Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 O SENTIDO FENOMENOLÓGICO DE FORMALIZAÇÃO E INDÍCIO FORMAL SEGUNDO MARTIN HEIDEGGER Emílio José dos Santos Netto Faculdade de Filosofia CCHSA [email protected] Prof. Dr. Renato Kirchner Ética, Epistemologia e Religião CCHSA – Faculdade de Filosofia [email protected] Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar um panorama histórico da vida do filósofo alemão Martin Heidegger, procurando estabelecer uma relação entre vida e obra, bem como esclarecer a noção dos conceitos de experiência fática da vida, formalização e indício formal, apresentados em sua obra Fenomenologia da vida religiosa. Também é pretensão deste artigo demonstrar a preocupação do filósofo com a historicidade do ser-aí (Dasein), afirmando ser esta preocupação fundamental para a constituição do pensamento de Heidegger. sugerira aos pais de Heidegger que este fosse para o seminário católico de Constança assim que ele terminasse o primário – pois era de costume que a igreja incentivasse jovens talentos para os estudos, sobretudo para a formação de novos padres – iniciando-se assim o período em que Heidegger torna-se dependente das instituições católicas. Segundo um de seus biógrafos, “a vida de Heidegger não era abundante, mas também não era pobre [...] mas não bastava para mandar as crianças para a escola mais adiantada que era cara [...] Brandhuber e Gröber tinham conseguido para Martin uma bolsa de uma fundação local. Os pais ficaram orgulhosos porque a igreja tomava seu filho sob sua tutela. Mas, para Martin, começava um período de dependência financeira da igreja (SAFRANSKI, 2000, p. 35-36). Na década de 1910, o pensamento heideggeriano sofreu fortes influências do catolicismo, principalmente pelo fato de após Heidegger abandonar seus estudos para a formação sacerdotal, no verão de 1911, pedindo auxílio financeiro a instituições católicas, para que estas financiarem seus estudos. Embora a tendência das primeiras investigações filosóficas heideggerianas se inclinarem para o campo da lógica, elas teriam que esperar por um tempo, pois Heidegger, tendo de cumprir uma exigência da instituição que lhe fornecera a bolsa de estudos vê-se “obrigado” a focar seus estudos para uma linha cristã neotomista, realizando seu trabalho para o concurso pela cátedra de filosofia católica – até então ocupada provisoriamente pelo seu amigo Krebs – sobre o tema: A doutrina de Duns Scotus das categorias e dos sentidos, trabalhando acerca da natureza dos números, foi a partir de Duns Scotus que Heidegger – quando estava formulando seu último capítulo – teve contato com o pensamento de Hegel, descobrindo o Espírito Histórico hegeliano. No capítulo final de seu trabalho sobre Duns Scotus, Heidegger descobrirá o espírito histórico da vida. Em outras palavras: ele descobre Hegel, a quem atribui ter desenvolvido o poderoso sistema de uma con- Palavras-chave: Experiência fática da vida, Historicidade, Indício formal, Formalização, Heidegger. Área do Conhecimento: Fenômeno Religioso: Dimensões Epistemológicas – Ética, Epistemologia e Religião – FAPIC/Reitoria. 1. INTRODUÇÃO Martin Heidegger nasceu no dia 26 de setembro de 1889, na pequena cidade alemã de Messkirch, oriundo de uma família tradicionalmente católica. Quando criança, o pequeno Martin, juntamente com seu irmão mais novo, Fritz Heidegger, auxiliavam como coroinhas na mesma igreja na qual seu pai era sacristão. “Os pais eram crentes, mas sem fanatismo nem confessionalismo rígido... A vida católica estava de tal maneira inserida em sua carne e em seu sangue que nem precisavam defender sua fé ou impô-la diante dos outros” (SAFRANSKI, 2000). Nota-se que essa áurea religiosa em que vivia o jovem Heidegger o seguirá por muito tempo, até finalmente se desvincular da instituição. Isso, contudo, será abordado mais adiante. Desde jovem, Heidegger demonstrava seus talentos aos estudos, porém, como provinha de uma família de origem simples, não tinha condições de bancar seus estudos em um colégio mais avançado. Camilo Brandhuber – então pároco da