INCLUSÃO: UMA QUESTÃO DE DIREITO
Vânia Maria da Silva Melo Lamas
Professora do Centro Universitário do Centro Leste de Minas Gerais, Especialista em Psicopedagógia
“Temos o direito de acreditar que ainda não é demasiadamente tarde
para empreender a criação da nova utopia da vida, onde ninguém
possa decidir por outro, até a forma de morrer ou viver. Onde as
estirpes condenadas a Cem Anos de Solidão tenham, por fim e para
sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra” .
Gabriel Garcia Márquez
Sentir-se incluído é muito mais que se fazer presente. É desfrutar de oportunidades
muitas vezes limitadas pela discriminação, pela falta de acesso às informações, pelos
processos de marginalização de pessoas que
se encontram em situações mais
vulneráveis em nossa sociedade.
A discussão a respeito da inclusão social, pautada nos tempos atuais, nos possibilita
uma análise reflexiva sobre o modelo de sociedade que queremos construir. Não se
pode pensar a inclusão apenas segundo uma perspectiva educacional; pois a reflexão
que se exige a esse respeito é muito mais ampla e complexa. A inclusão nos permite
rever conceitos, valores por meio do respeito às diferenças, promover a aceitação
social
de
forma
consistente,
num
clima
de
cooperação,
solidariedade
e,
principalmente, de fraternidade. Possibilita-nos, ainda, refletir sobre a igualdade de
oportunidades, promovendo, na sociedade, um novo movimento, cujos resultados
possam de certa forma, contribuir para sua transformação, e mudança, considerandose que:
“S oci ed ade In c lus iva
é um a so ci eda de par a to dos ,
ind e pend ent em en te de s exo, id ade ,
r el igi ão,
or ig e ns
étn ic as , raça ,
ori en taç ã o
s exua l ou
def i ci ênc i as.
Uma
soci e dade que nã o some nt e é ab er ta e a c es sí ve l p ar a todo s os
grupo s, m as qu e t amb ém en cor aja a par t ici pa ção de ca da um.
Uma s oci eda de que r ec eb e bem e apr ec ia a di vers i dad e de
exper i ên ci as huma n as. U ma s oci eda de cu jo ob j eti vo pr i nci p al é
for ne cer opor t un i dades ig u ais par a to dos , p erc e bend o o s eu
pot e ncia l hum an o” .
(Adol ph Rats ka – Pr es i dent e Centr o de Vi da Inde pend ent e da
S uéc ia) 1
1
Palestra proferida no Fórum de Educação Inclusiva – PUC Minas 1999
Assim, diante desse cenário, encontramo-nos desafiados pela responsabilidade social
com a infância, objeto de nossas pesquisas e estudos como
formadores de
profissionais que atuarão em instituições educacionais de Educação Infantil e Ensino
Fundamental, nos anos iniciais.
Nesse sentido, esse grande desafio transformou-se em um projeto de atendimento às
crianças marginalizadas por não aprenderem o que a escola espera que aprendam
com uma proposta de reforço escolar,
desenvolvida por alunas do
Curso Normal
Superior, coordenado por uma professora,e apoiado pela Coordenação do Curso,
sendo essa ação uma das atividades desenvolvidas no Laboratório de Experiências de
Aprendizagem e na Brinquedoteca, do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais
UnilesteMG.
As crianças, ora encaminhadas por entidades não governamentais, ora por entidades
governamentais, são acompanhadas
por alunas estagiárias do Curso para o reforço
escolar. O atendimento às crianças é realizado por meio
visando, principalmente, ao
resgate da auto-estima
pares e grupos por acreditar
que
de jogos e brincadeiras
priorizando-se a relação entre
essa estratégia aumenta as possibilidades de
aprendizagem e de convivência social fundamentais para a promoção da inclusão
social.
O
projeto teve como proposta inicial o resgate da auto-estima de crianças cuja
realidade social colocou-as em condições adversas e, dessa forma, encontraram-se em
situações
desfavoráveis
para
a
aprendizagem
e,
concomitantemente
para
o
desenvolvimento de práticas de leitura, de escrita, bem como dos conhecimentos
básicos
de
matemática.
Paralelamente,
foram
desenvolvidas
oportunizaram a relação com o conhecimento, por meio
de
atividades
que
atividades lúdicas e
planejadas, cujo objetivo era prepará-los para uma vida produtiva, capaz de sentir-se
integrante do meio em que vive,respeitadas as suas condições, a sua singularidade.
O trabalho é desenvolvido no Laboratório de Experiências de Aprendizagem (LEA)
que é um espaço idealizado e
estruturado a partir de um olhar sobre a infância e
suas características peculiares. Na verdade, trata-se de
um espaço de formação e
pesquisas de profissionais que atuam na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, visto que o olhar sobre a
curso.
infância é a essência
maior
do
O Laboratório de Experiências
de Aprendizagem (LEA) favorece também a
articulação entre a teoria e prática, assim como a aplicabilidade de metodologias de
ensino e validação das discussões de que toda criança é capaz de aprender e de
participar
de
sua
sociedade
de
forma
dinâmica,
participativa.
