LUDICIDADE E FAMÍLIA: O BRINCAR E SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO FAMILIAR CHAVES, Amanda Pires1 - UEL Grupo de Trabalho – Educação da Infância Agência Financiadora: PIBIC/CNPq Resumo Este artigo é resultado de uma investigação relativa à ludicidade no contexto familiar, realizada com quarenta pais ou responsáveis de crianças de duas turmas de Pré I e Pré II de uma instituição municipal de Educação Infantil, situada na cidade de Presidente Prudente. A investigação surgiu a partir da constatação de que familiares desconhecem ou ignoram as culturas da infância, principalmente a ludicidade, desvalorizando as particularidades da infância. Sendo assim um dos objetivos foi o de identificar e compreender como o eixo “ludicidade” é concebido no meio familiar. Buscou suporte, em especial nos estudos e pesquisas da Sociologia da Infância, considerados referenciais teóricos predominantes nesta pesquisa e a opção metodológica pautou-se na abordagem de cunho qualitativo, caracterizada como um estudo do tipo exploratório-descritivo. O questionário aberto foi o procedimento utilizado para a coleta de dados junto aos pais ou responsáveis das crianças. Foram entregues quarenta questionários, sendo que destes vinte e sete foram respondidos, ou seja, sessenta e sete por cento dos pais ou responsáveis responderam o questionário. Como resultado, foi possível constatar que os pais ou responsáveis concebem o eixo “ludicidade” no meio familiar como necessário, contudo, destacaram barreiras que impedem o seu envolvimento em jogos e brincadeiras juntos às crianças, deixando de lado esta importante atividade interativa, necessária ao desenvolvimento infantil. Desta maneira, torna-se necessário o apoio da escola para que os pais ou responsáveis aprofundem seus conhecimentos acerca da importância do brincar na vida das crianças, estreitando assim o processo de interação entre escola e família e adultos e crianças. Palavras-chave: Ludicidade, Culturas da Infância, Família, Sociologia da Infância. Introdução Este artigo é resultado de uma pesquisa, financiada pelo CNPQ, realizada junto ao Centro de Estudo e Pesquisa em Educação, Ludicidade, Infância e Juventude (CEPELIJ), 1 Licenciada em Educação Física na FCT/UNESP e Mestranda em Educação na UEL – Londrina – PR – Brasil. 31126 vinculado ao Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP, Campus de Presidente Prudente (FCT/UNESP/PP) e desenvolvida em uma Instituição de Educação Infantil deste mesmo município. Esta investigação elencou como tema central a ludicidade no contexto familiar e contou com a colaboração de quarenta pais ou responsáveis de crianças pertencentes a duas turmas de Educação Infantil: Pré I e Pré II, além de docentes e discentes da FCT/UNESP/PP. A investigação surgiu a partir da constatação de que familiares desconhecem ou ignoram as culturas da infância, principalmente a ludicidade, desvalorizando as particularidades da infância. Neste sentido, foram estabelecidos os seguintes objetivos para o estudo: identificar e compreender as concepções sobre a ludicidade no contexto familiar; diagnosticar a importância e a utilidade dada a ludicidade nesse contexto; e levantar indicativos sobre a importância da valorização da ludicidade no desenvolvimento infantil. Desenvolvimento Fundamentação Teórica A criança esteve presente em todos os períodos da humanidade, no entanto, as concepções de infância e criança nem sempre foram tratadas e aceitas da mesma maneira. Para Ariès (1981), durante muitos séculos não existia uma concepção de infância, ou seja, a infância não tinha suas particularidades reconhecidas, o que não quer dizer que os adultos não tinham afeição pelas crianças, desprezavam-nas ou até mesmo as negligenciavam. Entre os séculos XII e XVII, a infância recebeu diferentes conotações nos aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos, de acordo com cada período histórico. A infância era entendida como um “vir a ser”, uma “tabula rasa” e seus modos peculiares de vida não eram considerados. A criança não tinha privilégios ou regalias, era vista como um ser substituível, servindo de modo utilitário para a sociedade. Aos