Fascículo Semanal nº 47
FECHAMENTO: 22/11/2013
Ano XLVII
EXPEDIÇÃO: 24/11/2013
2013
PÁGINAS: 436/423
Sumário
DOUTRINA
– A sociologia atual do trabalho humano –
Maurício Simões ...............................................................435
JURISPRUDÊNCIA
Salário in natura
– O vale para refeição, fornecido por força do
contrato de trabalho, tem caráter salarial,
integrando a remuneração do empregado
para todos os efeitos legais ................................................426
Destaques
Sucessão trabalhista
Aposentadoria por idade
– Para fins de comprovação da condição de
rurícola, são aceitos, a título de início
de prova material, os documentos que
qualificam o cônjuge como lavrador ...................................427
Depósito recursal
– Considera-se deserto o recurso quando
a parte recorrente, usando do sistema E-DOC,
transmite guia de recolhimento do depósito
recursal com autenticação bancária irregular .....................427
Penhora
– É possível a penhora sobre fração ideal da
titularidade do executado em bem em condomínio ............426
Responsabilidade subsidiária
– Não havendo prestação de serviços em
favor da franqueadora, não há que se
falar na sua responsabilidade subsidiária,
com base na Súmula 331 do TST ......................................426
DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
– Havendo o arrendamento de unidades
produtivas, pelo qual a arrendatária passa
a ter o controle, administração e a direção, reputa-se
caracterizada a sucessão de empregadores ......................426
Vale-alimentação
– É válida a norma coletiva que prevê o pagamento
de deferentes valores de vale-alimentação aos
empregados da mesma empresa, o que não
caracteriza afronta ao princípio da isonomia ......................426
Vale-transporte
– O ônus de provar a desnecessidade do fornecimento
do vale-transporte e/ou recusa do obreiro no seu
recebimento, pertence ao empregador...............................425
ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
– Aprendiz – Cálculo da Cota – Empresa de
Transporte Coletivo.............................................................425
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CONSULTORIA TRABALHISTA
Doutrina
A SOCIOLOGIA ATUAL DO TRABALHO HUMANO
MAURÍCIO SIMÕES
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela PUC/SP – Especialista em Direito do Trabalho e da
Seguridade Social pela USP – Mestrando pela PUC/SP – Juiz do Trabalho no TRT-2ª Região – Professor
Introdução
Muito se discute nos dias de hoje, como já deveria ter sido
discutido exaustivamente no passado, qual a verdadeira consequência do trabalho na vida humana, como o trabalhador vê e se
relaciona com o trabalho e qual o reflexo de tudo isso na sua vida
integral, no trabalho, em casa, no lazer, com os amigos, dentre
diversos outros aspectos.
Os juristas muitas vezes têm respostas prontas que podem
não se coadunar com o verdadeiro sentido que a relação tomou, a
verdadeira proporção dessa condição. Nem tudo gira em torno
daquilo que nós mesmos vivemos e temos como certo.
Há um relato de um autor americano, chamado Michael J.
Sandel, em que em uma das passagens de sua obra, na qual
questiona qual a coisa certa a se fazer, buscando um senso
comum de Justiça, ele diz que não podemos nos pautar pelo olhar
do incluído, para saber o que os excluídos pensam. Assim, a partir
de uma leitura onde aborda uma tese filosófica de John Rawls, diz
que o ideal seria vestir as pessoas com uma venda, com o intuito
de que ninguém soubesse exatamente em que posição estaria na
sociedade ao retirar a venda e ter feito as escolhas que a todos se
aplicaria.
Apesar de parecer absurdo, é certo que ao colocar essas
pessoas no mesmo patamar de incertezas, a chance de que a
maioria delas escolha uma justiça mais distributiva é grande, sem
grandes diferenças sociais e com acesso a bens e serviços a todos
de forma mais generalizada, o que permite uma visão mais social
do que libertária.
Assim deveriam agir os juristas, não pensando em si mesmos ou em seus processos ou problemas profissionais, mas sim
sob um manto de desconhecimento que não os permita saber ao
certo onde e como estarão após suas escolhas.
Veja a citação da passagem a seguir, em que o autor,
buscando o raciocínio de equidade, tenta trazer às pessoas um
senso coletivo de justiça, sem prévias concepções:
John Rawls (1921-2002), filósofo político americano, dá
uma resposta esclarecedora a essa pergunta. Em sua Teoria da
justiça (1971), ele argumenta que a maneira pela qual podemos
entender a justiça é perguntando a nós mesmos com quais princípios concordaríamos em uma situação inicial de equidade.1
Resta claro que o autor cita o filósofo buscando um senso
de justiça a partir da opinião dos próprios envolvidos, no caso os
cidadãos de determinada comunidade, mas cada um deles despido de interesses.
Contudo, somente fazê-lo, sem estabelecer um senso de
igualdade entre essas pessoas pode levar a escolhas distorcidas
ou a escolhas que privilegiem certas classes que podem ter mais
DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
ou menos a perder e então a resposta não seria algo naturalmente
pensado e aceito.
Para corrigir esta distorção ou retirar de cada um o interesse individual que pauta suas vidas, ele propõe o que acima foi
descrito, que todos partam de um mesmo ponto e que ninguém
saiba qual será o destino de cada um.
Veja a passagem a seguir:
Imaginemo-nos cobertos por um “véu de ignorância” que
temporariamente nos impeça de saber quem realmente somos.
Não sabemos a que classe social ou gênero pertencemos e
desconhecemos nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou
crenças religiosas. Tampouco conhecemos nossas vantagens ou
desvantagens – se somos saudáveis ou frágeis, se temos alto
grau de escolaridade ou se abandonamos a escola, se nascemos
em uma família estruturada ou em uma família desestruturada. Se
não possuíssemos essas informações, poderíamos realmente
fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade. Já
que ninguém estaria em uma posição superior de barganha, os
princípios escolhidos seriam justos.2
Isso me leva a crer que a visão dos filósofos e, como será
visto mais a frente, dos sociólogos, sobre certos assuntos, está
menos distorcida do que a dos juristas, que com pressupostos
prévios já arraigados em sua estrutura pensante não conseguem,
via de regra, se desvencilhar de certos dogmas para buscarem
uma dialética de antítese a uma tese inicial, formando uma síntese
e assim seguir nesse círculo virtuoso de perguntas e respostas em
busca de um verdadeiro pressuposto em que todo o homem médio
possa concordar.
E aqui está o cerne desse prólogo, buscar uma aceitação
do homem médio, não dos mais letrados, não dos mais sábios,
não dos mais abastados, dos mais inseridos, mas colocar-se no
lugar alheio, enxergar o mundo com um “véu de ignorância” que
nos permita tomar partido ciente de que isso possa refletir no
nosso próprio destino.
A partir disso, nós podemos começar a desenvolver a ideia
do trabalho, da forma como concebido hoje, como um fator que
aliena o cidadão e lhe retira o bem maior, de livre arbítrio, de optar
ou não por certa submissão – ou subordinação como podem preferir alguns – sem estar o tempo todo com a “faca no pescoço”.
Por isso que o trabalho como um fator de alienação precisa
de um olhar de fora para dentro, ou seja, o que os filósofos e sociólogos pensam a respeito disso.
Eis aí o norte e fio condutor do presente ensaio, a sociologia
do trabalho, a filosofia e a filosofia do trabalho, à luz de três grandes obras, de grandes autores que defenderam teses nesse
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sentido sendo que duas obras foram escritas em meados do
século passado.
Os primeiros, Georges Friedmann e Pierre Naville – na obra
Tratado de Sociologia do Trabalho – Cultrix 1973, volumes I e II –
buscam demonstrar como as questões do trabalho agem, coagem, alienam ao invés de tornar aptos, parecendo mais adestrar o
trabalhador, do que torná-lo vocacionado propriamente dito. Inseridos num mundo de consumismo extremo, ostensivo, tendo o ter
como principal elemento de desenvolvimento e propaganda, incentivando muito pouco o lazer pleno do trabalhador, sem uma
desconexão efetiva do trabalho, de forma que permita ao trabalhador esquecer seu patrão e usufruir de forma plena de seu tempo
livre.
Já o terceiro, Felice Battaglia, na obra Filosofia do Trabalho –
saraiva – 1958, falando sobre o trabalhador tomando consciência
de si e do próximo, como fator de prevenção de alienação.
Una-se a eles a obra dos professores Ricardo Sayeg e
Wagner Balera, na obra O Capitalismo Humanista – 2011, os
quais buscam estabelecer a realidade da importância de cada
homem e de todos os homens para a sociedade.
E as perguntas que encerrarão este trabalho: quem sobreviverá, o alienado ou o vocacionado? O trabalhador está pronto ou
não para tomar ciência de si e do próximo? Com isso podemos
concluir se o papel do direito do trabalho vem sendo o não implementado no cotidiano dos mais necessitados, os próprios trabalhadores.
A junção do estudo dessas obras nos leva a refletir sobre o
mundo que herdamos, o mundo que desenvolvemos e o mundo
que pretendemos deixar para as futuras gerações.
A própria Constituição da Republica Federativa do Brasil
nos orienta a pensar no futuro quando trata de um dos bens mais
importantes de todos: o meio ambiente. Inclua-se a aqui o meio
ambiente do trabalho, já que assim descrito na mesma Carta
Constitucional:
Art. 200 – .............................................................................
(...)
VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações.3
História não é só passado, é também futuro, razão pela qual
a pesquisa do passado nos permite vislumbrar o que nos espera
no futuro, a partir da visão do que temos no presente. Assim, o
trabalho se coordena neste sentido, buscando alocar tais preocupações – algumas apontadas há mais de 60 ou 70 anos, se consideradas as datas de desenvolvimento de alguns dos livros abordados – no mundo atual, e o quanto ainda é real a previsão negra
feita por esses autores quanto ao futuro do trabalho, como abordado em uma das obras.
As cabeças pensantes desse país, como tutores da massa
alienada de trabalhadores, precisam se posicionar e decidir que
mundo pretendem defender e desenvolver, se aquilo que temos
feito e defendido está de acordo com os desígnios da dignidade
humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, veja, essa
livre iniciativa não é absolutamente livre, já que inserta na mesma
lógica do valor social. É preciso imprimir uma lógica de humanismo
que nos permita uma análise mais solidária das circunstâncias que
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envolvem o trabalho, com responsabilidade social, exigindo de
cada um o cumprimento de seu papel na sociedade.