Pretende-se,
sobretudo, a universalização e a democratização do conhecimento, de forma
alunos que participam do projeto
que os
possam fazer uso do próprio conhecimento
participando mais ativamente seu grupo de atuação e formação.
Equipado com recursos pedagógicos (re)criados pelos alunos do Curso Normal
Superior, o espaço vem se tornando um lugar de ludicidade e, nessa perspectiva, vem
desenvolvendo
atividades que favorecem a interação e a construção de
com o
conhecimento pelos aprendizes que participam do projeto.
Dessa forma, tornou meta prioritária do projeto, atender a crianças da comunidade
entorno do campus universitário. Essas crianças,
por uma determinada situação,
foram privadas de relacionar-se plenamente com seu grupo social e de usufruir dos
bens culturais e sociais. No momento, freqüentam
escolas de Educação Infantil e
Ensino Fundamental, assim como outras instituições de assistência às crianças.
O trabalho é coordenado
por um professor do curso e desenvolvido pelas alunas
estagiárias que atuam como responsáveis pela concretização das ações do projeto.
Nesse trabalho, conta-se, também, com a cooperação dos professores do curso que
estão dispostos a contribuir com os desafios maiores.
Cada um dos aprendizes do programa apresenta características peculiares em seu
desenvolvimento, o que conseqüentemente contribuiu para que por ao longo de seu
processo de escolarização sofressem as conseqüências da
exclusão. São atendidos
dois grupos.
O primeiro grupo de atendimento é de crianças do Ensino Fundamental do primeiro
ciclo ao ciclo intermediário,compreendendo a faixa etária de 7 a 14 anos, freqüentes
em escola regular. São aprendizes que ao longo de sua trajetória escolar vêm
demonstrando dificuldades de aprendizagem no que tange às mais diversas práticas
escolares.
O segundo grupo é caracterizado por crianças de uma entidade não governamental,
que, por motivos adversos, se tornaram crianças culturalmente marginalizadas,
muitas vezes em decorrência do descaso e da
impuseram
desestrutura familiar que lhes
essas condições. São crianças que também freqüentam escola regular e
estão na faixa etária entre 4 a 6 anos.
NOSSOS APRENDIZES: PÉROLAS DE NOSSO OLHAR
Aprendiz por considerar o sujeito do conhecimento como um “eterno aprendiz”, pois
a sociedade moderna, na era da informação e da tecnologia, desafia-nos a lidar de
forma competente com o conhecimento culturalmente produzido e que é dinâmico e
não nos possibilita certezas absolutas.
Pozo(2002,p.63) descreve que na complexa sociedade da aprendizagem, necessitamos
de habilidades e conhecimentos transferíveis para novos contextos,já que não
podemos prever as novas demandas que o mercado de trabalho e a sociedade da
informação vão colocar num futuro próximo para os aprendizes.
Assim, o perfil do aprendiz da atualidade é o de sujeito de quem são cobradas muitas
habilidades e competências, que, muitas das vezes não são desenvolvidas ora
pela
negligência da informação,ora pela falta de oportunidades.Tais as exigências que se
faz do indivíduo implicam uma relação ainda mais ativa desse indivíduo com o
conhecimento, a informação e a produção cultural.
E, nesse sentido, não se pode desconsiderar a importância da formação humana,que
prepara esse indivíduo para viver em grupo, na coletividade. Acredita-se, que através
da relação com o mundo e
com outro é
que o homem torna-se é capaz de se
encontrar, aumentando suas possibilidades de se construir e de construir um mundo
melhor.
Sabe-se que as escolas têm avançado, intencionalmente, no sentido de superar um
modelo centrado na aprendizagem, em que se valoriza apenas o
conhecimento
técnico, formal, para um modelo centrado na criança.Todos os esforços têm sido
significativos, porém
os avanços ainda não
atingem os patamares da escola de
qualidade que se desejam alcançar.
A escola de qualidade, na realidade,deve centrar todos os esforços de forma a
atender a todas as crianças, independentemente de sua condição, de sua raça, sexo,
crenças,condições socioeconômicas, pois é no contexto da diversidade que as
experiências humanas são enriquecidas e são
muito bem descritas por Mantoan
(1998, p.49):
“A d ivers i dad e no mei o s oc ial e es pec i alm ent e no
am b ient e
es c olar
é
f ator
de t ermi na nt e
do
e nr ique ci me n to
das
tr oc as,
d os
i nt er câmbi os
i n tel ec t uais , s oci a is e cu l tur a is q ue pos s am o c orrer
e nt re os su je it os que os s uj eit os qu e n el es in ter a gem.
Apoiados nesses parâmetros, o projeto de atendimento às crianças com defasagem
escolar priorizou aprendizes de escola regular de ensino e crianças de uma instituição
não governamental cujo atendimento considera as necessidades básicas e, priorizam
desde o cuidar até a
reintegração da criança na sociedade, buscando sempre
minimizar quaisquer que sejam as situações que possam representar uma prática
discriminatória ou sua exclusão.
