A colisão entre os princípios constitucionais nas ações judiciais impetradas por pacientes portadores
de moléstias graves no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS
Autora: Patrícia Raquel Mayr, 2008.
O presente trabalho tratou de pesquisar as ações judiciais impetradas por
pacientes portadores de moléstias graves que obtêm na justiça o pagamento dos tratamentos de alto
custo através do Sistema Único de Saúde, e a colisão entre os princípios constitucionais, do direito
de acesso á saúde em detrimento da supremacia do interesse público sobre o interesse privado
decorrentes do provimento destas ações judiciais.
A análise das decisões judiciais pesquisadas pretende avaliar os princípios
constitucionais aplicados pelos juízes nas ações judiciais vencidas pelos pacientes portadores de
moléstias graves para custeio dos tratamentos de alto custo no âmbito do Sistema Único de Saúde,
no período compreendido entre os anos 2005, 2006 e 2007, no estado de Santa Catarina.
O acesso a medicamentos por intermédio da Justiça, conhecido como judicialização da política
pública de assistência farmacêutica, atualmente é um dos temas que traz as maiores preocupações
ao setor saúde. Uma dentre as razões de tais preocupações está nos custos financeiros que
representa ao Estado, a concessão de medicamentos não previstos nos protocolos governamentais
ou, inclusive, de alguns não aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Trata-se de trabalho na área de Direito Público, compreendendo como sub
área o Direito Constitucional, tendo como tema a colisão entre princípios constitucionais, que
quando delimitado tratará da colisão de princípios constitucionais que ocorre entre o princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado em contraposição ao direito de acesso á
saúde, quando em análise as ações judiciais movidas pelos pacientes, portadores de moléstias
graves, do Sistema Único de Saúde – SUS, em que o Poder Judiciário vêem aplicando o direito de
acesso á saúde dos autores, contra o Estado.
O problema a ser enfrentando trata da prevalência da aplicação do princípio
constitucional do direito de acesso á saúde nas ações judiciais impetradas por pacientes portadores
de moléstias graves, impossibilitados de arcar com os custos do tratamento no âmbito do Sistema
Único de Saúde.
O objetivo geral da pesquisa é proporcionar a ampliação do debate sobre o
tema da judicialização da saúde no Sistema Único de Saúde, através da identificação do perfil dos
pacientes portadores de moléstias graves que impetram ações judiciais buscando o custeio dos
tratamentos de alto custo através do Sistema Único de Saúde, promover o debate entre o gestor de
saúde, a sociedade civil e o Poder Judiciário para busca d soluções para o problema, promover
subsídios para procuradores estaduais e municipais, advogados, juízes, promotores, entre outros
operadores do direito sobre o tema da judicialização da saúde, procurar criar acesso para a
comunicação entre o Ministério da Saúde e suas políticas de saúde pública e o Poder Judiciário.
A justificativa e a relevância do presente estudo deve ser mensurada,
conforme entendimento do professor Flávio Magajewski: ‘as ações judiciais serão o fim do Sistema
Único de Saúde – SUS’. Além deste, o Sistema Único de saúde já sofre os efeitos das ações
judiciais, que no douto entendimento de Luis Roberto Barroso:
O Sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de que pode
morrer da cura, vitima do excesso de ambição, da falta de critérios e de
voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou
emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos
irrazoáveis – seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de
essencialidade -, bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia
duvidosa, associados a terapias alternativas”.(de falta de efetividade á
judicialização excessiva: direito á saúde, fornecimento gratuito de
medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. (BARROSO, 2007).
O presente estudo é uma pesquisa documental, com abordagem
metodológica qualitativa e quantitativa. A unidade de análise do estudo é a ação judicial, movida
pelo paciente portador de moléstias graves contra o Município, Estado e União, sobre a qual o
sistema judiciário já se manifestou exigindo o fornecimento dos medicamentos que foram
requeridos. Apenas foram avaliadas as ações impetradas no período de ano de 2005, 2006 e 2007 no
estado de Santa Catarina, julgadas pelo Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina, em grau de
recurso.
Utilizou-se amostra de 122 ações no ano de 2005, 88 no ano de 2006 e 53 no ano de 2007, tendo
como base data da decisão das ações. Tal situação enseja a necessidade de investigar o fenômeno,
iniciando-se pela sua identificação através do número do processo, descrição e detalhamento do
pedido, identificação do desembargador relator, situação do acórdão, se restou aprovado ou
rejeitado, se foi por votação da maioria, ou se houve voto divergente.
O vocábulo direito possui diversos significados, pode representar ‘o sistema
de normas de conduta imposto por um conjunto de instituições para regular as relações sociais
(Hermes Lima wikipédia), que os juristas classificam de direito objetivo, neste sentido, absorve o
conceiro de ordem jurídica.
Representa o sistema ou conjunto de normas jurídicas de um determinado
país; ou como o conjunto de normas jurídicas de um determinado ramo do direito, como por
exemplo o Direito Administrativo.
Também significa a faculdade concedida a uma pessoa para mover a ordem jurídica a favor de seus
interesses(Hermes Lima Wikipédia), que também pode ser classificada como direito subjetivo.
O direito é, também, o ramo das ciências sociais que estuda o sistema de
normas que regulam as relações sociais, classificado de ciência do direito.
‘O direito é a norma das ações humanas na vida social, estabelecida por uma
organização soberana e imposta coativamente à observância de todos’. Ruggiero e Maroi.
O direito se traduz em princípios de conduta social, tendentes a realizar
Justiça, no dizer de Roger Moko Yabiku (YABIKU, 2004).
No dizer de José Afonso da Silva ‘o Direito é fenômeno histórico-cultural,
realidade ordenada, ou ordenação normativa da conduta segundo uma conexão de sentido’.
O Direito é um fato histórico-cultural, dinâmico e dialético, que se forma e
se desenvolve, num contínuo e permanente processo, no tempo e no espaço, modelando-se numa
unidade sistemática, num todo orgânico, que reflete a vida do homem em sociedade.
Configura uma realidade humana e universal, ordenada normativamente,
objeto de conhecimento científico, enquanto fato social, bem como filosófico, enquanto idéia,
conceito, produto da razão, do sentimento de justiça, da consciência e experiência jurídica.
Consistem na disciplina da convivência. (ALVES DOS REIS, 1998).
Segundo Hely Lopes Meirelles, o direito é o conjunto de regras de conduta
coativamente impostas pelo Estado. No dizer de Rudolf Von Ihering: ‘é o complexo das condições
existenciais da sociedade, asseguradas pelo Poder Público’. Há duas ordens jurídicas: a interna e a
externa: a primeira é formada pelos princípios jurídicos vigentes no Estado, a segunda se mantém
pelas regras superiores aceitas reciprocamente pelos Estados, para a coexistência pacífica das
Nações entre si, e dos indivíduos que as compõem, nas suas relações externas.
O Direito público é aquele que diz respeito ao Estado, ou aquilo que é da
coisa pública, em contraposição ao direito privado que disciplina os interesses particulares. Tal
distinção existe desde os tempos dos romanos. Assim, de acordo com a definição dicotonômica os
assuntos de ordem pública percorrem estritamente os caminhos ordenados pela legislação, enquanto
que os de ordem privada percorrem qualquer caminho desde que não estejam proibidos pela
legislação. A partir destas considerações, verifica-se que o particular pode tudo o que a lei não
proíbe já a Administração Pública só pode o que a lei lhe permite.
Conforme Kant formou-se duas grandes dicotomias doutrinárias jurídicas,
sendo uma que diz respeito ao direito público e direito privado, outra que diz respeito ao direito
natural e direito positivo.
A que diz respeito ao direito privado ou dos privados é do estado de
natureza, em que os principais institutos são: a propriedade e o contrato; já o direito público que
emana do Estado, constituí sobre a supressão do estado de natureza, pois o Estado sendo legítimo, a
sua relação com o cidadão é irrevogável e permanente e pode pretender do cidadão,
excepcionalmente para o fim do bem maior, condições que o contrato (contrato social) não
comporta, e por isso, tem um direito positivo cuja força vinculatória deriva da possibilidade de que
seja exercido em sua defesa o poder coativo pertencente de maneira exclusiva ao soberano.
O Direito Público será, portanto, o Direito do Estado e o Direito Privado, o
direito dos indivíduos, dos particulares. A chamada summa divisio do direito estabelecia duas
ordens distintas, impermeáveis, cada qual sendo regulada a sua maneira. Enquanto o Direito
Privado se referia aos direitos individuais e inatos do homem, o Direito Público teria a função de
tutelar os interesses gerais da sociedade através do Estado, que deveria se abster de qualquer tipo de
incursão na órbita privada dos indivíduos.(MULHOLLAND, 2002).
Pode-se afirmar dentro do contexto de Estado Liberal, que o Direito Público
passa a ser compreendido como ‘repertório mínimo de disposições e instrumentos referentes ao
governo representativo’ enquanto o Direito Privado radicaliza a emancipação do indivíduo, cujo
elemento central é o contrato. (ARAÚJO PINTO, 2003).
O Direito Público regula as relações jurídicas em que predomina o interesse
do Estado, ao ponto que o Direito Privado disciplina as relações jurídicas em que predomina o
interesse dos particulares. O critério do interesse é que dividiria, assim, o Direito em dois ramos.
