REVISTA DE
POLÍTICAS EDUCACIONAIS
E
CULTURAIS
DO SINASEFE
SETEMBRO DE 2010
Diretoria Nacional do SINASEFE – Biênio 2009/2011
Coordenação Geral:
Elisa Magna de Souza Barbosa – SINTETFAL
Elane de Souza Mafra – SS Manaus
Ricardo Eugênio Ferreira – SS Ouro Preto
Coordenação de Administração e Finanças:
Secretária: Tânia Maria Barbosa Guerra – SS Pelotas
1º Tesoureiro: Clério Lucas Guaitolini – SS Vitória
2º Tesoureiro: Nilton Gomes Coelho - SINTETFAL
Coordenação de Pessoal:
Docente: Adamor Trindade Ferreira - SINDSCOPE
Técnico-Administrativo: Volmir Marcos Lima – SS Sertão
Aposentado: Zelina Pinheiro Machado – SS Concórdia
Coordenação de Comunicação:
Secretário: Arnoldo de Souza Marques – SS Florianópolis
Secretário-Adjunto: Sílvio de Jesus Rotter – ATEFCE
Coordenação de Políticas Educacionais e Culturais:
Secretário: Reginaldo Flexa Nunes – SS Vitória
Secretário-Adjunto: José de Araújo Pereira – SS Cariri
Coordenação de Formação Política e Relações Sindicais:
Secretária: Carmem Lúcia Werneck – SS Barbacena
Secretário-Adjunto: Irany Castro Balbino – SS São Paulo
Coordenação Jurídica e Relação de Trabalho:
Secretário: Eduardo Carvalho de Moraes – SS Belém
Secretária-Adjunta: Gilda Suely de Oliveira – SS Rio Verde
Edição e Revisão do Texto:
Eugênia Tavares Martins
Coordenadora Geral de Comunicação da ATEFCE – SS SINASEFE
SUMÁRIO
Apresentação, .............................................................................................................7
Introdução, ...................................................................................................................9
Condições de trabalho do educador, permanência e sucesso escolar de alunos
surdos: um relato de experiência, .............................................................................13
Evasão escolar no Curso Superior de Tecnologia em Irrigação e Drenagem no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de Iguatu,
....................................................................................................................................25
Oferta e demanda por educação nos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia: o caso do IF do Ceará – campus de Iguatu, ..........................................43
Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária: o trabalho como princípio
educativo e humanizador do ser humano, ................................................................54
O PROEJA sob o olhar dos educadores: o caso do IFPB – campus de João
Pessoa/PB, ................................................................................................................76
Sinalizando a educação: dois anos de uma pesquisa no campo da Inclusão Virtual,
...................................................................................................................................92
A Educação e a Diversidade, ..................................................................................104
Africanidades, Educação Profissional e Dignidade Cultural: interrogando a forma
cultural colonial, .......................................................................................................117
A questão étnico-racial no Programa de Integração da Educação Profissional ao
Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) do
Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, unidade Vitória: uma
análise da prática docente, ......................................................................................132
Gênero Feminino e Escolarização Técnico-Profissional, ........................................143
Mudanças no mundo do trabalho: Educação, Identidade e Profissão, ...................155
A dimensão ambiental na Educação Profissional e Tecnológica, ...........................171
O ensino da Matemática Financeira e o Currículo do Ensino Médio e Técnico no
contexto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), .....................................185
Educação e Cidadania, ...........................................................................................193
Sindicato, Democracia e Educação, ........................................................................211
A experiência de construção dos Projetos Pedagógicos dos cursos de PROEJA no
IFES – campus de Vitória: avanços, tensões e desafios de um processo político,
..................................................................................................................................221
Os Institutos Federais e os Arranjos Produtivos: um estudo de caso do layout do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC),
..................................................................................................................................235
A difícil arte de ser professor, hoje, .........................................................................261
APRESENTAÇÃO
Certa de que a superação da dicotomia entre trabalho e educação deve ser
obra dos próprios trabalhadores, a Direção Nacional do SINASEFE (biênio
2009/2011), através da Comissão Organizadora do seu “VI Seminário de
Educação”, apresenta esse novo número da “Revista de Políticas Educacionais e
Culturais do SINASEFE”, que possui como tema “Educação & Memória Social: os
desafios do ensino básico, profissional e tecnológico”.
Os artigos, aqui apresentados, foram norteados pelos eixos temáticos que
balizam o “VI Seminário de Educação do SINASEFE”, sediado na cidade de Bento
Gonçalves entre os dias 9 a 12 de setembro de 2010. Denotando a preocupação
do SINASEFE no sentido de favorecer o florescimento de uma pedagogia da
classe, pela classe, os referidos eixos versam sobre os temas: História da
Educação Básica, Profissional e Tecnológica no Brasil: memória e história social
das experiências; Educação e Inclusão Social: políticas de acesso, permanência e
sucesso escolar; Educação e Diversidade na Educação Básica, Profissional e
Tecnológica; Educação, Trabalho, Ciência e Tecnologia; Sociedade, Educação e
Cultura; Qualidade da Educação, Gestão Democrática; Expansão da Rede
Federal de Educação Básica Profissional e Tecnológica; Formação, Carreira e
Valorização dos Profissionais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica.