Desenvolvimento do trabalho humano
Coação
Falar em Direito do Trabalho antes da abolição da escravidão no Brasil é inócuo, já que a vontade humana era muito pouco
desenvolvida. Assim, a coação natural a que estava submetido o
homem, ou mesmo a coação que um homem imprimia ao outro –
observando os dois lados da relação – impedia que se desenvolvesse a plena capacidade de geração de um direito que mais tarde
seria conhecido como o direito do trabalho.
Nesse período, ao se buscar um elemento concreto, encontra na Lei Áurea seu primeiro lampejo de liberdade. Não
podemos falar em trabalho da forma como concebemos hoje e
desde os primeiros anos do século XX, antes da abolição da
escravidão. O homem até então, o trabalhador especialmente, era
tido como um bem, o qual podia ser negociado ao arrepio de qualquer direito humano que se pudesse pensar a ele devido. Mas não
há engano: ainda hoje convivemos com situações de trabalho em
que a coação, não aquela acima descrita, mas a velada, a implícita, aquela que não se externa em palavras ou ações diretas, mas
se perfaz da forma mais ardil que pode haver a consciência plena
de que ela está presente, fingindo haver liberdade plena. Isto se
exterioriza das formas mais diversas possíveis e atinge todas as
classes de trabalhadores, dos mais simples e braçais até os mais
altos cargos intelectuais.
Vejamos em primeiro lugar a coação moral, imposta ao
trabalhador por meio de cobranças diretas ou veladas, chegando
algumas vezes a configurar aquilo que chamamos de assédio
moral, ou menos, uma mera vigilância permanente sobre as atitudes dos trabalhadores, levando-o a uma autocobrança que consegue ser mais incisiva e perversa do que aquela que vem de fatores
e atitudes externas. Veja por exemplo, a imposição e cobrança de
metas, ainda que sutis, como critério de premiação.
Alguns dirão: mas não é para excluir, mas sim para incluir
os mais produtivos. Nenhuma falácia poderia ser maior, pois o não
incluir também pode significar o excluir. Implementa-se um sistema de inclusão de pessoas determinadas, aquelas que conseguem abrir mão cada vez mais de seus valores, da ética, da solidariedade e até de anseios pessoais para atingir uma determinada
marca para agradar o empregador e ao final receber a tão esperada premiação. E isso traduzido num contexto continuado da
relação jurídica traduz em não inclusão dos demais.
Ambos sofrem, o que nada alcançou, por não ter de fato a
produção que dele se esperava, ainda que esteja consciente de ter
feito o regularmente alcançável. Mas também sofre o que alcança,
pois abre mão de uma vida mais saudável, mais digna em troca de
alcançar algo que geralmente não é o razoável. Arrisco a dizer que
o segundo está mais coagido, pois uma vez no topo e quanto mais
se sobe, maior será a queda e, portanto, a pressão para que se
mantenha ou melhore seu desempenho a cada novo desafio que
lhe é imposto. O resultado: ambos estarão, a seu modo e por suas
razões, coagidos e infelizes, pois o trabalho lhes fez pessoas
submetidas a condições indignas de convivência e sobrevivência.
Qual é, por exemplo, o advogado de um grande escritório
que tem coragem de trabalhar tão somente as suas oito horas
diárias e fazer integralmente sua refeição sem se sentir coagido a
permanecer mais tempo, se alimentar mais rápido, a produzir
mais, ganhar mais causas, atender cada vez mais e melhor o sócio
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do escritório e entra num circulo vicioso de grande coação? Quem
seria, da mesma forma, o juiz que diante de tantas cobranças de
metas e números, e pretendendo ter uma carreira minimante
evolutiva, não sonega o sono, o descanso, o lazer, a refeição?
E cada um dos juízes e advogados que fazem isso, colocam
os demais pares, também juízes e advogados, numa linha de
comparação que os tornam “preguiçosos”, “improdutivos”, e geram um sentimento geral de autocobrança, de coação. Os primeiros pela manutenção de seu desempenho, os demais para alcançar aquele patamar. Transportemos isso para os trabalhos mais
humildes, mais físicos, mais fadigantes, mais desgastantes, e a
menor possibilidade de autodefesa dessas pessoas, a condição
se torna perversa por qualquer ângulo que se analise. A mim não
resta dúvida de que a coação que se exerce hoje, pelas circunstâncias que são criadas pelo mercado de trabalho, do mais humilde ao mais intelectual, mantém perversa a lógica da coação.
Mas acresça-se a coação moral, a coação física. Ainda hoje convivemos com pessoas inseridas em lógica de trabalho em condições
análogas a de escravo.
Pessoas que são obrigadas, sem qualquer chance de resistência a se manterem em seus empregos, por horas a fio, sem
qualquer lazer, descanso, vida social ou oportunidade de busca de
novos horizontes. Grandes empresas, multinacionais, pequenos
empreendedores, no âmbito urbano ou rural submetem por coação física irresistível pessoas a condições análogas a de escravo.
São trabalhadores que adquirem pseudodívidas, gratidões impostas, impossibilidade de locomoção por circunstância física ou
financeira, e que acabam submetendo os trabalhadores coagidos
que se vêm impossibilitados de reagir.
Alguns citam até mesmo a escravidão branca que se cria
com o emprego doméstico em certas circunstâncias. O autor renomado, Ricardo Oliveira, em seu livro O novo mundo Digital ,4 cita
que referida forma de trabalho continua a mesma lógica da escravidão, contudo dentro dos apartamentos das grandes cidades,
com seus empregados domésticos. A continuidade da escravidão
branca – a escravidão vertical – continua a existir a senzala e a
casa grande – dentro dos apartamentos de cada cidade – com
elevadores sociais e de serviço, com dependência de empregadas
de tamanhos irreais, os proprietários que sequer colocam os pés
na cozinha, deixando esse trabalho manual para os servos dos
lares. Quanto à coação financeira, sequer há defesa social plausível – lógica do ter – evitar o suicídio social – estar fora de um
sistema de propriedade de bens, ainda que não sejam bens de
primeira grandeza ou de utilidade essencial.
A televisão faz isso o tempo todo: busca incutir nas pessoas
um sentimento de poder que passa pela lógica única e exclusiva
do consumo e posse de certos bens e serviços que parecem ser a
única via de acesso social à dignidade. E qual seria a forma do
homem honesto e comum de adquirir tais bens? Pelo trabalho, é
claro; assim se submetem a jornadas extenuantes, dupla ou tripla
jornada, dois ou três empregos – como se vê, por exemplo, com
aqueles que trabalham em jornada de doze horas de trabalho por
trinta e seis horas de descanso – para, tendo mais condições,
continuar a consumir e a se sentir inserido num mundo que só
demonstra importância para o ter.
Sob essa ótica, resta clara a continuidade de uma coação
inerente a qualquer trabalhador, mesmo em tempos de alto desenvolvimento humano, de milhares de vias a informação, a continuidade da coação leva as pessoas à completa alienação de sua
importância para o mundo e do trabalho para o seu mundo.
DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
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O ilustre Georges Friedmann trata exatamente deste tema
sob o título trabalho e ação em sua obra já citada, quando diz ser
insustentável esta forma de trabalho, necessitando da mudança
de paradigma e de aumento de participação da personalidade,
mesmo quando essa forma de trabalho pareça trazer satisfação,
pois em verdade ela se torna insustentável:
Notemos que o elemento de coação, obrigação, disciplina,
inerente às atividades de trabalho, é nesse sentido de maneira
muito diversa. Mesmo quando consciente, esse sentimento pode
coexistir com estados de satisfação, investigações que se tornaram clássicas, como as da Universidade de Michigan, dirigidas ou
inspiradas por Daniel Katz e Robert L. Kahn, mostraram a complexidade das dimensões do moral na empresa. Mas a satisfação no
trabalho, experimentada a despeito das coações inevitáveis que
este supõe, não pode manter-se, com o tempo, sem uma certa
adaptação do indivíduo às suas tarefas e um grau mínimo de participação da personalidade.5
Raros são os casos dos que resistem, dos que se vêm mais
dignos pelo ser, simplesmente ser, e não por aquilo que possuem
ou buscam possuir (pois invariavelmente quanto mais se alcança,
mais se busca). A esses os parabéns, pelo desapego, pela percepção real do que realmente é importante, e em razão destes o
próximo item, pois trabalham por ação e não por imposição, seja
de que natureza for. Aqui começam a ser construídas as respostas
que tanto nos afligem, quanto à doença mais provável do alienado
por coação, e o papel que o direito do trabalho terá em sua vida.
Trabalhar por ação
O contraponto do trabalho por coação é o trabalho por ação,
que nas palavras de Georges Friedmann leva à liberdade, como
se vê na passagem: Sob esse aspecto, na medida em que supõe
coação, o trabalho se diferencia em muitos casos da ação, que é
liberdade. O trabalho é ação quando se alimenta de uma disciplina
livremente aceita....”6
O trabalho por ação tem seus primeiros marcos na revolução francesa e nos propósitos por ela emanados, quanto à liberdade, igualdade e fraternidade, especialmente na primeira vertente, quando liberta o homem da garra exploradora de outros
homens e da última, quando prega o direito à fraternidade entre os
homens, que pode muito facilmente ser entendido como um direito
de solidariedade entre os homens. A partir desta perspectiva
começa a se desenhar uma possibilidade de trabalho livre e da
busca de trabalho por ação, ou seja, algo que se tem por livremente aceito.
Se entendermos que a coação é o contrário da ação e que
aquele praticamente exclui este, não teríamos trabalho propriamente dito, enquanto o homem estivesse submetido a todo e qualquer tipo de submissão quanto à forma e conteúdo do trabalho.
Poderia parecer utópico pensar em trabalho puramente por ação
na atual realidade social, mas esse deve ser o objetivo da comunidade jurídica no tratamento do instituto e seus desmembramentos. A esse respeito podemos evitar algumas formas de relação
que cada vez menos contribuem com essa perspectiva, como o
trabalho terceirizado e em geral os trabalhos cooperados.
