Pró-Reitoria de Pós Graduação e Pesquisa Lato Sensu em Fisioterapia em Terapia Intensiva Trabalho de Conclusão de Curso ATUAÇÃO PRECOCE DA FISIOTERAPIA INTENSIVA NA REABILITAÇÃO DO PACIENTE QUEIMADO Autor(a): Aniquellem Jesus da Silva Orientador: Saint Clair Gomes Bernardes Neto Brasília – DF 2011 ANIQUELLEM JESUS DA SILVA Atuação Precoce da Fisioterapia Intensiva na Reabilitação do Paciente Queimado. Monografia apresentada ao Programa de PósGraduação Lato Sensu em Fisioterapia em Terapia Intensiva da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Fisioterapia Intensiva. Orientador: Saint Clair Gomes Bernardes Neto Especialista em Fisioterapia Respiratória Brasília 2011 RESUMO Referência: DA SILVA, Aniquellem Jesus. Atuação Precoce da Fisioterapia Intensiva na reabilitação do paciente queimado. 40 folhas. Fisioterapia em Terapia Intensiva. – Universidade Católica de Brasília, Brasília-Df, 2011. Sabe-se que a queimadura é uma lesão que pode acometer qualquer indivíduo, indiferentemente de gênero e faixa etária, podendo causar alterações corporais deformantes, bem como podendo levar o indivíduo a óbito. Posto isso, foi realizado uma pesquisa demonstrando a atuação precoce da fisioterapia intensiva no paciente queimado visando à realização de condutas fisioterapêuticas, a recuperação e total reabilitação do indivíduo acometido por lesão. Objetivo: demonstrar a atuação precoce da fisioterapia intensiva e sua importância no grande queimado. Materiais e Métodos: revisão bibliográfica (1998 – 2009) onde foram selecionados artigos da literatura nacional publicados em Português, com os resumos disponíveis na base de dados informatizada da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), especificamente: Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) Online (SCIELO). Resultados: as técnicas fisioterapêuticas e a assistência ventilatória adequadas facilitam a higiene brônquica, melhoram a oxigenação, expansão torácica, atividade de endurance, diminui a freqüência respiratória e incidência de intubação. Além disso, a cinesioterapia demonstrou ser capaz de minimizar os efeitos das lesões capacitando o indivíduo a realizar novamente suas atividades, sendo ainda a técnica primordial em um plano de assistência à pacientes queimados. Conclusão: no tratamento dos pacientes queimados, a atuação precoce da fisioterapia intensiva, realizada de forma sistemática e constante é um fator essencial para a reabilitação, podendo quase sempre evitar seqüelas, tais como a formação de cicatrizes viciosas que bloqueiam a liberdade de movimento, além disso, age com eficácia na prevenção e melhoria das complicações respiratórias associadas, acelerando o tempo de recuperação do paciente queimado e seu tempo de internação. No entanto, os estudos revisados demonstram a não existência de protocolos específicos para este grupo de pacientes, havendo apenas dados estatísticos sobre o assunto. Palavras chaves: Fisioterapia Intensiva. Queimadura. Reabilitação. ABSTRACT Acting of Early Intensive Physiotherapy in the rehabilitation of the burned patient. It is known that the burn is an injury that can affect any individual, regardless of gender and age, and cause disfiguring body changes, as well as lead the individual to death. Put it, a survey was conducted demonstrating the performance of early intensive physical therapy in burned patients, looking for the physiotherapeutical ongoings, rehabilitation and full recovery of the individual affected by injury. Objective: To demonstrate the performance of early intensive physical therapy and its importance in severe burn. Materials and Methods: A literature review (1998-2009) which were selected from the national academic articles published in Portuguese, with abstracts available on the digital database of the Virtual Health Library (VHL), specifically: the Latin American and Caribbean Health Sciences (LACHS) Online (SciELO). Results: The physiotherapy techniques and the adequate ventilatory assistancy facilitate bronchial hygiene, improve oxygenation, chest expansion, an endurance activity, decreases the respiratory rate and the incidence of intubation. In addition, kinesiotherapy has been shown to minimize the effects of lesions, enabling the individual to carry on on their activities, being the primary technique in a care plan for burn patients. Conclusion: the treatment of burn patients, the performance of early intensive physical therapy, in a systematic and constant way is an essential factor for the rehabilitation and can almost always avoid sequelae such as scarring of vicious blocking freedom of movement, and also is at work in the prevention and improvement of respiratory complications associated with accelerating the recovery time from burn patient during its hospital stay. However, the studies showed the absence of specific protocols for this group of patients, with only statistical data on the subject. Keywords: Intensive Physiotherapy. Burn. Rehabilitation. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 07 1.1 METODOLOGIA ........................................................................................................... 08 2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 10 2.1 QUEIMADURAS ........................................................................................................... 10 2.2 FISIOPATOLOGIA........................................................................................................ 10 2.3 CLASSIFICAÇÃO ......................................................................................................... 11 2.3.1 Agente Causador da Lesão .................................................................................... 11 2.3.1.1 Queimaduras químicas ................................................................................. 11 2.3.1.2 Queimaduras elétricas .................................................................................. 11 2.3.1.3 Queimaduras térmicas .................................................................................. 12 2.3.2 Quanto à Profundidade da Lesão ......................................................................... 12 2.3.2.1 Queimaduras de primeiro grau ..................................................................... 12 2.3.2.2 Queimaduras de segundo grau ..................................................................... 13 2.3.2.3 Queimaduras de terceiro grau ...................................................................... 13 2.3.3 Quanto à Extensão da Área Queimada ................................................................ 13 2.3.3.1 Regra dos nove ............................................................................................ 14 2.3.3.2 Método de Lund Browder ........................................................................... 14 2.3.4 Quanto à Gravidade da Lesão ............................................................................... 14 2.3.4.1 Mínima ......................................................................................................... 15 2.3.4.2 Moderada .................................................................................................... 15 2.3.4.3 Maior ............................................................................................................ 15 3 CONSEQÜÊNCIAS SISTÊMICAS DA QUEIMADURA .............................................. 16 3.1 COMPLICAÇÕES INFECCIOSAS ............................................................................... 16 3.2 COMPLICAÇÕES METABÓLICAS ............................................................................ 17 3.2.1 Falta de Correto Suporte Nutricional .................................................................. 17 3.3 ANEMIA ........................................................................................................................ 17 3.4 COMPLICAÇÕES RENAIS .......................................................................................... 18 3.5 COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES ............................................................... 18 3.6 COMPLICAÇÕES PULMONARES ............................................................................. 19 3.6.1 Pneumonia ............................................................................................................... 21 3.6.2 Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) ..................................... 22 4 ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA ........................................................................... 25 4.1 FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA ................................................................................ 26 5 RESULTADOS .................................................................................................................... 