sete anos de idade, era submetida e preparada para realizar funções dentro da organização social e o desenvolvimento de suas capacidades se dava a partir das relações que mantinham com os mais velhos. Entretanto, de acordo com Ariès (1981), o conceito de infância, enquanto categoria social começou a ser revelado e estruturado somente entre o século XVII e XIX. É neste período que o autor constata o início do reconhecimento da infância, caracterizado como o 31127 surgimento do “sentimento de infância”, que foi constituído por dois momentos, intitulados pelo autor de paparicação e moralização. A paparicação consiste em um sentimento de infância apoiado na inocência, graciosidade e beleza. Sentimento este que proporcionou às crianças a idolatração e a valorização por parte dos adultos como fonte de diversão e distração. E, para sobrevivência das crianças, deu-se uma nova atenção a esta categoria. As condições de higiene foram melhoradas e a preocupação com a saúde das crianças fez com que os pais não aceitassem perder seus filhos com naturalidade e, os que perdiam, aceitavam como sendo a vontade de Deus, segundo a orientação religiosa da época. (ROCHA, 2002, p.56) No entanto, este sentimento não foi despertado em todas as pessoas; algumas demonstravam irritação a esta nova forma de tratar as crianças. Foi assim que no século XVII, surgiu o sentimento de moralização, como uma manifestação contra a paparicação da criança. Este sentimento tinha como proposta separar a criança do adulto para educá-la de modo mais racional, dentro dos costumes e da disciplina da época. Esses acontecimentos permitiram que os adultos compreendessem as particularidades da infância e sua importância tanto moral como social; o que tornou a criança, centro das preocupações da família e da sociedade. Mesmo após um considerado progresso, a criança no século XVIII ainda era entendida como uma folha em branco, que precisava ser completada para tornar-se um adulto, ou seja, a infância ainda era compreendida como projeção, preparação para a vida adulta, e não como uma categoria social do presente. Diante do exposto, constata-se que a infância passou por muitos períodos divergentes, e muitas vezes de modo oculto, sem a valorização devida. Entretanto, no decorrer do processo histórico, a criança foi ganhando seu espaço e relevância diante da sociedade e das diversas culturas. Neste sentido, adotamos nesta pesquisa o referencial teórico da Sociologia da Infância que será fundamentado em autores como Sarmento (2002), Corsaro (2011), Muller (2009), entre outros. A área da Sociologia da Infância especificamente produz saberes que buscam atribuir novos sentidos às práticas educativas, de modo a reconhecer e valorizar a infância, buscando superar vertentes e práticas que desvalorizam e não reconhecem efetivamente essa categoria social. Portanto, considerando visão de criança como sujeito social e cultural, 31128 assumimos nessa pesquisa a necessidade de investigar e ampliar a produção científica sobre a criança e suas culturas: As culturas da infância são tão antigas quanto à infância. Resultam do processo societal de construção da infância, coevo, da modernidade. [...] as culturas da infância, sendo socialmente produzidas, constituem-se historicamente e são alteradas pelo processo histórico de recomposição das condições sociais em que vivem as crianças e que regem as possibilidades das interações das crianças, entre si e com os outros membros da sociedade. (SARMENTO, 2003, p.4) Entende-se por esta descrição que as Culturas da Infância compreendem a ligação entre a criança e o mundo adulto, de modo que ela constrói sua própria categoria por meio de manifestações que vão além do caráter desenvolvimentista, transportando marcas do tempo, que foram historicamente construídas e não se restringindo apenas às questões biológicas, destacadas por diversos pesquisadores e estudiosos. Devemos nos remeter ao fato de que as Culturas da Infância se constituem na sociedade onde as crianças se encontram, descrevendo assim as características do seu meio, contudo, de uma forma particular. Sarmento (2004) destaca quatro eixos estruturadores das