(GASPARINI, Diógenes, 2002).
Interesse público corresponde a duas concepções diferentes do que é
público. Num primeiro momento, público corresponde ao que existe de comum numa coletividade.
Designa, portanto algo que pertence tanto ao Estado quanto à sociedade. O conceito de esfera
pública em Habermas tem uma conotação semelhante: corresponde ao que não é privado na
sociedade civil (opinião pública, imprensa, mercado, profissões). Em outra uma prerrogativa do
Estado e de suas instituições. Não pode ser pluralizado e pressupõe uma real necessidade da
sociedade. Os atores sociais embora com liberdade para procurar realizar seus objetivos, de cunho
eminentemente privado, em contraposição tudo o que é comum, público, de importância suprema
para a nação pertence ao âmbito exclusivo do Estado.
O conceito de interesse público configura um dos pontos centrais do Direito
Público, a exigir elaboração cuidadosa, detida e exclusiva, no dizer de Sérgio FERRAZ (FERRAZ
2003). Afinal, o regime jurídico administrativo estrutura-se, segundo Celso Antônio BANDEIRA
DE MELLO, sob dois princípios, de matriz constitucional: supremacia do interesse público sobre o
particular e indisponibilidade do interesse público pela Administração.
Já RUI CIRNE LIMA, em sua obra Princípios do Direito Administrativo,
apresenta o interesse público sob outra definição: o princípio de utilidade pública que cumpre como
traço essencial do Direito Administrativo. A utilidade pública é a finalidade própria da
administração pública, enquanto provê à segurança do Estado, à manutenção da ordem pública e à
satisfação de todas as necessidades da sociedade. (LIMA, 1982).
De tal forma que a ponderação constitucional prévia em favor dos interesses
públicos é antes uma exceção a um princípio geral implícito de Direito Público.
No entendimento de Paulo Ricardo Schier: a regra, sempre, é a da unidade.
Interesses públicos e privados não se contradizem, não se negam, não se excluem. Tais interesses,
antes, harmonizam-se. A realização de um importa na realização do outro.
Os interesses públicos primários são os que dizem respeito á Administração
Pública no uso de suas prerrogativas no real e genuíno exercício do seu ofício, como ente imparcial.
Os interesses públicos secundários decorrem do desempenho das atividades
de gestão da Administração Pública, desta forma com certa parcialidade, visando á própria
sobrevivência ou higidez dos cofres públicos, ainda que isto potencialize afronta à lei.
Celso Antônio Bandeira de Mello, superando a questão de que o interesse
público possa representar um interesse exclusivo do Estado, evita a identificação do interesse
público como sendo aquele externado pela entidade que representa o Estado, consistente em
qualquer das pessoas jurídicas de direito público interno, na medida em que é imperioso reconhecer
que, tal qual acontece com os cidadãos, existem meras individualidades que encarnam no Estado
enquanto pessoa e, portanto, assemelham-se aos interesses de qualquer outro sujeito, com a
diferença fundamental que, enquanto o particular pode fazer seu interesse individual, o Estado só
poderá promover a defesa dos seus interesses particulares, que neste caso representam os interesses
secundários quando estes não conflitarem com o interesse público propriamente dito, o interesse
primário (MELLO, BANDEIRA 1997).
O princípio da supremacia do interesse público possui um conteúdo não só
indeterminável como caso descrito como princípio geral, inconciliável com os interesses privados.
Ao contrário, é questionável se o interesse público pode ser descrito objetivamente, considerando-se
que ele se relaciona com diferentes normas e conteúdos como, por exemplo, normas de competência
e normas que prescrevem direitos e garantias, é concretizado por meio de diversos procedimentos,
como por exemplo, a via judicial e administrativa, e constitui-se por meio de um permanente
processo de compreensão do Estado em uma dada sociedade, como significado de Estado de
Direito.
O direito público se ocupa dos interesses da sociedade como um todo,
interesses públicos, cujo atendimento não é um problema pessoal de quem os esteja a curar, mas um
dever jurídico inescusável. Assim não há espaço para a autonomia da vontade, que é substituída
pela idéia de função, de dever de atendimento do interesse público.( YABIKU, 2004).
O Estado não é um fim em si mesmo, é um meio para a concretização dos
interesses públicos. Porém, este mesmo Estado, titular dos interesses públicos, tem sua autoridade
limitada, visando o controle do exercício do poder, protegendo as pessoas sob seu império.
(YABIKU, 2004). Os interesses públicos, que são aqueles que os indivíduos isolados não podem
alcançar, possuem preferência sobre os interesses privados, quando se confrontam. Esse poder de
autoridade do Estado. (SUNDFELD, 2000). No dizer de Carlos Ari Sundfeld, pode manifestar-se
de duas maneiras:
a) impondo unilateralmente comportamentos aos particulares;
b) atribuindo direitos aos particulares, através do vínculo nãoobrigacional;
Já Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, entende que a
superioridade do interesse público sobre o privado é pressuposto de uma ordem social estável
(BANDEIRA DE MELLO, 2002) tendo como conseqüências:
a) posição privilegiada do órgão encarregado de zelar pelo interesse público
e de exprimi-lo, nas relações com os particulares;
b) posição de supremacia do órgão nas mesmas condições;
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica da
República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve
velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar –
políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à
assistência médico-hospitalar.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que
tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado Brasileiro – não pode converter-se em promessa institucional inconseqüente,
sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade,
substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RE 267.612 –
RS, DJU 23/08/2000, Rel. Min. Celso de Mello).
A saúde é um direito social conforme entende o art. 6o. da Constituição e
como direito fundamental do cidadão não é norma programática, não encerra somente uma
promessa de atuação do Estado, mas tem aplicação imediata. Na lição do insigne constitucionalista
José Afonso da Silva: os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são
prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores
condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais
desiguais. São, portanto, direitos que se conexionam com o direito da igualdade. Valem como
pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais
propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais
compatível com o exercício efetivo da liberdade (DA SILVA).
No entendimento de Nilson do Rosário Costa do Departamento de Ciências
Sociais da ENSP/FIOCRUZ, em sua monografia Direito á Saúde na Constituição: um primeiro
balanço: Ao contrário dos documentos (constituições) anteriores que reduziam o conceito e,
portanto, a extensão do direito à saúde, à simples e restrita assistência médica, encontramos agora
uma conceituação ampla e generosa: a saúde "é assegurada mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doenças e outros agravos". Ademais, aparece incluída na própria
definição o direito "ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação" (Art. 196). (COSTA ROSÁRIO, 2007).
A intervenção da vontade popular indicou também uma nova compreensão
da própria assistência à saúde. Defendeu-se a descentralização da gestão dos serviços; a
integralização das ações, com a superação da dicotomia preventivo/curativo; a unidade da
coordenação das políticas setoriais; a regionalização e hierarquização das unidades prestadoras de
serviços; a participação popular, por meio de suas entidades representativas, na formulação da
política e no planejamento, gestão, execução e avaliação das ações de saúde; o respeito à dignidade
dos usuários pelos prestadores dos serviços, como dever inerente à função pública, etc. A
Constituição registra efetivamente a força desse movimento de idéias através da incorporação da
proposta, inédita à tradição brasileira, do Sistema Único de Saúde. (COSTA ROSÁRIO, 2007). Está
lá no Art. 198: "As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação popular;
Direito constitucional é o ramo do direito público interno que analisa e
interpreta as normas constitucionais, essas compreendidas como o ápice da pirâmide normativa de
uma ordem jurídica, são consideradas Leis Supremas de um Estado soberano, e tem por escopo
regulamentar e delimitar o poder estatal, além de garantir os direitos considerados fundamentais.
(WIKIPÉDIA)
Importante salientar que a constituição é, por excelência, o instrumento que
disciplina o poder do Estado, visto que cria os próprios elementos constitutivos deste, assim como
dispõe sobre os limites e obrigações estatais.
José Afonso da Silva conceitua o Direito Constitucional como o ramo do
Direito Público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e normas fundamentais do Estado;
é a ciência positiva das constituições; tem por objeto a constituição política do Estado, cabendo a
ele o estudo sistemático das normas que integram a constituição.
Também nas palavras de José Afonso da Silva o conceito de constituição
considera a lei fundamental do Estado, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais:
um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de
seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os
limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias; em síntese, é o
conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.
A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas; como
conteúdo, a conduta humana motivada das relações sociais; como fim, a realização dos valores que
apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e re-criadora, o poder
que emana do povo; não podendo ser compreendida e interpretada, se não tiver em mente essa
estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de
valores.
A saúde na Constituição Federal de 1988.
No Brasil, sob a influência das declarações de direitos humanos e do
homem, atingiu seu ponto máximo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo texto
apresenta diversos dispositivos que tratam expressamente da saúde, e há uma seção específica sobre
o tema dentro do capítulo destinado à Seguridade Social.
O art. 6º informa que a saúde é um direito social.
No artigo 7º há dois incisos tratando da saúde: o IV, que determina que o
salário-mínimo deverá ser capaz de atender as necessidades vitais básica do trabalhador e sua
família, inclusive a saúde, entre outras, e o XXII, que impõe a redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
De acordo com o art. 23, inc. II, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios possuem competência comum para cuidar da saúde.