28 6 DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 34 7 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 37 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 38 7 1 INTRODUÇÃO Com o crescimento e o desenvolvimento da industrialização, o avanço da tecnologia, as condições de vida e a própria agressividade do homem mediante determinadas situações, vem aumentando gradativamente a incidência de queimaduras. No Brasil, estima-se que dois milhões de pessoas ao ano sofrem queimaduras, onde cerca de um milhão de reais por mês é o valor médio gasto pelo Ministério da Saúde com a internação destes pacientes. Nos Estados Unidos, ocorrem dois milhões de queimaduras por ano e, embora as maiorias dessas queimaduras sejam pequenas, 100.000 pacientes necessitam internação em centros de tratamento de queimados, e 5.000 desses pacientes morrem (Ministério da Saúde, 2002). A faixa etária mais atingida são as crianças de até 05 anos de idade. O tratamento destes pacientes sempre foi um grande desafio aos cirurgiões plásticos em todo o mundo, tanto pela complexidade das lesões, quanto pela necessidade de cuidados intensivo e multidisciplinar, envolvendo os mais diversos profissionais da saúde. Apesar dos dados dramáticos, as medidas preventivas e os constantes avanços da ciência médica reduziram, significativamente, o número de óbitos ocasionados pelas queimaduras (O’SULLIVAN-1999). Além das novas técnicas médicas que vem surgindo, o processo de reabilitação também vem se atualizando, melhorando o prognóstico e a capacidade funcional dos pacientes que sobrevivem as lesões por queimaduras. O processo de reabilitação compreende várias etapas onde a meta é o restabelecimento funcional e social do paciente (RUSSO, 1998). Dentro deste processo se enquadra a fisioterapia, que usa de vários métodos e técnicas para melhora do bem estar físico e psíquico do indivíduo (O’SULLIVAN, 1999). Até pouco tempo a fisioterapia só poderia iniciar sua abordagem terapêutica após a alta hospitalar. Hoje, apresenta grande alteração, iniciando já na fase aguda. A fisioterapia sempre foi vista como uma terapia empregada em pessoas que apresentavam seqüelas. Na queimadura, ela exerce um papel preventivo, impedindo as deformidades, complicações pulmonares e cardíacas, sendo iniciada precocemente no momento em que o paciente é admitido na unidade (Falkel, 1993). É nesta fase de prevenção que a fisioterapia intensiva será de grande importância para o paciente. Caso contrário, o paciente poderá evoluir com acúmulo de secreções brônquicas, edemas, congestão pulmonar, anóxia de condução, aumento no número de cirurgias 8 reparadoras, além de desenvolver seqüelas, principalmente pela imobilização ou pela posição antálgica que exerce (Boswick, 1999). Se o fisioterapeuta estiver envolvido ativamente com o tratamento precoce e estabelecer um programa de movimentos em conjunção com o processo de cicatrização, a reabilitação pós-cicatrização poderá ser muito menos traumática e bem mais sucedida. Segundo Sullivan & Schmitz (1998), a fisioterapia no grande queimado tem como objetivo: manter a amplitude de movimento e a mobilidade cutânea; impedir complicações e reduzir as contraturas cicatriciais; reduzir o edema; proporcionar boa cicatrização; evitar seqüelas ou auxiliar no tratamento de seqüelas já instaladas; diminuir a hipoxemia na região atingida; manter a força e a resistência muscular; manter adequada função cardiovascular e respiratória; prevenir as complicações pulmonares; minimizar as seqüelas pulmonares, diminuindo desta forma o tempo de internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e a taxa de mortalidade. No entanto, quanto mais precoce for iniciada a fisioterapia, melhores serão os resultados futuros (GOMES et al, 2001apud Ferreira 2003). Contudo, quais técnicas fisioterapêuticas devem ser empregadas para obter a melhor reabilitação? O objetivo deste trabalho é demonstrar a atuação precoce da fisioterapia intensiva e sua importância no grande queimado. 1.1 METODOLOGIA O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório e descritivo. Para Duarte et. al, a revisão bibliográfica, num sentido amplo é o planejamento global inicial de qualquer trabalho de pesquisa que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto até a apresentação de um texto sistematizado, onde é apresentada toda literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento dos autores, acrescido de suas próprias idéias e opiniões. Para execução do objetivo do estudo foram selecionados artigos da literatura nacional publicados em Português, com os resumos disponíveis na base de dados informatizada da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), especificamente: Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) Online (SCIELO). Tomaram-se por recorte temporal 9 o período de 1998 a 2009, para analisar a atuação precoce da fisioterapia intensiva na reabilitação do paciente queimado. Para efeito de comparação foram selecionados estudos controlados, randomizados e prospectivos, abordando o tema fisioterapia intensiva na reabilitação do paciente queimado. Estudos em pediatria, experimentais, revisões sistemáticas e metanálises foram excluídos. 10 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 QUEIMADURAS Queimadura pode ser considerada toda lesão causada por agente térmico, químico, elétrico ou radioativo no tecido de revestimento do corpo, destruindo parcial ou totalmente a pele, podendo atingir tecidos mais profundos, como subcutâneo, músculos, tendão e ossos. Essa lesão pode resultar em complicações tanto físicas quanto psíquicas, as quais exigem tratamento global de reabilitação, em coordenação com a equipe de cuidado agudo do queimado (Fernandes, 2004). 2.2 FISIOPATOLOGIA Segundo Sheridan (2003), as queimaduras comprometem a integridade funcional da pele, quebrando a homeostase hidroeletrolítica e alterando o controle da temperatura interna, flexibilidade e lubrificação da superfície corporal. O comprometimento da pele ocorre devido à extensão e profundidade das lesões. Melega (2002) relata a participação de dois eventos fisiopatológicos nas queimaduras: o aumento da permeabilidade, e conseqüentemente, o edema. Após o acometimento da pele e tecidos adjacentes pelo agente térmico, há a excitação de terminações nervosas que liberam mediadores químicos (histamina, prostaglandina, serotonina, leucotrienos). Estes mediadores permeabilidade vascular, havendo causam vasodilatação e aumento da extravasamento de plasma para o interstício. Concomitantemente há alteração da bomba de sódio que leva ao aumento de água intracelular e conseqüentemente, morte celular. Do ponto de vista hemodinâmico, haverá diminuição do volume sangüíneo, do débito cardíaco, da pressão arterial sistêmica, aumento da freqüência cardíaca e da resistência vascular periférica. A hipovolemia instalada leva a hipoperfusão periférica, esplênica e com isso ao choque circulatório. O organismo fica em situação de hipermetabolismo, com o consumo aumentado em até seis vezes mais que o normal. A gliconeogênese, lipólise, hiponatremia, hipercalemia se instalam. A proteína c - reativa (PCR 11 marcador inflamatório) aparece em ascensão assim como, o consumo muscular que é denotado pelo aumento das enzimas musculares CPK-MB (Fernandes, 2004). 2.3 CLASSIFICAÇÃO As queimaduras originam lesões fundamentais com destruição da superfície cutânea a partir de um agente agressivo externo físico ou químico, variando de pequena vesícula, bolha ou erosão a perdas mais profundas ou largas capazes de desencadear uma grande diversidade de respostas sistêmicas (MÉLEGA, 2002). Dependendo do agente, as queimaduras podem ser classificadas em primeiro, segundo ou terceiro grau (CHEM, 2007). Mais especificamente, costuma-se classificar as queimaduras de acordo com a profundidade da pele lesada. Esta classificação é importante para se avaliar o prognóstico (previsão de cicatrização e cura) da queimadura. Quanto mais superficiais, melhor o prognóstico, já as queimaduras mais profundas têm um prognóstico mais grave (SAÚDE TOTAL, 2008). Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, as queimaduras são classificadas quanto ao agente causal, profundidade da lesão, extensão e gravidade. 2.3.1. Agente causador da lesão: 2.3.1.1. Queimaduras químicas: As queimaduras químicas são geralmente causadas por ácidos e bases fortes. 2.3.1.2. Queimaduras elétricas: A queimadura elétrica é resultado da passagem da corrente elétrica pelo corpo do paciente. Os tecidos humanos que melhor conduzem a corrente elétrica são os nervos, 12 músculos e os vasos sangüíneos. Este tipo de queimadura pode resultar em profundas alterações no balanço ácido-básico e na produção de mioglobulina, acarretando sérias alterações da função renal. Os efeitos cardíacos associados são arritmias e parada respiratória. No sistema nervoso central pode haver lesão aguda da medula espinhal ou fratura vertebral (GOMES e col,. 1999; GOLDEMBERG et al., 1998). 2.3.1.3. Queimaduras térmicas: São causadas pela ação do calor (escaldantes, de contato com sólidos aquecidos ou por chama) ou pela ação do frio (GEMPERLI et al.,1999). Segundo Gomes (2000), as queimaduras escaldantes constituem a principal fonte de queimaduras domésticas não fatais, sendo que as maiores vítimas são as crianças entre 0 e 6 anos. Os incêndios, acidentes por chama, representam 69% dos casos, e são responsáveis por aproximadamente 85% do total de óbitos. Ainda como lesões térmicas, pode-se verificar as queimaduras induzidas pelo frio intenso. 