X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
INVESTIGANDO CONCEPÇÕES DOS ALUNOS INGRESSANTE ACERCA DA
MATEMÁTICA E (RE)PENSANDO A PRÁTICA DOCENTE
Douglas da Silva Tinti1
[email protected]
Universidade Cidade de São Paulo
Resumo: O presente trabalho tem o propósito de identificar as concepções, acerca da
Matemática, apresentada por alunos ingressantes de uma Universidade da rede privada de
ensino. Para tanto foi escolhido um módulo eletivo denominado Core Curriculum de
Raciocínio Quantitativo. Enquanto disparador da pesquisa foi aplicado um questionário,
para uma parte dos alunos que se matricularam neste módulo. Apresentaremos aqui os
resultados e reflexões iniciais provenientes da análise dos discursos que relatam as
concepções, sentimentos, modelos e anseios que estes alunos apresentam frente à
Matemática. Esperamos que a pesquisa viabilize a compreensão da interferência das
concepções dos docentes ao longo de todo processo educativo e possibilite-nos elencar os
motivos pelos quais os alunos, mesmo não gostando de matemática, se inscrevem para
cursar este módulo que tem, enquanto pano de fundo, a Matemática. Destacaremos a
necessária ênfase numa prática reflexiva que contribua para a mudança de paradigmas e/ou
estereótipos e, consequentemente, para a busca de alternativas que tornem o ensino da
Matemática significativo e contextualizado.
Palavras-chave: Concepções de Matemática; Matemática; Educação Matemática; Ensino
Superior.
INTRODUÇÃO
A motivação de investigar as concepções que os alunos possuem acerca da
matemática emergiu das discussões e reflexões suscitadas pelos professores ao
organizarem um módulo eletivo denominado Raciocínio Quantitativo. Estas discussões
foram realizadas por um grupo de professores da Universidade Cidade de São Paulo
(Unicid) e compreendem desde a identificação do público alvo até a elaboração do
currículo.
Para maior compreensão gostaríamos de esclarecer que o Core Curriculum é uma
das atividades propostas pela Pró-reitoria de Ensino da referida instituição contendo um
conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que a instituição oferece para a
1
Especialista em Estatística Aplicada e Licenciado em Matemática pela Universidade Metodista de São
Paulo. Professor do Programa de Formação de Professores da Universidade Cidade de São Paulo.
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Comunicação Científica
1
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
formação do seu aluno, conferindo identidade curricular a seus cursos e a seu projeto
pedagógico institucional. O objetivo do Core é oferecer ao aluno múltiplas abordagens de
conhecimentos, instrumentos de estudos e pesquisas próprias de cada área, ampliando seu
repertório analítico e cultural. É composto por diversos módulos, dentre eles, o de
Raciocínio Quantitativo.
O Core Raciocínio Quantitativo objetiva fornecer subsídios para que os alunos
desenvolvam seu sentido numérico, base de uma capacidade reflexiva e crítica frente às
informações quantitativas que lidam cotidianamente. Para isto, são propostas atividades a
respeito de juros, escalas, medidas, e estimativas. A realização dessas atividades envolve
interpretação de diferentes portadores de texto, cálculos mentais, realização de
comparações e também a explicitação e comparação dos diferentes modos de abordar as
questões propostas. Neste sentido busca-se romper com alguns pré-conceitos e, na medida
do possível,com a repulsa acerca da matemática. Isso pois acreditamos que
um dos grandes obstáculos encontrados por nós, professores, e talvez o
maior, é o pensamento de que a Matemática é um “bicho de sete
cabeças”, ou seja, algo para poucos, caracterizando-a como eletiva. O que
observamos e queremos enfatizar é que, se a Matemática for tratada por
meio de procedimentos meramente mecânicos e sem significado,
impossibilitando o aluno de se apropriar deste conhecimento ele não
aprenderá.