cidade –, vendo a potencialidade do jovem garoto para os estudos, Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 cepção de mundo histórico, na qual ficam revogados todos os anteriores problemas filosóficos fundamentais (SAFRANSKI, 2000, p. 96). No final da década de 1910 e no início da década de 1920, Heidegger finalmente romperá seus vínculos com o catolicismo, porém, afirma que, apesar de ter rompido com o sistema católico, não romperá com a cristandade e nem com a metafísica, sendo chamado pelo seu mestre Edmund Husserl de “cristão-livre”. Podemos então afirmar que: enquanto na década de 1910 o pensamento heideggeriano é marcado pela influência que este sofreu do catolicismo, na década de 1920 o pensamento heideggeriano ficará marcado pela ruptura com o sistema católico e pelos suas 1 consequências . Porém, a década de 1920 não é marcada apenas pela ruptura com o catolicismo, mas também marca o período mais produtivo de Heidegger. Neste período são realizadas as primeiras conferências sobre fenomenologia da religião analisando alguns filósofos cristãos, a saber: São Paulo, Agostinho, Lutero e Mestre Eckhart. Neste período, Heidegger passa a analisar a vida fática (“realidade real”). Esse conceito aparece inicialmente nas conferências do inverno de 1921/22, tendo por objetivo demonstrar a autotransparência da vida. Heidegger analisará também, em suas conferências acerca da fenomenologia da religião, a questão da temporalidade de Deus querendo mostrar que a vida fática se distancia de Deus – no sentido em que se toma a questão temporal de Deus como momento imprevisível da graça. Vale salientar que, nesse período, em que Heidegger analisa a experiência fática da vida e a questão temporal de Deus, ele é influenciado fortemente pelo pensamento teológico de Karl Barth, denominado então de teologia da crise. Quem quer que se lembre na tradição cristãocidental do abismo entre Deus e o homem e o momento imprevisível da graça – portanto, do mistério do tempo – é agora convocado por Heidegger, como cúmplice do seu próprio empreendimento, de provar que a vida fática é separada de Deus e que as construções metafísicas são quimeras (SAFRANSKI, 2000, p. 146). 1 Deve-se tomar certo cuidado aqui, pois não afirmamos existirem dois Heidegger – “um católico e outro não católico” ou dois pensamentos heideggerianos; o que se afirma é que podemos notar que há uma mudança na influência do pensamento de Heidegger na década de 1920. Em meio à crise em que não só o pensamento filosófico alemão se encontrava, mas a Alemanha como enquanto um todo, Heidegger lança a sua maior obra: Ser e tempo. Trataremos aqui especificamente o § 40 desta obra, pois nele Heidegger aborda a questão da angústia. Logo, quando pensamos no conceito de angústia dentro do pensamento heideggeriano, somos levados a pensar na questão do nada dentro da metafísica heideggeriana. Ressaltemos aqui que, ainda em 1912, embora previamente e ainda não muito bem elaborada, a questão do nada se origina logicamente como negação do ato do juízo, embora em Ser e tempo o conceito de angústia se relacione com a questão do nada, uma vez que a angústia, segundo Heidegger, é o medo desse nada (a morte), porém, deve-se ter claro de que a angústia não é igual ao temor. “Este se dirige a algo determinado, é pequeno. Mas a angústia é indeterminada e tão ilimitada quanto o mundo”. Na angústia, o Dasein pergunta pelo sentido do seu ser, ela revela a essência do Dasein: “Ser-livre para a liberdade do escolher-a-si-mesmo e do aprender-a-si-mesmo”, pensa Heidegger. 