2.3.2 Quanto à Profundidade da Lesão A profundidade da lesão depende da temperatura do agente gerador da queimadura e da duração do contato com o agente (Smeltzer e Bare, 2002). A profundidade das lesões é diretamente proporcional a quantidade de calor que atua por unidade de superfície (Russo, 1999). 2.3 2.1. Queimadura de primeiro grau: É a queimadura mais superficial e caracteriza-se pela perda da epiderme. Manifestação com eritema e dor. Este tipo de queimadura não provoca alterações hemodinâmicas ou clínicas significativas, visto a ausência de vascularização epitelial. De maneira geral, as 13 queimaduras de primeiro grau podem ser tratadas clinicamente com a utilização de pomadas e evoluem satisfatoriamente. Resolução em 48-72 horas (Gemperli et al, 1999). 2.3.2.2 Queimadura de segundo grau: Caracteriza se pelo aparecimento da bolha (flictema) que é a manifestação externa de um descolamento dermo epidérmico. Tem uma profundidade intermediária. Permanece cicatriz com resultado estético não satisfatório (JOSE, et al., 2004) 2.3.2.3 Queimadura de terceiro grau: Caracteriza se pelo aparecimento de uma zona de morte tecidual (necrose). São profundas atingindo todas as camadas da pele. Fibras musculares e tecidos ósseos subjacentes podem ser acometidos. Não apresentam sintomatologia dolorosa e não reepitelizam, havendo perda dos anexos epidérmicos e das terminações nervosas epidérmicas e dérmicas. 2.3.3 Quanto à Extensão da Área Queimada A extensão da área queimada determina os riscos gerais dos queimados nas primeiras horas, sendo maiores as repercussões sistêmicas quanto maior for à área lesionada, devido à perda funcional da pele. Torna-se, desta forma, importante o conhecimento da proporção da área corporal sadia e queimada (VALE 2005; SHERIDAN, et al., 2003; JOSE, et al., 2004). Há vários métodos para avaliar a extensão da área lesada, entre elas a regra dos nove e o método de Lund e Browder. 14 2.3.3.1. Regra dos noves: Nessa técnica divide-se o corpo adulto anatomicamente em onze partes, cada uma compreendendo 9% da área total. Este método foi proposto para adultos, no qual o esquema propõe o valor de 9% para a cabeça e 9% para cada membro superior; 18% para o tronco posterior, 18% para o tronco anterior e 18% para cada membro inferior; 1% para o pescoço. Avaliam-se as partes queimadas de segundo e terceiro grau. A soma das respectivas porcentagens representa a magnitude da lesão (Gemperli et al, 1999). 2.3.3.2 Método de Lund e Browder: É o método mais exato para avaliar a extensão da queimadura, reconhece o percentual da superfície corporal queimada (SCQ) de diversas regiões anatômicas ao dividir o corpo em áreas muito pequenas e dar uma estimativa da proporção da SCQ atribuída para essas partes do corpo, pode obter-se uma estimativa do total de SCQ (Smeltzer e Bare, 2002); 2.3.4 Quanto a Gravidade da Lesão A percentagem da área corporal queimada, a profundidade da queimadura, sexo e a faixa etária são fortes indicativos da gravidade da lesão e sua estreita relação com a mortalidade. Índices são propostos para estimar a mortalidade após queimaduras severas. Além da área corporal total, o comprometimento de todas as camadas de pele e tecidos profundos, a inalação de fumaça e produtos tóxicos, idade abaixo de 30 anos e acima de 60 anos são preditivos de aumento na mortalidade. Em relação ao sexo, deve-se atentar que entre a faixa de 30 a 59 anos, a mortalidade na mulher é duas vezes maior, e que, a despeito de todo avanço no diagnóstico, tratamento e o aumento na sobrevida do paciente jovem, no paciente idoso, especialmente acima de 75 anos, não há melhora na expectativa de sobrevida (Cunha, 2001). Tobiasen e cols. desenvolveram uma tabela de valores que pode ser utilizada para cálculo do tratamento e para a previsibilidade de resultados quanto ao paciente queimado. 15 2.3.4.1. Mínima: Quando menor que 15% da espessura parcial de SCQ em adulto e < 2% da espessura total da superfície corporal não envolvendo os olhos, orelhas, face ou períneo; 2.3.4.2. Moderada: Todas com 15-25% de SCQ em adultos, 2-10% da espessura total da superfície corporal não envolvendo os olhos, orelhas, face ou períneo; 2.3.4.3. Maior: Quando todas forem maiores que 25% de espessura da superfície corporal ou igual a 10% da espessura total de SCQ no adulto. Todas as queimaduras de face, olhos, orelhas, pés. Todas as elétricas, por inalação, com fratura ou trauma tecidual importante. 16 3 CONSEQÜÊNCIAS SISTÊMICAS DAS QUEIMADURAS 3.1 COMPLICAÇÕES INFECCIOSAS As complicações infecciosas continuam sendo um desafio e uma das principais causas de óbito do queimado A perda da barreira da pele, a presença de tecido morto, as alterações do fluxo sanguíneo e a imunodepressão sistêmica contribuem para o surgimento da infecção na queimadura. Estima-se que 75% das mortes seguidas da lesão termal sejam relacionadas a ela (REVATHI, 2000; VINDENES, 1999). A colonização da escara e mesmo a bacteremia transitória são freqüentes, além do que os sintomas decorrentes da lesão podem simular um processo infeccioso (FERNANDES, 2004). As queimaduras tornam-se infectadas porque o ambiente no sítio da ferida é ideal para a multiplicação de microrganismos. O estado imunossupressivo do paciente e a imediata falta de anticorpos é que permitem a livre multiplicação de potenciais patógenos na ferida (EDWARDS-JONES, 2003). As lesões causadas pelas queimaduras representam um local suscetível para a colonização de organismos endógenos ou exógenos. Após a injúria térmica, o exsudato, principalmente nas escaldaduras, oriundo da área queimada constitui excelente meio de cultura para o desenvolvimento e a proliferação de bactérias (Barreto et al, 1998). Atualmente, tem-se acreditado que muitos casos de sepse são causados por fontes endógenas de contaminação bacteriana e que essas fontes estão localizadas principalmente na própria queimadura. As principais complicações infecciosas nas Unidades de Queimados são a infecção da corrente sanguínea, seguida por infecção da ferida e pneumonia. Macedo 2007 destaca como principais fatores preditivos para o desenvolvimento de infecção dos pacientes internados na Unidade de Queimados: o tempo de internação, a superfície corporal queimada, a necessidade de cirurgia e a presença de fungo na ferida. O aumento significativo das secreções ou as queimaduras secas e de odor fétido podem sugerir infecção grave (Neeley, 1998). 17 3.2 COMPLICAÇÕES METABÓLICAS 3.2.1 Falta de Correto Suporte Nutricional O queimado vive um estado de hipermetabolismo tão intenso que se não houver um correto suporte nutricional, por mais reserva que tenha o doente, logo entrará em autocanibalismo (Falkel, 1998). O estado de má nutrição calórico-protéica dos queimados inibe a capacidade fagocitária do neutrófilo. A deficiência vitamínica (da vitamina A, pela sua importância na resistência à infecção; da vitamina C, como auxiliar na cicatrização e no processo infeccioso; e da tiamina, como auxiliar na produção de anticorpos) facilita a infecção. A deficiência de minerais se associada a um aumento de ferro, que funciona como alimento para os microorganismos, agrava a infecção. 3.3 ANEMIA A anemia agrava muito o quadro clínico do paciente, não devendo ser preterida a reposição de concentrado de hemácias, devendo-se manter sempre o hematrócito superior a 30%. É muito comum encontrarmos pacientes queimados extremamente hipocorados, apresentando hematrócitos muito baixos. Após o estabelecimento do equilíbrio hemodinâmico, observa-se uma redução importante do hematrócito que, somado a outros fatores, contribui para as múltiplas transfusões sanguíneas as quais o paciente é submetido. Um dos fatores que mais contribui para a constante e importante queda do hematrócito é a perda sanguínea, seja decorrente da lesão em si ou dos desbridamentos diários. O aparecimento de pequenos focos hemorrágicos é constante, sendo alguns tão intensos que necessitam de intervenção cirúrgica para a hemostasia (REVATHI, 2000. Conclui-se, então, que a anemia do queimado não decorre de apenas um fator, mas do somatório de vários fatores. 18 3.4 COMPLICAÇÕES RENAIS A queimadura constitui uma das maiores agressões que o organismo pode suportar. O desequilíbrio hidroelétrico decorrente do trauma térmico é tão intenso que culmina no estabelecimento de um quadro agudo de choque hipovolêmico. A hipovolemia transforma uma queimadura de espessura parcial viável em uma queimadura de espessura total, aumentando a morbidade e a mortalidade. O choque é agravado, nos dias subseqüentes, pela perda contínua de água através da superfície queimada. Esta perda pode atingir um volume de até 120ml/m2/h e permanece enquanto não se completa a cicatrização, precisando portanto de uma reposição volêmica muito agressiva. Na ausência de uma reposição adequada, ocorrerá redução do débito cardíaco e do fluxo plasmático renal. A insuficiência renal, tanto oligúrica quanto de alto débito, tem sido registrada, aumentando acentuadamente a taxa de mortalidade (Cunha, 2001). Esta patologia atualmente tem sido observada naqueles pacientes que desenvolvem sepse da queimadura, fazendo parte do quadro de falência de múltiplos órgãos. 