência com o sagrado se submete a duas realidades: uma
subjetiva (sujeito individual) e outra coletiva (sujeito interativo).
Em meio à coletividade do sujeito, o campo religioso,
devido à interação entre os sujeitos, que parte da subjetividade
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para a coletividade, o sujeito coletivo, agora se torna, sujeito
criador de manifestações religiosas, dentre elas podemos citar a
religiosidade popular, que abordaremos agora neste item da
pesquisa.
A religiosidade popular, cuja denominação se volta para o
popular massivo e o sagrado, vai ser definida pela Conferência de
Medellín como:
A expressão religiosidade popular é fruto de
um estudo aprofundado de uma evangelização
do tempo da Catequista, com características
especiais. É uma religiosidade de votos e
promessas, peregrinação e de sem-número de
devoções, baseada na recepção dos
sacramentos [...]. Percebe-se na expressão
religiosidade popular uma enorme reserva de
virtudes autenticamente cristãs, especialmente
na linha da caridade. (MEDELLÍN n. 13)
Antes do Concilio Vaticanos II, surgiu outra expressão
referente à religiosidade popular, a chamada piedade popular, que
o Vaticano II, vai oficializar os termos religiosidade e piedade
popular como sendo a mesma manifestação, diferenciando-as
apenas em termos nominais. Ambas apontam para a mesma
direção, o Sagrado (transcendente).
A religiosidade popular apresenta aspectos
positivos como senso do sagrado e do
transcendente; disponibilidade para ouvir a
palavra de Deus [...], capacidade para rezar;
sentido de amizade, caridade e união familiar;
capacidade de sofrer e reparar; significação
cristã
em
situações
irreparáveis;
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desprendimento das coisas materiais.
(EVANGELLI NUNTIANDI n. 19).
A realidade votiva que a religiosidade popular apresenta,
transporta o fiel devoto, no âmbito imagístico, à realidade
transcendental. Pois, nesse âmbito, “o peregrino vive a
experiência de um mistério que supera, não só da transcendência
de Deus, mas também da Igreja que transcende sua família e seu
bairro” (EVANGELLI NUNTIANDI n. 260).
Por conseguinte, é plausível destacar, que mesmo sendo
uma expressão votiva que aglomera multidões, a piedade popular
não é uma espiritualidade massiva, pois cada fiel, embora
fazendo parte do mesmo ambiente litúrgico (comunitário), tem a
maneira própria de relacionar com o sagrado.
Nos diferentes momentos da luta cotidiana,
muitos recorrem a algum sinal do amor de
Deus: um crucifixo, um rosário, uma vela que
se acende para acompanhar um filho doente
em sua enfermidade, um Pai- Nosso recitado
entre lágrimas, um olhar entranhável a uma
imagem de Maria, um sorriso dirigido ao Céu
em meio a uma alegria singela.
(EVANGELLI NUNTIANDI n. 261).
Na prática votiva da piedade popular, há na vida dos
devotos, uma identificação autêntica com Cristo sofredor. Por
isso, no pagamento de promessas o devoto apresenta situações
diversas: velas do tamanho do devoto, objetos de cera que
representa a parte do corpo (cabeça, braços, pernas, etc.) que
ficou curada, penitências, tais como andar de joelho, deitar no
chão com velas envolto ao corpo, etc. É certo que o “nosso povo
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se identifica particularmente com o Cristo sofredor, olham-no,
beijam-no ou tocam seus pés machucados”. (EVANGELLI
NUNTIANDI n. 262)
Portanto, a religiosidade popular, é para a vida do fiel
devoto, um legado cheio de espiritualidade e riqueza humanitária.
O simples fato de o devoto querer assemelhar-se a Cristo sofredor
resgata a humanidade do homem (ishi) e da mulher (ishá), que no
principio da criação foram feridos pelo pecado. É um legado,
também, aos estudos da folkcomunicação. Por ser um campo
complexo, a religiosidade popular, apresenta em termos
comunicacionais, uma estrutura que carrega em si um sentimento
de uma época que é passado ou assimilado de uma geração a
outra, enaltecendo, dessa forma, a experiência votiva dos tempos
hodiernos.
Abordagem da estrutura de sentimento na devoção popular
do festejo de São José de Ribamar
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), no senso realizado em 2000, o município de São José de
Ribamar possui uma área de 434,2 km2. Com uma população,
como destaca Reis (2001), concentrada em sua maioria nos
centros urbanos.
Distante aproximadamente 32 km de São Luís (Capital do
Estado do Maranhão), é uma cidade pesqueira, artesanal e votiva,
cuja maior fonte de rende é a festa do Glorioso São José de
Ribamar. A saber, a cidade foi fundada com o nome do seu Santo
Padroeiro. De acordo com Reis (2001, p. 51), a cidade de São
José de Ribamar, antes de ser elevada a condição de município,
era aldeia dos índios Gamelas:
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As terras de São José de Ribamar, onde
estavam às aldeias dos índios Gamelas, foram
dadas, em 1627, para os jesuítas, conforme
afirmou-se acima, por pedido do padre Luiz
Figueiredo (o padre figueira escreveu a
primeira gramática do idioma brasílico,
editada na Bahia em 1851, (Memórias do Dr.
Cândido Mendes, tomo 1, também citado no
livro do TOMBO no item acima identificado),
que já possuía uma légua de terra doada por
Pedro Dias ex-artilheiro da Armada de
Alexandre Moura, e sua, mulher, Apolônia
Bustamante, na Vila do Paço do Lumiar.
Elevada a condição de município em 1952, dados contidos
no Plano Trianual da Prefeitura de São José de Ribamar, a cidade
começou a ser construída em torno da Igreja de São Jose de
Ribamar, que aos pouco fora se tornado um lugar atrativo para os
devotos do “Glorioso Santo”. Por outro lado, junto à história da
cidade nasce também, a lenda que narra à história da chegada da
imagem do Glorioso São José de Ribamar em terras maranhenses,
como atesta Reis (2004, p. 190):
As versões são inúmeras, mas o âmago da
temática é praticamente o mesmo e narram a
respeito de um navio que, vindo de Portugal
para o Maranhão entrou errado na baía de
Guaxenduba, hoje denominada de São José,
em meio a um temporal, bateu fortemente nos
arrecifes e por verdadeiro milagre não houve
o naufrágio. Na ocasião do desespero, e
vendo a situação piorando a todo segundo, o
comandante da embarcação fez súplica e toda
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tripulação o acompanhou no clamor a São
José de Botas, que era o protetor dos
navegadores europeus, oriundos da escola
naval de Sagres. .Valei-nos! Oh! São José
proteja-nos, abrande esse vento, acalme o mar
e salve a todos nós com vida. Num grande
agradecimento, traremos a sua gloriosa
imagem para este lugar. Não tardou e o
pedido foi atendido, quando uma onda
gigante bateu contra o casco da caravela e a
jogou sobre uma croa, tendo logo encalhado
em um lugar seguro.
Essa lenda é a mais conhecida pelos devotos fieis do
Glorioso São José de Ribamar, o santo de botas. E hoje faz parte
do imaginário votivo dos fieis que visitam o santuário a ele
dedicado. Fazendo uma referência ao tema deste artigo, podemos
a partir da narrativa lendária, destacar que a estrutura de
sentimento dessa narrativa é puramente votiva. E, portanto, por
fazer parte de um imaginário coletivo se renova na força de novos
devotos que buscam, no Glorioso São José de Ribamar, os
auxílios necessários aos pedidos rogados a Deus.
Nos estudos folkcomunicacionais, a partir da análise feita,
o festejo de São José de Ribamar esta incluso na festa dos grupos
culturalmente marginais urbanos, estudados por Luis Beltrão
(1980, p. 61):
As festas religiosas urbanas são grandes
concentrações do povo em honra de um santo
(católicas), de um orixá (UmbandaCandomblé) ou de participação em uma
experiência mística extraordinária (benção,
batismos coletivos, sessões públicas de oração
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e
cura
de
diferentes
congregações
evangélicas), ou manifestações mediúnicas
espiritistas, que atraem multidões.