Ao imprimirem uma lógica de precarização do trabalho
humano, as formas terceirizadas e cooperadas vão de encontro ao
objetivo descrito, pois retiram das pessoas cada vez mais a hipótese de ampla proteção social pretendida pelo direito do trabalho,
sua história, seus princípios, desenvolvimento, amadurecimento e
afirmação como ramo autônomo do direito. Isso nos leva a focar
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um olhar sempre restritivo a essas formas de trabalho, aceitando-as, se muito, em circunstâncias cada vez menos amplas. O desestimulo a essas formas de contratação facilita o trabalho por
ação, evita a coação e a perda da identidade do trabalhador com
os fins de seu trabalho.
Aqui o papel delineado nas primeiras linhas desse trabalho
se mostra ainda mais expressivo, pois mais uma vez a resposta às
perguntas postas nos leva a crer que o Direito do Trabalho, interpretado em sua forma mais verdadeira, ainda protege os trabalhadores dos males da coação, buscando uma via de proteção
mínima àquilo que o Ilustre Ministro Maurício Godinho Delgado
chamou de patamar mínimo de civilidade, pretendendo sempre a
melhoria da condição social do trabalhador. Assim se vê na passagem: “... De fato, o ramo jus trabalhista incorpora, no conjunto de
seus princípios, regras e institutos, um valor finalístico essencial,
que marca a direção de todo o sistema que o compõe. Este valor –
e a consequente direção teleológica, imprimida a este ramo jurídico especializado – consiste na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica...”.7
É claro que se trata de um mínimo, mas abaixo disso teríamos a linha total da desproteção, como ocorre cotidianamente
com os terceirizados e com os pseudo-cooperados. Algumas leis,
nesse senso, remam contra a ideia de proteção, ao estabelecer
figuras paralelas ao trabalho, como se isso fosse proteger a relação dos desmandos cotidianos do trabalho, mas em verdade
levam o trabalhador para uma zona cinzenta e dali, certamente,
para uma lógica de desproteção e novamente de alienação, que
não permitirá ao trabalhador exercer amplamente sua liberdade
de atuação, que lhe permitiria realmente trabalhar pior ação.
A esse respeito, temos a nova lei que trata dos trabalhadores em
cooperativas, em que a previsão de certos direitos, como se
fossem direitos trabalhistas, mas para não empregados, abre as
portas da hierarquização na relação, com fixação de valores, horários, dentre outras coisas. Melhor seria manter a ideia de que a
existência desses elementos gera o emprego que permitiria a
inclusão desses trabalhadores numa lógica de proteção social
mais efetiva.
Em verdade, pelo espírito que rege as formas cooperadas
de trabalho, a existência daqueles elementos na relação concreta
permite ao intérprete partir para a leitura do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho combinada com os princípios do sistema
cooperativo de organização para afastar a hipótese de trabalho e
reconhecer-se o vínculo de emprego. Aqui, uma leitura que retoma
o caminho do trabalho por ação.
Emancipação como forma de dignificação
A emancipação do trabalho passou por diversas fases e
afirmações, mas a primeira delas foi a desvinculação completa
com o ramo que lhe deu origem, o direito obrigacional civil. Não
seria possível tratar e desenvolver uma ciência jurídica própria,
com desmembramentos, como temos hoje, de ampla proteção e
tratamento de uma relação própria à luz dos princípios e dogmas
que regem o ramo civil. Foi assim que o Direito do Trabalho se
emancipou e se desenvolveu sob uma ótica diversa da prevista
para o ramo civil. Aqui a desigualdade é o norte a ser perseguido,
não se pode pensar que a relação de emprego, ou mesmo o trabalho em si, poderia ser tratado como se as partes fossem todas
iguais no momento de negociar e estabelecer as normas que regerão os contratos entre essas mesmas partes.
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A desvinculação do direito civil se mostrava essencial, uma
vez que naquela ótica acima descrita, o direito comum seria incapaz
de alcançar a relação de trabalho como um todo, mas especialmente a espécie emprego. Assim se criou um ramo com teses, princípios, judiciário, banco em cadeiras de universidades, desenvolvimento científico próprios.
A esse respeito, a brilhante autora portuguesa Maria do
Rosário Palma Ramalho fala em tripé de sustentação da autonomia dogmática do direito do trabalho, como sendo: sindicato,
greve e subordinação. Podemos observar figuras paralelas em
diversos seguimentos da sociedade, mas uma organização como
a descrita ao sindicato não se vê em outra relação, com proteção
ampla à formação, desenvolvimento, filiação, e até proteção contra o ato potestativo de dispensa em relação aos representantes
eleitos. A mesma coisa ocorre com a greve, que embora possa ter
movimentos paralelos, como passeatas, mobilizações, organizações de proteção coletiva, nenhuma ganhou os contornos que se
enxergam na relação de emprego, com possibilidade de paralisação de sistema produtivo, justamente com a finalidade de criar um
desconforto ao empregador como meio de forçá-lo à negociação
coletiva. Vejamos a seguinte passagem no livro da autora portuguesa, acima referido:
...por outro lado, o regime legal da figura pressupõe que o
direito de greve se manifesta num vínculo jurídico de trabalho
subordinado, ou de índole privada (e, nesse sentido, laboral) ou de
índole pública, uma vez que fora desse contexto, a maioria dos
aspectos deste regime não seria compreensivo nem aplicável...8
Por fim e na mesma linha a subordinação, que em verdade
é o elemento mais importante na formação da relação de emprego, e que não encontra paralelo em outras relações, chegando
a mesma autora portuguesa a exemplificar o poder de subordinação, inclusive na dispensa motivada, como uma forma de autotutela, em que uma parte impõe à outra uma sanção sem a participação do Estado. Parece ter razão, e não se encontra paralelo no
Direito. Situação bem mais incoerente e insegura seria arrastar os
trabalhadores para a zona cinzenta – depois o futuro deles ficaria à
própria sorte – parassubordinados, pejotização, etc., como formas
de ignorar a importância do Direito do Trabalho. Ao se colocar os
trabalhadores na zona cinzenta, há uma tendência bastante acentuada de se retirá-los da proteção do direito do trabalho, pois a
primeira arguição será que os direitos trabalhistas, como previstos
na legislação, não seriam aplicados a estes trabalhadores.
Assim acontece com os cooperados, como acima descrito,
principalmente com o novo regramento que se pretendeu impor
pela Lei nº 12.690 de 2012, em que são colocados em uma zona
cinzenta, pois a primeira arguição será da inexistência de emprego
e de direitos descritos para essa classe de trabalhadores. Outra
relação colada à margem seria a dos terceirizados, pois embora
possam ser empregados, são inseridos num contexto mais perverso de direitos, pois em regra seu empregador é uma empresa
paralela, em que os direitos previstos, principalmente coletivamente considerados, são bem menores dos que os trabalhadores
empregados da empresa tomadora, quando não uma diferença
substancial de salários e demais benefícios sociais.
Ao se privilegiar essas relações paralelas, corre-se o risco
de ignorar toda uma evolução do Direito do Trabalho, como
elemento de proteção, sua emancipação e por consequência a
emancipação dos trabalhadores dos dogmas que impediam a
ampla proteção de sua prestação de serviços. O Direito do Trabalho, neste contexto, é o caminho mais seguro de proteção, sem um
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paralelo, pelo menos em regra, como uma forma segura de emancipar o trabalhador e permitir que, ao invés de trabalhar sempre
por coação, possa exercitar cada dia mais e melhor o trabalho por
ação.
Adoecimento mais provável do coagido
Por muitos anos houve uma negligência contumaz quanto
ao estudo jurídico do impacto do trabalho na vida do trabalhador,
como este reagia ao tempo e as condições de trabalho. Os estudos sociais e filosóficos, no entanto, foram os mais qualitativos
nesse campo – esta a razão das fontes de estudo desse trabalho –
por isso, agora são o norte para o início do estudo jurídico. Algumas visões jurídicas, contudo baseadas muito mais no impacto
econômico do que nos efeitos jurídicos propriamente ditos, embalaram uma constante mudança de fator previdenciário, com pontos e contrapontos, pensando-se na falência do sistema – pelo
menos é o que se anuncia aos quatro cantos – versus um avanço
da expectativa de vida.
As mesopatias e tecnopatias, doenças relacionadas com o
meio ambiente do trabalho e as técnicas de exercício de trabalho
passaram a compor, também por questão previdenciária, o cotidiano das preocupações trabalhistas, contudo, na prática o que se
presencia é uma verdadeira ausência de seriedade com estudos de
PPRA e PCMSO – gerando um exército de incapazes – talvez o
exército de reserva de Marx esteja no fim, não pela inclusão, mas
pela alienação física e mental do trabalhador.
Outro avanço importante na busca desse estudo do atingimento da saúde do trabalhador pelo exercício do trabalho é o nexo
técnico epidemiológico – meio de buscar o nexo entre eventual
doença e o trabalho – por estudo de perfil profissiográfico previdenciário, sendo mais uma forma de prevenção e proteção à
saúde. Como descrito algumas linhas antes, o meio ambiente é o
centro das preocupações para que se permita avaliar até que
ponto o trabalho influencia a vida do trabalhador, sendo que nesta
lógica a própria Constituição tratou de eleger o meio ambiente do
trabalho como item que compõe o meio ambiente em geral.
O curioso é que a própria Consolidação das Leis do Trabalho, datada da década de 40, reformulada na década de 70, já se
preocupava com essa lógica absolutamente correta, quanto a
principal preocupação quanto trabalho em face da saúde do trabalhador, quando enumera – numa lógica coerente de importância
dos assuntos – em primeiro lugar os artigos relativos à proteção do
local de trabalho, já que inaugura o Capítulo V com o tema: Da
Segurança e da Medicina do Trabalho. Essa é uma ótica correta
de preocupação, pois em primeiro lugar deve ser resguardada a
saúde física e mental do trabalhador, como um meio de lhe garantir uma higidez mínima que lhe permitirá, talvez em longo prazo,
estar incluído numa ótica de trabalho seguro, saudável e por ação.
Veja a esse respeito a mensagem descrita, neste exato
sentido, pela comissão que elaborou a referida Consolidação em
sua “Exposição de Motivos”, em seus itens 65 e 66:
65. O regime de Higiene e Segurança do Trabalho, pela
revisão efetuada, adquiriu maior eficácia, por força da explícita
declaração que constitui formalidade longamente seguida, da
exigência de prévia verificação e aprovação das instalações dos
estabelecimentos industriais para o respectivo funcionamento.