3.5 COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES Logo após a lesão por queimadura pode ocorrer hemólise direta pós-trauma em função da exposição com diminuição do volume intravascular. Há também inversão do gradiente osmótico/oncótico; aumento do pulso por diminuição da resistência vascular periférica e diminuição acentuada do débito cardíaco, podendo chegar a uma queda de 30% dentro de 30 minutos pós-queimadura. O débito cardíaco atinge lentamente os níveis normais dentro de 36 horas. Uma das causas suspeitas é a depressão e alteração da função cardíaca que têm sido rotuladas de "fator depressor do miocárdio". Também ocorrem alterações hematológicas e circulatórias, em seguida a uma lesão por queimadura (Falkel, 1998). Segundo Chem (2007), pacientes com queimaduras por corrente elétrica, na fase aguda, apresentam aumento do risco de eventos cardíacos, tais como infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva, cardiomiopatia dilatada e arritmias cardíacas, sendo esta a mais freqüente alteração cardiovascular observada nos queimados. 19 Em ordem crescente de gravidade, temos ectopia atrial ou ventricular, taquicardia sinusal, bradicardia, alterações do segmento ST, aplanamento ou inversão de ondas T, distúrbios de condução, isquemia miocárdica, fibrilação ventricular, edema agudo de pulmão, embolia cerebral ou pulmonar. Estas alterações estão presentes em 10-36% dos pacientes, devido a um estado de concentração e função plaquetária, fatores da coagulação, componentes leucocitários, e disfunção das hemácias, com conseqüente aumento da estimulação adrenérgica e alterações na fibrinólise para o infarto miocárdico. O infarto do miocárdio pode ocorrer várias horas após o acidente, mas não é uma complicação freqüente. Andes diagnosticou infarto agudo do miocárdio (IAM) em 11 pacientes que faleceram entre os 450 pacientes queimados internados num período de 21 meses; a idade dos pacientes variou de 19 a 75 anos e a extensão da queimadura de 13 a 81% da superfície corporal total. Goff fez uma revisão de 2.477 admissões de pacientes queimados, observando 8% de casos de infartos agudos do miocárdio entre aqueles pacientes, com uma mortalidade 3,5 a 4 vezes superior à de infartados sem queimaduras internadas em unidades coronarianas. De acordo com Queiroz (2005), entre as possíveis causas de cardiomiopatia dilatada no curso natural dos pacientes severamente queimados, a miocardite infecciosa é a mais comum, sendo o miocárdio envolvido nas disseminações de infecções distantes. Infecção cardíaca aguda ocorre em, aproximadamente, 2,1% dos pacientes devido á contaminação das feridas, tromboflebite ou infecções pulmonares, causando aumento da mortalidade. 3.6 COMPLICAÇÕES PULMONARES As complicações pulmonares são numerosas, podendo influenciar no prognóstico destes pacientes, que na maioria dos casos apresentam queimaduras em mais de 40% da área de superfície corpórea e podendo ter restrição torácica em algum grau causado pela queimadura de tórax. O paciente com queimaduras em tórax apresenta restrição torácica imposta pela própria queimadura e pela dor, causando diminuição de força muscular e dos volumes pulmonares e podendo levar a áreas de colapso pulmonar. O movimento torácico fica reduzido com a respiração, o que leva à diminuição dos volumes e capacidades pulmonares. 20 Aproximadamente 25% dos grandes queimados apresentam complicações pulmonares e a doença pulmonar é responsável por 20 a 80% da mortalidade nestes casos. Das alterações sistêmicas, a insuficiência e/ou falência respiratória aparece como sendo a principal e mais freqüente complicação observada nos pacientes queimados severos, cerca de 49% dos casos com franca insuficiência respiratória, e outros 23% de disfunção respiratória (CUMMING e col., 2000). De acordo com Zemlin (2000), os principais problemas, exceto os relacionados com a inalação de fumaça ou queimadura direta de via aérea, são: queimadura de face evoluindo com edema importante, edema pulmonar oriundo da hipervolemia, restrição respiratória proveniente de edema de tórax e em queimaduras circulares levando a esforço respiratório, que deverá ser tratada cirurgicamente com escarotomia. Associada a este quadro respiratório podemos observar a elevação da pressão arterial pulmonar induzida por agentes vasoconstritores, tais como catecolaminas, tromboxane e serotonina, que são liberados pelo tecido queimado. Uma redução na pressão de oxigênio e na complacência pulmonar é freqüentemente observada. As infecções respiratórias também são complicações importantes, que podem estar presentes principalmente se o paciente encontra-se restrito ao leito por apresentar queimadura extensa de membros inferiores ou está com tubo orotraqueal. A queimadura das vias aéreas provoca uma lesão progressiva, dentre elas o broncoespasmo intenso, que, conforme o agravamento do edema da mucosa brônquica lesionada pode levar a um grave quadro de insuficiência respiratória. Cerca de 33% dos pacientes com queimaduras extensas apresentam lesão inalatória e o risco aumenta progressivamente com o aumento da superfície corpórea queimada. A presença de lesão inalatória, por si, aumenta em 20% a mortalidade associada à extensão da queimadura. Sabe-se que a fumaça promove traqueobronquite, formação de bridas nas vias aéreas, migração de leucócitos para os capilares pulmonares e liberação de mediadores inflamatórios. Como conseqüências podem ocorrer, obstrução da via aérea superior broncoespasmo secundário a irritantes inalados, hiperemia do epitélio ciliado, presença de exsudação traqueobrônquica, obstrução das vias aéreas inferiores por edema e perda do mecanismo de depuração ciliar; microatelectasias difusas por perda de surfactante e mudanças na permeabilidade capilar pulmonar resultando em edema pulmonar. A perda do mecanismo de depuração ciliar e a redução da função imunitária pulmonar facilitam o crescimento bacteriano e pneumonia (KIRBY et ai. 2000; GEMPERLI et ai., 1999). 21 Nas grandes inalações, há queda na relação Pa02/Fi02 < 200 mmHg e importante elevação da resistência das vias aéreas, sendo que 20% dos pacientes que inalaram grande quantidade de material de combustão podem, em curto espaço de tempo (24 a 30 horas), apresentar a síndrome do desconforto respiratório agudo. Hipersecreção brônquica, tosse, ausculta pulmonar com roncos e sibilos difusos, dispnéia, desorientação e coma. Esses sintomas têm início, na maioria das vezes, 24 a 48 horas após a queimadura. O início mais precoce desses sintomas pode representar um sinal de gravidade. 3.6.1 Pneumonia Assim como a ferida na queimadura, os pulmões são meios para a disseminação de microorganismos, e conseqüente Septicemia (BARRETO et aL,1998; RAMZY e col.,1998; STILL, 2000). A forma mais comum desta complicação é a broncopneumonia ou pneumonia de contaminação por via aérea, pois são precoces e relacionadas a diversos fatores, como a extensão da queimadura, a broncoaspiração, a lesão por inalação, a presença de um tubo orotraqueal ou de uma cânula de traqueostomia e aparelhos respiradores. Os principais agentes causadores são bactérias endógenas constituídas pelas floras da orofaringe e gastrintestinal, onde inclui-se: Staphylococus aureus, Streptococus pneumonie e Haemophylus influenza18 (Cal et al. 2001). Segundo RAMZY e col. (1998) a pneumonia tem sido associada à mortalidade de 40% destes pacientes. Este índice aumenta para 60% quando há inalação de fumaça. A lesão inalatória é o resultado do processo inflamatório das vias aéreas e pode ser o determinante mais importante da mortalidade, prevalecendo sobre a extensão da queimadura e idade. Tal incidência pode ser confirmada pelo estudo de RUE et ai. (1995), onde foi observado que a taxa de pneumonia sobe de 9%, nos queimados sem presença de lesão por inalação, para 38% no grupo que apresenta lesão por inalação de fumaça. Essa suscetibilidade à infecção pode ser elucidada pela interrupção da “barreira mecânica” que a pele normalmente providencia, associada ao estado generalizado de imunossupressão. Além disso, a lesão por significativa inalação de fumaça prejudica o transporte mucocilar, predispondo o paciente à invasão da árvore traqueobrônquica por microorganismos. O mesmo ocorre durante o período de 22 intubação oro-traqueal ou traqueostomia, já que a aspiração das secreções contaminadas da orofaringe é o primeiro passo na patogênese da infecção das vias aéreas inferiores. A estas alterações somam-se a imobilidade, freqüentemente observada neste paciente, e a diminuição do reflexo de tosse pela lesão das vias aéreas. As alterações fisiopatológicas são caracterizadas pela invasão do alvéolo e vias aéreas por exsudato inflamatório (zona de condensação alveolar), mecanismo, este, que altera a relação ventilação/perfusão (V/Q), já que cria um efeito shunt. Observa-se ainda, no parênquima pulmonar, que mesmo fluídos ácidos não contaminados podem se disseminar produzindo hemorragia e edema pulmonar. Partículas maiores podem ser aspiradas para as vias aéreas de menor calibre, acarretando obstrução aguda das mesmas, e conseqüentemente, levar à sintomatologia semelhante à da asma, além de áreas de colapso alveolar e atelectasia. As áreas de colapso são agravadas na presença de queimaduras circunferenciais do tórax, as quais restringem sua mobilidade e diminuem a capacidade vital. 