Nesse sentido, pautados pelos diferentes matizes da politecnia da
aprendizagem, pretendemos unir educação e luta social, favorecendo a
construção de uma instrução voltada para a formação de homens e mulheres
integrais. Rejeitando, à luz das experiências passadas, qualquer instrução que
prepare as futuras gerações para a institucionalização alienante da vida, importanos transformar nosso meio sindical no nascedouro de uma pedagogia classista,
capaz de contribuir para a emancipação dos trabalhadores ao valer as palavras,
ainda vivas, do sindicalista e educador libertário Marcel Martinet: “A árvore do
ensino operário deve ser plantada em plena terra operária: o sindicato”.
Afinal, a força não está no Estado ou no Capital, mas em nossos braços.
Organizados, saberemos empregá-la em proveito de nossas conquistas.
Saudações Sindicais,
Comissão Organizadora do VI Seminário de Educação do SINASEFE
Comissão Organizadora da Revista de Políticas Educacionais e Culturais
do SINASEFE
INTRODUÇÃO
A POLÍTICA EDUCACIONAL DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE
NO BRASIL
A política educacional, no Brasil, constituiu-se a partir de uma concepção
dual de educação: uma educação para a elite, humanística e científica; e outra
educação para os pobres, ajustada às demandas do processo de produção.
A educação para a elite era realizada pelas escolas confessionais,
patrocinadas pelo Estado, ou de iniciativa privada, no final do século XIX. A Formação
Geral pretendida, então, nessas escolas, era a de formar dirigentes e quadros
qualificados para ocupar os cargos no Estado e nas empresas.
Nesse contexto, a criação da Rede Federal de Educação Tecnológica, em
1909, foi o início de uma política que visava qualificar a mão-de-obra na perspectiva
da moralidade e da disciplina ao/no trabalho. O trabalho escravo, ao longo de toda a
Colônia e Império, tinha criado uma indolência e indisposição para o trabalho, o que
inviabilizava o prosseguimento da modernização conservadora, no Brasil. Dessa
forma, o modelo de educação pretendido, através da implantação dessa Rede Federal
de Ensino, era justamente o de resgatar a cidadania e enquadrar esse trabalhador na
lógica do trabalho assalariado, recém criado no Brasil, com a nova ordem política: a
República.
No final do século XX, a intervenção da classe trabalhadora, visando à
universalização da educação e a equivalência, do Ensino Técnico ao Ensino Médio,
para o efeito de prosseguimento de estudos em cursos superiores, esteve presente
nas lutas sindicais. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de
1961, o dualismo no sistema escolar persiste, isto é, temos hoje um ensino médio
tecnológico, orientado à formação para o trabalho complexo; e uma formação técnicoprofissional básica, destinada aos pobres.
9
A criação do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – em
1941 consolidou uma formação controlada pelas empresas e financiada pelo poder
público. Tal situação coroou-se com a criação do SESI – Serviço Social da Indústria –
em 1946, complementando a ação educacional com atuação, também, na área de
assistência social e baseada na doutrina social da Igreja Católica. Ou seja, a luta pela
educação é atendida, mas voltada às necessidades da produção das empresas, e
permeada pelo assistencialismo.
A Profissionalização obrigatória do Ensino Médio no Brasil, com a Lei nº
5.692/71, na prática, inviabilizou o prosseguimento dos estudos dos filhos de
trabalhadores, por causa da insuficiência perceptível na sua formação geral. Por isso,
a Rede Federal tornou-se referência, oferecendo um Ensino Profissional de qualidade
e respondendo, assim, às demandas do mercado.
O
chamado
“Milagre
Econômico”
(1968-1974)
promoveu
o
desenvolvimento acelerado da economia, através de grandes obras públicas. A
carência de técnicos foi suprida, em parte, pelos formandos da Rede Federal. Houve
uma valorização profissional do técnico, e dessa forma, os filhos da classe média
passaram a frequentar as Escolas Técnicas Federais. Muitos foram os absorvidos
pelas empresas; muitos também foram os que prosseguiram seus estudos, por meio
dos cursos superiores.
A tendência crescente de os alunos, oriundos das Escolas Técnicas
Federais, por receberem uma educação de excelência, serem aprovados nos
vestibulares oferecidos nas mais diversas Universidades, passou a ser uma constante;
como também o fato de esses mesmos alunos abandonarem o ciclo de seu curso
profissionalizante, ainda no terceiro ano, o que fez com que, na chamada Era
Neoliberal, os governos desse período, a saber, Fernando Collor de Melo, Itamar
Franco e Fernando Henrique Cardoso, passarem a defender a privatização, ou
estadualização, da Rede Federal de Ensino, com a justificativa de descumprirem sua
principal finalidade, a formação para o trabalho, e servirem como trampolim para o
acesso aos cursos superiores.
10
A luta dos trabalhadores por uma educação de qualidade sempre se fez
presente no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, na Constituinte, com a
proposta do uso exclusivo dos recursos públicos para a escola pública. Essa luta
também esteve presente na discussão da nova LDB (Lei nº 9.394/1996), na qual a
sociedade sentiu-se derrotada pelo fato de a Educação Tecnológica permanecer
desvinculada do Ensino Básico, e também pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE) tornar-se órgão colaborador do Ministério da Educação.