Culturas da Infância, que são: a interactividade, a ludicidade, a fantasia do real e a reiteração, sendo que cada um deles esboça importantes pontos para que a infância seja compreendida e respeitada a partir de suas realidades e não limitada às visões adultocêntricas. Entre os eixos acima, escolhemos o eixo ludicidade para direcionar a presente investigação. O eixo ludicidade representa um aspecto essencial da cultura infantil: o brincar. De acordo com Scherer (2007), a ludicidade proporciona as crianças melhores condições de aprendizagem. Pelo brincar, as crianças compreendem e entronizam ideias, comportamentos, reflexões, atitudes. Os jogos, os brinquedos e a própria ação do brincar, em especial o brincar com os outros, constitui-se em fator responsável por inúmeras aprendizagens e importante suporte na construção das relações sociais (SCHERER, 2007, p. 112). Sabe-se que as crianças convivem em diversos meios, mas é na família e na escola que ocorrem os primeiros processos de socialização e de aprendizagem e estas instituições exercem um papel decisivo no processo de formação das crianças. No estreito contato que mantivemos com as crianças em projetos de extensão e pesquisa, no interior das escolas, constatamos que muitos familiares ainda desconhecem ou ignoram as Culturas da infância, 31129 principalmente a ludicidade, não reconhecendo as particularidades da infância; sendo assim, deixam de compreender de forma mais consistente as necessidades e aspirações desta categoria, destaque para a brincadeira. De acordo com Hirsh-Pasek (2006, p.235) “[...] muitos pais hoje em dia, têm a falsa crença de que brincar não é importante e que é, inclusive, uma perda de tempo – que as crianças não estão aprendendo nada quando estão “só” brincando”. Contrariamente a essa falsa crença, a autora afirma que “[...] os momentos de brincadeiras são, na realidade, oportunidades de aprendizagem “disfarçadas”, e que é preciso dar uma atenção especial a esses momentos, principalmente no meio familiar, cuja interação se dá primeiramente” (HIRSH-PASEK, 2006, p. 235). A partir desta problemática, família – primeiro meio de socialização da criança – preocupam-se em agendar os momentos livres das crianças com atividades estruturadas, ditas “enriquecedoras”, atribuindo à ludicidade um lugar secundário na infância e considerando o pouco tempo e espaço destinados para a vivências das brincadeiras. Atenta-se para o fato de que após a Segunda Guerra Mundial, esta problemática foi agravada, devido às mudanças de natureza social e econômica, como o aumento da carga horária de trabalho dos pais e a inserção das mulheres/mães no mercado de trabalho, sobrando consequentemente, pouco tempo para interagir e brincar com as crianças. Como mencionado por Dowling citado por Moyles (2002) devido a esta falta de tempo, pais acabam não participando como precisam da formação inicial das crianças, deslocando para a escola a maior parcela de responsabilidade para o alcance dessa meta. Sendo assim, a escola passa a ser “única” responsável pelo cuidado e educação destas crianças. Entretanto, os pais e responsáveis alegam que a escola não atende suas expectativas quanto à educação de seus filhos na Educação Infantil, visto que muitas vezes ainda não aprenderam a ler e escrever, e que passam a maior parte em atividades que não focam este objetivo específico. Deste modo, Poletto (2005) atribui à escola o papel de conscientizar os pais de que as experiências por meio do brincar são apropriadas e vitais para o desenvolvimento de todas as crianças. A escola, portanto, atua como facilitadora do processo de interação entre escola e família e familiares e crianças. A escola pode servir de local facilitador para que algumas atividade lúdicas possam acontecer, permitindo a interação maior entre escola e família, ao mesmo tempo que pode favorecer uma maior proximidade entre familiares/cuidadores e crianças. 