3.6.2 Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) Por definição, a SDRA é uma condição de insuficiência respiratória aguda decorrente da lesão, de natureza inflamatória, da barreira constituída pelo epitélio alveolar e pelo endotélio, que determina, entre outras coisas, a formação de um edema alveolar rico em proteínas. Esta condição relaciona-se diretamente com altos índices de morbidade e mortalidade e afeta 48% dos pacientes queimados internados em unidades de terapia intensiva (TORTOROLO et al. 1999). A doença é, habitualmente, progressiva, caracterizada por estágios variáveis, com manifestações clínicas, histopatológicas e radiográficas específicas. Apesar de esta patologia estar associada a várias etiologias, é possível classificá-la de acordo com o mecanismo da lesão da membrana alvéolo-capilar em: lesões diretas que englobam a infecção pulmonar difusa, pneumonias de diversas etiologias, inalação de gases tóxicos, contusão pulmonar e lesões indiretas como a síndrome séptica, pós-circulação extracorpórea, politraumas e politransfusões. Estas são as causas de SDRA freqüentemente observadas nos pacientes queimados (AMATO et ai., 2000; PELOSI et ai.; 2000). A SDRA caracteriza-se por alteração na permeabilidade da membrana alvéolo capilar com extravasamento de plasma para o interior dos alvéolos e formação de edema pulmonar 23 não-cardiogênico. Logo o edema envolve as paredes dos alvéolos, altera as suas estruturas e toma o surfactante inativo ou com sua produção diminuída. A perda da função do surfactante leva ao aumento da tensão superficial na interface alvéolo-capilar, causando microatelectasias alveolares e em outras vias aéreas inferiores (KRISHINAN et ai., 2000). Precocemente, encontra-se progressiva congestão capilar com alguns pontos de estiramento e abertura das junções endoteliais, juntamente com a agregação de granulócitos à sua luz. A partir dai ocorre extravasamento de líquido protéico e migração de células, em particular neutrófilos, da circulação para o interstício e para o espaço alveolar, causando dano difuso nas membranas endotelial e epitelial do pulmão. Os espaços alveolares tornam-se assim colapsados e com exsudatos e osinofílicos constituídos, pela membrana hialina. Posteriormente ocorre necrose com desprendimento dos pneumócitos tipo 1 das membranas basais e vasos trombosados. Macroscopicamente os pulmões estão pesados, acima de 2 Kg, e com a consistência aumentada. Esta fase, denominada Exsudativa, perdura de três a sete dias (MARSHALL et ai., 1998). A segunda fase, chamada Proliferativa, é o estágio de organização do exsudato intersticial e alveolar. A resposta inflamatória já está estabelecida, os espaços alveolares abrem-se para o interstício, e são invadidos por fibroblastos e células endoteliais. Os pneumócitos tipo II perdem suas granulações, o que resulta na queda da produção de surfactante, enquanto já se esboça sua transformação em pneumócitos tipo 1. Nos casos com tendência a cronificação, a proliferação fibroblástica progride e o liquido do edema reduz (AZEVEDO et al., 1999). A partir daí inicia-se a fase de reparo e fibrose, onde o pulmão comprometido entra em um processo desordenado de regeneração, havendo assim nítida proliferação fibroblástica com presença focal de fibras musculares lisas no interstício. Os fibroblastos ativados secretam proteínas da matriz extracelular dentro do interstício, e também migram para o espaço alveolar, ligando as membranas basais lesadas contribuindo assim para a fibrose intraalveolar. Completa-se o mecanismo de regeneração quando os pneumócitos tipo II recuperam os sacos alveolares, com epitélio cubóide em meio a restos de membrana hialina e atelectasias. Nas formas graves ocorre retenção pulmonar, tomando-se o pulmão pequeno e microcístico (MARSHALL et ai, 1998; AZEVEDO et aL, 1999). A fibrose progressiva é causa direta de morte em 40% dos pacientes nos Estados Unidos, e também constitui uma causa indireta devido à infecção nosocomial e progressiva 24 falência de múltiplos órgãos em mais de 70% dos pacientes que evoluem para óbito por esta patologia (MARSHALL et ai., 1998). Seu diagnóstico, de acordo com a última reunião do Consenso Europeu Americano, está associado a três componentes: 1. infiltrado radiológico alveolar bilateral; 2. relação entre a pressão parcial de oxigênio arterial e a fração inspirada de oxigênio (PaO2/ FiO2) entre 201 e 300 mmHg, independentemente do valor da pressão positiva expiratória final (PEEP); 3. ausência de evidência clínica de elevação da pressão atrial esquerda, se avaliada, a pressão de enchimento capilar pulmonar não deve exceder 18 mmHg (BERNARD et al. 1999). Uma consideração importante a ser realizada é a distribuição heterogênea desta patologia no parênquima pulmonar, intercalando áreas normalmente ventiladas e áreas com shunt intrapulmonar nas regiões dependentes da gravidade (AMATO et ai., 2000; GEISER ET ai., 2001). Este fato relaciona-se diretamente com o tipo de abordagem ventilatória eleito para o tratamento desta patologia. Embora o desenvolvimento de insuficiência respiratória possa ser atribuído à inalação de produtos tóxicos da combustão, grande parte dos pacientes não apresenta história clara de lesão pulmonar direta. O desenvolvimento da SDRA em pacientes que não possuem história de lesão por inalação de fumaça é comum, relacionando-se a altos índices de mortalidade (QINGZHONG et ai., 1998). 25 4 ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA As lesões por queimadura representam um importante problema de saúde em termos de tratamento, onde cuidados em pacientes sobreviventes e o traumatismo ocasionado pela queimadura, na maioria das vezes, é uma das mais devastadoras ocorrências na vida do indivíduo. A reabilitação do paciente queimado inicia-se no momento de sua admissão no hospital. É nesta fase de prevenção que a fisioterapia intensiva será de grande importância para o paciente. O fisioterapeuta deve observar, antes de prescrever seu plano de tratamento, qual o tipo de postura ou movimento, qual o tipo de contração muscular, qual a sucessão de movimentos e o ritmo que ele deseja aplicar e que seja possível ao paciente executar, sendo para este a melhor escolha aquela relacionada ao seu estado atual (Dourado, 1994) Afonso & Martins afirmam que a fisioterapia é uma ciência que está crescendo a cada dia e está sendo aplicada como coadjuvante para a cura do paciente. Em queimaduras, a fisioterapia acompanha o paciente desde a fase inicial do tratamento, evitando complicações pulmonares e prevenindo deformidades e contraturas até a completa maturação das cicatrizes, e acompanhamento das reconstruções estéticas e funcionais. Ter um fisioterapeuta como parte da equipe de queimaduras é essencial. O terapeuta físico tem capacidade de entender os objetivos médicos, as modalidades de tratamento e o comportamento do paciente, já que tem uma compreensão da magnitude da queimadura, das seqüelas sistêmicas, das complicações e do prognóstico geral. Para Guirro e Guirro (2002), o fisioterapeuta está ativamente envolvido no tratamento e afirma que o atendimento precoce e contínuo é fundamental para a reabilitação, proporcionando a diminuição das seqüelas, o tempo de internação e mortalidade. Conforme Maciel & Serra (2004), a fisioterapia respiratória também tem importância no tratamento de pacientes vítimas de queimaduras, pois o pulmão e a função pulmonar do paciente queimado necessitam de observação e monitorização por parte do fisioterapeuta, pois é neste sistema quer tenha sido atingido ou não pela injúria térmica, que vão se localizar alterações clínicas importantes como indicadores da instabilidade ou estabilidade do paciente. De acordo com Gemperli et al, 2000, na unidade de terapia intensiva o paciente queimado tem na fisioterapia um recurso de grande valor, devido a imobilidade decorrente de vários fatores. Dessa forma a prevenção de retrações, contratura e deformidades, além de complicações respiratórias no paciente queimado, deve ter início no primeiro atendimento fisioterapêutico (Bonatto et al, 1989) 26 4.1 FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA O avanço tecnológico tem favorecido o aparecimento de complicações clínicas, as quais são, entretanto, passíveis de serem prevenidas, principalmente quando se atua de forma interdisciplinar. Junto aos pacientes acamados, sedados, dependentes de ventilação mecânica e que necessitam recuperar suas funções respiratórias, o fisioterapeuta pode atuar com objetivo de melhorar a ventilação pulmonar e, conseqüentemente, a oxigenação. Uma das ações preventivas que evitam complicações pulmonares é a fisioterapia respiratória, que visa à recuperação funcional e respiratória do paciente o mais breve possível. As manobras de fisioterapia, agregadas aos cuidados que se prestam aos doentes sedados e acamados, serão usadas para facilitar a desobstrução das vias respiratórias e a nova expansão pulmonar, com o objetivo de prevenir complicações nos pacientes sob este risco. A intervenção da fisioterapia respiratória favorece também a respiração profunda e uma eficiente troca gasosa, diminuindo a quantidade de secreção e facilitando a higienização dos brônquios. Sendo estes importantes condutores para a aspiração, o acúmulo de secreção pode resultar em foco de contaminação pulmonar. A fisioterapia respiratória objetiva primordialmente, melhorar a função