2. A EXPERIÊNCIA FÁTICA DA VIDA E A CONFRONTAÇÃO COM O HISTÓRICO Durante as nossas investigações filosóficas acerca da experiência fática da vida constatamos a evidente preocupação de Heidegger com o histórico e seu desdobramento com o ser-aí (Dasein), propondo-nos uma historicidade do ser-aí que aponte para a experiência fática da vida como via para a compreensão do histórico. Contudo, primeiramente, é necessário compreendermos como Heidegger entenderá o conceito de histórico e o que ele quer dizer ao propornos uma historicidade do ser-aí. Para Heidegger, os conceitos de história e de historiografia distinguem-se desde suas constituições etimológicas, pois o primeiro provém da tradição germânica do verbo geschehen, compreendido como uma série de ações humanas ocorridas em um determinado tempo e espaço, o segundo provém da tradição grega trazida a nós pelos latinos como ciência da história, ou seja, ciência dos fatos históricos. Partindo desta breve distinção entre história e historiografia, percebemos que a historicidade pertencerá à primeira compreensão, por se tratar de uma variação do verbo geschehen. Todavia, a compreensão de historicidade não se encontra meramente no âmbito etimológico. Devemos pensar por que Heidegger propõe uma historicidade do ser-aí e não uma histo- Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 riografia. A este questionamento Heidegger nos responderá em Ser e tempo, onde o filósofo escreve: “A análise da historicidade do ser-aí busca mostrar que esse ente não é ‘temporal’ porque ‘se encontra na história’ mas, ao contrário, que ele só existe e só pode existir historicamente porque, no fundo de seu ser, é temporal” (HEIDEGGER, 2006). Ora, percebe-se então que, para Heidegger, o ser-aí é, “por natureza”, histórico, em outras palavras, o histórico constitui o primado ontológico do ser-aí, Por isso, devemos alvitrar uma historicidade e não uma historiografia, uma vez que se trata de um ente que acontece em sua temporalidade e não em sua factualidade histórica. Assim, a preocupação de Heidegger com a questão do tempo e, por conseguinte, com a historicidade do ser-aí está presente já aula de habilitação dada em 1915: O conceito de tempo na ciência histórica, onde o filósofo nos apresenta o problema enfrentado, tanto pela filosofia como pelas ciências históricas ao trabalharem com o conceito de tempo, relacionando-as à uma fenomenologia do ser-aí. Entretanto, sabe-se hoje – por meio da publicação das preleções dadas pelo filósofo entre os anos de 1915 e 1927 – que esta questão sempre esteve presente em suas investigações filosóficas, como é o caso da conferência dada em 1924: O conceito de tempo. Contudo, será em Ser e tempo onde Heidegger se incumbirá de esquematizar e estruturar a questão da historicidade do ser-aí através de sua analítica existencial. Ao analisarmos a historicidade do ser-aí, então, devemos levar em conta como se dá a compreensão histórica do ser-aí, em outras palavras, como o ser-aí irá compreender-se historicamente, uma vez que ele é um ser histórico. Esta compreensão se dá a partir da dimensão entre seu passado, presente e futuro. Todavia, não é uma mera compreensão destas três dimensões, mas sim uma compreensão própria de seu ser, pois o ser-aí se compreende na medida em que percebe que ele é o seu passado – em seu modo de ser – acontece em seu futuro – uma vez que ele é lançado para o futuro – e compreende a si mesmo em seu presente – pela tradição – como Heidegger escreve em Ser e tempo: “Explicitamente ou não, o ser-aí é o seu passado e não apenas no sentido do passado que sempre arrasta ‘atrás’ de si e, desse modo, possui, como propriedades simplesmente dadas, as experiências passadas que, às vezes, agem e influem sobre o ser-aí. Não. O ser-aí ‘é’ o seu passado no modo de seu ser, o que significa, a grosso modo, que ele sempre ‘acontece’ a par- tir do seu futuro. Em cada um de seus modos de ser e, por conseguinte, também em sua compreensão de ser, o ser-aí sempre já nasceu e cresceu dentro de uma interpretação de si mesmo, herdada pela tradição. De certo modo e em certa medida, o ser-aí se compreende a si mesmo como de imediato a partir da tradição, e isso diz sempre o passado de sua ‘geração’, não segue mas precede o ser-aí, antecipando-lhe os passos” (HEIDEGGER, 2006 p. 58). Temos aqui a estruturação da temporalidade originária do ser-aí e que nos é esclarecedor, propiciandonos a compreensão de como o ser-aí experimenta a passagem do tempo em sua vida. No terceiro capítulo de Fenomenologia da vida religiosa Heidegger trará à luz de nossa