66. Estabeleceu-se, igualmente, a obrigatoriedade do uso,
pelos empregados, dos equipamentos de defesa pessoal fornecidos pelos empregadores e aprovados pelas autoridades de Higiene do Trabalho”.9
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Não foi sem propósito que mais tarde se promoveu uma
intensa e qualitativa reforma do capítulo da medicina e segurança
do trabalho, capitaneada pelo Ilustre e eterno mestre Arnaldo
Sussekind, culminando em vastas previsões de prevenções de
todas as ordens. Mesmo assim, o desenvolvimento jurídico das
circunstâncias anunciadas somente se tornaram motivo de preocupação muitos anos depois, mais voltada a uma lógica de previsão de despesas pela previdência do que por uma proteção social
mais ampla à saúde dos trabalhadores.
Nessa lógica, resta claro que os alienados quanto a seus
direitos e benefícios de proteção estarão mais diretamente sujeitos às vicissitudes do trabalho, mais modernamente as psicológicas, daí o estudo das formas mais atuais de adoecimento, decorrentes de assédios, morais e sexuais, horizontais e verticais, todos
no ambiente de trabalho. Quanto menos alienado, portanto, maior
as chances do trabalhador se proteger contra os efeitos perversos
dessas situações de desrespeito ao meio ambiente do trabalho
como um todo.
Aqui, a Consolidação das Leis do Trabalho mais uma vez
continua a proteger os trabalhadores que se encontram sob seu
manto protetor, agora quanto à saúde e segurança no ambiente do
trabalho. Quanto menos pessoas ligadas a essa lógica de proteção,
menores as chances de um trabalho de fiscalização e conscientização da classe empregadora. A pulverização e o arrasto dos trabalhadores para a zona cinzenta tornam cada vez menos efetivas
essas normas.
Aptidão
Não há dúvida de que o trabalho por ação pressupõe a aptidão do trabalhador para as atividades que desempenha. Referida
aptidão pode ser prévia ou mesmo posterior, adquirida no decorrer
dos anos de trabalho. Essa forma de aquisição de aptidão passa
necessariamente pelo estudo, acesso à informação e inclusão
social. Não se pode pretender trabalhar de forma apta e plena sem
uma ampla possibilidade de acesso ao conhecimento daquilo que
se está produzindo.
A Constituição Federal foi muito sábia quando trouxe no
seu rol de direitos a preocupação com a formação profissional dos
trabalhadores e da evolução dos sistemas de produção, que já se
anunciavam à época de sua promulgação, trazendo em seu texto
a expressa previsão de proteção em face da automação, conforme
descrito no artigo 7º, XXVII. É preciso que o trabalhador enxergue
em que meio está inserido e se sinta estimulado a continuar entregando sua energia em prol de um sistema produtivo que tende a
retribuí-lo a altura, tornando-o apto a operar referidas máquinas,
que se bem analisado tomou seu lugar em parte, se não, em quase
todo o sistema produtivo, e o sentimento que paira sobre o trabalhador é perverso para o desenvolvimento de suas aptidões.
Vejamos a passagem a seguir, quando Pierre Naville narra
bem essa situação, ao dizer que as máquinas aos poucos foram
ocupando os lugares dos homens, em parte, na maior parte e em
quase toda a parte do trabalho e o sentimento que resta ao trabalhador nestas circunstâncias: “...Em suma, o trabalhador já não
tem relações diretas com o produto e não reconhece claramente a
utilidade social de seu ato.”10
A máquina dissocia, especialmente num primeiro momento, o homem de sua utilidade, tornando-o exterior ao meio de
produção, como se vê na passagem abaixo do mesmo autor:
Se a máquina, com efeito, do ponto de vista tecnológico, só
difere da ferramenta pela complexidade, distingue-se dela, toda431
COAD
FASCÍCULO SEMANAL 47/2013
via, pela função social e pelas modificações que acarreta à situação de trabalho. Deslocando a unidade da tarefa e da pessoa, a
técnica moderna ultrapassa, de certo modo, o ato do operário e
tende a constituir um mundo autônomo, que se torna radicalmente
exterior a ele.11
Não é simples manter-se interessado e com isso apto às
atividades cotidianas, mas é preciso que esse objetivo seja perseguido constantemente, como meio de manter a saúde mental do
trabalhador, retirando-o do lugar comum e o estimulando nos seus
afazeres diários.
Não podemos confundir, no entanto, aptidão com adestramento, este é um elemento comum, infelizmente, no cotidiano de
grande parte dos trabalhadores, pois insere as atividades diárias
numa lógica quase completa de alienação, a pessoa que está à
frente do sistema produtivo sequer percebe o que faz, qual a razão
daquilo que faz, a importância e até o método de se fazer. O adestramento contribui sobremaneira para o afastamento da aptidão,
torna monótono e mecanizado qualquer atividade produtiva.
A pessoa não evolui e tão pouco busca formas alternativas e mais
produtivas de exercício de suas atividades, está condicionada a
fazer a mesma coisa sempre do mesmo jeito.
Nesta perspectiva, qualquer mudança no sistema produtivo
se torna um fardo insustentável para o adestrado. A palavra pode
parecer pejorativa e de fato é, nos remete ao filme Tempos Modernos, em que o ator principal parece estar inserido em sistema de
produção tão mecanizado que chega a se confundir com a esteira
em que trabalha adestradamente igual todos os dias. A lei maior
neste sentido já nos previne destes males, incentivando a modernização do sistema de produção acompanhada de uma constante
atualização dos trabalhadores, conforme acima descrito.
Mais uma vez o Direito do Trabalho, agora em sua vertente
constitucional, protege o trabalhador dessa lógica perversa da
rotina e do ostracismo, pois o contrário seria um trabalho cada vez
menos humanizado e que cada vez menos incentiva a aptidão,
preferindo o adestramento que torna o homem cada vez mais alienado, como se vê na passagem abaixo quando o autor trata da
condição moral do trabalho:
... O trabalho, como já dissemos, é uma atividade específica
da espécie humana, inerente à vida humana social e inseparável
dela. Onde o progresso técnico suprime toda e qualquer intervenção do homem no sistema de produção, conviria que os diversos
idiomas deixassem de usar a palavra correspondente a “trabalho”
para designar operações desumanizadas, e forjassem um vocábulo novo.
...
... podemos, a esta altura, perguntar quais são as suas
reações mentais à tarefa cotidiana. Quais são suas aptidões (no
sentido em que o utiliza a Psicotécnica) para realizá-la, as suas
motivações de trabalho, os graus de consciência ou de satisfação
profissionais a que ele chega?...12
Semilazer
Alguns podem até se perguntar qual seria a relação entre
trabalho e lazer para o presente estudo, mas a resposta logo se
afigura como de importância extrema, pois o lazer está associado
ao trabalho de uma forma intrínseca, pois não há lazer sem um
prévio trabalho, não de forma completa e integral. Afinal, como
poderia o homem médio, comum, gozar de um lazer pleno sem ter
um trabalho que o sustente, que permita que se sinta inserido, que
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permita que sinta pleno, que permita, até mesmo, que se sinta
merecedor desse momento de júbilo.
Joffre Dumazedier, ainda no livro Sociologia do Trabalho,
transparece essas impressões de modo claro e objetivo, pois em
pesquisa em onze países da Europa percebeu que ao perguntar
sobre lazer às pessoas, que as respostas, em 60% dos casos
estavam vinculadas ao trabalho, mesmo que isso não tenha sido
direcionado na pergunta:
... Na realidade vivida, o lazer se define não só em relação
às obrigações profissionais, mas também em relação às mais obrigações, familiais ou sociais: o trabalho é mencionado em 60% das
respostas à nossa investigação...
... as normas da vida social canalizam as iniciativas dos
indivíduos; mas o lazer é o direito que assiste ao indivíduo de agir
ao seu talante depois de haver-se libertado de todas as obrigações
fundamentais: ganhar a vida, assegurar o trabalho doméstico, a
educação dos filhos, as obrigações protocolares, os deveres sindicais, políticos, espirituais, etc...13
O mesmo autor nos traz um conceito de lazer a partir de
uma vasta pesquisa com quase mil trabalhadores que parece
refletir o que se espera efetivamente do lazer, mas que para os
dias atuais parece cada vez mais distante da realidade social dos
trabalhadores:
o lazer é o conjunto de ocupações a que o indivíduo pode
entregar-se de boa mente, já para descansar, já para se divertir,
já para desenvolver a sua participação social voluntária, a sua
informação ou a sua formação desinteressada, depois de haver-se libertado de todas as obrigações profissionais, familiais
ou sociais.14
O que nos resta perguntar em pleno Século XXI é se esse
propósito do lazer tem sido alcançado no cotidiano da maioria dos
trabalhadores. Por isso, a denominação de semilazer, por parecer
ser o que melhor reflete o quadro atual da sociedade trabalhadora.
Há uma verdadeira inversão de valores, pois ao mesmo tempo em
que a lei caminha para tentar buscar um ideal de lazer pleno, basta
ver o artigo 6º da Constituição Federal, quando insere o lazer
como um direito social, a Consolidação das Leis do Trabalho,
quando vislumbra uma série de direitos relativos ao repouso,
como limite de jornada, descansos semanais remunerados, feriados, férias e o mais, como uma clara intenção de possibilitar de
lazer, mas em verdade, referidas previsões não obrigam, elas
supõem o lazer, sabe-se que o verdadeiro alcance dependerá de
uma série de outros fatores.
Basta ver que as pessoas utilizam seu tempo livre para
atividades geralmente ligadas às suas profissões; o marceneiro
fará pequenos reparos em sua mobília na folga, o pedreiro tentará
sistematicamente acabar de construir a sua própria casa, o professor passará horas lendo matérias relacionadas a sua área de
concentração, o advogado, o juiz, o procurador, utilizarão o tempo
livre para orientar amigos e parentes, cursar um mestrado ou
doutorado, tentar terminar um trabalho ainda por completar, e tudo
isso quando? Nos períodos de não trabalho oficial, que deveriam
ser dedicados ao lazer pleno.