respiratória por meio de outras funções como ventilação/perfusão, distribuição e difusão, visando promover e manter níveis adequados de oxigenação e de gás carbônico na circulação, preservando a ventilação pulmonar. Outro objetivo é expandir novamente as áreas pulmonares com atelectasia. A fisioterapia respiratória tem caracterizado dois aspectos importantes e necessários para a manutenção da função respiratória dos pacientes: a higiene brônquica (desobstrução brônquica), ou seja, a remoção das secreções retidas, também utilizada no tratamento de enfermidades do sistema respiratório e a manutenção da expansibilidade pulmonar durante a ventilação mecânica. O foco do cuidado ao doente está na importância de se intervir somente o necessário, para ajudar o organismo a se recuperar com menor ônus e melhor qualidade. Quando se está frente a um doente acamado, com problemas respiratórios e sob ventilação mecânica, é preciso ter clara consciência de quais os procedimentos que poderão auxiliar em sua volta ao seio familiar. Para se estar seguro de que os procedimentos a serem realizados contribuirão de fato para a melhora do paciente, é necessário que o fisioterapeuta observe as evidências que 27 possam orientá-lo nas intervenções. A prevenção de complicações pulmonares poderá ser efetivada quando todos os fatores intervenientes puderem ser controlados As manobras são realizadas, freqüentemente, em combinação e/ou associada a outras técnicas. É importante ressaltar, que tais recursos terapêuticos dependem primordialmente do conhecimento da técnica e de seu efeito fisiológico. Portanto, é necessário o estudo da técnica propriamente dita e de suas indicações, contra-indicações e efeitos alcançados com a utilização da mesma (HARDY & ANDERSON, 1998; SLUTZKY, 1999). A técnica a ser utilizada deve ser escolhida individualmente para cada paciente. Nos queimados deve ser observado à presença de lesões na caixa torácica e em outros locais do corpo que restrinjam a aplicação de diversas técnicas por constituírem importantes contraindicações à execução de manobras que exijam manipulação direta do tórax e drenagem postural. Finalmente, nesses casos, a técnica empregada deve respeitar as limitações de cada paciente, e, portanto pode ser indicada a manobra de ZEEP, hiperinsuflação manual com bolsa auto-insuflável (Ambu) e aspiração traqueal. A fisioterapia respiratória não é apenas indicada para a reabilitação ou a cura do paciente, mas também para a prevenção de complicações pulmonares, já que, ao melhorar a função pulmonar, favorece a redução de infecção pulmonar, reduz o tempo de permanência no ventilador mecânico e libera o doente do risco da realização de traqueostomia; benefícios estes que, além de reduzirem a permanência do paciente internado, reduzem o custo hospitalar. 28 5. RESULTADOS No Brasil a média de idade de pacientes vítimas de queimaduras é de 36 anos, predomínio do sexo masculino, e uma média de 38% de superfície corporal queimada. A lesão inalatória está presente em 51% dos pacientes queimados. A ventilação mecânica (VM) é necessária em 58% desses pacientes. A mortalidade é de 40% tendo como fatores associados à idade, a superfície corporal queimada, sexo feminino, e as complicações respiratórias como a Pneumonia e a SDRA (GUIRRO et al., 2002; YOUNG et al., 2001). É estimado que 26% dos pacientes queimados evoluam com insuficiência respiratória (Rodeberg et al, 1999). As causas mais freqüentes de insuficiência respiratória aguda é a lesão inalatória, seguida por SDRA. A síndrome do desconforto respiratório agudo desenvolve-se em 46% dos pacientes internados na unidade de terapia intensiva de queimados. Pneumonia desenvolve-se em 48 a 56% dos pacientes queimados, requerendo o uso de ventilação mecânica. Diversos estudos indicaram que a incidência de complicações pulmonares em seguida as queimaduras graves oscilam entre 24% até mais de 84% de todos os acidentes com queimaduras e que a morte devida apenas à pneumonia pode responder por mais de um terço das mortes das vítimas de queimaduras (WEBGATE, 2001). Essas complicações respiratórias na maioria das vezes são tratadas com ventilação mecânica invasiva, embora a ventilação mecânica não invasiva (VMNI) tenha demonstrado ser tão eficaz quanto à ventilação convencional na melhora da troca gasosa. Portanto, a VMNI é eficiente na função de suporte respiratório e com isso a intubação endotraqueal pode ser evitada em muitos casos (Smailes, 2002). Quando a ventilação se mostra comprometida pela execução torácica restrita, a escarotomia imediata é necessária. A incidência de ventilação mecânica em estudos publicados está entre 27% a 81%. Quanto à intubação endotraqueal existem algumas contra indicações, como obstrução nasal ou intraoral, edema de laringe entre outras. Se a intubação endotraqueal não for possível ou se o paciente necessitar de mais do que três dias de suporte ventilatório deve se optar por uma traqueostomia eletiva (Jelenko et al,1999). A traqueostomia precoce tem sido requerida para reduzir o suporte ventilatório, os cuidados intensivos e a duração da estadia hospitalar dos pacientes na UTI. Quando comparada com a intubação endotraqueal não há diferença no suporte ventilatório, tempo de estadia, incidência de pneumonia ou sobrevida. Porém a traqueostomia oferece algumas vantagens em termos de conforto e segurança para o paciente. A rotina da intubação endotraqueal em pacientes 29 queimados não melhora os resultados, logo não reduz o tempo de assistência ventilatória (Saffle et al, 2001) De acordo com Lund et al, 1999, as seqüelas geralmente podem ser observadas com mais freqüência após realização da traqueostomia quando comparada a intubação nasotraqueal. A duração do posicionamento do tubo e a presença de estoma traqueal eram um dos fatores etiológicos mais importantes nos danos permanentes. Na especialidade dos cuidados intensivos, tanto na intubação endotraqueal como na traqueostomia, as utilizações de estratégias protetoras para reduzir as lesões pulmonares causadas pela ventilação estão sob investigação (Wolter et al, 2004). O suporte ventilatório em pacientes queimados pode ser obtido pela estratégia protetora de ventilação pulmonar (Cão et al, 2002). Porém, para que os benefícios esperados sejam alcançados, deve-se obedecer determinados critérios, os quais, em conjunto, denominam-se Estratégia Protetora Pulmonar (AMATO et ai., 1998; CHRYSOPOULO e col., 1998). O modo ventilatório escolhido deverá ser aquele qual o profissional está habituado, sendo preferíveis modalidades que minimizem a pressão nas vias aéreas, como Pressão Controlada (PCV), pressão de suporte (PSV), ventilação com pressão de suporte e volume garantido (VARSV). Na impossibilidade da utilização dessas modalidades, aceita-se ventilação com volume controlado (VCV), desde que com fluxo decrescente (CARVALHO, 2000). Devem ser utilizados valores de Volume Corrente (Vt) entre 4 e 7 mL/Kg e freqüência respiratória (f) entre 12 e 20 ciclos/min, sempre respeitando a Pressão de Platô (Ppl) inferior a 35 cmH2O. O emprego desta estratégia ventilatória permite o repouso alveolar, porém acarreta acúmulo de O2 no sangue artérial e venoso, o que denomina-se hipercapnia permissiva (CARVALI-IO, 2000). O prolongamento do tempo inspiratório também tem demonstrado ser eficiente para o recrutamento alveolar, levando a uma importante redução do espaço morto fisiológico. Entretanto os riscos inerentes a esta manobra limitam o seu uso a situações onde há risco de lesão pulmonar induzida por altas concentrações de O2 (CARVALHO, 2000). Deve ser utilizada quando a estratégia protetora falha, ou seja, quando se torna necessário uma Fio2 maior do que 50 % para garantir oxigenação arterial aceitável. Tal técnica deve ser realizada sempre no modo PCV, iniciando-se com relação I:E de 1:1, aumentando progressivamente até 3:1 caso necessário (CARVALHO, 2000). Wolter et al, 2004 conclui que a ventilação com valores elevados da pressão positiva no final da expiração (PEEP) e baixo volume corrente em pacientes queimados tem 30 como benefício a melhora do índice de oxigenação, porém não altera a mortalidade, o número de complicações pulmonares ou o índice de pneumotórax. Seguindo essa mesma linha de pesquisa, Cox et al, 1992, comparou os efeitos imediatos da iniciação da ventilação com pressão positiva (PPV) mais PEEP versus a PPV mais PEEP tendo inicio somente após hipoxemia seguida de severa lesão inalatótia. Foi concluído que PPV mais PEEP imediatamente após lesão não prevenia o desenvolvimento da hipóxia e era associada com o aumento da formação de fluido pleural. Precocemente a PPV com PEEP de preferência iniciada imediatamente após a inalação ofensiva, significantemente aumenta a curto-prazo a sobrevida. O processo de extubação deve ser conduzido seqüencialmente à evolução clínica do paciente queimado. A melhora é exibida constantemente pela elevação gradativa da Pao2 ou pelo Pao2 maior que 150 mmHg ou ambos. A PEEP é reduzida de 3 a 5 cmH2O, antes de cada redução, o paciente deve ser capaz de manter uma saturação de oxigênio a 100% durante monitorização diária. O tubo T pode ser usado nesta etapa. Se o paciente estiver traqueostomizado o balonete deve ser esvaziado, e a próxima etapa é diminuir progressivamente