Pelo artigo 24, inc. XII, a União, os Estados e o Distrito Federal possuem
competência concorrente para legislar sobre a defesa da saúde. Ressalte-se que os Municípios, por
força do art. 30, inc. I, também podem legislar sobre a saúde, já que se trata de assunto de inegável
interesse local, até porque a execução dos serviços de saúde, no atual estágio, está, em grande parte,
municipalizada.
O art. 30, inc. VII, confere aos Municípios a competência para prestar, com
a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da
população.
Por força da Emenda Constitucional 29, de 13/9/2000, foi acrescentada a
alínea “e” ao inc. VII do art. 34, possibilitando a intervenção da União nos Estados e no Distrito
Federal no caso de não ser aplicado o mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas
ações e serviços públicos de saúde.
A referida Emenda Constitucional, alterando disposto no inc. III do art. 35,
previu a possibilidade de intervenção dos Estados nos Municípios, na hipótese de não ser aplicado o
mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e
serviços públicos de saúde.
Ressalvou-se, ainda, por força da EC 29/00, que a vinculação de receitas de
impostos não se aplica à destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde (art. 167,
inc. IV).
Conforme estabelecido no artigo 196, a saúde passou a ser considerada como direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
O artigo 197 dispõe que as ações e serviços de saúde são de relevância
pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei n° 8.080/90, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por intermédio de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Cabe ressaltar que o art. 129, inc. II,
atribui ao Ministério Público função de zelar pelo efetivo respeito aos serviços de relevância pública
executados com vistas a atender aos direitos garantidos na Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia, o que denota a preocupação do constituinte em dar efetividade ao direito
à saúde, já que o considerou expressamente como um serviço de relevância pública.
O art. 198 formulou a estrutura geral do sistema único de saúde,
considerando-o uma rede regionalizada e hierarquizada, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes:
a) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
b) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
c) participação da comunidade. Esse sistema será financiado com recursos
da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras
fontes (§1º), ficando previstos recursos mínimos a serem aplicados, anualmente, em ações e
serviços públicos de saúde (§§ 2º e 3º).
Pelo art. 199, foi facultada à iniciativa privada a assistência à saúde,
podendo as instituições privadas participar de forma complementar do sistema único de saúde,
segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (§1º), vedando a destinação de recursos públicos
para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos (§2º), bem como a
participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País,
salvo nos casos previstos em lei (§3º).
O artigo 200 enumera, não exaustivamente, as atribuições do sistema único
de saúde, a saber:
a) controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse
para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos;
b) executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as
de saúde do trabalhador;
c) ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
d) participar da formulação da política e da execução das ações de
saneamento básico;
e) incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e
tecnológico;
f) fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor
nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
g) participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e
utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
h) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
trabalho.
O art. 208, inc. VII, inclui a assistência à saúde entre os programas
destinados a suplementar a educação no ensino fundamental.
O art. 220, §3º, inc. II, prevê a possibilidade de, por meio de lei federal, ser restringida a
propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
O art. 227 determina que é dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, entre outros, o direito à saúde. O §1º desse artigo prevê a
participação de entidades não-governamentais na promoção de programas de assistência integral à
saúde da criança e do adolescente, determinando ainda a aplicação de percentual dos recursos
públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil (inc. I).
Para finalizar, há o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que
também traz algumas regras sobre a saúde, como a do art. 53, inc. IV, que assegura aos excombatentes da 2ª Guerra Mundial e seus dependentes a assistência médica e hospitalar gratuita, e
outras regras que, em geral, prevêem percentuais mínimos de alocação de recursos para o setor de
saúde (art. 55, 77 e outros) ou tratam do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza, criado pela
Emenda Constitucional n. 31, de 14/12/2000, que tem como objetivo viabilizar a todos os
brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações
suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas
de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.
Alberto Kanamura, afirma que o termo judicialização da política (de saúde)
como a utilização de mecanismos tipicamente judiciais como análise de constitucionalidade e
legalidade, utilização de silogismos jurídicos, emprego de raciocínios de licitude ou ilicitude, entre
outros na arena de deliberação política. (KANAMURA 2004).
O direito à saúde, neste sentindo abarcando também a assistência
farmacêutica, tem status de direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro e como tal exige
plena eficácia. A omissão e a ineficácia do Estado na prestação dessa assistência médicofarmacêutica resultou no fenômeno que vem sendo denominado judicialização da saúde,
compreendido como a provocação e a atuação do Poder Judiciário em prol da efetivação dessa
assistência.
Para Luis Roberto Barroso, o sistema (público de saúde) começa a
apresentar sintomas graves de que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de
critérios e de voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou
emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja porque
inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade – bem como de medicamentos experimentais
ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas. Por outro lado, não há um critério firme
para a aferição de qual entidade estatal – União, Estados e Municípios – deve ser responsabilizada
pela entrega de cada tipo de medicamento. Diante disso, os processos terminam por acarretar
superposição de esforços e de defesas, envolvendo diferentes entidades federativas e mobilizando
grande quantidade de agentes públicos, aí incluídos procuradores e servidores administrativos.
Desnecessário enfatizar que tudo isso representa gastos, imprevisibilidade e desfuncionalidade da
prestação jurisdicional. (BARROSO, 2007).
Ainda, segundo Luis Roberto Barroso, com relação à normatividade das
disposições constitucionais, crítica oposta à jurisprudência brasileira se apóia na circunstância de a
norma constitucional aplicável estar positivada na forma de norma programática. O artigo 196 da
Constituição Federal deixa claro que a garantia do direito à saúde se dará por meio de políticas
sociais e econômicas, não através de decisões judiciais. A possibilidade de o Poder Judiciário
concretizar, independentemente de mediação legislativa, o direito à saúde encontra forte obstáculo
no modo de positivação do artigo 196, que claramente defere a tarefa aos órgãos executores de
políticas públicas. A outra vertente crítica enfatiza a impropriedade de se conceber o problema
como de mera interpretação de preceitos da Constituição. Atribuir ao Poder Judiciário prerrogativa
de aplicar de maneira direta e imediata o preceito que positiva o direito à saúde seria, um problema
institucional. Barroso salienta que há diversas possibilidades de desenho institucional nesse
domínio. Pode-se entender que a melhor forma para otimizar a eficiência dos gastos públicos com
saúde é conferir a competência para tomar decisões nesse campo ao Poder Executivo, detentor da
visão global tanto dos recursos disponíveis quanto das necessidades a serem supridas. Finalizando
que ‘esta teria sido a opção do constituinte originário, ao determinar que o direito à saúde fosse
garantido através de políticas sociais e econômicas. As decisões judiciais que determinam a entrega
gratuita de medicamentos pelo Poder Público’. (BARROSO, 2007).
Como bem observa Cassiano Rodrigues Botelho, há alguns anos, o Poder
Judiciário começou a receber ações judiciais de pessoas portadoras das mais variadas doenças,
muitas delas raras e com alto custo de tratamento. Estas pessoas, impossibilitadas de receber
tratamento médico por questões financeiras, passaram a requerer judicialmente que o poder público
arcasse com os custos de cirurgias, próteses e medicamentos. Os cidadãos basearam suas pretensões
no artigo 196 da Constituição Federal, que cunhou a famosa expressão ‘a saúde é direito de todos e
dever do Estado’.
Por ser eminentemente social, no entendimento de Herwerstton Humenhuk,
a Constituição Federal de 1988, no seu art. 6 º, reconhece a saúde como um direito social. Partindo
deste pressuposto, o direito à saúde ‘passa a ser um direito que exige do Estado prestações positivas
no sentido de garantia/efetividade da saúde, pena de ineficácia de tal direito.’ (HUMENHUK,
2002).
‘A saúde é um direito de todos e um dever do Estado’. Com essas palavras a
Constituição Federal de 1988 abre seu art. 196 para expressar o compromisso
do Estado de garantir á todos os cidadãos o pleno direito à saúde. Essa
garantia, conforme a literalidade do artigo mencionado será efetivada
‘mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação’. (GANDINI,
BARRIONE e SOUZA, 2007).
No entendimento de Carvalho e Henriques, está o Estado obrigado a
garantir aos seus cidadãos o acesso a serviços e ações de saúde, que devem proporcionar,
atendimento integral, conforme estatui o inciso II do artigo 198 da Constituição Federal, nele
compreendido uma adequada assistência médico-hospitalar, a qual pressupõe, além de medidas
profiláticas, a oferta de procedimentos, sejam exames, cirurgias, ou outros e de medicamentos,
ainda que sejam de última geração, pouco importando o seu custo, desde que comprovadamente
necessários para a preservação da vida e saúde do usuário do SUS. (CARVALHO E HENRIQUES,
2008).
Concluem que em várias ocasiões, sensibilizado pelas alegações dos
interessados em obter certa prestação estatal que não estaria sendo realizada satisfatoriamente pelo
poder público, a Justiça ordena que esta providência seja executada, desconsiderando, muitas vezes,
as fundamentações apresentadas pela Administração Pública de que, naquele momento, estariam
impossibilitados de implementar determinadas medidas, ante a patente e inquestionável falta de
recursos humanos, materiais ou financeiros, desencadeando, a partir de decisões desta estirpe, sérios
problemas para a Administração Pública. (CARVALHO E HENRIQUES, 2008).