Não há lazer pleno sem uma completa desconexão com o
trabalho. Até nas pequenas coisas percebe-se a influência do
trabalho a comprometer o lazer, até mesmo no contato com os
amigos de trabalho, as conversas nos churrascos e demais momentos de confraternização, que deveriam ser totalmente voltados ao lazer, se tornam ambientes propícios a se conversar e reviver o trabalho. Como possibilitar este pleno lazer às classes mais
430
COAD
FASCÍCULO SEMANAL 47/2013
humildes de trabalhadores, senão através de proibições expressas de situações que o retirem do pressuposto – lembre-se que
são somente pressupostos, pois o completo lazer depende de
muitos outros fatores – como de jornadas extraordinárias excessivas, ausência de repouso semanal, de descanso mínimo entre
jornadas, de prestação de outros serviços durante as férias, dentre
diversas outras previsões, que sem sombra de dúvidas vieram
para privilegiar o afastamento do empregado de suas atribuições
trabalhistas cotidianas.
Então, no que parece ser uma fórmula mágica, as pessoas
começam a comprometer os ambientes de lazer, com teletrabalhos, como se instalar na casa das pessoas postos de trabalho –
como ocorre com as empresas de telemarketing, as quais instalam
“PA´s” (Postos de atendimentos) nas casas dos operadores –
numa falácia de solução de mobilidade urbana. O que se tem em
verdade é o comprometimento do lugar mais sagrado para o
descanso do trabalhador, o seu lar. Não me parece razoável que
essa situação possa ser aceita pelo direito, e há muito mais envolvido nisso, como riscos ambientais, ocupacionais, transferência
de risco do empreendimento, de despesas empresariais, todas
embutidas numa falsa melhoria de mobilidade.
É o que temos para hoje, um lazer mitigado, pessoas que
trabalham em jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis
de descanso, ao arrepio da previsão máxima constitucional de oito
horas, sob argumento de melhoria do tempo de descanso, quando
na realidade a imensa maioria delas terá um segundo emprego
nas trinta e seis horas que deveriam ser destinadas ao lazer e
passam, cotidianamente, a trabalhar doze horas por dia, sete dias
por semana. É o semilazer em suas várias formas, cada dia mais e
mais, impedindo o trabalhador de desenvolver suas habilidades
externas, proteger seu organismo, sua saúde mental, de forma
que o torne cada vez menos apto e inversamente proporcional,
cada vez mais alienado. São várias as funções do lazer, e passagem abaixo deixa claro a ausência de completude dessas funções
nos leva ao que acima foi descrito, quanto a impossibilidade de
melhoria do trabalhador como um todo:
Vem, afinal, a função de desenvolvimento da personalidade. Ela liberta do hábito que tende a limitar os gestos, os
comportamentos, as ideias cotidianas e automatismos e estereótipos. Enseja uma participação social mais ampla, mais livre, e uma
cultura mais desinteressada do corpo e do espírito. Oferece novas
possibilidades de integração voluntária da vida de agrupamentos
recreativos, culturais, sociais. Permite completar livremente os
conhecimentos afetivo ou intelectuais, cultivar as aptidões, adquiridas na mocidade, mas constantemente ultrapassadas pela evolução contínua e complexa da sociedade. Incita a dotar atitudes
ativas, no emprego das diferentes fontes de informação tradicionais ou modernas (imprensa, cinema, rádio, televisão), espontâneas ou organizadas. Cria novas formas de aprendizagem (learning), espontânea ou voluntária, ao longo de toda a vida. Produz
comportamentos inovadores e criadores no tempo livre. Ministra a
todos os trabalhadores a possibilidade de um tempo novo para a
contemplação, a ação desinteressada ou a criação livre. Em
certas condições, suscita, no indivíduo libertado das obrigações
profissionais, disciplinas escolhidas que visem ao completo desabrochar da personalidade, num estilo de vida pessoal e social.15
O Direito, com todas as falhas que se possa apontar,
parece estar fazendo sua parte, cabendo, agora, aos intérpretes
efetivar esse propósito. E mais, se assim estão os protegidos pelo
manto da lei trabalhista, como não estarão os trabalhadores à
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margem, os autônomos, cooperados, terceirizados, “pejotizados”,
dentre outros, em situação análoga de desproteção social? Mais
uma vez o trabalho aliena, por falta de uma perspectiva mais
efetiva dos direitos fundamentais do trabalhador.
Desenvolver a consciência de si e do próximo
É essencial o conhecimento da importância daquilo que faz
para si e para a sociedade. O trabalhador, em certa medida,
parece ter perdido a noção de sua importância no sistema produtivo e daquilo que produz, numa lógica que parece mais aliená-lo
do que inseri-lo.
A legislação busca reinserir essa lógica no mundo do trabalho, trazendo o trabalhador para um senso de realidade, foi assim
que implementou a participação nas comissões de fábrica, artigo
11 da Constituição Federal e em certa media a participação nos
lucros, que permite avaliar a impressão que o mercado tem
daquilo que é produzido e da mesma forma, ao se dar conta de que
aquilo que produz é efetivamente importante, participar dos frutos
do trabalho e participando desses frutos desenvolver a consciência de si.
A filosofia ajudou e muito a desenvolver a importância do
homem no seio social e por consequência no trabalho, o que pode
ter como marco a revolução francesa, a qual busca retirar a religião do centro das preocupações, e realocar o homem nesse
centro, ao que se convencionou chamar de antropocentrismo.
Os professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera dão ainda
um norte mais importante a esse vertente, na obra O Capitalismo
Humanista, ao realocar o homem e todos os homens no centro
difuso das preocupações, ao que chamaram de antropolifismo,
como se vê nas passagens abaixo:
.... Na mesma linha e citando Maritain, o papa Paulo VI
exige que seja assegurado o humanismo integral, capaz de situar
o “homem e todos os homens”, o que significa que é abrangente e
alcança tanto a existência humana quanto sua essência....16
Paulo VI ensina: “O homem, longe de ser a norma última
dos valores, só se pode realizar a si mesmo, ultrapassando-se”.
Há, então, outro humanismo, uma vida mais adequada, um humanismo fraterno, inclusivo, evolucionista e emancipador que proclama a concretização multidimensional dos direitos humanos e
que não é teocêntrico, embora tenha, em razão de sua proposta,
Jesus Cristo como a grande referencia – por isso, obviamente, não
sendo antropocêntrico: é o humanismo antropofilíaco, que não é o
teocêntrico e muito menos antropocêntrico. Antropofilíaco porque,
sob a perspectiva cultural cristã, os homens, mais do que iguais,
são irmãos, habitando-se e nutrindo-se do planeta.17
Resta claro que não se pode privilegiar outra coisa que não
o ser humano, embora isso pareça ter ficado esquecido tanto pelo
capital quanto pelo trabalho. O próprio trabalhador não realiza a
importância de sua inserção na roda da vida e menos ainda
percebe o próximo. Quantas profissões sequer são percebidas
pela população em geral, só como exemplo, os faxineiros, os
vigias, os expositores de cartazes em ruas e avenidas, dentre
tantos outros, com os quais cruzamos todos os dias e sequer nos
damos conta de que ali estão, e que são seres humanos, prestando seus serviços para o bem de outros seres humanos. Com
isso, nós os alienamos e na mesma sintonia eles próprios se alienam, numa lógica que nem precisa chegar à discriminação por
seus pares, pois se auto discriminam.
A solidariedade, fruto da revolução francesa, numa terceira
dimensão de direitos vem justamente buscar implementar no
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COAD
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comportamento humano a busca pela preocupação dos homens
consigo mesmos e com o próximo. Neste sentido, o trabalho deveria ser um prazer constante, que se adeque as suas condições e
que o coloque em um patamar de importância e relevância em que
cada um perceba sua importância para esse planeta e a importância do próximo, neste sentido Felice Battaglia:
É este exatamente o sonho de Fourier: tornar o trabalho
verdadeiramente uma festa. Que cada um busque o trabalho que
mais lhe agrade porque mais conforme às suas disposições físicas
e intelectuais, por um tempo não excessivamente longo; que mude
o gênero do trabalho, confortando-o com a beleza dos locais em
que ele tenha de se realizar; que solicite o espírito com a emulação
que empenha o amor-próprio: poder-se-á então realizar o milagre!18
A busca deve ser plena, tanto do respeito de um pelo outro,
do empregador pelo empregado, quanto pelos empregados entre
si e até mesmo de cada um em relação a si próprio.O lugar perfeito
para essa harmonia de forma mais ampla e plena é no ambiente do
trabalho, onde as classes se encontram e podem encontrar um
campo fértil para se perceberem mutuamente e com isso possibilitar a prosperidade da humanidade.
Conclusão
O trabalho, mesmo diante de tantas evoluções sociais, no
campo da proteção de todas as naturezas, ainda é um fator de
grande impacto na vida do trabalhador. Como o trabalho povoa a
vida de quase a totalidade da população, especialmente a relação
de emprego, como no Brasil, a preocupação é contínua e incessante. Diante do cenário que se apresenta, ainda hoje, o direito do
trabalho, composto principalmente pelas leis trabalhistas de ordem impositiva, representa um importante contraponto aos abusos e desmandos do mundo do trabalho. Com essa intervenção o
Estado permite a contenção de um desmando ainda maior nas
relações do trabalho.
Pode parecer retrógrado ainda precisar dessa intervenção,
mas o outro caminho é deixar que as próprias partes resolvam
seus destinos, para o que, infelizmente, nosso país não parece
estar preparado para conceber, nem mesmo por intermédio de
sindicatos. Os sindicatos, que teriam um papel fundamental nessa
construção autônoma dos direitos e deveres recíprocos, não estão
preparados para tanto, talvez o sistema da unicidade impeça um
desenvolvimento mais sério daquilo que se conhece por representatividade, que é a representação de fato das categorias econômicas, mas principalmente das profissionais.
Assim, o trabalho ainda coage, por diversos caminhos, de
forma moral, física, social, financeira e mantém o trabalhador alienado em diversos aspectos, desde a importância de seu trabalho
para o seu próprio desenvolvimento, até para o desenvolvimento
social, para um lazer que o permita perceber a si próprio e ao seu
próximo. Se permitirmos que o Direito do Trabalho deixe de tutelar
as relações de emprego, principalmente, o cenário que se anuncia
será ainda pior, o exemplo já pode ser sentido pelos trabalhos
cooperados, “pejotizados” e até pelos terceirizados.