discussão a questão do histórico como fenômeno central para as religiões, apresentando-nos a experiência fática da vida como um confronto com o histórico, dirigindo sua investigação pela via da vida, ou seja, do “pensamento histórico como o encontro da vida” (HEIDEGGER, 2010, p. 33), afastando-se da via da filosofia da história ou das ciências históricas, direcionando sua investigação para a experiência fática da vida, uma vez que ela possui – como mencionado acima – o caráter de experimentar o histórico enquanto objeto sujeito a mudança temporal. Para isso, Heidegger apresentará três vias onde a vida fática lutará contra o histórico, são elas: a) a via platônica; b) a via da entrega radical e c) a via do compromisso entre a) e b). Na primeira via, Heidegger nos apresenta a vida que se defronta com duas realidades, a espiritual e a histórica, a qual desconsidera a realidade histórica como sendo sua realidade fundamental, voltando-se para a sua realidade espiritual. Sendo esta relação compreendida a partir do mundo das ideias platônicas, Heidegger afirma também que esta via é a mais aceita, visto que perdurou por todo o pensamento grego. Logo percebe-se o caráter acético que a via platônica nos mostra, buscando a valorização da vida pela espiritualidade e confrontando-se com a matéria e, por sua vez, com o histórico, uma vez que este é oriundo da ordem do mundo sensível. Em seu aspecto religioso, vemos que a via platônica foi englobada pelo pensamento cristão – em sua maioria – sobretudo na constituição da ética e moral cristãs, possuindo como principais representantes deste posicionamento o apóstolo Paulo e Santo Agostinho. Sendo assim, para Heidegger, ainda perduram o confronto entre o mundo sensível e as ideias, pois o histórico é visto como fenômeno secundário. Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 Assim, continua a perdurar a dificuldade da conexão entre as ideias e o mundo sensível. De fato, a filosofia nunca se preocupou adequadamente com tal conexão. Aqui no platonismo moderno, há um grande espaço livre de possibilidade, pensa Heidegger. “Diversas são as teorias entre ambos os mundos e não há motivo para nos interessarmos por isso aqui. Em todo o caso, o histórico tornou-se secundário” (HEIDEGGER, 2010 p. 39). Servindo de contraponto para a nossa discussão, Heidegger nos apresentará a via da entrega radical, onde a história passa a ser vista como “um produto da livre subjetividade formadora”; ora, percebe-se então que a via da entrega radical se fundamentará – diferentemente da via platônica – na teoria do conhecimento e terá como seus principais defensores Simmel e Spengler. Simmel propõem uma investigação acerca da história através do método psicológico, procurando estabelecer o momento em que a noção do pensar – enquanto pensar histórico – surge. A partir deste questionamento, Simmel chegará à resposta de que é através do homem livre, pois será ele o responsável de interpretar o presente, enquanto realidade histórica, uma vez que ele terá em suas mãos a própria história, como relata Heidegger: “Simmel pergunta a partir de uma posição psicológicocognoscitiva. Este se propõe a tarefa de investigar o processo de formação em que a história surge. Daí resulta que o homem que é conhecido seja o produto da natureza e da história, enquanto que o homem que conhece faz a natureza, a história. A personalidade humana livre possui a história em suas mãos” (HEIDEGGER, 2010 p. 39). Vemos que, para Simmel, o histórico não é significado pelos resultados dos acontecimentos históricos – a soma entre os processos e seus efeitos – mas ele ganha significado a partir do momento quando nos vemos afetados pela matéria experimentada imediatamente, causando-nos um interesse pelo histórico e este, por sua vez, se desdobra em dois aspectos constituindo juntos o interesse histórico. O primeiro é o interesse pelo conteúdo, não importando para este a validação de seu conteúdo histórico, porém, tal interesse não nos é suficiente para suprir a nossa inquietação histórica, surgindo assim o segundo aspecto