(TINTI e CREWE, 2009, p. 176)
Acreditamos que conseguiremos transpor este sentimento à medida que
identificamos as concepções que nossos alunos têm sobre matemática. Por este motivo
elaboramos um questionário contendo quatro perguntas com o objetivo de: (i)levantar as
concepções que estes alunos possuem acerca da matemática; (ii)identificar possíveis
interferências na construção da concepção sobre matemática de cada aluno, por meio das
concepções dos docentes que passaram por toda trajetória acadêmica destes alunos; e de
modo particular, (iii)compreender porque muitos alunos mesmo não gostando de
matemática escolheram, dentre várias opções, o Core de Raciocínio Quantitativo, mesmo
sabendo que nele são abordados conhecimentos matemáticos.
A importância de identificar as concepções sobre matemática, tanto de aluno como
de professores, vem sendo considerado por muitos pesquisadores da área de Educação
Matemática
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Comunicação Científica
2
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
Diversos investigadores têm sublinhado a importância do estudo das
concepções dos alunos. São vários os estudos que se referem às suas
concepções acerca de Matemática e do que é aprender Matemática como
factores que interferem no comportamento destes, afectando-o por vezes
de forma negativa [...] a importância das concepções reside no facto de
elas influenciarem a forma como os alunos pensam e abordam e resolvem
as tarefas matemáticas, como estudam e como participam nas aulas.
(SEGURADO & PONTE, apud BISCONSINI & PAVANELLO, 2004,
p.5).
METODOLOGIA
A pesquisa será desenvolvida na perspectiva qualitativa de cunho exploratório e
descritiva. Como o objetivo é investigar as concepções sobre matemática e as possíveis
interferências na construção destas concepções, será aplicado para parte dos alunos da
Universidade Cidade de São Paulo, um questionário inicial contendo quatro perguntas que
ajudam à elucidar as inquietações que motivaram esta pesquisa. Os alunos serão escolhidos
aleatoriamente, dentre todos os ingressantes que se matricularam no módulo Raciocínio
Quantitativo. Para identificarmos a distribuição dos alunos por curso, os dados serão
submetidos a uma tabulação. Posteriormente as respostas dadas às perguntas propostas
serão submetidas a uma análise individualizada de discurso. Agruparemos os discursos
pelas representações ou concepções neles contido. Ao final do módulo será aplicado outro
questionário para identificarmos se a postura reflexiva dos professores contribuiu para a
mudança destas concepções.
PRIMEIROS PASSOS - COLETA E ANÁLISE PRÉVIA DOS DADOS
No primeiro dia de aula do Core Curriculum de Raciocínio Quantitativo foi
proposto um questionário contendo as seguintes perguntas:
Quando você ouve falar de Matemática, qual a primeira palavra que lhe vêm à
mente?
O que é Matemática para você?
Fale um pouco sobre os professores de Matemática que passaram por sua trajetória
acadêmica.
O que motivou você a optar pelo Core Curriculum de Raciocínio Quantitativo?
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Comunicação Científica
3
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
Para o primeiro semestre de 2010 foram preenchidas, pelos alunos ingressantes,
6.642 inscrições para todos os módulos oferecidos pela universidade, destas 690 (10,4%)
foram para o módulo de Raciocínio Quantitativo. Dentre os 10,4% que se matricularam,
realizamos o questionário com uma amostra de 289 alunos, o que representa 42% dos
alunos matriculados no módulo em análise.
No Gráfico 1 é possível verificar a distribuição dos alunos entrevistados
segmentados pelo curso de graduação.
Gráfico 1: Segmentação de alunos entrevistados por curso de graduação
Como podemos identificar a maior parte dos alunos (99) entrevistados são alunos
do curso de Administração, seguido do curso de Gestão de Recursos Humanos (43).
Inicialmente analisaremos a pergunta “A” (Quando você ouve falar de Matemática,
qual a primeira palavra que lhe vêm à mente?) buscando evidenciar as concepções
apresentadas.
Não pretendemos, neste relatório inicial, medir a correlação entre as respostas,
embora
acreditamos
que
as
concepções
de
aulas
de
matemática
interfiram
significativamente nas concepções sobre a matemática enquanto ciência.