Com isso foi permitido, ao governo Neoliberal, executar a ampliação da
Rede Privada e a separação do Ensino Técnico da Formação Geral (Decreto nº
2.208/97). Além disso, o Decreto nº 2.208/97 instituiu a escolarização encurtada de
nível superior na Rede Federal: a educação profissional de nível tecnológico
(Tecnólogo). A ideologia Neoliberal da “empregabilidade e do empreendedorismo,
destinada a manter a coesão social em tempo de reestruturação produtiva e de
supressão de direitos do trabalhador” dominou o imaginário social do período (NEVES,
p.61). A resistência da sociedade se deu através do Congresso Nacional da Educação
– CONED – que reuniu profissionais da educação em todos os níveis e modalidades
de ensino, num movimento contra-hegemônico e de repúdio às políticas educacionais
neoliberais.
As investidas da política neoliberal para o Ensino Técnico continuaram,
através do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP), “mediante a
implementação de cursos técnicos concomitantes ao ensino médio e de cursos de
tecnólogos, mais estreitamente voltados para atender às necessidades mais imediatas
do mercado.” (NEVES, p. 64). A teoria do capital humano, e da pedagogia das
competências, fundamentou a política educacional implantada.
Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva consolidou-se um modelo de
democracia da inclusão social. A reforma da educação tecnológica tendeu a “promover
maior articulação da educação profissional e tecnológica com o ensino básico,
recuperando assim o papel coordenador do Estado nesses dois âmbitos da educação
escolar.” (NEVES, p.73). Neste sentido, criou-se o Programa de Integração da
Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (PROEJA) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI).
11
Assim, o Decreto nº 5.154/2004, que orienta a política para Educação
Profissional, no governo Lula, estabelece três modos de articulação entre o Ensino
Médio e a Formação Técnico-profissional: Formação Integral, Concomitante e
Subsequente.
O SINASEFE, nesse contexto que ora se apresenta, alia-se a todos na
preocupação sindical de buscar entender, além de lutar a favor de políticas publicas
que realmente atendam à Educação Profissional que queremos.
Coordenação de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE
Biênio 2009 - 2011
(NEVES, Lúcia Maria Wanderley. O mercado do conhecimento e o conhecimento para o mercado: da
formação para o trabalho complexo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.)
12
CONDIÇÕES DE TRABALHO DO EDUCADOR, PERMANÊNCIA E
SUCESSO ESCOLAR DE ALUNOS SURDOS: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA
Aline Lima da Silveira Lage
Associação dos Servidores do Instituto Nacional de Educação de Surdos
(ASSINES- SSIND)
[email protected]
Este trabalho é um relato que apresenta a minha experiência como docente
no Curso Bilingue de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES
– RJ) e tem como objetivo relacionar as condições de permanência e sucesso
escolar dos alunos surdos com as condições de trabalho dos educadores que
podem evidenciar o nível das políticas públicas para a inclusão. Perseguindo esse
objetivo vou descrever brevemente o curso no qual leciono, algumas questões
relativas à surdez e as estratégias utilizadas, em sala de aula, visando ao
aprendizado. Embora não seja possível esgotar a reflexão, espero contribuir para o
debate do tema.
Desde a graduação em Psicologia, com as leituras da Análise Institucional,
especialmente os debates relativos à educação, passando pela experiência de
trabalho com instituições não governamentais em favelas da cidade do Rio de
Janeiro, observando a participação da comunidade escolar nas estratégias de
implantação de programas curriculares, e até o presente momento como docente do
Curso Bilingue de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES –
RJ) e militante, entendo que é importante dar ênfase aos aspectos políticos
existentes nas práticas sociais, procurando colaborar com a luta por uma sociedade
mais justa e igualitária. A argumentação que tento desenvolver neste relato não é,
portanto, fruto de um comentário individual.
Ingressar no Curso de Pedagogia do INES, em 2007, foi a concretização de
uma intenção: ser professora no ensino superior, intervir na formação de
educadores. Todavia, não tinha noção do desafio que se colocava diante de mim.
Segundo Ciccone (2006), o INES possui o primeiro Curso Bilíngue de
Pedagogia do país. O curso oferece Licenciatura Plena na Educação Infantil, anos
13
iniciais do Ensino Fundamental, incluindo a Educação de Jovens e Adultos e
magistério das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Médio. Os alunos dever ser
também preparados para as funções extraclasses da área pedagógica, como
administração, orientação e supervisão escolar. A Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS) é considerada a língua de instrução do curso, e a Língua Portuguesa, é
disciplina obrigatória na modalidade escrita. No processo seletivo para o ingresso no
referente curso são admitidos candidatos surdos e ouvintes que apresentem
suficiente proficiência em LIBRAS. No ensino superior, diferente do que acontece na
educação básica, a instituição possui intérpretes para o desenvolvimento das
atividades didático-pedagógicas em todas as salas de aula. Espera-se que o curso
possibilite a formação de professores para atuar na rede pública e, dessa forma,
contribuir para a educação dos surdos.
Desde a graduação, conhecia a temática exclusão/inclusão e também estava
familiarizada com a educação especial. No entanto, só depois que comecei a me
preparar para atuar em sala com meus alunos entendi que desconhecia a surdez e
as decorrências da ausência desse sentido.