do nosso interesse histórico, que é pela realidade do conteúdo em si mesmo. Vale ressaltar que a história, segundo Simmel, é marcada pelo julgo livre da subjetividade, definindo-se pela análise teorético-gnosiológica. Spengler, embora parta de uma fundamentação gnosiológica, defenderá a análise histórica pelo método das ciências históricas em uma tentativa asseguradora. Contudo, para Heidegger, tal asseguramento foi mal aceito pelas ciências históricas. Spengler buscará afirmar e elevar as ciências históricas, fugindo da subjetividade histórica proposta por Simmel e de seu extremo absolutismo histórico, afirmando que as ciências históricas devem se desvincular do condicionamento histórico que o presente impõe, propondo, assim, como Kant fez com a filosofia, uma revolução copernicana com as ciências históricas, onde o presente constituirá parte do processo histórico. Justamente naquilo que sublinhou Simmel, que a história segue conformando-se desde um determinado ponto de vista, adverte Spengler a carência da ciência da história. Diz-se que a ciência história deve tornar-se independente do condicionamento histórico do presente. “Que não se absolutize o presente que conhece a história e a leva em diante, mas que se coloque o presente em meio ao processo objetivo do acontecer histórico”, pensa o filósofo alemão (HEIDEGGER, 2010 p. 39). Constatamos até o presente momento que, enquanto a via platônica pretende uma relativização do fenômeno histórico, subordinando o histórico (temporal) perante as ideias (supratemporal), a via da entrega radical pretende absolutizar o fenômeno histórico pelo asseguramento do presente (realidade) não incutindo nela nenhuma realidade supratemporal. Assim, na segunda via a história é vista como “expressão de uma alma (‘a alma da cultura’)” (HEIDEGGER. 2010, p. 42), criando uma dicotomia entre o posicionamento das duas vias. Diante disso, Heidegger nos apresenta a terceira via, que é a do compromisso entre ambas as posições, tomando como tarefa a união entre os dois posicionamentos – aparentemente controversos – através do método dialético, resultando em um processo histórico onde a vida procura projetar-se para um futuro, delimitando seu presente ante a face universal de seu passado, como Heidegger nos mostra ao afirmar: “Na terceira via, o que importar é delimitar o presente em seu tipo frente ao passado, a fim de determinar o futuro com a ajuda de uma orientação históricouniversal” (HEIDEGGER, 2010 p. 42). Temos, com isso, que a terceira via será a que mais se aproximará da compreensão histórica do ser-aí. Contudo, reside um problema ao colocarmos esta via e as demais vias perante a compreensão histórica do Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 ser-aí. Isso se dá porque tanto na terceira via como nas demais vias o ser-aí aparece como objeto dos processos históricos em seu caráter assegurador, encobrindo o ser-aí em sua compreensão histórica. Nesta direção Heidegger afirmará que as três vias possuem uma relação de ordem para com o ser-aí, por isso que ele é colocado em um contexto objetivo por elas. Aqui a experiência fática da vida não é mais assumida como o experimentar-se temporalmente e historicamente do ser-aí, mas é vista como um asseguramento perante o histórico, seja na primeira via, onde a vida luta contra a história, seja na segunda via, com a história e a partir da história (HEIDEGGER, 2010, p. 47). Por fim, observamos que Heidegger ao propor uma historicidade do ser-aí quer reinseri-lo nos debates filosóficos, pois quando ele constrói uma crítica à tradição filosófica – sobretudo à tradição metafísica – 2 afirmando que ela esqueceu-se do ser , ele está de fato colocando em questão o fato de a tradição ter colocado em debate o ser como um mero objeto de análise, esquecendo-se de que este ser é histórico em sua constituição. Uma vez que se toma o ser em seu aspecto objetivo, encobre-se aquilo que e como de fato ele é e, por conseguinte, qualquer definição deste ser torna-se uma mera generalização. Por isso Heidegger afirmará que a tradição realizou apenas uma historiografia do ser-aí, uma vez que ela ignorou o fato de que ele é, “por natureza”, um ser histórico e que esta dimensão aparece somente na experiência fática da vida, enquanto experiência do histórico, incumbindo à fenomenologia a tarefa de trazer à tona e tematizar a questão da faticidade do ser-aí, ou seja, de tirá-lo de seus encobrimentos. 