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Comunicação Científica
4
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
Observando a Tabela 1 podemos perceber que 42,9% dos alunos entrevistados têm
a concepção de que a matemática pode ser compreendida meramente por Cálculos/Contas.
É notório também o sentimento de inferioridade frente à matemática (9,3% associam a
matemática à dificuldades; 3,5% à problemas e 1,4% à complicado).
Dentre as respostas apresentadas em “Outras” encontramos as palavras medo,
arrepio, desafio, novidade, quebra-cabeça, dentre outras. O que nos chama a atenção é a
ausência de palavras relacionadas à Geometria. Isso nos faz pensar no “abandono da
Geometria” apresentado por Pavanello (1989). Com base na tabulação dos dados é possível
dizer que há evidências da ausência da Geometria nas aulas de Matemática.
Tabela 1: Distribuição de respostas à pergunta “A”.
Palavra
Freqüência
%
Cálculos / Contas
124
42,9%
Números
73
25,3%
Dificuldades
27
9,3%
Raciocínio
17
5,9%
Problemas
10
3,5%
Complicado
4
1,4%
Outras
34
11,8%
Total
289
100,0%
Ao analisarmos parte das respostas referente à pergunta “B” (O que é matemática
para você?) foi possível observar diferentes concepções, sentimentos e anseios. Em alguns
casos percebemos que a matemática é vista enquanto um “monstro” ou “uma vilã”.
Vejamos alguns discursos:
Um bicho de sete cabeças!
(Aluno 7 - Administração)
Não tem como fugir dela.
(Aluno 9 - Recurso Humanos)
Um mau necessário.
(Aluno 28 - Administração)
Uma necessidade que não tem como fugir.
(Aluno 32 - Engenharia Ambiental)
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Comunicação Científica
5
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
Matemática é algo que necessitamos saber. Temos que aprender a
conviver com matemática...
(Aluno 17 - Gestão Financeira)
Muitos alunos, embora tenham dificuldades em compreender os conceitos
matemáticos, ressaltam a importância, a aplicabilidade da Matemática no cotidiano (ou no
curso de graduação) e até mesmo seu potencial de auxiliar no desenvolvimento social:
Raciocínio utilizado no dia-a-dia muito necessário para todas as
situações do cotidiano. É lógica, estratégia, compreensão e sabedoria.
(Aluno 10 – Enfermagem)
Uma matéria muito importante para o desenvolvimento do curso, mas
que torna muito complicado para quem não tem facilidade de
aprendizado.
(Aluno 2 – Recursos Humanos)
Matemática para mim é uma matéria que desenvolve conhecimentos
avançados. A matemática está presente em nosso dia-a-dia, então é
muito importante, nós estamos sempre envolvidos, nossa vida é uma
matemática!
(Aluno 13 - Gestão Financeira)
Matemática é o que leva o homem a obter o resultado de vários dados
que levam ao desenvolvimento humano.
(Aluno 23 - Engenharia Ambiental)
Em outros discursos é possível perceber o quanto a prática docente pode influenciar
na (des)construção de concepções. Isso nos remete a uma reflexão sobre a formação
docente, seja ela inicial ou continuada, sobre as atuais práticas pedagógicas em Matemática
e, sobretudo, na organização do currículo. Neste sentido Perez (2004, p. 251) alerta para a
importância de evidenciarmos a aplicabilidade dos conhecimentos matemáticos, uma vez
que a
nossa trajetória profissional nos tem mostrado que a maioria dos alunos
encontra dificuldades para aprender os conceitos matemáticos e poucos
conseguem perceber a utilidade e aplicação do que aprenderam.
(Perez, 2004, p. 251)
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Comunicação Científica
6
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
Partindo desta necessidade, alguns alunos evidenciam que a ausência do “para que
estou aprendendo?” acaba inviabilizando a percepção da Matemática em diferentes
contextos e situações:
É um estudo necessário, com muitas regras, que acaba se tornando uma
dificuldade.