31130 (POLETTO, 2005, p. 74) E, ainda, Clark ressalta que o adulto que participa ativamente das atividades lúdicas proporcionam as crianças um maior desenvolvimento. Estudos de observação demonstraram que um ambiente de atividades lúdicas livres tem o potencial de estimular a aprendizagem nas crianças pequenas... ele deve ser cuidadosamente estruturado, e os adultos têm um papel crucial em sua organização e precisam intervir seletivamente no “brincar” infantil (CLARK apud MOYLES, 2002, p.176) Nesta perspectiva, torna-se indispensável diminuir a diferença entre o brincar da criança e o brincar na concepção do adulto. Portanto, os objetivos centrais desta investigação, pautada no eixo ludicidade, foram: identificar e compreender as concepções deste eixo e sua importância no meio familiar e, ainda, levantar indicativos sobre a importância da valorização da ludicidade no desenvolvimento infantil. Metodologia Esta pesquisa é de natureza qualitativa e procurou produzir saberes sobre a importância da valorização da ludicidade no contexto familiar e sua influência no desenvolvimento infantil. A adoção do paradigma qualitativo foi condizente com nossas pretensões, visto que, trabalhamos com atributos que não são totalmente quantificáveis e estatísticos, necessitando de uma análise interpretativa e crítica do material coletado, dialogada com a realidade encontrada. Ainda por ser flexível, possibilita em seu decorrer realizar ajustes e aprofundamentos de natureza teórica e metodológica que podem emergir do próprio processo da pesquisa. Qualitativo está ligado aos sentidos produzidos nas relações sócio-historicamente determinadas, afirmando a alteridade e as turbulências que nos movem a analisar, a dialogar, a buscar entender o que vivemos. As palavras mudam de significado em função dos sentidos que vão sendo agenciados nas práticas de acordo com as relações de força implicadas naquele momento (ROCHA, 2006, p.171). Apoiada neste referencial qualitativo, esta pesquisa é caracterizada como do tipo exploratório-descritivo. Exploratório, visto que visa “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses” (GIL, 2010, p. 27). Descritivo, pois segundo Cervo, Bervian e Silva (1996, p. 61), é por meio da descrição que se: 31131 Observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los. Procura descobrir, com maior precisão possível, a frequência com que um fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e suas características. Como procedimento de investigação e coleta de dados, foi adotado o questionário aberto - aplicado aos pais/responsáveis de crianças de duas salas de Educação Infantil: Pré I e Pré II, de uma instituição municipal da cidade de Presidente Prudente - que em nome do rigor científico foi constituído por três fases/etapas em sua construção (adaptação): estudo prépiloto, estudo piloto e estudo principal. (CUNHA, 2007). Estudo pré-piloto, caracterizado pela construção (adaptação) do questionário provisório, com o objetivo de diagnosticar e cortejar a problemática. Estudo piloto, em que o questionário depois de adaptado, refletido e reformulado foi validado pelo Comitê de Ética, dando origem aos instrumentos finais. Estudo principal, em que o questionário pretendeu conhecer a realidade familiar e as concepções de ludicidade presentes na mesma. (CUNHA, 2007). A escolha do questionário aberto constituiu-se pela sua fácil aplicação e por possuir um grau de confirmação aceitável. Visto que o questionário por si só pode não corresponder à realidade, optamos em aplicar o questionário aberto como uma forma de organizarmos algumas informações, e estabelecer combinações com a observação em campo. De acordo com Cunha (2007, p.72) o questionário pode “estabelecer combinações com outras técnicas de natureza qualitativa, mais abertas e menos estruturadas”, como no caso a observação dita acima. O questionário foi dividido em dois blocos, medido por diferentes variáveis. O primeiro bloco destinou-se a caracterizar os sujeitos segundo sexo, idade, número de filhos, profissão, renda familiar, carga horária de trabalho e bairro onde reside. O segundo bloco, incluiu várias temáticas de análise relacionadas à ludicidade no meio familiar. A entrega e a devolução do questionário foram feitas pessoalmente aos pais/responsáveis pelas educadoras da escola, podendo ser respondidos com o auxílio da pesquisadora na escola ou em suas próprias casas. A análise dos dados foi realizada após a devolução dos mesmos, como forma de obtermos informações para futuras observações em campo, visto que segundo Cunha (2007) “analisar os dados é um processo de construção e de ordenação [...]”