Os anormais – sejam os loucos, os pobres, os surdos – e todos os que não
condizem com um padrão inventado e hegemônico – ocupam certos lugares nos
seus grupos sociais. Essa denominação genérica, anormais, abriga identidades
flutuantes, processos atrelados às políticas de identidade, atravessados pelas
relações de poder. É crucial entender que “os anormais não são, em si ou
ontologicamente, isso ou aquilo (...) o que interessa é examinar os significados de
anormal a partir dos usos que se faz dessa expressão” (Veiga-Neto, 2001, p. 106).
Os anormais, pretensamente excluídos, participam de maneira importante dos
grupos aos quais pertencem. Acredito que faz parte do trabalho do educador
evidenciar essa invenção.
A noção de inclusão parece denotar o contrário da exclusão. Comumente,
afirma-se a existência de pessoas fora do contexto social que precisam ser
inseridas. Entretanto, interpreto que as propostas de inclusão estão baseadas em
conceitos burgueses como o de cidadania. No curso sobre soberania e disciplina,
Michel Foucault (1979) afirmou que a burguesia não se importa com os anormais
(loucos, delinquentes...), mas com os procedimentos de exclusão dos anormais que
14
evidenciaram e produziram, a partir do século XIX, um lucro político, eventualmente,
alguma utilidade econômica que consolidaram o sistema e fizeram-no funcionar em
conjunto.
Acredito que o debate não deve se limitar à tentativa de perseguir um modo
correto (único) de definir ou compreender o(s) mecanismo(s) que denominamos
exclusão/inclusão, mas compreender seus efeitos na vida das pessoas as quais
esses termos fazem referência. Pensamos ser necessário nos juntar ao debate para
lutar contra a submissão e controle desses sujeitos; considero que a luta é política e
não conceitual. Os debates seguem, mudam-se os programas de educação, os
termos utilizados para se referir aos anormais – deficientes, excepcionais,
portadores de necessidades especiais, pessoas com deficiência – mas os problemas
que os mesmos enfrentam não diminuem. Os alunos não aprendem e tal situação só
reproduz a desigualdade social.
As análises de Lev Vygotsky têm afirmado as minhas opções na formação
que desenvolvo com os alunos surdos, também com os ouvintes. Nessa perspectiva
teórica, comprometer-se com a aprendizagem dos alunos é compreender que essa
apropriação de conhecimentos é necessária para o desenvolvimento do ser social
produtor de conhecimento.
Vygotsky é um dos autores mais comentados na atualidade. Nasceu em
1896, numa família judia, das mais cultas da cidade de Minsk. A partir de 1917,
atuou como professor e pesquisador nas áreas de Psicologia, Pedagogia, Filosofia,
Literatura, deficiência física e mental em diversas instituições de ensino e pesquisa.
Criou um laboratório de Psicologia na escola de formação de professores e
participou da criação do Instituto de Deficiências, em Moscou. Fazia parte de um
grupo de jovens intelectuais da Rússia pós-revolução que trabalhava num clima de
idealismo e efervescência intelectual. Na crença da emergência de uma nova
sociedade, seu objetivo era a busca de uma ligação entre a produção científica e o
regime social recém implantado. Vygotsky e seus colaboradores buscaram uma
nova Psicologia na qual o Homem pudesse ser compreendido enquanto corpo e
mente, como um ser biológico e social, membro de uma espécie humana e
participante de um processo histórico (Oliveira, 1997). Para Vygotsky, os métodos e
os princípios do materialismo dialético seriam a solução dos paradoxos científicos
fundamentais dos seus contemporâneos. Não pretendia descobrir a natureza da
mente citando O Capital, mas aprender a totalidade do método de Marx para
15
abordar o estudo da mente. Todos os fenômenos deveriam ser estudados como
processos em movimento e mudança. No objeto da Psicologia, a tarefa do cientista
seria reconstruir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e da
consciência. Não só todo fenômeno tem sua história, como essa história é
caracterizada por mudanças qualitativas (mudança na forma, estrutura e
características básicas) e quantitativas. Assim, “Na melhor tradição de Marx e
Engels, o mecanismo de mudança individual ao longo do desenvolvimento tem sua
raiz na sociedade e na cultura” (Cole & Scribner, p. XXIII-XXIV, 2007). A partir de
1936, dois anos após sua morte devido à tuberculose, a censura do regime stalinista
proibiu a publicação das suas obras. As mesmas voltaram a ser editadas somente
em 1962, e chegaram ao Brasil, em 1987.
Segundo Vygotsky, o portador de deficiência não é menos desenvolvido que
os não portadores, apenas desenvolvem-se de outra maneira. O significativo não é a
deficiência em si, mas a organização dos sistemas de compensação que
possibilitam ao seu portador a interação com o mundo. O homem transforma-se de
ser biológico em ser sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte
essencial da constituição da natureza humana. A organização das funções
psicológicas superiores tipicamente humanas está baseada na ordenação do real
construída socialmente.