Os fenômenos religiosos têm a sua expressão máxima,
dentro das Igrejas que cultuam os santos de maneira votiva, como
comunicadores entre o humano e o Divino. Diante desse ponto de
vista, o ser humano é por natureza um ser religioso, que através
de orações, promessas, e simbologias manifestam a sua fé no
sagrado. “O sagrado manifesta-se sempre como uma realidade de
uma ordem inteiramente diferente das realidades naturais”.
(ELIADE 1956, p. 20)
Por ser uma cidade que se abastece do turismo religioso
durante o mês de setembro, período mais importante para a vida
da cidade, obedecendo ao tradicional calendário Lunar, na
semana da lua cheia, dar-se inicio ao tradicional Festejo de São
José de Ribamar, cujo espaço citado torna-se pequeno.
A cidade balneária de São José de Ribamar,
no período das festas do seu protetor muda de
hábito, radicalmente, pela enorme quantidade
de pessoas que a visita, seja para pagar
promessas, batizar, casar, passear, pedir
graças, agradecer milagres alcançados pela
intercessão do glorioso São José de Ribamar
ou então simplesmente entregar-se a
momentos de oração. (REIS, 2004, p.177)
Diante dessa realidade votiva, convém salientar, que os
sentimentos depositados aos pés do santo de devoção, podem ser
experimentados por muitos devotos como uma forte expressão da
cultura religiosa massiva que liga uma geração a outra. Neste
sentido, é importante destacar que “metodologicamente a
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estrutura de sentimento é uma hipótese cultural, derivada na
prática de tentativas de compreender esses elementos se suas
ligações numa geração ou período” (WILLIAMS, 1979, p. 135).
Na devoção a um santo, essa hipótese cultural, é resultante de
profunda experiência histórica que é transmitida de pai para filho.
Portanto, há uma estrutura denominada sentimento que não é uma
estrutura ideológica como estamos habituados a definir.
Ao avaliar a obra de arte Raymond Williams destaca o
sentimento passado pelo artista, que parecendo isolado do mundo
transmite à sua arte uma estrutura que posteriormente pode ser
partilhado por outros artistas ou amantes da arte.
Quando as obras estavam sendo feitas, seus
criadores muitas vezes pareciam, tanto para si
mesmos quanto para os outros, estar sozinhos
isolados, e serem ininteligíveis [...]. Em nosso
próprio tempo, antes que isso aconteça, é
provável que aqueles para quem a nova
estrutura seja mais acessível, ou em cujas
obras ela está se formando de maneira mais
clara, percebam sua experiência como única:
como o que os isola das outras pessoas, ainda
que o que os isolem sejam de fato as
formações herdadas e as convenções e
instituições que não mais exprimem e
satisfazem os aspectos mais essenciais de suas
vidas. (WILLIAMS, 1979, p. 19)
Na própria caminhada votiva, a experiência com o
sagrado é sempre única, pois a estrutura moldada abrange os
fenômenos socioculturais, contribuindo assim, para a atualização
de um passado que se torna sempre presente nessas
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manifestações, acima de tudo, quando envolve o imaginário
religioso de um lugar.
Na grande procissão, ponto máximo do festejo, “os
esforços são sobre-humanos para pelo menos tocar em um dos
adornos do andor, pois para os devotos todo e qualquer sacrifício
vale a pena em consideração a fé”. (REIS, 2001, p. 299).
Neste sentido as estruturas do sentimento votivo deparamse constantemente com o sentimento emocional do fiel devoto,
como atesta Reis (2004, p. 177):
É comum depararmo-nos com homens e
mulheres com lágrimas nos olhos tomados
pela emoção da fé que alimenta a esperança
na busca de curas e milagres considerados
aparentemente impossíveis, mas cujas graças
acabam sendo alcançadas pelos fiéis.