. 31132 Foram fonte de coleta de dados também observações feitas em algumas reuniões e oficinas com os pais/responsáveis, as quais foram registradas em um diário de campo, com o intuito de analisar e compor as discussões referentes ao tema pesquisado. Para registro das observações foram adotados procedimentos detalhados para facilitar o processo de sistematização de dados. Sendo assim destacou-se a data da observação; aspectos relacionados à temática do brincar; relação entre os pais/responsáveis e escola, pais/responsáveis e filhos; entre outros. Prosseguindo o processo de investigação, após análise dos dados do questionário aberto e agrupados aos dados obtidos a partir da observação, foi possível fazermos a análise sobre as concepções e a importância dada ao eixo “ludicidade” no contexto familiar. Resultados e Discussão A investigação teve a duração de dois anos, com o seu início em 2011. Na etapa inicial da pesquisa, foi realizada a entrega do questionário aberto aos pais ou responsáveis das crianças de duas salas de Educação Infantil: Pré I e Pré II, de uma instituição municipal da cidade de Presidente Prudente, com o intuito de tentar desvendar os nossos objetivos e obter informações para futuras observações. Os questionários foram entregues para duas educadoras, para que as mesmas entregassem aos pais/responsáveis. De um total de quarenta questionários, foram respondidos vinte e sete, ou seja, sessenta e sete por cento dos pais ou responsáveis responderam o questionário. Ao analisarmos os dados dos questionários, transformamos alguns dados em gráficos e/ou tabelas e outros de maneira descritiva, com o intuito de corroborar para o melhor entendimento das concepções encontradas nos contextos familiares e nos desvencilharmos de generalizações universais. O primeiro aspecto analisado foi relacionado à renda familiar, representada na Tabela 1: Tabela 1 – Renda Familiar Pré I e II % Menos de 1 salário mínimo 1 salário mínimo 19% 33% 31133 2 salários mínimos 30% 3 ou mais salários mínimos 11% Não respondeu 7% TOTAL 100% Fonte: Dados organizados pelos autores, com base na investigação e coleta de dados. Em seguida, foi realizado o levantamento das profissões dos pais ou responsáveis pelas crianças: Tabela 2 – Profissão dos pais Profissão Quantidade % Servente de limpeza 2 7% Auxiliar de Lavandeira 1 4% Doméstica 3 11% Do lar 5 17% Desempregado (a) 1 4% Vendedor (a) 2 7% Autônomo 3 11% Serviços Gerais 3 11% Pedreiro 1 4% Cozinheiro (a) 1 4% Caldeirista 1 4% Pensionista 1 4% Motorista 1 4% Cabeleireira 1 4% Secretária 1 4% TOTAL 27 100% Fonte: Dados organizados pelos autores, com base na investigação e coleta de dados. Ainda na perspectiva familiar, a quantidade de filhos por família: Tabela 3 – Número de filhos por família Pré I e II % 1 filho 26% 2 filhos 3 ou mais filhos 44% 30% TOTAL 100% Fonte: Dados organizados pelos autores, com base na investigação e coleta de dados. Em relação ao tempo de trabalho, interrogamos quantas horas os pais ou responsáveis trabalham por dia, representado no Gráfico 01. 31134 60% 50% Até 4 horas 40% 6 horas 30% 8 horas 20% Mais de 8 horas 10% Não respondeu 0% Gráfico 01 – Disposição da porcentagem de horas trabalhadas pelos pais. Fonte: Dados organizados pelos autores, com base na investigação e coleta de dados. Mais de cinquenta por cento dos pais ou responsáveis trabalham mais de oito horas por dia, demonstrando assim o período extenso que as famílias são obrigadas a dedicar para o trabalho, tendo em vista a necessidade de garantir o seu sustento. Quando questionados sobre a participação nas brincadeiras junto a seus filhos, setenta por cento responderam que sim. Contudo, ao indagarmos por quanto tempo eles participavam das brincadeiras juntos às crianças, obtivemos respostas diversas. Alguns valorizavam este momento de participação junto às crianças e brincavam quantas horas fossem necessárias, enquanto outros brincavam somente aos finais de semana ou poucas horas. Pai/responsável 1 – Brinco o tempo necessário quando não estou trabalhando. Pai/responsável 2 – Brinco o tempo que precisar. Pai/responsável 3 – Sempre que estou em casa dou muita atenção a ele. Pai/responsável 4 – Brinco, mas pouco. Pai/responsável 5 – Brinco apenas nos finais de semana. Pai/responsável 6 – Brinco somente por algumas horas. Deste modo, algumas dúvidas permearam nosso estudo acerca destes pais que não se envolviam nos momentos de brincadeiras junto a seus filhos. Será que estes pais ou responsáveis passam pouco tempo junto aos seus filhos e participam pouco das brincadeiras devido à falta de tempo? Ou seria por que os mesmos não atribuíam o devido valor a estes momentos? Ou então, por não terem conhecimento sobre o assunto, preferem realizar outros afazeres quando estão em casa, do que brincar junto a seus filhos? Questionamentos estes que buscamos desvendar durante as observações realizadas em campo, que serão descritas no decorrer desta pesquisa. 31135 Ainda no questionário, interrogamos aos pais/responsáveis quantas horas seu filho (a) brinca em casa por dia. Pai/responsável 1 – Quando tempo quiser desde que não atrapalhe os estudos. Pai/responsável 2 – Sempre de tarde, quando não tem tarefa para realizar. Pai/responsável 3 – Na maioria das vezes, no período da tarde e bastante. Pai/responsável 4 – Não estando na escola, brinca o dia inteiro. Pai/responsável 5 – Eu deixo ele brincar o máximo possível. Foi possível perceber, uma grande preocupação por parte dos pais/responsáveis relacionada aos estudos e aprendizagens, visto que as crianças podiam brincar nos momentos que não tinham tarefa, ou quando não estavam na escola e também se não fossem atrapalhar os estudos. Sendo assim, novas dúvidas surgiram em nossa pesquisa, desta vez relacionadas ao poder de escolha das crianças. Se as crianças, primeiro devem realizar seus deveres, elas não têm o poder de escolha relacionado ao momento que podem brincar e quanto aos seus brinquedos, elas podem escolher quais desejam ganhar? Desta forma, questionamos aos pais/responsáveis qual o último brinquedo que eles deram ao seu filho (a) e por que escolheram dar este brinquedo. Algumas respostas que obtivemos foram as seguintes: Pai/responsável 1 – Um caminhão, porque ele me pediu. Pai/responsável 2 – Um patinete, porque é o que mais gosta. Pai/responsável 3 – Uma boneca, porque é seu brinquedo favorito. Pai/responsável 4 – Bem 10, porque ele escolheu. Pai/responsável 5 – Um carrinho e um relógio para aprender a ver horas. Pai/responsável 6 – Uma lousa grande, para ela desenhar e para eu ajudá-la a realizar algumas tarefas. Pai/responsável 7 – Uma boneca, porque ela escolheu e um dominó porque é pedagógico. Pai/responsável 8 – Um quebra-cabeça para desenvolver melhor o raciocínio. Deste modo, verificamos que parte dos pais ou responsáveis respeitam as escolha do seu filho (a), e por outro lado, alguns pais escolhem o brinquedo de seu filho (a) de acordo com a utilidade do mesmo, ou seja, se o brinquedo é pedagógico e contribuirá no desenvolvimento de habilidades na criança, desconsiderando a escolha da mesma. Após a análise dos dados dos questionários, com o intuito de desvendar as dúvidas/incertezas originadas por meio das respostas obtidas, iniciamos no primeiro semestre de 2012 a coleta de dados, realizada por meio das observações em reuniões e oficinas com os 31136 pais/responsáveis, as quais foram registradas em um diário de campo, com o intuito de compor as discussões referentes ao tema pesquisado. No decorrer das observações foi possível verificar que a maior barreira que impede aos pais de se envolverem nos jogos e brincadeiras junto a seus filhos é a falta de tempo. Contudo durante as observações algumas falas mostraram que apesar desta falta de tempo os pais tentam fazer o possível para participar destas atividades. Pai/responsável 1 – Quando posso eu brinco e muito com meus filhos. Pai/responsável 2 – Falta tempo, mas eu sempre dou um jeitinho. Pai/responsável 3 – Brinco diariamente com meu filho, sempre que posso. Ainda convém destacar que uma grande parte dos pais não acredita que