XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental
VII-015 - PERFIL MICROBIOLÓGICO DE BACTÉRIAS MESOFÍLICAS DO
EFLUENTE DO HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE
Maria da Graça da Silva Ortolan(1)
Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em
Microbiologia Agrícola e do Ambiente pela Faculdade de Agronomia da UFRGS. Bióloga
da Divisão de Pesquisa do Departamento Municipal de Águas e Esgotos de Porto Alegre.
Marisa Ribeiro de Itapema Cardoso
Doutora em Medicina Veterinária. Professora Titular do Departamento de Medicina Veterinária
Preventiva da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Marco Antônio Záchia Ayub
Engenheiro Químico, PUCRS. Mestre em Biotecnologia pela University of Manchester
Institute of Science and Technology (UMIST), UK. Doutor em Biotecnologia pela University of Manchester
Institute of Science and Technology (UMIST), UK. Pós-Doutorado em Gesselschaft für Biotechnologische
Forschung (GBF), Alemanha. Professor Titular do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA),
UFRGS. Diretor do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA), UFRGS.
Endereço(1): Av. Vicente Monteggia, 2000 casa 29 - Vila Nova - Porto Alegre - RS - CEP: 91740-290 - Brasil
- Tel: (51) 218-9828 / 266-7536 - e-mail: [email protected] ou [email protected]
RESUMO
Bactérias mesofílicas foram isoladas do efluente das áreas de internação e laboratório do Hospital de Clínicas
de Porto Alegre (HCPA). A identificação destes microrganismos foi feita através do sistema Vitek de
identificação, acrescido de outras provas bioquímicas, quando necessário. Os resultados demonstraram que
há uma grande variação na composição microbiológica do efluente destas duas áreas. Muitos dos
microrganismos identificados são importantes sob o ponto de vista da saúde pública, pois são responsáveis
por muitas infecções, tanto comunitárias como hospitalares. Desta forma, os efluentes hospitalares podem ser
considerados como fonte relevante de riscos potenciais às comunidades aquáticas e à saúde humana.
PALAVRAS-CHAVE: Bactérias
Microrganismos, Hospital.
Mesofílicas,
Efluente
Hospitalar,
Avaliação
Microbiológica,
INTRODUÇÃO
Os trabalhos de avaliação de efluentes estão relacionados prioritariamente aos efluentes de origem doméstica
e industrial, evidenciando que a preocupação com os efluentes gerados pelos serviços de saúde e, em
particular, os dos hospitais é tema de pouca investigação até o presente momento, haja visto a escassa
bibliografia que aborda o assunto.
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) é um complexo odonto-médico-hospitalar com 725 leitos e um total
de 27.364 procedimentos cirúrgicos realizados no ano de 1998 (HCPA, 1998). Além dos 3.763 profissionais da
instituição, cerca de 16.000 pessoas/dia circulam pelas suas dependências, contribuindo, assim, na geração de
aproximadamente 27.000 m3 de esgoto/mês (La Rosa, 1999). Estes efluentes são lançados in natura no Arroio
Dilúvio que deságua no Lago Guaíba, principal fonte de abastecimento de água potável para a cidade de POA.
A grande diversidade de atividades de um hospital do porte do HCPA deve gerar um efluente bastante
complexo, cuja combinação de substâncias e de microrganismos possui um efeito praticamente desconhecido
ao meio ambiente, mas de grande interesse para estudos de saúde pública.
Machado-Homem (1986) levanta a questão de que os efluentes hospitalares seriam possíveis disseminadores
de microrganismos patogênicos, além de veicularem grandes concentrações de antibióticos e outros
medicamentos via excreta de pacientes. Sanches (1988) aponta também para o problema da eliminação de
linhagens antibiótico-resistentes e para a provável pressão seletiva exercida pelos antimicrobianos nos
esgotos hospitalares, propiciando, assim, a disseminação de linhagens multirresistentes.
ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
1
XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental
Formaggia (1994) afirma que os efluentes hospitalares, quando não tratados, possibilitam a contaminação de
mananciais de água potável, sejam superficiais ou subterrâneos. Dremont e Hadjali (1997), em seu trabalho,
reafirmam essas, acrescentando que a presença destas linhagens multirresistentes pode representar um grande risco
à saúde pública se atingirem o sistema de abastecimento. Isto já fora descrito por Armstrong et al. (1981), quando
manifestaram a preocupação com a capacidade destes microrganismos, em algumas situações, de atravessar o
sistema de tratamento de esgotos, podendo atingir mananciais utilizados para lazer ou para abastecimento público.
Recentemente, Leprat (1999), na avaliação de efluentes do Complexo Universitário Hospitalar de Limoges,
observou que, embora a contagem total de microrganismos deste efluente seja menor do que a observada em
esgotos domésticos, estes são, em geral, multirresistentes. Estas observações têm uma importância
epidemiológica relevante e destacam o papel da água, em especial das residuárias, na circulação de
microrganismos resistentes a antibióticos no meio ambiente.