O patamar mínimo de civilidade imposto pela Constituição e
demais leis infraconstitucionais de direito do trabalho permite
observar um horizonte de proteção que crie um ambiente saudável
para a evolução social dos trabalhadores. Contudo, sozinha a lei
não pode resolver tudo, como diria Mauro Cappellette não precisaDOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
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mos de boas leis, precisamos é de bons homens, que saibam
interpretar a lei e lhe entregar uma teleologia que seja condigna
com os desígnios da evolução humana.
Como diria Piero Calamandrei, o veneno em pequenas
doses pode até ser medicinal, mas a injustiça, ainda que em doses
homeopáticas, é letal. Aguardemos atentos o futuro que os intérpretes do direito, e em especial do direito do trabalho, trarão para
as futuras gerações, pois o presente herdamos dos antepassados
que com muito empenho e sacrifícios inimagináveis chegaram a
um grau de evolução que se comparado com algumas décadas já
pode ser tida como imenso. Muito ainda há por ser feito, e a classe
de trabalhadores, a grande massa pelo menos, aguarda ansiosa
pelas construções que os juristas elaborarão para regência de
seus futuros.
BIBLIOGRAFIA
BALERA, Wagner, Sayeg, Ricardo. O capitalismo humanista.
Petrópolis, KBR, 2011;
BATTAGLIA, Felice. Filosofia do Trabalho. Editora Saraiva. 1958;
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, visto por um advogado.
Martins Fontes, São Paulo 2000;
Consolidação das Leis do Trabalho. Ltr, 2011. 38ª edição;
J. SANDEL, Michael. Justiça – O que é fazer a coisa certa. Editora
Civilização Brasileira, 2012. 8ª edição Tradução de Heloísa
Matias e Maria Alice Máximo;
NAVILLE, Pierre, FRIEDMANN, Georges. Tratado de Sociologia
do Trabalho. Volume I, Cultrix, 1962 . Tradução de Octavio
Mendes Cajado;
NAVILLE, Pierre, FRIEDMANN, Georges. Tratado de Sociologia
do Trabalho. Volume II, Cultrix, 1962. Tradução de Octavio
Mendes Cajado;
NEVES, Ricardo Oliveira. O novo mundo digital. e-book;
RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Da Autonomia Dogmática do
Direito do Trabalho. Coleção Teses. Almedina, 2000;
Vademecum Saraiva. 13º edição. 2012. Editora Saraiva.
NOTAS
1.
J. SANDEL, Michael. Justiça – O que é fazer a coisa certa, Editora
Civilização Brasileira, 2012. 8ª edição, Tradução de Heloísa Matias
e Maria Alice Máximo, página 177.
2. Idem 1, p. 178.
3. Vademecum Saraiva. 13º edição, 2012, Editora Saraiva. p. 66 e 71.
4. NEVES, Ricardo Oliveira. O novo mundo digital. ebook, pos. 375.
5. NAVILLE, Pierre, FRIEDMANN, Georges. Tratado de Sociologia do
Trabalho. Volume I, Cultrix, 1962, Tradução de Octavio Mendes
Cajado, p. 34.
6. Idem 5, p. 23.
7. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5ª
edição, LTr, 2006, p. 58.
8. RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Da Autonomia Dogmática do
Direito do Trabalho – coleção Teses – Almedina, 2000, p. 864.
9. Consolidação das Leis do Trabalho – Ltr, 2011 – 38ª edição, p. 36.
10. Idem 5, p. 408.
11. Idem 5, p. 409.
12. Idem 5, p. 26 e 27.
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13. NAVILLE, Pierre, FRIEDMANN, Georges. Tratado de Sociologia do
Trabalho. Volume II, Cultrix, 1962, Tradução de Octavio Mendes
Cajado, p. 398.
14. Idem 13, p. 397.
15. Idem 13, p. 401.
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16. BALERA, Wagner, SAYEG, Ricardo. O capitalismo humanista.
Petrópolis, KBR, 2011, p. 85.
17. Idem 16, ps. 102 e 103.
18. BATTAGLIA, Felice. Filosofia do Trabalho. Editora Saraiva, 1958, p.
262 e 263.
Jurisprudência
APOSENTADORIA POR IDADE – TRABALHADOR RURAL – DOCUMENTO EM NOME DO CÔNJUGE VARÃO –
IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA QUALIDADE DE
RURÍCOLA À ESPOSA
– Para fins de comprovação da condição de rurícola, são
aceitos, a título de início de prova material, os documentos que
qualificam o cônjuge como lavrador. De outro lado, o posterior
exercício de atividade urbana pelo marido, por si só, não descaracteriza a autora como segurada especial, mas afasta a eficácia
probatória dos documentos apresentados em nome do consorte,
devendo ser juntada prova material em nome próprio. – REsp.
1.304.479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção,
DJe 19-12-2012, recurso submetido ao rito do art. 543-C do CPC.
No caso concreto, não se revela possível a extensão da qualidade
de rurícola à esposa, com fulcro em prova material que aponta
apenas a condição de trabalhador rural do cônjuge, porquanto
restou incontroverso nos autos que este passou a exercer
atividade urbana. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(STJ – AgRg-REsp. 1.342.782 – SP – Rel. Min. Sérgio Kukina –
Publ. em 23-8-2013)
@ 145372
CERCEAMENTO DE DEFESA – INDEFERIMENTO DO
PEDIDO DE ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA – TESTEMUNHA QUE DEIXA DE COMPARECER ESPONTANEAMENTE – AUSÊNCIA DE PROVA DE CONVITE
– O § 3º do art. 852-H da CLT estabelece que “só será deferida intimação de testemunha que, comprovadamente convidada,
deixar de comparecer. Não comparecendo a testemunha intimada,
o juiz poderá determinar sua imediata condução coercitiva”. Não
configura cerceamento de defesa o indeferimento do pedido de
adiamento de audiência quando a parte, advertida expressamente,
nos termos do art. 825 da CLT, e do § 3º do art. 852 da CLT, não
comprova o prévio convite, de testemunha que deixou de comparecer em Juízo. (TRT-12ª R. – RO 507-57.2012.5.12.0041 – Rel. Des.
José Ernesto Manzi – Publ. em 16-10-2013)
@ 145617
COMPETÊNCIA – EMPREGADO PÚBLICO – TRANSPOSIÇÃO AUTOMÁTICA DO REGIME CELETISTA PARA ESTATUTÁRIO
– Deve ser considerada irregular a transposição automática
do empregado contratado pelo município na condição de celetista,
para o regime estatutário, diante de inúmeras decisões no sentido
da inconstitucionalidade das leis municipais que autorizaram tal
mudança, devendo, por conseguinte, ser considerado o celetista
como o regime jurídico a que esteve submetido o empregado
público durante a contratualidade. E tratando-se a pretensão
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deduzida em Juízo decorrente desse liame, não há dúvida quanto
à competência desta Justiça Especializada para conhecer e julgar
a lide. (TRT-12ª R. – RO 974-30.2012.5.12.0043 – Rel. Des.
Gilmar Cavalieri – Publ. em 18-10-2013)
@ 145614
DEPÓSITO RECURSAL – SISTEMA E-DOC – DESERÇÃO
– Considera-se deserto o recurso quando a parte recorrente, usando do sistema E-DOC, transmite guia de recolhimento
do depósito recursal com autenticação bancária irregular, incompleta, trazendo apenas o valor recolhido, sem data do pagamento,
etc. Descabe abertura para saneamento de irregularidades, vez
que a utilização do sistema E-DOC é facultativa e a Lei 11.419/
2006 não prevê tal faculdade ou direito à parte. Quem faz uso do
sistema eletrônico de transmissão torna-se responsável pela qualidade e fidelidade do material transmitido, e por sua entrega ao
órgão judiciário. (TRT-3ª R. – RO 2274-2012-039-03-00-8 – Rel.
Des. Paulo Roberto de Castro – Publ. em 6-9-2013) @ 145319
EMPREGADO PÚBLICO – RECEBIMENTO DE VALORES
INDEVIDOS – RESSARCIMENTO
– Por aplicação analógica da Lei nº 8.112/90, o desconto de
eventuais valores recebidos indevidamente por empregado público não pode se fazer em uma única parcela, nos exatos termos
do art. 46, §§ 1º e 2º. A dedução de valores, além dos indevidamente pagos ou sem observância das limitações dos dispositivos
indicados quanto ao parcelamento, constitui abuso de direito
inaceitável, com grave risco à sobrevivência do empregado e
ofensa à sua dignidade humana. (TRT-12ª R. – RO 3321-11.
2012.5.12.0019 – Rel. Des. José Ernesto Manzi – Publ. em
16-10-2013)
@ 145622
ESTABILIDADE PROVISÓRIA – MEMBRO DA CIPA –
ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA –
ÔNUS DA PROVA
– O empregado membro da Cipa faz jus à garantia provisória de emprego, nos termos do artigo 10, inciso II, alínea ‘a’, do
ADCT. Para que a dispensa perpetrada pelo empregador se legitime na hipótese da Súmula 339, inciso II, do TST, é preciso que o
réu demonstre, de forma contundente, o encerramento de suas
atividades ou a extinção do estabelecimento. (TRT-3ª R. – RO
1594-2012-054-03-00-3 – Rel. Des. Paulo Roberto de Castro –
Publ. em 6-9-2013)
@ 145314
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CONSULTORIA TRABALHISTA
EXECUÇÃO DE SENTENÇA – MATÉRIAS JÁ DISCUTIDAS NA CARTA DE SENTENÇA – IMUTABILIDADE
SALÁRIO – QUEBRA DE CAIXA – DESCONTOS – LICITUDE
– O processo, por questão de segurança jurídica, se estabelece sempre de maneira progressiva, ou seja, é uma marcha à
frente, e está sujeito ao ordenamento jurídico pátrio. Possui ele um
fluxo, um iter, que deve ser respeitado pelos contendores. Para
que a prestação jurisdicional seja entregue de forma ágil, existem
regras a serem observadas pelos interlocutores do processo.
Assim, as questões já solucionadas em sede de carta de sentença
devem ser integralmente aproveitadas ao tempo da execução
definitiva da demanda, sob pena de ofensa à coisa julgada.