Em número cada vez maior de ações judiciais, os juízes vêm ordenando aos serviços públicos de
saúde, em todos os níveis da Federação, que financiem tratamentos originariamente não
contemplados na política de saúde elaborada pelas respectivas secretarias e Ministério da Saúde. É
nesse contexto que se deve questionar a posição quase unânime do Judiciário brasileiro, liderada
pelo Supremo Tribunal Federal, de interpretar o direito à saúde como um direito individual
ilimitado a todo e qualquer tratamento, procedimento ou medicamento. (FERRAZ, 2007).
Para os pesquisadores Gandini, Barrione e Souza, o dilema do juiz, ao
decidir um caso envolvendo a aplicação do direito à saúde, é extrair da norma constitucional sua
máxima eficácia jurídica sem ultrapassar os limites que lhes são impostos. Esses limites são
basicamente três, que se interagem e se completam: a reserva de consistência, a reserva do possível
e o princípio da proporcionalidade. (GANDINI, BARRIONE E SOUZA, 2007).
Não há uniformidade na jurisprudência com relação á judicialização da
saúde, conforme apontamentos do Prof. Gustavo Amaral, em sua obra Direito, Escassez e Escolha:
em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas,
conforme decisórios abaixo descritos.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao decidir o Agravo de Instrumento
nº. 97.000511-3, Relator Desembargador Sérgio Paladino entendeu que o direito à saúde, garantido
pela Constituição, seria suficiente para condenar o Estado a, liminarmente, custear o tratamento
ainda experimental, nos Estados Unidos, de menor, vítima de distrofia muscular de Duchenne,
totalizando US$ 163,000.00, (cento e sessenta e três mil dólares) muito embora não houvesse
comprovação da eficácia do tratamento da doença, de origem genética. Afirmando que: “Ao
julgador não é lícito, com efeito, negar tutela a esses direitos naturais de primeiríssima grandeza sob
o argumento de proteger o Erário”. Fonte: www.tj.sc.go.br.
Em sentido contrário, o Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar a
possibilidade de dar o mesmo tratamento para pacientes portadores da mesma doença afastou a
possibilidade da liminar, ressaltando que:
Não se há de permitir que um poder se imiscua em outro, invadindo esfera
de sua atuação específica sob o pretexto da inafastabilidade do controle
jurisdicional e o argumento do prevalecimento do bem maior da vida. O
respectivo exercício não mostra amplitude bastante para sujeitar ao
Judiciário exame das programações, planejamentos e atividades próprias
do Executivo, substituindo-o na política de escolha de prioridades na área
de saúde, atribuindo-lhe encargos sem o conhecimento da existência de
recursos para tanto suficientes. Em suma: juridicamente impossível imporse sob pena de lesão ao princípio constitucional da independência e
harmonia dos poderes obrigação de fazer, subordinada a critérios,
tipicamente administrativos, de oportunidade e conveniência, tal como já
se decidiu. Fonte: TJSP 2ª. Câmara de Direito Público.).
O terceiro posicionamento também do Tribunal de Justiça de São Paulo,
envolvendo novamente menor vítima de mesma enfermidade genética:
O direito à saúde previsto nos dispositivos constitucionais citados pelo
agravante, arts. 196 e 227 da CF/88, apenas são garantidos pelo Estado, de
forma indiscriminada, quando se determina a vacinação em massa contra
certa doença, quando se isola uma determinada área onde apareceu uma
certa epidemia, para evitar a sua propagação, quando se inspecionam
alimentos e remédios que serão distribuídos à população, etc, mas que
quando um determinado mal atinge uma pessoa em particular,
caracterizando-se, como no caso, num mal congênito a demandar
tratamento médico-hospitalar e até transplante de órgão, não mais se pode
exigir do Estado, de forma gratuita, o custeio de terapia, mas dentro do
sistema previdenciário (9ª Câmara de Direito Público Rel. Des. Rui
Cascaldi, Agr. Instr. 48.608-5/4, j. em 11/02/1998).
Seguindo a linha de raciocínio, o autor apresenta situação incomum,
verificada no processo de número 351/99 na 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, em que um
menor impúbere, vítima de distrofia muscular progressiva de Duchenne obteve liminar para que o
Estado de São Paulo arcasse com R$ 174.500,00 equivalentes ao valor em dólares necessários ao
tratamento, sob o argumento de que o direito à vida preponderaria sobre qualquer outro, ao passo
que a sentença julgou improcedente sua demanda e revogou a antecipação de tutela, determinado a
devolução da quantia levantada, sob as penas civis e criminais cabíveis, ao argumento de que o
direito à saúde garantido pela Constituição deveria ser cumprido dentro dos limites das verbas
alocadas à saúde, devendo o Governante:
(...) segundo critérios de conveniência e oportunidade, procurar atender aos
interesses de toda a coletividade de maneira ‘universal e igualitária’ para
cumprir a norma constitucional. Assim, o benefício a um único cidadão,
como no caso do autor, prejudica o restante da coletividade de cidadãos,
que vêem as verbas destinadas à saúde diminuírem sensivelmente, em
detrimento de suas necessidades.
Segundo Douglas Ceconello, comentando julgados da 21ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o direito à saúde garantido na constituição foi um sonho
e hoje essa utopia é paga com uma alta carga tributária. Muitas vezes, quando o processo exige que
os medicamentos sejam fornecidos pelo poder público, o Estado oferece uma droga similar. "Até
hoje, não chegou nenhuma prova contundente na 21ª Câmara Cível, atestando que o medicamento
oferecido é tão ou mais eficaz do que aquele recomendado pelo médico." A análise é feita caso a
caso, já que não existe um marco regulatório sobre a matéria. Para o magistrado, não se deve
permanecer no subjetivismo, seja do Médico ou do Juiz. "O que o Judiciário não pode fazer é negar
um direito garantido pela Constituição". (CECONELLO, 2004).
As demandas judiciais, no caso da judicialização da saúde são vorazes, elas
devoram recursos, no entendimento de Francisco Viegas Neves da Silva, appud o filósofo Charles
Fried.
Partindo dessa premissa, se os direitos não podem ser concebidos de forma
absoluta em razão dos gastos existentes para protegê-los e de sua natureza
escassa, há a constatação de que para priorizar a proteção de determinado
direito importa em deixar outros de lado, ocasionando o surgimento de
decisões trágicas.
Outro ponto a salientar no que diz respeito das decisões alocativas em razão
da escassez sempre houve e haverá rateio desta ordem, restando ao administrador adequar de
maneira a abranger o atendimento ao maior número de cidadãos com o mínimo possível de
exclusão, pois:
Decisões políticas de primeira ordem relacionam-se com a alocação de
recursos fungíveis (monetários) dentre várias atividades. A principal
conseqüência dessas decisões é favorecer certos bens e serviços às custas
de outros. Uma conseqüência secundária pode ser favorecer alguns às
expensas de outros, quer dizer, aqueles que podem mais ser beneficiados
pelo bem favorecido. Apesar de o efeito nos indivíduos também depender
do princípio alocativo de segunda ordem, alguns bens têm características
que excluem vários grupos do universo de possíveis beneficiados. Assim,
dedicas uma larga parcela de fundos públicos à moradia popular equivale a
dar tratamento preferência aos pobres, a despeito de qual esquema
alocativo seja escolhido. Dar prioridade à educação necessariamente
ocorre às expensas dos idosos, já que eles não se tornarão jovens
novamente. Em contraste, concentrar recursos em equipamentos médicos
necessários para salvar vidas, usados principalmente por idosos, pode
eventualmente beneficiar os jovens. ( AMARAL, 2001).
O Poder Judiciário, quando deparar-se com o direito à saúde, deve atentar-se
para que, ao proteger o referido bem jurídico, não passe a substituir totalmente a competência do
poder que possua competência originária para isso. “O sistema de saúde se tornou judicializado
porque chegam ao Tribunal de Justiça questões que não deveriam chegar”. E, como resultado: “O
Judiciário, tanto quanto o paciente, é vítima da situação carente do Estado e se vê incumbido de
administrar a escassez de recursos públicos, quando essa não é a sua função”. (CECONELLO
2004).
Exercer a função jurisdicional sem requerer como requisito da ação que,
primeiramente, os pacientes acessem seus direitos através das vias administrativas, o Poder
Judiciário exerceria a função de fiscalizador das decisões dos outros poderes. Logo, deixaria de
atuar dentro da teoria de pesos e contrapesos, em que um poder fiscaliza a atuação dos outros com o
objetivo de manter o equilíbrio entre os mesmos, conforme enunciado de Germano Schwartz:
A atuação judicial far-se-á em um momento posterior ao da constatação de
que as ações positivas estatais não garantiram o direito à saúde. É,
portanto, uma atuação secundária (mas não suplementar) em relação ao
dever dos Poderes Públicos – especialmente o Executivo, pois inexistiria
necessidade de uma decisão derivada do sistema jurídico caso tais Poderes
cumprissem o seu papel.
Com o aumento considerável das demandas judiciais pleiteando o
pagamento através da saúde pública de tratamentos de alto custo, o sistema público de saúde corre
sério risco de colapso.