Como mediadora no processo de desenvolvimento humano, a escola deve se
ocupar das interações sociais. Essas constituem o núcleo secundário da deficiência
e substituem, pelas relações sociais, o núcleo primário que são as suas
características biológicas (Monteiro, 1998). Os surdos têm de vencer várias barreiras
nas suas trajetórias de vida. As barreiras linguísticas presentes no seu cotidiano e as
barreiras sociais, decorrentes da forma como os deficientes sensoriais são
percebidos, estão presentes na sala de aula.
Na concepção vygotskiana, o ensino é um processo eminentemente social, e
a aprendizagem por ele favorecido é capaz de suscitar processos evolutivos que são
ativados em situação interpessoal. O desenvolvimento acontece quando a ajuda de
uma
pessoa
contribui
para
que
outra
pessoa
aprenda
(Isaia,
1998).
Desenvolvimento, aprendizagem e ensino são processos sociais imbricados. O
desenvolvimento ocorre por meio da apropriação da experiência sócio-histórica,
enquanto que a aprendizagem constitui o processo através do qual tal apropriação
ocorre, e o ensino é a organização da experiência a ser apropriada (Davídov &
16
Markova, 1987 apud Isaia, 1998). Vygotsky usava o termo russo obuchenie que
significa algo
como “processo
de
ensino-aprendizagem”
para
enfatizar
a
interdependência dos indivíduos envolvidos.
Todavia, precisamos ressaltar também que as ações possíveis ao educador,
como já dito, fundamentais para a interação social e desenvolvimento, estão
diretamente ligadas à estrutura institucional, às suas condições materiais de
realização. Em outras palavras, as condições materiais demonstram como estão
sendo implementadas as políticas de inclusão.
Iniciei o Curso de LIBRAS antes de começar a dar aulas. Constatei que a
primeira dificuldade seria dominar a língua utilizada pelas pessoas surdas que tem
uma estrutura completamente diferente das línguas orais.
Antes do linguista William Stokoe, a língua de sinais era considerada uma
espécie de pantomima ou código gestual (Sacks, 1998). As línguas de sinais
atendem a todos os critérios para seu reconhecimento no campo científico: sintaxe,
léxico, capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças. Os sinais não são
imagens apenas, mas símbolos abstratos e complexos, com estrutura interior
igualmente complexa (Quadros & Karnopp, 2004). Mesmo sem o reconhecimento
científico, antes das pesquisas de Stokoe, as línguas de sinais foram preservadas e
transmitidas através das gerações, em vários países. Mas no Brasil, os surdos
resistiram e lutaram para sinalizar adquirindo a língua de sinais nas associações de
surdos, nas quais as festas, os jogos, os campeonatos foram estratégias de
interação social e linguística (Quadros, 2006). Hoje, há a potencialização dessa
estratégia com o uso do celular e da internet. Em 2002, a Lei 10.436 reconheceu a
Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão, e também
determinou que o poder público devesse providenciar os meios para o uso e a
disseminação da mesma (Gotti, 2006).
A base neuronal da língua de sinais é espaço-visual. Embora haja tendência à
gesticulação e à organização cognitiva com base visual é incorreto afirmar que “o
surdo nasce” sabendo uma língua de sinais; ele deve aprender com seus iguais.
A língua de sinais é o ponto de partida para a introdução da língua falada.
Penetrando numa “corrente de comunicação da língua” (Bakhtin, 1998 apud Freitas,
1998, p. 101) através da linguagem dos sinais a criança adquire a língua do seu país
como se fosse estrangeira. Impor outra linguagem que nada significa é considerado
um erro. A linguagem determina o pensamento, ou seja, o pensamento é
17
determinado “pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência
sócio-cultural da criança” (Vygotsky, 2005, p. 62). Mais do que respeito às
características linguísticas distintas dos ouvintes, afirmar a língua de sinais como L1
significa possibilitar aos surdos o processamento e a produção de conhecimentos.
A proposta do ensino bilíngue no Brasil é muito recente. Essa substituiu o
oralismo como método hegemônico de aquisição linguística e educação geral dos
surdos. O português é considerado uma segunda língua, L2. Essa barreira
linguística é um grande problema na formação. Os alunos surdos têm grande
dificuldade para ler as referências bibliográficas que estão disponíveis no meio
acadêmico.
Neste ponto, considero importante descrever as principais estratégias que
tenho empregado em sala de aula visando interferir na formação/desenvolvimento
dos meus alunos e no meu próprio desenvolvimento. Espero com isso também
evidenciar, ao menos em parte, as condições de trabalho com as quais precisamos
lidar e de que maneira as mesmas podem incidir sobre a permanência e o sucesso
escolar dos alunos surdos.
Fora a recomendação da leitura do livro Vendo vozes: uma viagem ao mundo
dos surdos, de Oliver Sacks (1998) e o início do Curso de LIBRAS, no mesmo nível
que é oferecido à comunidade, não houve uma formação suficiente dos docentes
para iniciar as aulas no ensino superior do INES. Abaixo descrevo as estratégias
que foram organizadas visando à superação das principais dificuldades encontradas.