ABORDAGEM METODOLÓGICA
Os princípios norteadores do projeto foram pautados inicialmente em atividades que
pudessem resgatar a auto-estima dos aprendizes, visto que a maioria já vivenciou
situações relacionadas a fracasso, tanto escolar quanto na própria vida.
Foram organizados grupos de atendimento de acordo com o levantamento e
diagnóstico realizado pela escola de origem dos aprendizes. Nessa fase, a escola de
origem participou fornecendo dados sobre o desenvolvimento dos aprendizes para que
as atividades possam ser estruturadas.
Por essa razão, foram propostas atividades lúdicas que favoreceram uma relação com
o brincar, com o faz de conta e construção, bem como a relação com seus pares e o
trabalho coletivo. Essa relação com o lúdico vem possibilitando, entre outros, a
busca da autonomia, a relação com a emoção e a grande possibilidade de criar.
Destaca-se também que, nesse momento, foram trabalhadas regras de conduta e
limites, pois, já nos primeiros contatos, percebeu-se a necessidade de se investir em
tais aspectos.
Paralelo ao trabalho do resgate da auto-estima, foram organizadas atividades que vêm
possibilitando um contato mais amplo com a leitura, a escrita e os conceitos básicos
de matemática.
As atividades selecionadas são planejadas cuidadosamente pela equipe responsável
pelo Laboratório de Experiências de Aprendizagem, nos encontros realizados
semanalmente. Nesses encontros, realizam-se estudos que sustentam a prática,
levantam-se as dúvidas, pontuam-se as dificuldades, estruturam-se as atividades. A
função dos encontros, que acontecem de três a cinco vezes por semana com os alunos
não é a realização das tarefas escolares, mas a proposta de atividades desafiadoras,
principalmente, através de jogos e atividades que estimulem aos aprendizes à
aprendizagem , o uso de habilidades de pensamento crítico.
O crescimento vem sendo considerável e, nesse sentido é possível considerar que as
ações têm contribuído para novas perspectivas de vida para os nossos aprendizes.
Ações tímidas, mas que nos possibilita uma nova reflexão sobre inclusão social,
como nos aponta SassaKi, (1997,p.3):
Concei t u a-s e a incl us ão s o cial com o o pr oces s o pe lo qu a l a
soci e dade se a da pta par a pod er i nc l uir , em s eus s is tem as
soci a is ger ai s, pess oas com
nec ess ida d es es peci a is e,
sim ult ane am ent e est as se pr ep aram p ara ass umir seus p ap éis
na soc ie dad e . A inc lus ão soc i al cons t it ui, e n tão , um pr oc esso
bil at er al no qu a l as pes so as , ai nd a e xc lu í das , e a so ci edad e
bus cam, em par cer i a, equ ac io nar pro bl emas , d ecid ir s obre
sol uç ões e e f eti var a
equi p ara ção de opor t uni d ades p ara
tod os .
Estamos no processo, avançamos, mas temos a certeza que o percurso será longo até
construirmos um novo modelo de sociedade. O que importa é não desistir.
TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Para o grupo de professores e alunas estagiárias que vêm atuando no projeto de
atendimento às
crianças no Laboratório de Experiências de Aprendizagem, a
iniciativa desse movimento pela inclusão das crianças que em sua condição de
marginalização, estão em busca de
efetiva um grande sucesso.
novas formas
de representar suas vidas, já se
Para os nossos aprendizes, um novo tempo. Tempo de certezas,
confiança e
esperança de que, com apoio e respeito à sua condição singular, é possível agir e
transformar.
Muito mais que o resgate das aprendizagens escolares perdidas ao longo do processo
é a autoconfiança que, aos poucos, cada aprendiz vem ganhando. Isso contribui para
que ele se senta seguro,respeitado e valorizado, ainda que na mais simples
manifestação de avanço, sucesso, êxito.
Estamos construindo um caminho. Sabe-se que muito há que se trilhar,porém a
certeza de tímidos resultados das iniciativas começa a ter significado para cada um
dos aprendizes que fazem parte do projeto, nos dá a tranqüilidade de que nossas
ações estão contribuindo para a busca da tão sonhada sociedade inclusiva. Uma
sociedade que todos terão garantido seus direitos,respeitadas as suas capacidades
individuais apoiados nas diferenças e semelhanças entre os pares, além de
competência e preparação para a vida em comunidade através da aceitação, da
cooperação e solidariedade.
Tudo isso nos impulsiona para continuar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MANTOAN, Maria T. E., Integração X Inclusão – Educação para Todos, ano II nº 5
Mai/jun 1998 Revista Pátio.
POZO, Juan I., Aprendizes e Mestres: A nova cultura da aprendizagem.Porto Alegre:
Artmed Editora, 2002
SASSAKI, Romeu K. Inclusão – Construindo uma sociedade
janeiro: WVA, 1997
para todos. Rio de
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LABORATÓRIO DE EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM