À conversa com… José Carlos Teixeira da Costa À medida que percorremos a pé o caminho que separa a igreja, onde marcámos encontro, da sua casa no Bairro da Encarnação, em Lisboa, o médico-poeta desvenda os versos da sua vida A fastado há alguns anos da azáfama do hospital que lhe consumia cerca de 12 horas por dia, José Carlos Teixeira da Costa, reumatologista a exercer actualmente no privado, conseguiu reencontrar-se com o tempo da vida e da escrita. E é desse tempo que falou ao B.I. B. I.: A escrita nasceu consigo ou encontrou-a já em adulto? J.C.T.C.: Desde a adolescência que os livros se tornaram uma das coisas mais importantes da minha vida. Um mundo oculto, fértil, profundo, livre como a imaginação, em contraponto a um quotidiano monótono, superficial, esforçado. Aos poucos, comecei a ver a realidade mergulhada numa luz diferente e fui escrevendo, erraticamente, alguns textos acerca do que me rodeava, com essa nova maneira de olhar. Seguiram-se 18 Na sua sala, na casa do bairro da Encarnação. longos e exigentes anos de formação e de trabalho árduo em Medicina que me obrigaram a limitar muito essas actividades. Só muito mais tarde reencontrei o caminho. O exercício da medicina trouxe até mim imagens do sofrimento humano e uma profunda sensação de desigualdade, de injustiça” Reserva alguma parte do dia para escrever? Não tenho momentos especiais para escrever. Faço-o quando posso, quando a actividade profissional o permite, de uma forma irregular, de dia ou de noite, mais em certas épocas, imprevisivelmente. Escrevo quando as ideias surgem, quase sempre à mão na primeira versão de um texto. O que é um bom dia para si? É um dia em que tenho tempo para ler. Sinto-me bem quando consigo ler e escrever alguma coisa que me satisfaz. Tudo lhe serve para escrever? Escrevo sobre aquilo que me comove ou de alguma forma me perturba, as coisas, as pessoas, a servidão, os sentimentos, as paixões, a perda, a vida e a morte. O exercício da medicina trouxe até mim imagens do sofrimento humano e uma profunda sensação de desigualdade e de injustiça. Como conseguiu publicar o seu primeiro livro? Ao longo dos anos fui acumulando poemas, textos vários. Tenho prazer não só em escrever, mas também em partilhar o pensamento, o meu sentir. Deste modo, seleccionei um grupo de poemas e enviei-o a algumas editoras. A Hugin Editores aceitou-o para publicação, o que veio a acontecer em 2003, num livro intitulado “O Voo Interdito para o Sol”. Está a tentar publicar outro, desta vez em prosa poética… Estou a ultimar um outro livro, em prosa. Fala do homem dividido, de tudo o que nunca chegamos a saber acerca daqueles que amamos. É um olhar sobre a condição humana, os excluídos, quase sempre numa linguagem poética. Irei tentar a sua publicação, embora saiba que é difícil neste género literário. Como assiste à evolução da poesia portuguesa, nem sempre constante? Existem em Portugal excelentes poetas e escritores contemporâneos. Gosto muito de autores como José Tolentino Mendonça, Al Berto, Eugénio de Andrade, António Ramos Rosa, José Luís Peixoto, para citar apenas alguns. Infelizmente, o gosto pela poesia tem diminuído, talvez porque o ensino se tornou cada vez mais científico-tecnológico e a sociedade mais materialista e também porque a escrita poética, de uma forma geral, se tornou mais hermética e, portanto, menos acessível ao leitor. Tenho prazer não só em escrever, mas também em partilhar o pensamento” O exercício da Medicina é uma actividade que exige muito tempo e concentração e frequentemente nos ocupa o pensamento, mesmo em horas chamadas livres. Um escritor ou poeta a tempo inteiro, ou com uma profissão menos absorvente, poderá desenvolver em plenitude todo o seu talento, vivendo em permanência com esse filtro no olhar. “O Voo Interdito para o Sol”, o seu primeiro livro de poesia editado pela Hugin (2003). O reumatologista-escritor com o seu cão, amigo há 10 anos. 19