o diâmetro do tubo e após isso retira-lo (Jelenko et al, 1999). A função respiratória do paciente é maximizada pelas técnicas fisioterapêuticas. Segundo Silverberg et al, 1995, as técnicas mais aplicadas pelos fisioterapeutas nos centros de queimados são: aspiração (96%), tosse quando possível (92%), inspirômetria de incentivo (92%), inspiração profunda (91%), drenagem postural (88%), percussão e vibração (84%), o treinamento da musculatura respiratória (39%) e posicionamento no leito (28%). Demonstrando ainda que após tratamento houve melhora na ausculta dos ruídos adventícios (62%), no esforço expiratório representando a tosse (58%), nos valores dos gases sangüíneos (55%), na oxigenação (51%), no esforço inspiratório, na expansão torácica, na atividade de endurance, na freqüência respiratória e na incidência de intubação. Referente ao sistema músculo-esquelético e ao tecido conjuntivo, a meta principal na reabilitação é minimizar as conseqüências de cicatrizes hipertróficas e contraturas concomitantes (Richard et al, 2000 e Rochet et al, 2002). A atividade terapêutica deve ser iniciada precocemente, para evitar os riscos da hospitalização prolongada e imobilidade associada, podendo ser uma das chaves para a recuperação do paciente. O paciente queimado devido à perda da elasticidade, da integridade do seu órgão de revestimento, de porções musculares e exposições osteotendinosas, apresentam restrições motoras graves necessitando de habilidade e cuidados especiais do fisioterapeuta para manter as condições favoráveis, a fim de recobrar os movimentos e prevenir às deformidades que poderão torná-lo incapacitado. 31 A mobilização reduz os efeitos do imobilismo e do repouso, além de também otimizar o transporte de oxigênio. Os exercícios passivos visam manter a movimentação da articulação, o comprimento do tecido muscular, da força e da função muscular e diminuir o risco de tromboembolismo. O posicionamento e imobilização têm início no dia da admissão, exigindo cuidados e atenção constantes para que não ocorram contraturas. O posicionamento adequado no leito dos pacientes na UTI pode ser usado com o objetivo fisiológico de otimizar o transporte de oxigênio através do aumento da relação ventilação-perfusão (V/Q), aumento dos volumes pulmonares, redução do trabalho respiratório, minimização do trabalho cardíaco e aumento do clearance muco ciliar. Uma pesquisa realizada na Alemanha verificou os efeitos da técnica de posicionamento em pacientes na unidade de terapia intensiva. Um questionário com 12 itens de múltipla escolha foi enviado para 1763 unidades de terapia intensiva que foram identificados a partir do hospital alemão "Deutsches Krankenhausadressbuch". Um total de 702 questionários (40,4%) foram devolvidos e analisados. O estudo mostrou que, a técnica de posicionamento no leito melhorou a oxigenação dos pacientes (95%) e também foi eficaz na redução das complicações associadas ao ventilador mecânico. A anestesia deve ser aplicada o menos possível em pacientes queimados. O fisioterapeuta manipula estes pacientes já no centro cirúrgico, com finalidade de colocar o segmento em uma posição normal, movimentar todas as articulações deste segmento, partindo das maiores em direção às menores, e liberar aderências, mantendo-o posteriormente em posição funcional, através de talas gessadas de fácil remoção; essas imobilizações são removidas para a cinesioterapia ser aplicada novamente e mantido o segmento na posição inicial (Raffoul et al, 1998). Para todas as fases de tratamento, avaliações são necessárias para rever as metas da reabilitação e atividades. Durante a fase aguda a alternância do posicionamento é priorizada em ordem para manter a extremidade afetada numa posição antideformantes usando talas ou outros dispositivos. Em fase de reabilitação, o tratamento é focado em exercícios de fortalecimento e uso de talas dinâmicas e na correção de contraturas. O tratamento baseia-se em movimentos em cadeia passivo ou ativo, exercícios de fortalecimento e treinamento de endurance (Rochet et al, 2002). Cada parte do corpo deve ter uma visão diferenciada, os membros inferiores (MMII) não podem assumir posturas patológicas, como retrações, flexões ou extensões exageradas em favor da queimadura. Nas queimaduras que não atingem a região de tornozelo, o cuidado é para que o pé não assuma posição eqüina. O pé deve ser mantido em uma postura contínua, repousado sobre o leito ou caído para fora deste, e em posição ortogonal em relação 32 ao resto do membro. Deve ser evitada a posição de flexão e cruzamento de um membro sobre o outro, por acarretar rotação de pelve sobre a coluna lombar e desta sobre a dorsal, provocando retração da musculatura e rotação dos cíngulos (Dourado, 1999). Nos casos dos MMII queimados e recém enxertados, preconiza-se repouso de seis dias pós-operatório. O primeiro curativo inicia-se com isometria e, depois de 15 dias com exercícios isotônicos (Simon, 1998). Os pacientes com queimaduras extensas na região dorsal devem manter uma postura no leito de maneira que não desenvolvam hiperlordose; caso atinjam a porção anterior, não permitir o desenvolvimento de posturas cifóticas; e aquelas que atingem a porção lateral do tronco devem ser prevenidas, não permitindo a posição de flexão lateral, para não ocasionar uma postura escoliótica (Dourado, 1999). O membro superior deve permanecer abduzido, evitando posições de extensão, flexão e adução exageradas, que impedem uma funcionalidade razoável do referido segmento. A posição deve ser a mais funcional, procurando uma semiflexão (Simon, 1986). As drenagens com elevação do membro são utilizadas devido à presença de edema. As compressões e preensão, com o auxílio de objetos elásticos, a mobilização das mãos, em posição fechada ou semifechada, conforme a tendência de retração, e o uso das férulas ajudam o fisioterapeuta no tratamento. A mão é uma grande preocupação para o fisioterapeuta. O tratamento é iniciado com o cuidado na imobilização, envolvendo parte por parte, para evitar as sinéquias e posições antifuncional, a fim de facilitar a movimentação das articulações interfalângicas durante a cinesioterapia. Se a lesão ocorrer em toda região da mão, a postura ideal será de punho em posição neutra, leve flexão dos metacarpos, extensão das falanges e abdução dos dedos (Bonatto et al, 1998). O enfaixamento deve ser feito com cuidado e critérios. Isto é possível através de apoios entre os dedos, e a regulagem de tração através da própria faixa, com o objetivo do posicionamento correto das articulações. Se a queimadura for na região dorsal ou palmar o enfaixamento deve ser da seguinte maneira: apenas na região palmar - as falanges devem ficar em extensão e abduzidos com o punho em postura neutra. Se a queimadura for apenas na região dorsal, as falanges devem estar em semiflexão palmar com abdução dos dedos e punho também em postura neutra. Outro meio de manter as articulações em boa postura é a utilização de talas moldáveis (Bonatto et al.,1998). A queimadura de pescoço e face provocam edemas de grandes proporções, deformam a fisionomia, acarretam alterações ao aparelho respiratório, do tipo obstrutivo ou tóxico, podendo surgir edemas, secreções brônquicas, congestão pulmonar ou anóxia de condução. A fisioterapia nestes pacientes deve incentivar a execução de mímicas faciais, como sorrir exageradamente, franzir a fronte e outros músculos, e principalmente o enfoque na articulação temporomandibular (ATM) e a mobilização da mandíbula (Dourado, 33 1999). Em queimadura de pescoço deve se posicionar a cabeça sobre o leito e manter em flexão dorsal, por efeito de tração ou pela elevação dos ombros sobre travesseiros, deixando a cabeça cair no colchão, a fim de evitar bridas, sem impedir os movimentos mandibulares e mastigação. Pode se usar também o colar de Thomas para ajudar a manter o pescoço em extensão (Dourado, 1999). Em geral, na fase de pré-enxertia deve-se iniciar o exercício e dar continuidade ao enfaixamento e postura. Devido à hiperalgia o paciente adquire posturas viciosas, este posicionamento deve ser praticado intermitentemente a fim de aliviar o sofrimento e promover a correção. Após o enxerto de pele a fisioterapia atuará novamente na postura correta e ideal de imobilização, iniciando o tratamento fisioterapêutico para a prevenção de seqüelas após três semanas, tendo como cuidado, não deslocar o enxerto (Bonatto et al,1998). A massagem é um estimulo benéfico quando corretamente aplicado e pode atuar nos sistemas através de vários caminhos: pelas vias linfáticas e nervosas, sobre a fibra muscular, os tendões e através das peridromias, onde se situam os dermátomos. Atua também, eliminando uma parte de material nocivo que o traumatismo determina na área lesionada. Os principais efeitos produzidos pela massagem são a recomposição do tecido em menor espaço de tempo, a distribuição e a destinação dos líquidos para o sistema linfático e a diminuição das aderências, cicatrizes hipertróficas e quelóide (Dourado, 1999). Apesar de todos os avanços, a cinesioterapia continua sendo a técnica primordial em um plano de tratamento para os queimados. No entanto, muitas técnicas de tratamento têm sido usadas com sucesso, mas sem uma investigação crítica da melhor prática de cuidados (Richard et al, 2000). 