(Aluno 25 - Administração)
A matemática está presente em todos os momentos, mas nunca percebo.
Quando penso em matemática penso em cálculos e fórmulas complicadas
e para mim é isso que ela apresenta.
(Aluno 26 - Administração)
Algo Distante.
(Aluno 31 - Marketing)
É perceptível que a trajetória acadêmica de boa parte dos alunos pesquisados, no
que diz respeito à Matemática, foi marcada por procedimentos mecânicos e formais que, de
certa forma, proporcionou a construção de concepções que distorcem e ofuscam a riqueza
que é o conhecimento matemático. Em alguns discursos podemos identificar a vontade que
os alunos têm de conhecer mais sobre Matemática e algumas atitudes que podem favorecer
a aprendizagem:
É uma ciência que não conheço muito bem, mas tenho muita vontade de
conhecer melhor.
(Aluno 12 -Administração)
É uma disciplina que exige atenção, determinação, raciocínio lógico,
habilidade e muita concentração.
(Aluno 15 – Recursos Humanos)
Conforme podemos perceber, na complexidade da sala de aula há uma infinidade
de concepções. Para o professor, identificá-las e repensar sua prática a partir destas
concepções não é uma tarefa das mais fáceis, mesmo porque o docente também tem
consigo certas concepções e verdades que julga absoluta. Estas concepções dos professores
muitas vezes o impossibilita de se perguntar, por exemplo, “o que é matemática para
mim?”. Acreditamos que a resposta dada à este questionamento pode auxiliar na
compreensão de sua prática em sala de aula.
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Comunicação Científica
7
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
CONTRIBUIÇÕES INICIAIS
Esta primeira análise possibilitou a percepção que os questionamentos sobre o
significado da Matemática, e sua aplicabilidade, ainda estão presentes no ambiente escolar.
É indispensável que o professor investigue as concepções que seus alunos possuem acerca
da Matemática e (re)pense sua prática, suas concepções e os modos de organizar os
conteúdos de forma que estejam associados ao cotidiano de seus discentes. Mediante este
procedimento conseguiremos, gradativamente, romper com modelos e concepções
equivocadas que nossos alunos apresentam acerca da Matemática e de seu ensino.
Concretamente a análise aqui apresentada está auxiliando os docentes responsáveis pelo
Core de Raciocínio Quantitativo na reorganização dos conteúdos apresentados, na reflexão
sobre o currículo e sobre a prática docente.
Como já foi dito, ao final do módulo iremos aplicar outro questionário para
identificarmos se houve mudanças positivas de concepções e se o Core de Raciocínio
Quantitativo favoreceu esta modificação. Acreditamos que a atitude de identificar e refletir
sobre estas concepções pode configurar-se como um
agente modificador das atuais
prática. Esperamos avançar significativamente na compreensão das concepções acerca da
matemáticas e colaborar na reflexão/ação de outros docentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BISCONSINI, Vilma Rinaldi; PAVANELLO, Regina Maria. Concepções de matemática
do aluno concluinte do Ensino Médio: considerações iniciais. In: ENCONTRO NACIONAL
DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 8, Recife. Anais... VIII ENEM, Recife, 2004.
PAVANELLO, Regina Maria. O abandono do ensino da geometria: uma visão histórica.
Dissertação (Mestrado em Educação). 1989. Faculdade de Educação, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas/SP.
PEREZ, Geraldo. Prática reflexiva do professor de matemática. In: BICUDO, Maria
Aparecida Viggiani; BORBA, Marcelo de Carvalho (Org). Educação Matemática:
pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004.
TINTI, Douglas da Silva; CREWE, Maria Teresa Izaguirre. Alternativas metodológicas
para a construção e desenvolvimento de competências matemáticas. In: GARCIA, Ana
Gracinda Queluz; BOLFER, Maura Maria Moraes de Oliveira (Org.). Educar: lemas,
temas e dilemas. São Paulo: Cengage Learning, 2009.
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Comunicação Científica
8
Download

título (em letra maiúscula, fonte times new roman, tamanho 12, em