3. OS INDÍCIOS FORMAIS E O MÉTODO FENOMENOLÓGICO Uma vez que Heidegger estabelece como tarefa da fenomenologia levantar a questão do ser-aí sem encobrimentos, deve-se analisar em que consiste seu método fenomenológico. Para isso, Heidegger usará o princípio de indicação formal. Primeiramente devemos considerar o que Heidegger entende por fenomenologia. Em Ser e tempo, no § 7, Heidegger nos apresenta a fenomenologia como sinônima de ontologia. Porém, esta explicação se realiza na linha etimológica entre a diferenciação de φαινόµενον e de λόγος. Contudo, ao lermos Fenomenologia da vida 2 Neste caso deve-se tomar o ser, quando mencionado, como o ser-aí (Da-sein). religiosa, vemos que Heidegger explicará em que consiste seu método fenomenológico, ao definir fenomenologia como a explicação da totalidade entre conteúdo, referência e realização do fenômeno, sendo este considerado como o modo de experimentar enquanto experimentado (HEIDEGGER, 2010, p. 58). Em relação ao princípio de indicação formal, Heidegger mostra, em caráter primário, a indicação formal como sendo aquilo que dá sentido à coisa, mas não insere nela uma opinião. Contudo, o indício formal não se reduz a isso. Para compreendermos a sua formação, precisamos percorrer dois caminhos que o próprio Heidegger nos aponta, a saber: a generalização e a formalização e, uma vez compreendido estes conceitos, passa-se a compreender a constituição do indício formal. Heidegger entende generalização e formalização como modos de ordenamento dos objetos partindo de uma classificação e agrupamento desses objetos. No entanto, a generalização está vinculada a uma temática enquanto a formalização é livre de qualquer temática encontrando-se motivada. Nesse sentido, a generalização se limitará ao conteúdo dos objetos, como afirma Heidegger: “A generalização pode ser designada como modo de ordenar. Produz-se uma inserção de determinadas concreções individuais num complexo temático global. Este tem a possibilidade de ser inserido complexo mais geral e abrangente. Por isso a generalização é realizada sempre numa esfera temática. [...] Generalizar é, portanto, ordenar, determinar a partir de algo distinto, de modo que este outro enquanto o envolve [Umgreifends] pertença à mesma região temática. Generalizar é, portanto, inserir algo num complexo temático de algo diverso” (HEIDEGGER, 2010, p. 56-57). Assim, segundo Heidegger, generalização se limitará a determinações gradativas dos conteúdos imanentes aos objetos temáticos que se relacionam a partir da afetação mútua, onde a determinação mais geral apontará para a menor. Assim, a generalização será sempre uma determinação de uma objetualidade. Na formalização temos que ela é livre de uma temática e que se encontra motivada pela referência atitudinal, considerando a objetualidade temática como dado. Conformando-se com ela, a formalização tomará a obejtualidade como o “para-quê” da referência atitudinal teórica. Assim a formalização é compreendida como sendo a ordenação dos conteúdos para uma categoria objetual, representando a conformação de uma referência, diferenciando-se da generalização: “Por formalização, portanto, é preciso entender algo Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 distinto: a determinação de algo enquanto objetualidade, ordenação para uma categoria objetual formal a qual, por sua vez, não é originária, mas representa somente a conformação de uma referência” (HEIDEGGER, 2010, p. 57). No que se diz respeito ao indício formal, Heidegger nos adverte que ele em nada se parece com a generalização ou com a formalização. Embora possua forma em sua constituição, a presença do formal no indício formal é significado no sentido daquilo que é relativo à referência. O indício formal é compreendido como momento teórico do método fenomenológico que tem como função antecipar a referência do fenômeno – em caráter negativo –, assegurando seu caráter primário, que só possui sentido na explicação fenomenológico. Portanto, temos que indício formal pode ser entendido como parte integrante do método fenomenológico heideggeriano, tendo como intuito mostrar um caminho que devemos seguir, livrandonos das determinações oriundas dos conceitos filosóficos. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos concluir que Heidegger, em sua tentativa de alcançar uma historicidade para o ser-aí, colocará à prova seu método fenomenológico, afirmando que de modo geral o histórico foi entendido apenas como aquilo que acontece no tempo, deixando de lado a compreensão do sentido do temporal, de modo que a compreensão de histórico tende a ficar no campo da generalização. Mas quando Heidegger afirma que o sentido de tempo tem que ser compreendido a partir da experiência fática da vida, então o histórico aparece indiciado e, portanto, aparece como ponto de partida para um modo filosofar mais próprio: “O problema do tempo deve ser compreendido da maneira como experimentamos originalmente a temporalidade na experiência fática – totalmente abstraída de nossa consciência e tempo puros. [...] Nosso caminho parte da vida fática, isto é, parte da vida fática na medida em que o sentido de tempo possa ser conquistado. Com isso o problema do histórico está devidamente caracterizado e indicado” (HEIDEGGER, 2010, p. 57). Concluímos que, de maneira breve e sucinta, foram desenvolvidos, através da presente pesquisa, os conceitos de experiência fática da vida, indício formal, formalização e o conceito de histórico, sendo que inicialmente este último conceito não estava previsto no plano de trabalho de Iniciação Científica. Contudo, pelo andamento da pesquisa, viu-se a ne- cessidade de abordar este conceito, pois estava direta ou indiretamente vinculado aos demais conceitos. Observamos também que a investigação heideggeriana acerca do histórico está presente desde seus primeiros passos na filosofia, constituindo assim, a partir do método fenomenológico, a matriz de seu pensamento filosófico. Vimos, também, que no que diz repeito à historicidade do ser-aí, a experiência fática da vida aparece como o experimentar do ser a partir da tríade temporal: passado, presente e futuro. Em relação os conceitos de formalização e de indício formal, percebemos que ambos constituem o cerne do método fenomenológico heideggeriano, o qual parte do processo de indicação formal. 5. AGRADECIMENTO Primeiramente gostaria de agradecer Deus por ter me dado o dom da vida e ter concedido a honra e a graça de participar deste projeto de iniciação à pesquisa, e ao Prof. Dr. Renato Kirchner, pelo empenho e dedicação com a orientação da iniciação científica, sem a qual seria impossível o bom andamento da pesquisa. Gostaria também de agradecer aos meus colegas de pesquisa Claudiléia e Giovani, cujos debates e discussões contribuíram, de forma primordial, para o bom desenvolvimento da presente pesquisa. Finalmente, agradeço à Pontifícia Universidade Católica pelo subsídio dado à pesquisa e pelo apoio à pesquisa de Iniciação Científica propriamente dita. 6. REFERÊNCIAS MISSAGGIA, Juliana O. Indicações formais e a origem do método de Ser e Tempo. In: Intuitio, v. 3, n. 1, 2010, p. 45-55. HEBECHE, Luiz A. Heidegger e os indícios formais. In: Veritas, v. 46, n. 4, 2001, p. 571-592. HEIDEGGER, Martin. Fenomenologia da vida religiosa. Tradução Enio Paulo Giachini, Jairo Ferrandin e Renato Kirchner. Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2010. ______. Ser e tempo. Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006. PÖGGELER, Otto. A via do pensamento de Martin Heidegger. Tradução Jorge Telles de Menezes. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. SAFRANSKI, Rüdiger. Heidegger: um mestre da Alemanha entre o bem e o mal. Tradução Lya Lett Luft. São Paulo: Geração Editorial, 2000.