Procuro selecionar as referências bibliográficas que tenham uma linguagem
mais direta e, preferencialmente, que contenham outros recursos gráficos, o que na
verdade quase não inexiste. As revistas com temas científicos são algo mais
próximo, mas só servem como apoio, anterior ou posterior, à leitura do texto
acadêmico. Há situações nas quais é temerário não ler o próprio autor. No caso das
disciplinas que leciono, considero fundamental ler o próprio Freud, Piaget, Vygotsky,
por exemplo, para a construção de uma leitura crítica acerca dessas referências,
para comparar as análises dos seus comentadores e para refletir sobre a incidência
desses discursos na prática educativa. Mas, antes de lermos tais autores, indico a
leitura dos textos nos quais é possível fazer uma apresentação inicial de suas obras,
do contexto social e das suas intenções de pesquisa.
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Em alguns momentos, consigo me reunir com os alunos surdos para trabalhar
as referências. Para tal, ainda não contamos com ações inerentes ao ensino
superior como, por exemplo, monitoria. Muitos alunos trabalham no turno oposto ao
curso e não tem tempo para se reunir comigo. Eles também precisam ter paciência
com o meu nível de LIBRAS. Com pouco vocabulário e sem conhecer a forma
correta de organizar as frases sinalizadas, escrevo muitas palavras utilizando o
alfabeto. Cansa os olhos dos surdos e às minhas mãos. Exige dos sujeitos
envolvidos um grande esforço na busca de uma formação que não é garantida,
institucionalmente. Os alunos surdos tentam compreender o texto. Eu tento avançar
nos meus conhecimentos em LIBRAS e criar estratégias para expor os conceitos.
A comunicação com os alunos é mais fácil quando o aluno surdo tem boa
fluência em LIBRAS e conhecimento razoável do Português. Alguns alunos
apresentam dificuldades com as duas línguas, com esses é mais difícil a
comunicação e preciso da ajuda do intérprete. Por outro lado, há surdos tão
oralizados que não precisam dessa estratégia. Disso depende a formação escolar
do graduando. Observamos uma grande correlação desse aspecto com as
condições econômicas de sua família. Em geral, os surdos da classe trabalhadora
mais subalternizada enfrentam maiores dificuldades para superar as dificuldades
linguísticas decorrentes da defasagem sensorial porque a família não conta com os
melhores recursos para acompanhar e interferir no seu desenvolvimento. Essa
defasagem só amplia a desigualdade social.
Ainda tentando intervir nas condições de formação dos meus alunos, solicitei
sugestões a uma aluna surda que atua como assistente educacional. Essa
recomendou que cada aula fosse iniciada com a apresentação dos objetivos e um
resumo da aula anterior. Sugeriu também que eu peça aos alunos surdos o resumo
escrito das aulas. Desde então venho realizando isso e percebi que a linha do tempo
é muito importante porque estabelece ligação entre os temas. Não houve uma boa
resposta em relação ao resumo escrito, por enquanto a maioria limita-se ao discurso
sinalizado. Citou a sua própria experiência: por ter de olhar para o intérprete, não
conseguia anotar. Costumava, então, copiar os cadernos dos colegas ouvintes até
perceber que mesmo esses cometiam erros. Com o tempo parou de copiar, mas
percebeu que era importante resumir, com as próprias palavras, as aulas. Sendo
assim, podemos concluir que o professor precisa observar as atitudes dos alunos
surdos. Quando percebo que estão anotando algo relacionado com a aula, procuro
19
interromper, brevemente, minha fala. Utilizo menos o quadro. Minhas aulas estão
organizadas em slides que encaminho por correio eletrônico aos alunos. No entanto,
alerto que as anotações próprias ainda são necessárias.
A realização de trabalhos escritos é outro desafio. Segundo a legislação,
Portaria nº 1.679, 02/12/1999 1 , além da presença de intérpretes de língua de
sinais/língua portuguesa para realização, revisão, complementação da avaliação
expressa em texto escrito (quando não tenha expressado o real conhecimento do
aluno nas provas), deve haver flexibilidade na correção das provas escritas,
valorizando a coesão e coerência do discurso. No Curso Bilíngue de Pedagogia os
alunos surdos podem optar pela prova em LIBRAS. Nesse caso, usamos uma
câmera e, com ajuda do intérprete, os alunos podem desenvolver a prova.
Já recorri a diversos tipos de avaliação, incluindo trabalhos escritos,
apresentação de seminários, debates, provas escritas. A escolha tem relação direta
com a disciplina. Ultimamente, peço que os alunos, surdos e ouvintes, reescrevam
seus trabalhos, refaçam suas provas quando não há clareza suficiente. De maneira
geral, escrever é um exercício delicado, pois alia o nível de apreensão do tema com
a capacidade de esclarecer o pensamento. Julgo que na revisão dos trabalhos os
alunos podem desenvolver a capacidade de escrever e acompanhar melhor sua
evolução.
Dos 16 docentes do Curso Bilingue de Pedagogia, apenas 07 são do quadro
efetivo e realizaram o curso de LIBRAS oferecido pelo Instituto. Apenas uma
docente tem maior conhecimento da língua de sinais, após muitos anos de
experiência no próprio instituto, mas não se considera fluente. Quanto aos docentes
contratados, a maioria não tinha experiência com surdos e nem conheciam língua de
sinais. O tempo do contrato acaba quando os mesmos conseguirem compreender
melhor as necessidades dos alunos.