Na demonstração desses sentimentos manifestos pelos
devotos, voltemos à atenção a estrutura de sentimento proposta
por Williams. Como já foi dito anteriormente, as analises das
estruturas feitas por Williams como salientou Paul Filmer (2003)
nos leva a entender os fenômenos socioculturais.
Raymond Williams (1979) alertava que todo grupo possui
um corpo de práticas e um ethos em comum, que, muito
provavelmente, vai se chocar contra as práticas e o ethos de um
ou mais grupos distintos. Por isso, muitas vezes analisar um
escritor implica analisar o grupo do qual faz parte, levando em
conta as ideias e as atividades manifestas e também as ideias e
posições implícitas dos demais artistas do mesmo grupo, isto é,
torna-se relevante debruçar-se sobre os laços de amizade e os
relacionamentos constituídos entre os participantes.
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A partir dessa análise, o festejo de São José de Ribamar,
apresenta uma linguagem formada por uma serie de elementos
culturais que buscam na própria estrutura um entendimento
sociocultural. Esses elementos vão desde os benditos oferecidos
ao santo às historias em quadrinhos que narram a lenda da
chegada do santo à cidade a ele consagrada. Neste sentido, para
Williams (1979), a relação de estrutura pode demonstrar um
principio organizador que rege grupos sociais.
Nessa linha de pensamento, Cevasco (2001, p. 153)
aponta que a união dos grupos sociais ou a respostas dos artistas
sejam reunidas como “característica de um grupo ou formação”.
Em aprofundamento ao pensamento da autora deve ser levado em
conta o lugar social, o lugar desses atores, para assim determinar
a visão de mundo que eles produzem a partir de tais
manifestações.
Na festa de um santo, acima de tudo uma festa cuja
dimensão social, religiosa e cultural é complexa, há varias formas
de manifestação votiva, que podemos denominar dentro da
estrutura de sentimento como característica própria de um grupo.
Dentre elas destacaremos a estrutura comunicacional dos exvotos, que simbolicamente são oferecidos em forma de
agradecimento pela graça alcançado. Leach (1976, p. 16)
discorre:
As formas e canais através dos quais nos
comunicamos uns com os outros são bem
diversos e complexos, mas como uma
primeira abordagem, objetivando apenas uma
análise inicial, concluirei que a comunicação
humana é alcançada através de ações
expressivas que operam como sinais, signos e
símbolos.
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Na concepção de Leach (1976) os ex-votos são símbolos
padronizados que publicamente geram informações. No santuário
de São José de Ribamar, os ex-votos, tornaram-se tradição, pois ir
ao santuário e não acender uma vela, ou não oferecer algo ao
santo em sinal de agradecimento é não obter, segundo o
imaginário do fiel devoto, a graça rogada a Deus pela intercessão
do santo padroeiro, o Glorioso São José.
Na própria analise votiva o ex-voto é uma estrutura
inovadora que mantém a vida hegemônica das instituições que
atuam no campo religioso, cujas mudanças acontecem de acordo
com a elaboração litúrgica adaptada para um determinado local.
Por exemplo, no Santuário de São José de Ribamar o corpus
litúrgico ajuda a sustentar a estrutura votiva ao santo padroeiro e
esta, por sua vez, não deixa de exercer certa dominação a vida
social da cidade, que de acordo com a festa dedicada ao Santo
muda durante esse período.
Ao aplicar a estrutura de sentimento, na organização
social e suas respectivas mudanças, Cevasco (2001, p. 157)
salienta:
A estrutura de sentimento é então uma
resposta a mudanças determinadas na
organização social, é a articulação do
emergente, do que escapa à força acachapante
da hegemonia, que certamente trabalha sobre
o emergente nos processos de incorporação,
através dos quais transforma muitas de suas
articulações para manter a centralidade de sua
dominação.