No entendimento de Francisco Viegas Neves da Silva:
Em razão da massificação destas demandas necessariamente o Judiciário
deve preocupar-se com o futuro e com as teias de conseqüências que estas
escolhas de caráter disjuntivo trazem, que, dentro de uma ótica de microjustiça não podem ser constatadas. Como por exemplo, em decorrência de
determinado mandado judicial a quantos indivíduos o prolator estaria
preterindo posto se a ordem não fosse obedecida acarretaria, como tem
acontecido, em prisão do responsável pela desobediência.
Outro ponto a salientar trata da colisão efetiva entre o princípio
constitucional de acesso á saúde em contraposição ao interesse público, como bem afirma Francisco
Viegas Neves da Silva:
O problema da individualização da concessão de um direito coletivo consiste,
sinteticamente, em uma disputa entre interesse social e o interesse individual,
pois concebida da forma como se encontra a tutela à saúde são raras as
pessoas que prefeririam “abdicar de direito seu” em prol de beneficiar um
maior número de indivíduos.
Para Luis Roberto Barroso, a normatividade e a efetividade das disposições
constitucionais estabeleceram novos patamares para o constitucionalismo no país e proporcionaram
uma virada jurisprudencial celebrada como importante conquista. Em muitas situações envolvendo
direitos sociais, direito à saúde e mesmo fornecimento de medicamentos, o Judiciário poderá e
deverá intervir. Esta constatação, não torna tal intervenção imune a objeções, principalmente
quando invasiva aos outros Poderes. No entendimento de Gandini, Barrione e Souza, há limites
decorrentes da própria abrangência do direito à saúde, já que os direitos fundamentais, por natureza,
são passíveis de limitação, inclusive pelo próprio legislador ordinário. Até valores a princípio
absolutos, como a vida, podem sofrer limitações normativas, a ponto de se admitir a legítima defesa
como excludente de antijuridicidade do crime de homicídio ou de se autorizar a pena de morte em
caso de guerra, por exemplo. (GANDINI, BARRIONE E SOUZA, 2007).
Os pesquisadores destacam que diante da estrutura principiológica dos
direitos fundamentais, torna-se fácil perceber que esses direitos não são absolutos, pois eles se
limitam entre si, sobretudo quando se está diante de uma Constituição como a brasileira, que,
democraticamente, acolheu interesses até antagônicos de diversas classes sociais. (GANDINI,
BARRIONE E SOUZA, 2007).
Afirmam também que para fixar balizas seguras e objetivas para solucionar
esses casos de colisão de direitos fundamentais, é necessário analisar o princípio da
proporcionalidade, que é o primeiro limite à concretização judicial do direito à saúde.
A proporcionalidade é utilizada como critério de aferição da validade de
limitações aos direitos fundamentais.
No entendimento de Willis Santiago Guerra Filho, uma medida será
adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente,
proporcional em sentido estrito, e por fim se as vantagens que trará superarem as desvantagens
Segundo Gandini, Barrione e Souza, a reserva do possível, com relação à possibilidade financeira
do Estado, tendo por base a disponibilidade de recursos materiais para cumprimento de eventual
condenação do Poder Público na prestação de assistência farmacêutica.
A assistência farmacêutica está compreendida no conceito de mínimo
existencial, restando dúvida de que o limite à atuação judicial é o postulado da reserva do possível.
No entanto, é também o mais difícil de ser delimitado, sobretudo quando se trata da possibilidade
financeira de cumprimento da ordem judicial, no entendimento de Gandini, Barrione e Souza.
Em geral, o magistrado não se preocupa com os impactos orçamentários de
sua decisão, muito menos com a existência de meios materiais disponíveis para o seu cumprimento.
Esquece-se, porém, que os recursos são finitos. (GANDINI, BARRIONE E SOUZA).
Nesse sentindo o argumento da reserva do possível somente pode restar
acolhido no caso do Poder Público demonstrar adequadamente que a decisão judicial causará mais
danos do que vantagens à efetivação de direitos fundamentais, implicando em uma ponderação,
com base na proporcionalidade em sentido estrito.
Defendem os autores Gadini e Barrione que:
Além disso, não se pode descartar as dificuldades administrativas na
implementação de ordens judiciais. Até simples obrigações de fornecimento
de remédios exigem procedimentos administrativos para a compra desses
medicamentos (procedimento licitatório ou mesmo procedimento de dispensa
ou inexigibilidade de licitação, empenho, etc.). É óbvio que a exigência de
licitação não pode ser empecilho para o cumprimento da ordem. Mesmo
assim, não pode o juiz ficar indiferente quanto a esses obstáculos. Somente
com o diálogo aberto entre o Judiciário e os Poderes Públicos será possível
conciliar o respeito às ordens judiciais com as exigências da burocracia
administrativa sem que se desgaste a harmonia entre os poderes.
Levando em consideração que a sucumbência do Poder Público para a
prestação de assistência farmacêutica em ação coletiva pode resultar em alterações no planejamento
do Poder Público, sendo aconselhável que o magistrado atente-se para a reserva do possível na
análise de cada caso concreto.
Já no entendimento de Daniel Wang a argumentação continua, explicando
que a reserva do possível impõe condicionamentos à concretização de direitos de segunda geração,
de implantação sempre onerosa, e que podem ser traduzidos no binômio:
1. razoabilidade da pretensão em face do poder público;
2. existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetiva as
prestações positivas, dele reclamadas;
Complementa dizendo que os dois componentes deste binômio devem estar
juntos para que um direito possa ser exigido do Estado.
O autor reporta-se também aos custos de oportunidade, afirmando que
mesmo tratando-se de um conceito da Economia cabe na reflexão dos juízes sobre o tema da reserva
do possível, da escassez de recursos e dos custos dos direitos. De acordo com o autor apud Manuel
Antonio S. Vasconcelos, estes representam aquilo que se deixou de ganhar em A por decidir
investir em B, são estimados a partir do que poderia ser ganho.
Para Fabiola Sulpino, o aumento das sentenças judiciais determinando o
fornecimento de medicamentos causa distorções, pois sua concessão não está vinculada à reserva
orçamentária, prevista quando da formulação das políticas e do planejamento dos programas.
Para Maria Lecticia Machry de Pelegrini, o princípio de igualdade tem por
base o conceito de cidadania, segundo o qual todos os indivíduos são iguais, tendo portanto, os
mesmos direitos, enquanto que a eqüidade, incorpora em seu conceito um valor de justiça. Assim, o
debate sobre a justiça alocativa dos recursos em saúde gira predominantemente sobre dois
paradigmas de justiça: o princípio da igualdade e o princípio da eqüidade. Em que a eqüidade em
saúde, conforme salienta Pelegrini, apud Almeida, refere-se à forma de como diminuir ou eliminar
as diferenças que são desnecessárias e evitáveis, além de consideradas injustas.
Para Pelegrini o princípio de eqüidade reconhece que os indivíduos são
diferentes entre si e, portanto merecem tratamento diferenciado que elimine, ou reduza, a
desigualdade. Portanto o tratamento desigual é justo, quando é benéfico ao indivíduo mais carente.
A autora distingue com base em Almeida que a equidade em saúde e a eqüidade no consumo de
serviços de saúde, pois o desenho de políticas difere em cada um dos casos: desigualdades no
adoecer e morrer no primeiro caso, e desigualdades no consumo de saúde no segundo caso. As
desigualdades em saúde refletem as desigualdades sociais e a igualdade no uso dos serviços de
saúde não é suficiente para diminuir as desigualdades no adoecer e morrer existente entre grupos
sociais. (Pelegrini, 2004).
A utilização de mecanismos diversos daqueles do SUS para viabilizar
acesso aos medicamentos tem gerado prejuízos à eqüidade na saúde. O atendimento dessas
demandas é outro problema. A grande quantidade causa transtornos para as finanças públicas
porque o Estado acaba sendo ineficiente, perdendo seu poder compra. Além disso, o fornecimento
de medicamentos de forma indiscriminada acaba privilegiando segmentos de doentes que têm mais
recursos financeiros para pagar advogados, ou mais acesso à informação, em detrimento daqueles
que deles têm mais necessidade. (Fabiola Sulpino, 2007).
Seguem alguns enunciados dos doutos desembargadores do Superior
Tribunal de Justiça, que embasaram um grande número das decisões judiciais favoráveis aos
pacientes que impetraram ações contra os municípios e o estado de Santa Catarina.
O direito envolvido na questão trata do maior bem a ser tutelado: a vida. Este
não pode ficar à mercê dos demais. Assim, ‘dentre os direitos de ordem
física, ocupa posição de primazia o direito à vida, como bem maior na esfera
natural e também na jurídica, exatamente porque, em seu torno e como
conseqüência de sua existência, todos os demais gravitam’. (BITTAR, 1989).
Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como
direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou
fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do
Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao
julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida’ (STF, j. 31.1.97, DJU de 13.2.97,
Min. Celso de Melo).
Diante da negativa e omissão do Estado em prestar atendimento à população
carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a
jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados
podem alcançar o benefício almejado (STF, AG n. 238.328/RS, Min. Marco Aurélio, DJ 11.5.99;
STJ, REsp 249.026/PR, Min. José Delgado, DJ 26.6.00).
'O ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para
servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma
construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis
direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser
humano e não um fim em si mesmo' (Caderno de Direito Natural - Lei
Positiva e Lei Natural Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985).