Em sala de aula atuamos com a ajuda dos intérpretes. O INES conta com 27
intérpretes LIBRAS/Português dos quais 14 estão no ensino superior. As condições
de trabalho desses profissionais são ruins, uma vez que são terceirizados. Apenas
no ensino superior há intérpretes em todas as salas de aula. Para atender
1
Documento que dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências,
para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de
instituições, considerando o disposto na Lei nº 9.131, de 24/11/1995, na Lei nº 9.394, de 20/12/1996,
e no Decreto nº 2.306, de 19/08/1997, e considerando ainda a necessidade de assegurar aos
portadores de deficiência física e sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior, de
mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações das instituições de ensino.
20
adequadamente aos surdos, na sua formação, acredito que é necessário planejar as
aulas com os intérpretes e investir na formação dos mesmos. No momento,
conversamos no corredor, na sala de professores, nas brechas de horário. Na
medida do possível envio com antecedência os textos que serão utilizados na sala
de aula, mas não tenho a expectativa de que possam lê-los. E imagino como seria
ter de ler os textos de todas as disciplinas que interpretam. Se o tradutor é um
traidor, como dizem aqueles que conhecem a etimologia do termo, o que nos trai é a
falta de disponibilidade estrutural. Realizamos o trabalho buscando os meios
pessoais para vencer os obstáculos, e esses não bastam.
Sem poder esgotar possíveis respostas, questiono: como é possível
permanecer em escolas como essas? Se no ensino superior do INES, onde há
intérpretes, recursos tecnológicos, alguns professores que estão mais familiarizados
com a surdez, as dificuldades são imensas, como serão as condições das escolas
regulares nas quais os surdos estão “incluídos”? Que recursos pessoais e
relacionais os surdos precisam acionar para ter sucesso na sua formação? Sucesso
que não se limite à posse de um diploma, mas que signifique a capacidade de
construção ativa de conhecimentos para os quais sua cognição está apta, desde
que, segundo as referências teóricas anteriormente citadas, aconteçam as
interações sociais necessárias.
Observamos que no primeiro período há um número razoável de alunos
surdos. Todavia, à medida que vão avançando os semestres, as turmas ficam
menores e os alunos que mais trancam a matrícula ou evadem o curso são os
surdos. Para permanecer é preciso superar todas aquelas dificuldades enumeradas
anteriormente, fora outras que podem escapar à minha observação. Quem leciona
no nível médio e no nível superior em geral reconhece que seria preciso uma série
de ações para assegurar a permanência dos alunos na escola: tais como garantir o
transporte dos alunos, alimentação, bibliotecas com acervo suficiente, bolsas. É
preciso lembrar sempre as bandeiras de luta do movimento dos profissionais da
educação: educação pública de qualidade e gratuita.
Acredito que não se pode analisar a educação dos surdos sem fazer o recorte
de classe: os surdos pobres enfrentam os maiores desafios. Essas famílias recorrem
ao sistema público de educação e saúde que, conforme sabemos, não lhes
oferecem qualidade e quantidade de serviços que vençam as características
21
biológicas da surdez; que vençam as barreiras sociais impostas aos surdos; que
possibilitem aos surdos seu pleno desenvolvimento.
Podemos considerar que os recursos presentes, atualmente, no ensino
superior, em especial a presença dos intérpretes e os recursos tecnológicos, não
são suficientes para interferir de forma positiva na permanência dos alunos surdos.
É preciso garantir aos educadores, em especial docentes e intérpretes, a formação
continuada no tempo de serviço. Para tal, é preciso criar vagas para todos os
profissionais que lidam com os surdos, incluindo os assistentes educacionais surdos
(que atuam na educação básica). Gostaria de alertar que estou debatendo as
condições de uma escola exclusiva, creio que isso aponta que numa escola regular
as condições podem ser ainda mais complexas. Também denota que parte das
políticas que objetivam a permanência e o sucesso de alunos com deficiência na
escola se relaciona com as condições de trabalho dos educadores.
Quanto ao sucesso dos alunos, o que se pode considerar: o aproveitamento
revertido em nota, o desempenho apresentado na sala de aula como a capacidade
de argumentação, ou a obtenção do diploma? Acredito que não cabe apenas aos
educadores definir o que é ser bem sucedido na escola. Precisamos escutar esses
alunos para entender suas expectativas e avaliar a sua experiência nesse processo.
Argumento com os alunos que os desafios vivenciados na graduação,
possivelmente estarão presentes com a devida contextualização, nos níveis de
ensino para os quais estão sendo formados. Os problemas que os alunos surdos e
ouvintes enfrentam não são pessoais, nem restritos. Os futuros professores ouvintes
e surdos também terão muitas indagações para fazer ao longo de sua atuação
docente. Tento enfatizar as bandeiras de luta da nossa categoria, sublinhado os
aspectos políticos do processo ensino-aprendizagem; que as condições de trabalho
dos educadores influenciam a permanência e o sucesso dos alunos.
O trabalho docente no Curso de Pedagogia me possibilita entender que a
surdez
é
apenas
uma
linha
que
atravessa
os
processos
de
exclusão/subalternização/marginalização social. Procuro manter minha postura de
pesquisadora e militante, problematizando com meus alunos a forma como encaram
sua posição na sociedade.