algo os impeça de brincar com seu filho (a), sempre tem algum jeito de participar e estar junto a ele. Pai/responsável 1 – Nada me impede. Sempre pode se arrumar tempo para brincar. Pai/responsável 2 – O que eu sei e aprendi tento ensinar ao meu filho. Além disso, uma pequena parte dos pais demonstrou desinteresse ou falta de conhecimento, entretanto aqueles que alegaram falta de conhecimento justificaram que devido às incertezas, muitas vezes deixavam participar dos momentos de brincadeiras junto a seu filho (a), ou participavam com receio. Pai/responsável 1 – Eu brinco com ele, mas não sei se estou certa com as brincadeiras. Desta maneira, por meio das observações conseguimos esclarecer as dúvidas que permearam nosso estudo e assim podemos afirmar que apesar dos pais ou responsáveis dedicarem grande parte do tempo ao trabalho e um tempo considerado mínimo às brincadeiras com as crianças, os pais ou responsáveis concebem o eixo “ludicidade” no meio familiar como necessário, contudo ainda existem barreiras como: falta de tempo, falta de conhecimento e desinteresse que impedem que os pais ou responsáveis se envolvam nos jogos e brincadeiras juntos às crianças, e consequentemente acabam deixando de lado essa importante interação. 31137 Considerações Finais As culturas da infância representam um campo de investigação que ainda necessita de muito aprofundamento, especialmente sobre o eixo “ludicidade”. O brincar é fundamental para o desenvolvimento humano, mas ainda é pouco valorizado e utilizado nos meios sociais, sobretudo no meio familiar. O contexto familiar consiste em um espaço essencial para o desenvolvimento de experiências lúdicas, as quais consequentemente influenciarão diretamente na vida das crianças. Sendo o brincar um recurso pedagógico fundamental, que gera repercussões significativas e duradouras no desenvolvimento educacional e social, deve ser atribuída a ele, atenção e valorização. Deste modo, é preciso que os pais/responsáveis aprofundem seus conhecimentos e enriqueçam as experiências lúdicas das crianças no contexto familiar para que assim colaborem na ampliação da bagagem lúdica, favorecendo o desenvolvimento infantil nos diversos aspectos: cognitivo, afetivo, social, motor e moral. A escola, neste contexto, pode exercer o papel de facilitadora do seu processo de interação com a família dar suporte para uma relação mais estreita entre os adultos e as crianças e conscientizar os pais sobre a importância da aprendizagem por meio do brincar, salientando que ela é apropriada e vital para o desenvolvimento de todas as crianças. A partir do que foi evidenciado nesta pesquisa e tendo em vista a necessidade de maiores saberes sobre a temática pretendemos continuar aprofundando nossos estudos no que se refere à relação entre escola, família, criança e ludicidade. REFERÊNCIAS ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A.; SILVA, R. da. Metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 1996. CORSARO, W. A. Sociologia da infância. 2ª ed. Trad. Lia Gabriele R. Reis.; Rev. Tec: Maria Letícia B. P. Nascimento. Porto Alegre: Artmed, 2011. CUNHA, A. C. A investigação por questionário e entrevista: um exemplo prático. Braga: Editorial Magnólia, 2007. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010 31138 HIRSH-PASEK, K. Einstein teve tempo para brincar: como nossos filhos realmente aprendem e por que eles precisam brincar. Rio de Janeiro: Guarda-Chuva, 2006. MOYLES, J. R. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Trad. Maria Adriana Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2002. MÜLLER, F.; CARVALHO, A. M. A. Encontros e diálogos: notas introdutórias. In: MÜLLER, F.; CARVALHO, A. M. A. (Org.). Teoria e Prática na pesquisa com crianças: diálogos com Willian Corsaro. São Paulo: Cortez, 2009. POLETTO, R. C. A ludicidade da criança e sua relação com o contexto familiar. Rev. Psicologia em Estudo, v.10, n.1, p. 67-75, jan/abr. 2005. ROCHA, M. L. Psicologia e as práticas institucionais: A pesquisa-intervenção em movimento. Porto Alegre: Psico, v. 37, n. 02, p. 169-174. 2006. ROCHA, R. de C. L. da. 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