(TRT-12ª R. – AP 6077-2007-035-12-85-9 – Relª Desª Águeda
Maria Lavorato Pereira – Publ. em 16-10-2013)
@ 145629
– O empregado que labora na função de agente de arrecadação em praças de pedágio percebendo a gratificação de quebra
de caixa prevista em norma coletiva, a qual tem a finalidade de
remunerar o risco assumido em decorrência da realização da atividade, não afasta o direito de o empregador descontar da remuneração diferenças de numerários apuradas por ocasião do fechamento do caixa. (TRT-12ª R. – RO 815-23.2012.5.12.0032 – Relª
Desª Maria de Lourdes Leiria – Publ. em 17-10-2013) @ 145621
PENHORA – FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEL – POSSIBILIDADE
– É possível a penhora sobre a fração ideal da titularidade
do executado em bem em condomínio – inteligência dos arts.
1.314 e 1.320 do Código Civil. (TRT-12ª R. – AP 632-1996002-12-00-1 – Relª Desª Águeda Maria Lavorato Pereira – Publ.
em 22-8-2013)
@ 145230
RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO –
ASSÉDIO MORAL NÃO COMPROVADO – FALTA GRAVE
NÃO CARACTERIZADA
– Para que se caracterize justa causa, seja esta por parte do
empregado, ou do empregador, é necessário que haja falta e que
esteja necessariamente relacionada à rescisão contratual. Mais
que isso, esta falta deve ser grave o suficiente para dar azo a esta
consequência – o que se pode aferir pela tipificação de faltas que o
sistema mesmo organiza para balizar estas situações – arts. 482 e
483 da CLT –, devendo estar cabalmente caracterizada e demonstrada nos autos. Não comprovado o assédio moral alegado pelo
reclamante como fundamento da ruptura contratual, não é possível reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho. Recurso ordinário da reclamada a que se dá provimento. (TRT-9ª R. –
RO 11217-2011-029-09-00-9 – Rel. Des. Cássio Colombo Filho –
Publ. em 20-9-2013)
@ 145285
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – CONTRATO DE
FRANQUIA – VALIDADE – HIPÓTESE DE CABIMENTO
– São inerentes ao contrato de franchising a padronização
dos produtos e a fixação da forma de comercialização, pois é do
interesse do franqueador manter sua marca valorizada, exigindo
do franqueado a observância de determinadas regras, sem que
isso, por si só, configure o desvirtuamento do contrato de franquia,
ou mesmo caracterize vínculo empregatício entre trabalhadores
da franqueada e a franqueadora. Não havendo prestação de serviços em favor da franqueadora, não há que se falar na sua responsabilidade subsidiária, com base na Súmula 331 do TST. Nego
provimento. (TRT-1ª R. – RO 1480-65.2010.5.01.0048 – Rel. Des.
Enoque Ribeiro dos Santos – Publ. em 4-9-2013)
@ 145259
DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
SALÁRIO IN NATURA – ALIMENTAÇÃO – CARACTERIZAÇÃO – INTEGRAÇÃO
– Evidenciando-se dos autos que a empregadora fornecia alimentação in natura aos empregados e, não aludindo as
normas coletivas à natureza jurídica da benesse, a natureza
salarial de tal benefício somente seria elidida pela comprovação da efetiva inscrição da ré no Programa de Alimentação do
Trabalhador, ônus do qual não se desincumbiu a demandada.
Prevalece, assim, o disposto no art. 458, caput, da CLT – “Além
do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para
todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou
outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado.
Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas
alcoólicas ou drogas nocivas” –, bem como na Súmula nº 241
do TST – “SÚMULA 241 – SALÁRIO-UTILIDADE – ALIMENTAÇÃO. O vale para refeição, fornecido por força do contrato de
trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do
empregado, para todos os efeitos legais”. (TRT-3ª R. – RO
1824-2010-018-03-00-9 – Rel. Convocado Juiz Márcio Toledo
Gonçalves – Publ. em 2-8-2013)
@ 145002
SUCESSÃO TRABALHISTA – CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE UNIDADES PRODUTIVAS – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA ARRENDATÁRIA
– Havendo contrato de arrendamento de unidades produtivas, por meio do qual a arrendatária passa a ter o controle, administração e a direção sobre essas unidades, reputa-se caracterizada a sucessão de empregadores, haja vista a alteração na
exploração do negócio, com transferência de estabelecimento,
com continuidade da atividade empresarial. Responsabilidade
solidária devida. (TRT-9ª R. – RO 308-2012-669-09-00-8 – Relª
Desª Adayde Santos Cecone – Publ. em 24-9-2013) @ 145279
VALE-ALIMENTAÇÃO – VALORES DIFERENCIADOS
ENTRE EMPREGADOS DA MESMA EMPRESA –
PREVISÃO EM NORMA COLETIVA – POSSIBILIDADE
– A categoria do reclamante, mediante negociação coletiva,
pactuou o pagamento de vale-alimentação em valores diversos
para os empregados que trabalhavam na sede da recorrente e
para aqueles que laboravam nos postos de trabalho da tomadora
de serviços, em obediência aos contratos firmados com a toma426
COAD
FASCÍCULO SEMANAL 47/2013
dora. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de ser
válida a norma coletiva que prevê o pagamento de diferentes valores de vale-alimentação aos empregados da mesma empresa, o
que não caracteriza afronta ao princípio da isonomia. Ademais, o
desrespeito às condições pactuadas nas normas coletivas importa
violação do artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal. Precedentes.
Afronta ao art. 7º, XXVI, da Constituição Federal demonstrada.
Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
(TST – RR 2249-87.2011.5.03.0014 – Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão – Publ. em 6-9-2013)
@ 145245
CONSULTORIA TRABALHISTA
VALE-TRANSPORTE – DESNECESSIDADE DO RECEBIMENTO – ÔNUS DA PROVA
– O ônus de provar a desnecessidade do fornecimento do
vale transporte e/ou a recusa do obreiro no seu recebimento,
pertence à reclamada, conhecedora que é, desde o nascedouro
da relação de trabalho entre as partes, da necessidade ou não de
tal fornecimento. Posicionamento que encontra maior reforço com
o cancelamento da OJ 215 da SDI-1/TST. (TRT-3ª R. – RO
141-2013-081-03-00-3 – Rel. Des. Paulo Roberto de Castro –
Publ. em 6-9-2013)
@ 145307
Acórdão na Íntegra
APRENDIZ – CÁLCULO DA COTA – EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO
TST – PROC. RR 281-73.2012.5.04.0009, publ. Em 25-10-2013
ACÓRDÃO
RECURSO DE REVISTA. EMPRESAS DE TRANSPORTE
COLETIVO. MOTORISTAS E COBRADORES. CÁLCULO DA
COTA DE APRENDIZAGEM. O valor social do trabalho e da livre
iniciativa encontram-se entre os princípios fundamentais da Constituição da República (art. 1º, IV), a qual também estabelece como
dever da sociedade e do Estado assegurar ao adolescente e ao
jovem o direito à profissionalização (art. 227). Frente a tais valores,
qualquer medida que acarrete prejuízo quanto à formação de
profissionais deve ser vista com cautela. O art. 429 da CLT não
estabelece cota em razão das modalidades de funções existentes no estabelecimento, mas pelo número de trabalhadores,
evidenciando que a discussão em apreço não se restringe à atuação de aprendizes nas funções de motorista e cobrador de transporte coletivo, conforme o enfoque dado pelo Autor. Decorre de tal
entendimento, que as empresas do setor podem contratar aprendizes para frequentar curso de formação profissional relativas a
outras atividades da firma. Ademais, não há amparo legal a justificar a exclusão das funções de motorista e cobrador para efeito do
cálculo do percentual mínimo de contratação de aprendizes. Recurso de Revista conhecido e não provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de
Revista nº TST-RR-281-73.2012.5.04.0009, em que é Recorrente
SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DO RIO GRANDE DO SUL e Recorrida UNIÃO (PGU).
RELATÓRIO
Inconformado com a decisão proferida pelo TRT da 4ª
Região, a fls. 738/742, a qual negou provimento ao seu Recurso
Ordinário, o Reclamante interpõe o Recurso de Revista, a fls.
745/754, pretendendo a reforma da decisão a quo.
Admissibilidade a fls. 760/760-verso.
Foram apresentadas contrarrazões a fls. 764/773.
O Ministério Público do Trabalho manifestou-se pelo
conhecimento e não provimento do Apelo.
DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
É o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade, passo
à análise dos pressupostos intrínsecos.
CONHECIMENTO
MOTORISTAS E COBRADORES – COTA DE APRENDIZAGEM
O Regional negou provimento ao Apelo ordinário do Reclamante, nos seguintes termos:
“[...] A controvérsia cinge-se à contabilização, ou não, dos
empregados motoristas e cobradores que atuam nessas empresas na base de cálculo para a contratação de aprendizes, como
definida no Decreto nº 5.598/2005.
O caput do art. 429 da CLT determina: ‘Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular
nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de
aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por
cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional’.
O Decreto nº 5.598/2005, que regulamenta a contratação
de aprendizes, estipula em seu art. 10 critério objetivo para a
contratação de aprendizes, segundo o qual:
‘Art. 10 – Para a definição das funções que demandem
formação profissional, deverá ser considerada a Classificação
Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do
Trabalho e Emprego.
§ 1º – Ficam excluídas da definição do caput deste artigo
as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação
profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções
que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II e do parágrafo único
do art. 62 e do § 2º do art. 224 da CLT. § 2º Deverão ser incluídas
na base de cálculo todas as funções que demandem formação
425
COAD
FASCÍCULO SEMANAL 47/2013
profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos.’
Como se vê, o Decreto não excepciona ou exclui do cálculo
para a contratação de aprendizes algum tipo de atividade que
demande formação profissional, incluindo, de forma expressa,
aquelas que são proibidas aos menores de 18 anos. Até porque a
aprendizagem não é restrita aos menores (art. 428 da CLT).
Nesse sentido também é o art. 11 do Decreto nº 5.598/
2005, que, ao priorizar a aprendizagem ao menor de 18 anos,
aborda de forma explícita a aprendizagem nos casos em que a lei
exigir, para o desempenho das atividades práticas, licença vedada
a pessoa com idade inferior àquela, como é o caso da atividade de
motorista:
Art. 11 – A contratação de aprendizes deverá atender, prioritariamente, aos adolescentes entre quatorze e dezoito anos,
exceto quando:
I – as atividades práticas da aprendizagem ocorrerem no
interior do estabelecimento, sujeitando os aprendizes à insalubridade ou à periculosidade, sem que se possa elidir o risco ou realizá-las integralmente em ambiente simulado;
II – a lei exigir, para o desempenho das atividades práticas,
licença ou autorização vedada para pessoa com idade inferior a
dezoito anos; e
III – a natureza das atividades práticas for incompatível com
o desenvolvimento físico, psicológico e moral dos adolescentes
aprendizes.