Na análise literal de um hino dedicado ao Glorioso São
José, encontraremos na letra apresentada, a estrutura de
sentimento presente na realidade complexa da época e
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consequentemente à sua realidade social. Por exemplo, no hino
da benção de São José:
Nós pedimos a são José a sua benção, sua
benção e proteção. É de todo coração que vos
pedimos sua benção e proteção. Para todos os
desempregados a sua benção [...]. Para todos
os doentes a sua benção [...]. Para todos os
romeiro a sua benção... (CORAÇÃO
SERENO, 2003)
Todos esses elementos fazem parte de um contexto que
culturalmente foi implantado na estrutura votiva de um povo. No
contexto em que foi escrito percebe-se a posição do compositor
em relação à realidade sociocultural (desemprego, doenças,
Romarias votivas, etc.) e ao mesmo tempo o sentimento religioso
(vos pedimos sua benção e proteção). Neste sentido, Williams
(1979) apresenta que a linguagem não tem neutralidade, por isso,
produz na vida social, cultural e religiosa, sentidos e valores que
legitimam a sua ideologia.
A partir dessa visão sociocultural que o hino nos fornece,
a devoção ajuda a formalizar com papel ativo os processos sociais
de incorporação de novos valores e de percepções uma nova
estrutura de sentimento “como experiências sociais em solução,
distintas de outras formações semânticas sociais que foram
precipitadas, [...] evidente e imediata” (WILLIAMS, 1979, p.
136).
Nos estudos culturais, podemos afirmar com Raymond
Williams que a prática humana não pode ser esgotada pela
cultura. Williams (2011) especifica que nas culturas dominantes,
há a distinção entre formas residuais (experiências, significados e
valores que não podem ser verificados, são resíduos de formações
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sociais anteriores) e formas emergentes (novos valores e
experiências estão sendo criados).
Contudo, em cada festejo são acrescidos ao hino de São
José, novos pedidos. Isso significa que as formas emergentes da
cultura votiva são renovadas e, portanto, colabora para o
nascimento de uma nova estrutura de sentimento, que se abstendo
de uma ideologia não se limita ao passado estático, mas sempre
se atualiza a partir de novas convicções que nascem como fruto
de uma experiência histórica e não ideológica. Para Williams
(1979) a consciência desses fenômenos sociais não é perceptível
em sua construção, portanto só será perceptível com a passagem
do tempo.
Diante dos estudos realizados para elaboração deste
trabalho cientifico, é cabível destacar, nesta conclusão, a
importância da estrutura de sentimento elaborada por Raymond
Williams aos Estudos Culturais, pois na própria manifestação
cultural, no caso a devoção popular que abordamos neste artigo,
há uma estrutura de sentimento que expressa uma experiência
vivida em uma época que, por sua vez, tem na atualidade o seu
reflexo na vida sociocultural de um povo.
Considerações Finais
Na reflexão de Williams, como vimos no decorrer desta
pesquisa, a arte e a literatura expressam muito bem a estrutura de
sentimento da vida sociocultural de um determinado período da
história, que não deve ser interpretado como um sentimento
ideológico, como alguns críticos literários tendem a interpretar.
Em suma de entendimento, estudar a estrutura de
sentimento com abordagem ao sagrado, é abrir uma porta à
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estrutura transcendental que, historicamente, sustenta uma relação
sempre atuante entre o fiel crente e o sagrado.
Seguindo essa linha de pensamento, é conclusivo dizer
que na vida cultural e religiosa do festejo do Glorioso São José de
Ribamar, foi identificado à estrutura de sentimento que move a
estrutura votiva dos fieis devotos, que desde os hinos, pagamento
de promessas ao corpus litúrgico que leva o fiel a viver e a sentir
o sentimento de uma época como expressividade sociocultural de
um presente atuante, as estruturas presentes nessas manifestações
em confronto com as estruturas ideológicas, geram ou atualizam
novas estruturas que fazem o “passado” se tornar sempre
“presente”, enquanto elemento critico da consciência histórica.
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