O STJ esposou entendimento nesse sentido: "Com todo o respeito aos que
entendem que as normas constitucionais são de natureza meramente programáticas e de proteção do
interesse geral, não conferindo aos seus beneficiários o direito de exigir o atendimento de
assistência e proteção vitais à saúde, a exemplo do fornecimento de medicamentos, sem os quais os
que deles necessitam fatalmente hão de perecer. Felizmente, este egrégio Tribunal e em momento
oportuno, atento à realidade dos fatos, passou a dar interpretação menos restritiva ao texto
constitucional" (ROMS 13452/MG, Min. Garcia Vieira, DJ de 7.10.02).
Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível
interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica
conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida. "Não se pode apegar, de forma
rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do
legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito
à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas
dos cidadãos" (ROMS n. 11183, Min. José Delgado, DJ de 4-9-2000) (Ap. Cív. n. 2004.022858-9,
rel. Des. Francisco Oliveira Filho).
Mesmo que o medicamento pretendido (Systen 50 Estradiol) não estivesse
incluso no rol estabelecido pela RENAME e pela Portaria do Ministério da Saúde n. 1.318-GM, o
paciente que deles necessitar poderia pleiteá-los a qualquer dos entes públicos (Estado ou
Município) em razão da responsabilidade solidária existente entre eles, uma vez que a assistência a
saúde não poderá sofrer prejuízos em razão de normas burocráticas que só atingem as esferas do
Poder Público. (agravo de instrumento n° 2004.026268-8 DES Cláudio Barreto Dutra TJSC).
Ademais, o fato dos medicamentos não estarem padronizados pelo SUS é
irrelevante, uma vez que os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas foram criados com o intuito
de propiciar uma correta medicação às mais variadas doenças, evitando-se dispêndios públicos com
tratamentos ineficazes ou de eficácia ligeiramente superior aos arrolados, permitindo, assim, o
atendimento a um número maior de pacientes necessitados. Entretanto, é possível que o rol de
medicamentos fornecidos não abranja o tratamento para uma determinada enfermidade, fazendo
com que o Estado tenha que fornecer os remédios necessários, a despeito de não estarem previstos
no Protocolo Clínico. Nos casos em que uma decisão parece privilegiar um princípio constitucional
em detrimento de outro, é preciso analisar e ponderar os princípios, devendo predominar aquele de
mais alto valor. Logo, quando o interesse financeiro estatal parece colidir com a preservação da
vida, não restam dúvidas que este último deve prevalecer. (DES Orli Rodrigues Apel Civil
2006.017824-3).
O medicamento, ainda que não padronizado, uma vez demonstrada a
necessidade do paciente, deve ser fornecido gratuitamente pelo Estado, entendendo-se este em todos
os seus níveis - federal, estadual e municipal" (AI n. 2004.030892-2, rel. Des. Luiz Cézar
Medeiros).
Tenho afirmado que é meramente programática a norma constitucional
inscrita no art. 196 da Constituição: 'A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação'
(AC n. 1998.001716-5). D e s Newton Trisotto.
Prescreve a Constituição Federal que a "saúde é direito de todos e dever do
Estado" (art. 196). Complementando essa norma programática, dispõe a Lei 8.080, de 1990, que
compete à União, Estados, Distrito Federal e Municípios fornecer remédio para os que dele
necessitam. No entanto, líquido e certo é tão-somente o direito ao medicamento e não ao
medicamento especificamente reclamado pelo impetrante. Se dispuser de similar, não pode o Poder
Público ser obrigado a fornecer outro, salvo se comprovada a ineficácia daquele ofertado.
Instaurado o litígio, a sua solução demandará dilação probatória, incompatível com o mandado de
segurança. Por isso, pretensões como a sub examine devem ser deduzidas em processo de
conhecimento. Se presentes os pressupostos legais, traduzidos no binômio fumus boni juris e
periculum in mora (CPC, art. 273), ao autor não poderá ser negada a tutela antecipada (AI n.º
2003.000266-9. DES Newton Trisotto).
A única restrição que lancei ao julgamento de primeiro grau restringiu-se à
forma de futura execução em relação a outras pessoas que venham necessitar do mesmo
medicamento. Pareceu-me temerária a determinação para que a medicação seja outorgada a todos
os usuários do Sistema de Saúde Único que apenas apresentem laudo/atestado médico, com o
diagnóstico da moléstia sem que se atente para a questão da hipossuficiência. Penso que, para
desfrutar o direito reconhecido pela sentença, o interessado há de proceder execução específica em
que, dentre outras circunstâncias, comprove a sua hipossuficiência e que, por sobre isso, também
esteja domiciliado no Estado de Santa Catarina, garantindo-se a este, se for o caso, a oportunidade
de embargar. (DES Newton Janke).
É inegável que a garantia do tratamento da saúde, que é direito de todos e
dever do Estado, pela ação comum da União, dos Estados e dos Municípios, segundo a
Constituição, inclui o fornecimento gratuito de medicamentos necessários a quem não tiver
condições de adquiri-los. Considera-se adimplida essa obrigação estatal, quando o Sistema Único de
Saúde fornece ao paciente o medicamento adequado para o tratamento, ainda que possa haver
fármaco de eficácia ligeiramente superior e de uso menos freqüente, já que não cabe ao SUS
garantir maior comodidade ao paciente, mas sim prover-lhe os meios indispensáveis à busca da
cura. Assim, o Estado não está obrigado a fornecer, ao portador de hepatite C com HCV do
genótipo 3, o medicamento Interferon peguilado, de uso semanal, se a ele já dispensa gratuitamente
o Interferon alfa tradicional, de uso a cada dois dias, associado a Ribavirina, com eficácia
aproximada daquele e custo bem menor, o que permite o atendimento a um número maior de
pacientes. Ainda mais quando estudos demonstram que a eficácia do tratamento com Interferon
peguilado nem sempre é superior ao do convencional, no caso de Hepatite C do genótipo 3, não
sendo oportuno correr os riscos dos efeitos colaterais. Não é menos certo que o Poder Público tem
obrigação de zelar pela melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, pela concretização da
igualdade social e pela proteção, de forma ampla e irrestrita, do bem jurídico máximo inserido na
Lex Mater (vida), até porque, consoante dispõe o art. 196 da CF, reproduzido no art. 153 da CE, "a
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário e às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Porém, eventual pleito de
fornecimento de medicamento deve ser formulado por meio de ação ordinária com pedido de tutela
antecipada, onde há possibilidade de dilação probatória, o que não ocorre na via estreita do writ of
mandamus. Naquela o Poder Público tem amplas possibilidades para questionar o tratamento
receitado pelo facultativo, ou mesmo comprovar a existência de tratamento mais eficaz e por menor
custo para os cofres públicos, bem como demonstrar eventual abuso cometido pelo impetrante ou
por seu médico. (DES Newton Trisotto, mandado de segurança n° 2005.37387-1. Florianópolis).
Assim determina a Portaria Conjunta 02/02, das Secretarias Executiva e de
Políticas de Saúde do Ministério da Saúde." O precedente se aplica ao caso em exame. O município
de Laguna está habilitado nos planos de "Gestão Plena do Sistema Municipal" pela NOB/96
(Portaria 2.820/GM, do Ministério da Saúde) e de "Gestão Plena de Atenção Básica Ampliada"
(Portaria 1.347/GM, do Ministério da Saúde). Conseqüentemente, não se lhe pode impor que
forneça remédios não compreendidos na "Pactuação da Atenção Básica" (Portaria 16/00, da extinta
Secretaria de Políticas de Saúde) e em programas do Ministério da Saúde. É notório que muitos
municípios brasileiros não recebem do SUS recursos suficientes para atender todas as pessoas que
necessitam de remédios, principalmente aqueles de uso contínuo e de elevado custo. As despesas
com o tratamento de três portadores do vírus HIV e de mais três diabéticos, v.g., por certo
consumiria todos os recursos que a expressiva maioria dos pequenos municípios disponibilizam
para a área da saúde. O município de Laguna está habilitado nos planos de "Gestão Plena do
Sistema Municipal" pela NOB/96 (Portaria 2.820/GM, do Ministério da Saúde) e de "Gestão Plena
de Atenção Básica Ampliada" (Portaria 1.347/GM, do Ministério da Saúde). Conseqüentemente,
não se lhe pode impor que forneça remédios não compreendidos na "Pactuação da Atenção Básica"
(Portaria 16/00, da extinta Secretaria de Políticas de Saúde) e em programas do Ministério da
Saúde. (DES Newton Trisotto).
1. Pesquisa de jurisprudências do Tribunal de Justiça do ano de 2005:
Foram impetradas cento e vinte e duas ações em grau de recurso no Tribunal
de Justiça de Santa Catarina no ano de dois mil e cinco.
1.1. Tabela de ações analisadas no ano de 2005:
Decisões
Quantidade Percentual
recursos
122
100%
provido
17
13,94%
103
84,42%
2
1,64%
Desprovido
Extinto
Fonte: www.tj.sc.gov.br
Pesquisadora: Patrícia Raquel Mayr
Indexador: campo preenchido com a palavra: MEDICAMENTOS
Segue abaixo a representação gráfica do resultado dos recursos impetrados por pacientes portadores
de moléstias graves contra os Municípios e Estado de Santa Catarina
1.2. Gráfico demonstrativo do resultado dos recursos impetrados em 2005:
DADOS DA AUTORA
1.3. Análise dos dados da tabela 01 – ações judiciais de 2005:
Em duas ações judiciais o medicamento pleiteado chama a atenção por
tratar-se do VIAGRA, no processo n° 003008-4, movido contra o município de Blumenau e
0027854-3, movido contra o município de Florianópolis.(tabela 01 jurisprudência 2005).