Parágrafo único – A aprendizagem para as atividades relacionadas nos incisos deste artigo deverá ser ministrada para
jovens de dezoito a vinte e quatro anos.
A propósito, releva mencionar que, entre as entidades
qualificadas para a formação técnico-profissional metódica, há o
Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte – SENAT, que
oferece cursos específicos nessa área (Transporte de Cargas,
Transporte de Passageiros, Transporte de Produtos Perigosos,
Taxistas), como verificado no site www.sestsenat.org.br.
Autorizar que as empresas de transportes rodoviários
deixem de contratar os aprendizes em questão, inclusive, tornaria
inócuo o esforço desenvolvido pelo SENAT, que, de acordo com a
Lei 8.706/93, tem a competência de gerenciar, desenvolver,
executar, direta ou indiretamente, e apoiar programas voltados à
aprendizagem do trabalhador em transporte rodoviário e do transportador autônomo, notadamente nos campos de preparação,
treinamento, aperfeiçoamento e formação profissional.
No que pertine à função de cobrador, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXXIII, determina a ‘proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos’ – grifei. De qualquer forma,
ainda que fosse proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre
a todos os trabalhadores menores de 18 anos, tal regra não impediria a contratação de aprendizes para as funções desempenhadas nessas condições, já que, conforme visto acima, o art. 428 da
CLT permite o contrato de aprendizagem para jovens de até 24
anos.
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Ainda, vale ressaltar, como bem salientado no parecer do
Ministério Público de lavra da Procuradora Ana Luiza Alves Gomes, à fls. 732, que ‘essas atividades integram a base de cálculo,
mas não é a única desenvolvida pelos empregados das empresas
de transporte representadas pelo impetrante. Assim, os aprendizes não precisam, obrigatoriamente, frequentar curso de formação profissional restrita à função de motorista e cobrador. De outra
parte, para as atividades nocivas e incompatíveis para pessoa
com idade inferior a 18 anos o Decreto determina que as atividades sejam ministradas para jovens de 18 a 24 anos (art. 11, parágrafo único)’.
Nesse sentido, os seguintes precedentes deste Tribunal
que, embora não envolvam idêntica situação, destacam que os
critérios para a contratação de aprendizes destoam daqueles
apresentados pelo sindicato autor:
......................................................................................................
Nego provimento ao apelo." (Grifo nosso.)
O Sindicato recorrente busca excluir da cota de contratação
de aprendizes das empresas que representa os empregados que
atuam na função de motorista e cobrador. Alega, em síntese, que a
decisão regional tem por fundamento o Decreto nº 5.598/2005,
todavia não aborda a obrigação de contratar aprendizes em face
das normas do Código de Trânsito Brasileiro, ou dos acordos
sobre vedação de trabalhos infantis em determinadas condições,
afastando-se, por conseguinte, dos princípios da razoabilidade, da
proporcionalidade e do devido processo legal. Diz que mesmo a
contratação de maiores aprendizes para a função de motorista e
cobrador se mostra desproporcional para o ramo de transportes
urbanos, e que a responsabilidade e o perigo inerentes às atividades não se coadunam com o regime de aprendizagem. Traz aresto
ao cotejo.
De fato, o aresto colacionado a fls. 753, proveniente do TRT
da 3ª Região, traduz o dissenso de teses pretendido.
Conheço do Recurso por divergência jurisprudencial.
MÉRITO
EMPRESAS DE TRANSPORTE COLETIVO – MOTORISTAS E COBRADORES – COTA DE APRENDIZAGEM
Em atenção aos aspectos práticos levantados pelo Recorrente, passo, primeiramente, à seguinte consideração: de acordo
com os dados apresentados na Revista (a fls. 748), na média,
77,68% dos empregados das empresas de transporte coletivo
atuam como motorista ou cobrador, assim, os outros 22,32%
possuem função diversa. Ou seja, supondo uma firma com 300
empregados, 67 correspondem ao percentual de 22,32%, e a
empresa deve ter, no mínimo, 15 aprendizes (5% do total). A prevalecer a pretensão do Autor, no caso em hipótese, o número
mínimo de aprendizes seria de apenas 4 (1,3% do total).
Cabe, no entanto, asseverar, que o valor social do trabalho
e da livre iniciativa encontram-se entre os princípios fundamentais
da Constituição da República (art. 1º, IV), a qual também estabelece como dever da sociedade e do Estado assegurar ao adolescente e ao jovem o direito à profissionalização (art. 227). Frente a
tais valores, qualquer medida que acarrete prejuízo quanto à
formação de profissionais deve ser vista com cautela.
424
COAD
FASCÍCULO SEMANAL 47/2013
Acerca do tema, dispõem os artigos 428 e 429 da CLT:
“Art. 428 – Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que
o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de
aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o
aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a
essa formação.”
“Art. 429 – Os estabelecimentos de qualquer natureza são
obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco
por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.”
Constata-se, portanto, que o art. 429 da CLT não estabelece cota em razão das modalidades de funções existentes no
estabelecimento, mas pelo número de trabalhadores, evidenciando que a discussão em apreço não se restringe à atuação de
aprendizes nas funções de motorista e cobrador de transporte
coletivo, conforme o enfoque dado pelo Autor.
Com efeito, nos termos já ressaltado pelo acórdão regional,
a formação profissional do empregado aprendiz abre-se às demais funções existentes nas empresas de transporte, que conforme visto, não são poucas – em torno de 22% dos trabalhadores.
Assim, cumpre minimizar as alegações do Sindicato quanto à dificuldade de contratação de aprendizes, sobretudo menores, em
razão da responsabilidade ou riscos especificamente ligados às
funções de motorista e cobrador.
De qualquer modo, não há motivo para que o número de
trabalhadores relativos a tais funções não devam entrar para a
cota de empregados aprendizes dessas empresas.
Ocorre que nem mesmo a alegação de exigência legal de
maioridade para o exercício dessas atividades apresenta-se como
óbice, uma vez que tanto o caput do art. 428 da CLT como o § 2º do
art. 10 do Decreto nº 5.598/2005 (transcrito no acórdão regional)
prevêem o contrato de aprendiz para maiores de idade.
Por outro lado, o caput do art. 10 do Decreto em apreço
dispõe que as funções que demandam formação profissional, ou
seja, que se inserem para fins do curso de aprendizagem, são
aquelas previstas na Classificação Brasileira de Ocupações –
CBO, elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a qual
relaciona as ocupações de “motorista de ônibus urbano” e “cobrador de transporte coletivo”.
Desse modo, não verifico amparo legal para a exclusão das
funções de motorista e cobrador para efeito do cálculo do percentual mínimo de contratação de aprendizes previsto no art. 429 da
CLT.
Por fim, a decisão regional alinha-se à jurisprudência desta
Corte:
“[...] CONTRATO DE APRENDIZAGEM – EMPREGADOS
MOTORISTAS – BASE DE CÁLCULO (violação aos artigos 9º e
10, § 1º, do Decreto Federal 5.598/2005, 429, da Lei nº 10.097/
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2000, 5º, II, da CF/88 e divergência jurisprudencial). A função de
motorista demanda formação profissional, conforme previsto no
artigo 429, da CLT, estando incluída na CBA (Classificação Brasileira de Ocupações), em conformidade ao artigo 10, § 2º, do
Decreto 5.598/2005, não fazendo parte das exceções previstas no
§ 1º deste último dispositivo, para efeito de cálculo do número de
aprendizes a serem contratados por força do dispositivo celetista.
Dessa forma, não há justificativa para que, para efeito de cálculo
do número de aprendizes a serem contratados por força da lei,
sejam desconsiderados os empregados motoristas do estabelecimento empregador. Recurso de revista conhecido e desprovido.”
(TST – RR – 99200-16.2007.5.03.0134, Relator: Ministro Renato
de Lacerda Paiva, 2ª Turma, DEJT 19-10-2012.)
“RECURSO DE REVISTA – CONTRATO DE APRENDIZAGEM – BASE DE CÁLCULO PARA CONTRATAÇÃO – ATIVIDADES INSALUBRES E PERIGOSAS – ATIVIDADES DE
MOTORISTA, GARI, SERVENTE, COLETOR E VARREDOR DE
RUA – FUNÇÕES QUE EXIGEM FORMAÇÃO PROFISSIONAL –
PROTEÇÃO INTEGRAL – DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO –
PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE. O art. 429 da CLT dispõe
que os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a
empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de
Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por
cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. Nesse contexto, a base de cálculo do
percentual mínimo estipulado para contratação de aprendizes
deve ser interpretada em conjunto com o direito fundamental à
proteção integral e à profissionalização do adolescente e do
jovem. Diante da previsão expressa, no art. 10, § 2º, do Decreto nº
5.598/2005, de que mesmo as atividades proibidas para menores
devem ser computadas na base de cálculo para contratação de
aprendizes, uma solução correta fundamentada nos direitos individuais é a de que não há redução do número de aprendizes em
função da atividade (insalubre ou perigosa) eventualmente exercida na empresa, mas tão somente a limitação de idade do aprendiz contratado. Nesse contexto, a contratação de aprendizes para
atividades insalubres ou perigosas está limitada aos jovens entre
18 e 24 anos. Da mesma forma, a contratação de jovens aprendizes na função de motorista, na qual se exige a idade mínima de 21
anos, está limitada aos aprendizes maiores de 21 anos e menores
de 24 anos. Recurso de revista conhecido e desprovido.” (TST –
RR – 138-73.2011.5.03.0033, Relator: Ministro Aloysio Corrêa da
Veiga, 6ª Turma, DEJT 8-6-2012.)
Nesses termos, nego provimento ao Apelo.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal
Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de
Revista, por divergência jurisprudencial e, no mérito, negar-lhe
provimento.
Brasília, 23 de Outubro de 2013. (Maria de Assis Calsing –
Ministra Relatora)
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