34 6 DISCUSSÃO Apesar dos dados dramáticos, os constantes avanços das ciências de saúde estão reduzindo, significativamente, o número de óbitos ocasionados por queimaduras. Além das novas técnicas médicas que estão em desenvolvimento, o processo de reabilitação também está se atualizando. Esse processo, de fundamental importância, se inicia na chegada do paciente ao serviço de saúde, percorrendo seu cotidiano até alguns anos após a alta (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2008). A lesão por queimadura não é apenas uma urgência médica, mas desencadeia sérios problemas físicos, psicológicos e financeiros para o paciente, sua família e sociedade. Os efeitos das grandes queimaduras podem ser considerados como irreparáveis em todas as áreas da vida do paciente. A distribuição do sexo varia conforme o local estudado. Porém, no Brasil, observa-se que mais de 60% das queimaduras ocorrem em homens (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2008; GUIRRO et al., 2002). As lesões por queimaduras não são apenas problemas de países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, as queimaduras são a quarta causa de morte por trauma. Aproximadamente 1,25 milhões de pessoas sofrem queimaduras todos os anos. Cerca de 1 milhão de pessoas solicitam tratamento. Destes casos, 100.000 queimaduras são consideradas de moderada a grave, sendo que em 51% é necessária a hospitalização. Nestas situações de hospitalização, ocorrem 5.500 mortes anuais em decorrência de queimaduras (HETTIARATCHY, et al., 2004; SHERIDAN, et al., 2003). Os acidentes de trabalho acontecem principalmente no setor produtivo para homens, como soldadores e mecânicos, e para as mulheres em atividades domésticas ou exercendo sua profissão no setor de serviços como cozinheira. Desta forma, a literatura evidencia maior risco nas atividades domésticas. Isso se deve à utilização direta do fogo para cozinhar e do uso de álcool como produto de limpeza. Estudos demonstram que o agente térmico é o maior causador de queimaduras. Os eventos desencadeados por eletricidade e por substâncias químicas são menos freqüentes, contudo, em virtude da agressividade destes agentes, são sempre consideradas as mais graves. Analisando-se a profundidade, pode-se constatar que 55% dos pacientes são acometidos por lesão de 2° grau profundo, enquanto 45% são acometidos por lesões de 3º grau, no qual se obtêm maior número de seqüelas. Estes dados foram concretizados por estudiosos, proferindo 35 em sua literatura que as queimaduras de 3° grau são graves e de difícil cicatrização, deixando muitas seqüelas (MÉLEGA, 2002). A queimadura grave não-fatal causada por calor, eletricidade, agentes químicos e radiantes é considerada a lesão mais intensa que o corpo humano pode sofrer. As queimaduras ainda configuram importante causa de mortalidade. Esta se deve principalmente à infecção, que pode evoluir com septicemia, assim como a repercussão sistêmica, com possíveis complicações renais, adrenais, cardiovasculares, pulmonares, músculo-esqueléticas, hematológicas e gastrointestinais. No Brasil, Santucci et al. (2003) relataram que 175 (55%) de um total de 320 pacientes internados na Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo desenvolveram infecção, totalizando 388 episódios infecciosos. Os principais sítios de infecção foram: a corrente sanguínea, ocorrendo em 49% dos pacientes internados, a ferida queimada em 21% e o pulmão em 14%. Na revisão da literatura foi observado que a lesão por queimadura desencadeia uma série de alterações fisiopatológicas que culminam com a franca insuficiência respiratória. Observa-se ainda o surgimento freqüente de complicações, dentre as quais a pneumonia e a SDRA merecem grande destaque devido ao alto índice de mortalidade. A insuficiência respiratória ocorre quando o comprometimento da ventilação e da troca gasosa comporta risco de vida. A prescrição imediata é a intubação e a ventilação mecânica. Quando a ventilação se mostra comprometida pela execução torácica restrita, a escarotomia imediata é necessária. A síndrome do desconforto respiratório agudo desenvolve-se em 46% dos pacientes internados na unidade de terapia intensiva de queimados, a média de permanência desses pacientes na UTI é de 31 dias. A SDRA pode desenvolver-se nos primeiros dias depois da queimadura, secundária às respostas sistêmica e pulmonar à queimadura e à lesão inalatória (BRUNNER,1999). A pneumonia é uma importante causa de morbidade e letalidade no paciente vítima de trauma. A pneumonia é segunda ou terceira causa de infecção hospitalar, ocorrendo em percentual de 5 a 10 casos por 100 internações. Essa incidência aumenta 6 a 20 vezes, caso o paciente seja ventilado mecanicamente. A presença de pneumonia aumenta a permanência hospitalar em 7 a 9 dias, sendo a letalidade de 16 a 37%, podendo chegar a 70% nos casos determinados por Pseudômonas aeruginosa (Franco et al. 1998). A revisão da literatura tem enfatizado a enorme importância que representam esses sítios de infecção na morbidade e letalidade em pacientes queimados, os quais exigem atenção renovada e constante no acompanhamento. 36 As complicações respiratórias são encontradas em (23,9%) dos pacientes internados em UTI, sendo mais prevalente a lesão inalatória (32,5%), que é o resultado do processo inflamatório das vias aéreas após a inalação de produtos incompletos da combustão e é a principal responsável pela mortalidade (até 77%) dos pacientes vítimas de queimaduras. Cerca de 33% dos pacientes com queimaduras extensas apresentam lesão inalatória e o risco aumenta progressivamente com o aumento da superfície corpórea queimada. A presença de lesão inalatória, por si, aumenta em 20% a mortalidade associada à extensão da queimadura. Pacientes internados em UTIs apresentam necessidades especiais e básicas, as quais, na maioria das vezes, exigem assistência sistematizada, além de uma série de cuidados objetivando evitar complicações. O trabalho do profissional em fisioterapia nesses casos tem se mostrado eficaz e imprescindível, sendo considerada parte integrante da equipe responsável pelos cuidados em pacientes de UTIs. Estudos apontam que no tratamento dos pacientes queimados, a atuação precoce da fisioterapia intensiva, realizada de forma sistemática e constante é um fator essencial para que a reabilitação seja conseguida com sucesso, podendo quase sempre evitar seqüelas, tais como a formação de cicatrizes viciosas que bloqueiam a liberdade de movimento, como também tem papel indispensável na prevenção e melhoria das complicações respiratórias associadas. Nos trabalhos de reabilitação já desenvolvidos, a função respiratória demonstrou ser maximizada pelas técnicas fisioterapêuticas e a assistência ventilatória adequada, instituída precocemente e direcionada para estes pacientes, havendo melhora na oxigenação, higiene brônquica, expansão torácica, atividade de endurance, freqüência respiratória e incidência de intubação. A reabilitação começa imediatamente depois da ocorrência da queimadura – tão precocemente quanto à fase emergencial e, com freqüência, estende-se por anos depois da lesão. 37 7 CONCLUSÃO O conhecimento inerente às seqüelas de queimaduras é importante para a identificação do impacto das queimaduras em nosso meio. A fisioterapia intensiva vem atuando precocemente na fase aguda da injúria térmica, sendo de fundamental importância no tratamento de grandes queimados evitando possíveis complicações, seqüelas, acelerando o processo de recuperação e diminuindo o tempo de internação. Portanto, um instrumento capaz de auxiliar a reabilitação do paciente como um todo. Embora já esteja bem estabelecida na literatura a fisioterapia como importante ferramenta de reabilitação do aparelho locomotor, pouco se estuda sobre a abordagem pneumofuncional nestes pacientes, visto que há uma série de seqüelas associadas à lesão por queimadura. Apesar de todos os avanços, a cinesioterapia ainda é a técnica primordial em um plano de assistência à pacientes queimados, sendo eficaz para manter condições favoráveis, recobrando os movimentos e prevenindo as deformidades que poderão torná-lo incapacitado. A partir dos resultados obtidos, conclui-se que se faz urgentemente necessária a produção de melhores e mais rigorosas investigações acerca do trabalho da Fisioterapia Intensiva no grande queimado, especialmente no que concerne as complicações pulmonares, tempo de desmame e internação nas unidades, a fim de avaliar sua importância e necessidade nas mesmas, objetivando o melhor tipo de serviço prestado ao paciente gravemente enfermo. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. VIEIRA, S.R.R. Pressão respiratória final positiva na lesão pulmonar Agudo e na síndrome da angústia respiratória aguda. Res.Bras. Terap. Intens.; 1999; 11: 158162. 2. AMATO, M.B P.; BARBAS, C.S.V.. Suporte ventilatório na Síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). J. Pneumol, 2000; 26: 38 -41. 3. BARRETO, M. X.; LEONARDI, D. F.; SILVA, M. A. Infecção em queimaduras: estudo da flora predominante na UTI — Queimados do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. Rev. Bras. Terap. Intens., 1999; 10: 177 — 180. 4. 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