1.3.1. análise dos dados: Analisadas 122 ações em grau de recurso ao
Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 2005, conforme tabela 01.
1.3.2. nas ações analisadas os Desembargadores com voto vencido em 24
decisões votaram a favor dos municípios, perfazendo 19,67% das ações;
1.3.3. em 72 ações o julgamento do recurso deu-se por votação unânime,
perfazendo 59,02% das ações;
1.3.4. em 26 ações, o julgamento do recurso recebeu votos contrários dos
desembargadores para provimento em razão da peça processual empregada, perfazendo 21,31 % das
ações;
1.3.5. no universo de ações analisadas, em 92 destas o pedido refere-se a
medicamentos, perfazendo 75,42% das ações;
1.3.6. pedidos de cirurgia, tratamentos, próteses, alimentos especiais, tiras
de glicemia, exames, vacinas e etc somam 15 ações perfazendo 12,29%;
1.3.7. pedidos sem maiores dados, sem a informação do tratamento ou
indicação genérica, formulada com base na receita médica anexa á exordial, somam 15 processos
em que o magistrado apenas remete ao pedido de tratamento do mal que acomete o
impetrante/recorrente e cita a prescrição médica, perfazendo 12,29% das ações;
1.4. Recursos impetrados em 2005 por município:
Município
Quantidade Percentual
Município
Quantidade
Percentual
Biguaçú
43,27%
Lages
32,45%
Blumenau
86,55%
Laguna
21,63%
Chapecó
64,91%
Mondai
10,81%
Concórdia
10,81%
Palhoça
10,81%
Coronel Freitas
32,45%
Ponte Serrada
10,81%
Criciúma
75,73%
São Carlos
10,81%
Curitibanos
32,45%
São José
3125,55%
3226,32%
São José Cedro
10,81%
Garopaba
10,81%
São M do Oeste
10,81%
Guaramirim
10,81%
Tangará
10,81%
Içara
21,63%
Tubarão
10,81%
Ipumirim
21,63%
Videira
10,81%
Itajaí
21,63%
Xanxerê
32,45%
Joinville
21,63%
TOTAL
Florianópolis
122
100,00%
DADOS DA AUTORA
1.5. Gráfico demonstrativo dos recursos impetrados em 2005, por município:
DADOS DA AUTORA
2. Pesquisa de jurisprudências do Tribunal de Justiça do ano de 2006:
Foram impetradas oitenta e oito ações em grau de recurso no ano de dois
mil e seis, no tribunal de justiça do estado de Santa Catarina.
2.1. Tabela de ações analisadas no ano de 2006:
Decisões
Quantidade Percentual
recursos
88
100,00%
provido
22
25,00%
desprovido
58
65,91%
8
9,09%
provido parcial
Fonte: www.tj.sc.gov.br
Pesquisadora: Patrícia Raquel Mayr
Indexador: campo preenchido com a palavra: MEDICAMENTOS
2.2. Gráfico demonstrativo do resultado dos recursos impetrados em 2006:
DADOS DA AUTORA
2.3. Análise dos dados constantes na tabela 03:
2.3.1. análise dos dados: Analisadas 88 ações em grau de recurso ao
Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 2006, conforme dados constantes na tabela 03.
2.3.2. nas ações analisadas os Desembargadores com voto vencido em 03
decisões votaram a favor dos municípios, perfazendo 3,41% das ações;
2.3.3. no universo de ações analisadas, em 71 destas o pedido refere-se a
medicamentos, perfazendo 80,68% das ações;
2.3.4. pedidos de cirurgia, tratamentos, próteses, alimentos especiais, tiras
de glicemia, exames, vacinas e etc somam 10 ações, perfazendo 11,36%;
2.3.5. pedidos sem maiores dados, sem a informação do tratamento ou
indicação genérica, formulada com base na receita médica anexa á exordial, somam 07 processos
em que o magistrado apenas remete ao pedido de tratamento do mal que acomete o
impetrante/recorrente e cita a prescrição médica, perfazendo 7,96% das ações;
2.4. Recursos impetrados em 2006 por município:
Município
Quantidade Percentual
Município
Quantidade Percentual
Armazém
1
1,13%
Itajaí
6
6,81%
Ascurra
1
1,13%
Itapema
1
1,13%
Bal. Camboriú
8
9,09%
Joinville
1
1,13%
Barra Velha
1
1,13%
Lages
4
4,58%
Biguaçú
1
1,13%
Palhoça
1
1,13%
Blumenau
8
9,09%
Palmitos
1
1,13%
Brusque
1
1,13%
Pomerode
1
1,13%
Caçador
2
2,28%
Ponte Serrada
1
1,13%
Camboriú
1
1,13%
Quilombo
1
1,13%
Campos Novos
1
1,13%
São J. Batista
1
1,13%
Chapecó
3
3,41%
São José
3
3,43%
Concórdia
4
4,58%
São L Oeste
1
1,13%
Coronel Freitas
1
1,13%
Sombrio
1
1,13%
Criciúma
1
1,13%
Timbó
1
1,13%
Curitibanos
6
6,81%
Tubarão
1
1,13%
10
11,42%
Turvo
2
2,28%
Fraiburgo
1
1,13%
Urussanga
1
1,13%
Gaspar
2
2,28%
Videira
1
1,13%
Guaramirim
2
2,28%
Xanxerê
2
2,28%
Içara
1
1,13%
Ipumirim
1
1,13%
Florianópolis
DADOS DA AUTORA
TOTAL
72
81,84%
2.5. Gráfico demonstrativo de recursos impetrados por município em 2006:
DADOS DA AUTORA
3. Pesquisa de jurisprudências do Tribunal de Justiça do ano de 2007:
No ano de dois mil e sete foram impetradas cinqüenta e três ações judiciais
em grau de recurso no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, conforme dados constantes na tabela.
3.1. Tabela de ações analisadas no ano de 2007:
DECISÕES
QUANT
PERC
Recursos
53 100,00%
provido
16
30,19%
desprovido
30
56,61%
provido parcial
5
9,43%
extinto
2
3,77%
Fonte: www.tj.sc.gov.br
Pesquisadora: Patrícia Raquel Mayr
Indexador: campo preenchido com a palavra: MEDICAMENTOS
3.2. Gráfico demonstrativo do resultado dos recursos impetrados em 2007:
DADOS DA AUTORA
3.3. Análise dos dados constantes na tabela:
3.3.1. 03 recursos foram impetrados pelo Ministério Público para
legitimidade no pólo ativo, perfazendo 5,66% das ações;
3.3.2. no universo de ações analisadas, em 31 destas o pedido refere-se a
medicamentos, perfazendo 59,06% das ações;
3.3.3. pedidos de cirurgia, tratamentos, próteses, alimentos especiais, tiras
de glicemia, exames, vacinas e etc são 11 ações, perfazendo 21,79%;
3.3.4. pedidos sem maiores dados, sem a informação do tratamento ou
indicação genérica, formulada com base na receita médica anexa à exordial, somam 10 processos
em que o magistrado apenas remete ao pedido de tratamento do mal que acomete o
impetrante/recorrente e cita a prescrição médica, perfazendo 19,15% das ações;
3.4. Recursos impetrados em 2007 por município:
Município
Quantidade
Percentual
Armazém
2
3,77%
Baln.Camboriú
1
1,88%
Biguaçú
1
1,88%
Blumenau
6
11,36%
Braço do Norte
1
1,88%
Caçador
2
3,77%
Campo Erê
1
1,88%
Chapecó
1
1,88%
Concórdia
1
1,88%
Florianópolis
8
15,14%
Gaspar
2
3,77%
Guaramirim
2
3,77%
Itajaí
4
7,54%
Ituporanga
1
1,88%
Jaraguá do Sul
1
1,88%
Joinville
1
1,88%
Lages
4
7,54%
Palhoça
1
1,88%
São B. do Sul
2
3,77%
São José
2
3,77%
São M.Oeste
2
3,77%
Timbó
1
1,88%
Turvo
1
1,88%
Urussanga
2
3,77%
Xanxerê
3
5,70%
TOTAL
53
100,00%
3.5. Gráfico demonstrativo de recursos impetrados por município em 2007:
4. Comparativo de ações ajuizadas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em grau de recurso,
entre os anos de 2005, 2006 e 2007:
4.1. Tabela de ações por ano, consIderando a data da sentença:
Ano
Quantidade
2005
122
2006
88
2007
53
TOTAL
263
Fonte: www.tj.sc.gov.br
Pesquisadora: Patrícia Raquel Mayr
Indexador: campo preenchido com a palavra: MEDICAMENTOS
4.2. Gráfico demonstrativo de ações impetradas em grau de recurso no Tribunal de Justiça de Santa
Catarina no período compreendido entre os anos de 2005, 2006 e 2007:
DADOS DA AUTORA
4.3. Análise dos dados constantes no quadro comparativo de recursos por ano:
4.3.1. verificou-se um considerável decréscimo nas ações judiciais
impetradas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina partindo do ano de 2005, em que foram
ajuizadas cento e vinte e duas ações em grau de recurso; já no ano de 2006, foram ajuizadas oitenta
e oito ações em grau de recurso, verificando-se um decréscimo de 72,13% em relação ao ano de
2005; e no ano de 2007, foram impetradas cinqüenta e três ações em grau de recurso, resultando
num decréscimo de 43,44% em relação ao primeiro ano da análise (2005) e 60,22% em comparação
ao ano de 2006.