O presente trabalho teve como objetivos a caracterização microbiológica do efluente do Hospital de Clínicas
de Porto Alegre através do isolamento e identificação das bactérias mesofílicas presentes neste efluente, além
de determinar as possíveis implicações ambientais da liberação destes microrganismos no ambiente aquático.
MATERIAIS E MÉTODOS
Avaliou-se amostras do efluente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, localizado na cidade de Porto
Alegre. Os efluentes deste Hospital não sofrem nenhum processo de tratamento.
A amostragem, utilizada como coleta piloto de um experimento para avaliação de padrão de resistência a
antibióticos, destinou-se a fornecer o perfil das bactérias mesofílicas de fácil crescimento isoladas de amostra
composta de efluentes hospitalares. Os locais selecionados para coleta são representativos dos efluentes
gerados nas áreas de pesquisa e processamento de exames laboratoriais e nas de internação.
A amostragem do efluente foi realizada em 24/11/97 diretamente das caixas de inspeção de esgoto do HCPA.
As amostras coletadas pela manhã foram preservadas sob refrigeração (4 a 10C°) e, ao final do dia, reunidas
em iguais proporções com as coletas da tarde, de forma a representarem uma amostra composta das áreas de
internação e outra do laboratório.
Para o isolamento e contagem de microrganismos do efluente, foram feitas diluições seriadas das amostras
até 10-6. Alíquotas de 100µl de cada diluição foram plaqueadas pelo método de semeadura em superfície em
meio rico (BHI, pH 7,2).
As placas foram incubadas a 37ºC por 24 horas. Após contagem das colônias, foi selecionada uma placa
representativa das áreas de internação e outra dos laboratórios que apresentavam valores entre 25 e 250
colônias bem distribuídas. Desta, foram retiradas todas as colônias para identificação.
Os microrganismos isolados foram identificados através de sistema automatizado de identificação de
microrganismos Vitek (bioMérieux Vitek, Inc., modelo NC II, Missouri, USA, 1992).
RESULTADOS
As médias aritméticas das contagens de unidades formadoras de colônias por ml (UFC/ml) das duplicatas e
triplicatas, em meio rico (BHI), das amostras compostas do efluente das áreas de Internação e Laboratório do
HCPA foram, respectivamente, de 1,23x106 e 4,7x104.
Na Tabela 1 estão relacionados os microrganismos identificados pelo sistema Vitek-Biomeriéux de
identificação de bactérias. A comparação entre os pontos de internação e laboratório mostram uma grande
variação na composição microbiológica entre estes dois efluentes.
Dos 204 microrganismos inicialmente isolados, 9,3% foi perdido durante os processos de cultivo (8,7% para
isolados de efluentes de internação e 10,9% para os de laboratório). Estes, provavelmente, não foram viáveis
devido à inadequação das condições de cultivo fornecidas.
ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
2
XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental
Tabela 1. Microrganismos identificados na coleta-piloto do efluente das áreas de internação
(Int.) e laboratório (Lab.) do HCPA.
Microrganismo
E. coli
Enterobacter cloacae
Klebsiella pneumoniae
Enterococcus faecalis
Acinetobacter lwoffii
Bacilo Gram negativo não fermentador
Proteus mirabilis
Staphylococcus auricularis
Acinetobacter calcoaceticus
Stenotrophomonas maltophilia
Candida pseudotropicalis
Enterococcus durans
Enterococcus faecium
Flavobacterium meningosepticum
Flavobacterium spp
Leclercia adecarboxylata
Pasteurella multocida
Flavobacterium indologenes
Pasteurela haemolytica
Pseudomonas mendocina
Serratia marcescens
Staphylococcus epidermidis
Staphylococcus saprophyticus
Staphylococcus sciuri
Staphylococcus warneri
Alcaligenes spp
Alcaligenes spp (faecalis)
Comamonas acidovorans
Klebsiella ozaenae
Morganella morganii
Staphylococcus capitis
Streptococcus salivarius
Não Identificado
Perdido
Total
freq.
18
15
12
11
8
7
7
6
4
3
2
2
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
0
0
0
0
0
0
0
23
13
149
Int.
(%)
(12,1)
(10,1)
(8,1)
(7,4)
(5,4)
(4,7)
(4,7)
(4,0)
(2,7)
(2,0)
(1,3)
(1,3)
(1,3)
(1,3)
(1,3)
(1,3)
(1,3)
(0,7)
(0,7)
(0,7)
(0,7)
(0,7)
(0,7)
(0,7)
(0,7)
(0,0)
(0,0)
(0,0)
(0,0)
(0,0)
(0,0)
(0,0)
(15,4)
(8,7)
(100)
freq.
4
2
3
1
3
1
0
0
0
3
0
1
2
1
0
0
1
0
0
2
0
0
0
2
0
9
1
1
1
1
1
1
8
6
55
Lab.