4.3.2. a redução gradual de recursos impetrados no tribunal de justiça devese á solidificação e pacificação da jurisprudência em favor do paciente em detrimento ao Estado e
ao Município;
4.3.3. os Municípios em seus recursos sempre improvidos acabam por acatar
a decisão de primeira instância e fornecendo o medicamento, procedimento, alimento especial, tira
reagente, tratamento, cirurgia, prótese ou outros.
Conclusão
Empregando o argumento dos custos e da escassez dos direitos como um
aspecto que o Poder Judiciário, deve levar em consideração, sem omitir-se de fiscalizar ou interferir
em funções típicas de outros poderes, mas em razão de possuir ciência das repercussões de seus
julgados, sejam estas de natureza orçamentária, financeira, material ou de outra espécie, no
entendimento de Alberto Kanamura.
Quando analisam as ações, os pesquisadores constatam que o suporte fático
é deficiente, ou seja, o que realmente aconteceu não é colocado no processo. “Verificamos a
presença do discurso de que a saúde é direito de todos e dever do Estado e os fatos em si não são
apresentados. A história do paciente, o diagnóstico, nada disso aparece”, afirma Antônio Joaquim.
Outro ponto ressaltado pelo autor é que as ações têm foco individual, propõem o benefício de um
paciente e as normas do SUS não são levadas em conta. “Geralmente, as normas e decretos do
sistema não aparecem e quando isso acontece é de forma pejorativa, dando a entender que são
questões burocráticas para impedir o acesso do cidadão. Além disso, os profissionais do Judiciário
desconhecem e desprezam os protocolos clínicos elaborados para nortear a necessidade e a
eficiência de determinado tratamento”. (KANAMURA,2004).
As camadas mais desfavorecidas da população ainda encontram obstáculos
importantes no acesso à Justiça, essa atitude implica não só problemas de eficiência, mas também
riscos à eqüidade na distribuição dos recursos escassos da saúde. (FERRAZ, 2007).
O direito à saúde deve ser interpretado como um direito à igualdade de
condições (eqüidade) no acesso aos serviços de saúde que determinada sociedade pode fornecer
com os recursos disponíveis. (FERRAZ, 2007).
É essa a interpretação mais adequada do artigo 196 da Constituição, que
garante “acesso universal e igualitário” aos serviços e ações de saúde. É ainda corroborada pelo
principal tratado internacional ratificado pelo Brasil para a proteção dos direitos sociais, que impõe
aos Estados o dever de protegê-los progressivamente “até o máximo de seus recursos disponíveis”.
(artigo 2º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). (FERRAZ, 2007).
A judicialização do Sistema Único de Saúde como regra garantidora do
princípio constitucional de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, produz
conseqüências éticas, jurídicas, econômico-financeiras e orçamentárias de graves proporções para
todos os entes públicos e, em especial para a sociedade.(Fabiola Sulpino, 2007).
Todas as decisões analisadas concedem o medicamento ou tratamento
pedido pelo impetrante. Não há sequer um voto divergente nos acórdãos encontrados. Portanto,
pode-se, desde já, antecipar que em nenhuma decisão o Supremo Tribunal Federal admitiu a
escassez de recursos como argumento aceitável para impedir a concessão de um medicamento ou
tratamento médico. Outro ponto interessante é que as ações são todas individuais, em nenhuma das
decisões analisadas houve uma tutela coletiva do direito à saúde. (Daniel Wang, 2007).
Assim, está-se diante de uma situação complicada em que o direito ao
contraditório, anula-se frente a tal fato. As ações são deferidas, em sua maioria, com antecipação de
tutela. Mesmo que a outra parte – o Poder Executivo – seja ouvida posteriormente, o que importa é
que o fato já está consumado e, portanto, mesmo que se chegue à conclusão de que a demanda não
se justificava, os recursos públicos investidos já foram despendidos. (Fabiola Sulpino, 2007).
Analisando as demandas judiciais por este ângulo, verifica-se que o que está
em jogo é a reivindicação do fornecimento de medicamentos que não atendem aos critérios
estabelecidos pelo Poder Público. Este por sua vez, é norteado pelo dever de preservar o interesse
coletivo e de balizar as escolhas pelos princípios de universalidade e eqüidade, consideradas as
restrições orçamentárias. Observada a limitação da escassez de recursos, cabe ao Poder Executivo a
definição da prioridade do gasto, de acordo com a capacidade financeira do Estado e as
necessidades de saúde da população. (Fabiola Sulpino, 2007).
A pesquisadora Fabiola Sulpino, segue afirmando que os critérios técnicos
precisam ser observados para garantir maior efetividade à política de saúde e maior eficiência do
gasto. Cabe ao controle social averiguar a observação aos princípios do SUS e se as escolhas estão
maximizando o resultado em termos de acesso às ações e serviços de saúde e melhora das condições
de saúde da população.
Entretanto, este não parece ser o entendimento do Poder Judiciário. A
integralidade para os tribunais está mais associada à noção de consumo, haja vista o deferimento de
demandas sem ressalvas sobre a existência de política pública para tratar as doenças. Nessa
concepção, o direito à saúde se resume à oferta de medicamentos, reduzindo-se às ações curativas e
paliativas, sem considerar o caráter fundamental de promoção e prevenção de doenças e agravos.
Sob esse ponto de vista, gera-se a confusão entre a existência de mercado com a sua oferta de mais
de 16 mil especialidades farmacêuticas e a existência do SUS, que deve fornecer tratamento à
população em todos os níveis de complexidade da atenção à saúde. (Fabiola Sulpino).
As ações judiciais poderiam ser evitadas se fossem consideradas as
diretrizes do Sistema Único de Saúde, a organização do atendimento em oncologia e a observância
das relações de medicamentos essenciais. A falta dessa observância compromete a Política Nacional
de Medicamentos, a eqüidade no acesso e o uso racional de medicamentos no Sistema Único de
Saúde. (Fabiola Suplino e Paola Zucchi).
O termo judicialização da política como a utilização de mecanismos
tipicamente judiciais (análise de constitucionalidade e legalidade, utilização de silogismos jurídicos,
emprego de raciocínios de licitude/ilicitude, entre outros) na arena de deliberação política.
(KANAMURA, 2004).
A concessão antecipada da tutela (distribuição do medicamento) pode ser
irreversível, posto que os recursos despendidos na compra de medicamentos pleiteados (ainda que
não reconhecido posteriormente o direito do autor) não poderiam ser restituídos aos cofres públicos
ante os elevados custos dos mesmos. Da mesma forma, o Estado não poderia interromper a
distribuição do medicamento devido ao risco de mutações que aumentariam a resistência do vírus à
terapia. (KANAMURA 2004).
O jurista Luis Roberto Barroso afirma que:
A) As pessoas necessitadas podem postular judicialmente, em ações
individuais, os medicamentos constantes das listas elaboradas pelo Poder Público e, nesse caso, o
réu na demanda haverá de ser o ente federativo – União, Estado ou Município – que haja incluído
em sua lista o medicamento solicitado. Trata-se aqui de efetivar uma decisão política específica do
Estado, a rigor já tornada jurídica;
B) No âmbito de ações coletivas e/ou de ações abstratas de controle de
constitucionalidade, será possível discutir a inclusão de novos medicamentos nas listas referidas.
Tal inclusão, contudo, deve ser excepcional, uma vez que as complexas avaliações técnicas – de
ordem médica, administrativa e orçamentária – competem primariamente aos Poderes Legislativo e
Executivo;
C) Nas discussões travadas em ações coletivas ou abstratas – para a
modificação das listas – o Judiciário só deve determinar que a Administração forneça
medicamentos de eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos. Ademais, o
Judiciário deve, como regra, optar por substâncias disponíveis no Brasil e por fornecedores situados
no território nacional. Por fim, dentre os medicamentos de eficácia comprovada, deve privilegiar
aqueles de menor custo, como os genéricos.
Com base na análise das jurisprudências produzidas no Tribunal de Justiça
de Santa Catarina, nos anos de 2005, 2006 e 2007, as decisões invariavelmente acolhem os pedidos
formulados pelos pacientes portadores de moléstias graves que pleiteiam em juízo o tratamento.
Os acórdãos em sua grande maioria restam unânimes, no ano de 2007 todas
as 53 ações foram julgadas por decisão unânime, corroborando a verificação de que os Municípios e
o Estado acabam adquirindo o tratamento pleiteado.
Verificou-se a cristalização da jurisprudência com base no artigo 196 da
Constituição Federal, em que a saúde é direito de todos e dever do Estado, seja ele o Município, o
Estado ou a União.
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Ministério da Saúde: www.saude.gov.br
Escola Nacional de Saúde Pública: www.enasp.fiocruz.br
Biblioteca Virtual em Saúde: www.bireme.br
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A colisão entre os princípios constitucionais nas ações