(%)
(7,3)
(3,6)
(5,5)
(1,8)
(5,5)
(1,8)
(0,0)
(0,0)
(0,0)
(5,5)
(0,0)
(1,8)
(3,6)
(1,8)
(0,0)
(0,0)
(1,8)
(0,0)
(0,0)
(3,6)
(0,0)
(0,0)
(0,0)
(3,6)
(0,0)
(16,4)
(1,8)
(1,8)
(1,8)
(1,8)
(1,8)
(1,8)
(14,5)
(10,9)
(100)
Devido à dificuldade encontrada na identificação de muitos isolados pelo Sistema Vitek de identificação,
15,2% de um total de 204 microrganismos foram agrupados como “sem identificação” (15,4% para isolados
de efluentes de internação e 14,5% para os de laboratório). O banco de dados deste sistema está habilitado a
identificar um grande número de bactérias, baseando-se em combinações de testes bioquímicos. No entanto,
os microrganismos encontrados no ambiente, especialmente aqueles provenientes de locais poluídos, podem
ter comportamentos bastante diversos dos já conhecidos e classificados. Em função disto, este grupo não
identificado, na maioria Gram positivos, foi novamente repicado para excluir a hipótese de contaminação.
Mesmo assim, vários não foram identificados por este método, indicando que estas bactérias, provavelmente,
não pertencem ao grupo das catalogadas pelo sistema.
Em geral, as maiores contagens de microrganismos da família Enterobacteriaceae (35,6%) foram observadas
nas áreas de internação. A maior freqüência destes microrganismos deve-se, provavelmente, ao fato de que
nestas áreas situa-se a maioria dos sanitários do HCPA.
Para a área de laboratório, as Enterobacteriaceae possuem um percentual igual ao apresentado por
ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
3
XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental
Alcaligenes spp (16,4%), sendo o microrganismo mais freqüente no efluente provindo desta área.
Em uma análise global destes resultados, é possível observar que os microrganismos identificados são de
importância do ponto de vista da saúde pública, pois são responsáveis por muitas infecções, tanto
comunitárias como hospitalares. Embora não tenha sido feito antibiograma nestes isolados, vários destes são
freqüentemente apresentados como portadores de resistências múltiplas a antibióticos e envolvidos em
infecções nosocomiais (Barros et al., 1996; Wenzel, 1997). Em trabalho posterior serão analisados os perfis
de resistência a antibióticos de bactérias causadoras de infecções hospitalares presentes neste tipo de
efluentes.
CONCLUSÕES
Os resultados destas investigações oferecem uma visão inicial do grau de contaminação de águas residuárias
de hospitais, agregando informações importantes à escassa literatura desta área.
Baseando-se nos resultados obtidos no presente trabalho e nas informações colhidas a partir do levantamento
bibliográfico realizado, pode-se afirmar que os efluentes hospitalares devem desempenhar um papel de
grande relevância na disseminação, no meio aquático, de linhagens bacterianas associadas a infecções
hospitalares com múltiplas resistências a antibióticos. Assim, apresentam um risco potencial à saúde pública
através da circulação destes agentes biológicos entre o meio ambiente, os animais e o homem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
ARMSTRONG, J.; SHIGENO, D. S.; CALOMIRIS, J. J. et al. Antibiotic-resistant bacteria in
drinking water. Applied and Environmental Microbiology, Washington, v. 42, n. 2, p. 277-283, 1981.
BARROS, E.,BITTENCOURT, H.; CARAMORI, M. L. et. al. Antimicrobianos. 2.ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996, 250p.
DREMONT, C. ; HADJALI, J. La gestion des effluents liquides en Milieu Hospitalier. Projet DESS
“TBH”, UTC, 1997, p. 30. Disponível on-line em http//www.utc.fr/~farges/DESS , TBH/9697/Projects/EL/EL.htm. acessado fev/99.
FORMAGGIA, D.M.E. Resíduos de serviço de saúde. In: GERENCIAMENTO de resíduos de serviços
de saúde. Material fornecido em curso ministrado pela CETESB em maio de 1994, São Paulo, SP. p. 1-9.
Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Relatório anual 1998. Porto Alegre : HCPA, Assessoria de
Comunicação Pessoal, 1998. 73p.
A ROSA, A. M. F. Porto Alegre, Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Mar/99. Comunicação pessoal.
LEPRAT, E. Les effluents liquides hospitaliers: vers une meilleure maitrise. 3ème Journée du réseau
régional d'hygiène de Basse-Normandie. Résumés des intervention, 1999, p. 2. Disponível on-line em
http//www.pharmacie.unicaen.fr/rrh /resj3/Res2.htm. acessado fev/99.
MACHADO-HOMEM, J.C.M. Les Effluents Hospitaliers. Paris : Universitè Louis Pasteur. Institut
Mécanique des Fluides, 1986.
SANCHES, P.S. Sorotipos de Salmonella em águas de esgoto e perfil de resistência
antimicrobianos. São Paulo : USP, 1988. 140 f. Dissertação (Doutorado) - Instituto de Ciências
Biomédicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988.
WENZEL, R.P. Prevention and control of nosocomial infections. 3.ed. Baltimore: Williams &
Williams , p. 54-76, 1997.
ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
4
Download

vii-015 - perfil microbiológico de bactérias mesofílicas do