22
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CICCONE, Maria Marta Costa. Interdisciplinaridade curricular na formação superior
de professores no campo da surdez. In: Congresso Surdez: família, linguagem e
educação. Rio de Janeiro: INES, Divisão de Estudos e Pesquisas, 2006, p. 45-47.
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04 de agosto de 2008.
23
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VYGOTSKY, Lev Semenoviitch. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
24
EVASÃO ESCOLAR NO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA
EM IRRIGAÇÃO E DRENAGEM DO INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ – CAMPUS
DE IGUATU
Raimundo Euzimar de Souza Gomes
[email protected]
Frank Wagner Alves de Carvalho
[email protected]
INTRODUÇÃO
A área profissional do curso é Agropecuária, e está amparado nas
Diretrizes Gerais sobre a Educação Profissional, existentes nos Artigos 39, 40,
41 e 42 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, nº 9.394/96;
sua regulamentação estabelecida pelo Decreto nº 5.154/04; pelo Parecer
CNE/CES nº 1.070/99; pela Portaria MEC nº 1.574/02; pelo Parecer CNE/CES
nº 436/01 e, em especial, pelo Parecer CNE/CEB nº 14/04 e pela Portaria
SETEC nº 522, de 17/11/04, a qual autorizou o funcionamento do curso.
O termo Educação Profissional tem uma história recente na
educação. Ele foi introduzido com a nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996 - Cap. III, Art. 39): A educação
profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência
e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a
vida produtiva.
Em nossa tradição educacional, o vocábulo educação tem um
referente
de
formação
geral
que
tem
como
objetivo
precípuo
o
desenvolvimento humano integral informado por valores éticos, sociais,
políticos, de modo a preservar a dignidade intrínseca do ser humano e a
desenvolver ações na sociedade, com base nos mesmos valores; o que requer
25
uma leitura contextualizada e atualizada do mundo nas suas implicações
econômicas, culturais e científico-tecnológicas.
Por se tratar de uma problemática educacional, faz-se necessária a
definição de educação, que segundo GARCIA (1987) é: A ação e efeito de
educar, de desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais do ser
humano; disciplinamento, instrução, ensino.
Essa amplitude de fins e objetivos de ação difere da tradição da
formação profissional que se prende aos fins e valores do mercado, ao domínio
de métodos e técnicas, aos critérios de produtividade, eficiência e eficácia dos
processos. Impõe ao trabalhador certo número de qualificações e, mais
recentemente, a aquisição de competências laborais.
Quanto ao vocábulo Evasão, segundo o Dicionário Eletrônico
Houaiss da Língua Portuguesa, é escapada, fuga. Portanto, evasão escolar se
configura no empreendimento da fuga do aluno da instituição de ensino.
A evasão é um dos problemas aflitivos das instituições de ensino,
em geral. No ensino superior é um problema internacional que perturba e afeta
o resultado dos sistemas educacionais. As perdas de estudantes que iniciaram,
mas não concluíram seus cursos, se configuram em desperdícios sociais,
econômicos e, principalmente, acadêmicos. A busca minuciosa de suas causas
tem sido objeto de muitos trabalhos e pesquisas educacionais.
Sabe-se que as Instituições de Ensino Superior – IES, além do
objetivo de produzir e disseminar conhecimento cultural, devem empenhar-se
para se ajustarem à realidade do País. Para SOUZA (1991), devem promover
uma melhoria de vida na sociedade brasileira, equipando tecnicamente as
elites profissionais e proporcionando ambiente propício às vocações, cujo
destino, imprescindível à formação da cultura nacional, é o da investigação e
da ciência pura.
Visando ao ingresso no mercado de trabalho, melhor qualificação,
ou simplesmente com o intuito de obter um diploma de nível superior, há uma
crescente procura por cursos superiores. Todavia, muitos desses alunos, pelos
mais diversos motivos, abandonam o curso antes do término. E isso acontece
também com o Curso Superior de Tecnologia em Irrigação e Drenagem do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de
Iguatu.
26
Diante desta séria discussão, este trabalho pretende levantar,
organizar
e
analisar
os
dados
relativos
a
esta
problemática,
e
consequentemente, propor soluções visando à diminuição ou, até mesmo, ao
desaparecimento definitivo deste transtorno educacional vivido não só por esta
Instituição Federal de Ensino, mas por todo o sistema educacional do País.
O Curso Superior de Tecnologia em Irrigação e Drenagem do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de
Iguatu, segundo a sua justificativa, possui a preocupação básica de habilitar
tecnólogos conscientes dos desafios que se apresentam na gestão dos
recursos ambientais, em particular, dos recursos hídricos e, de posse de
conhecimentos
e
de
tecnologias
possam,
de
fato,
redirecionar
o
aproveitamento e controle desses recursos.
O
curso
visa
ainda,
a
instrumentalizar
profissionais
com
conhecimentos e tecnologias que reflitam os avanços da Ciência e da
Tecnologia e possam enfrentar o mercado de trabalho, a partir do domínio de
competências e habilidades voltadas para o desenvolvimento e soluções
aplicadas aos sistemas de irrigação, tanto no que se refere à elaboração de
projetos quanto na execução e no manejo desses sistemas.
Este trabalho científico busca avaliar o índice de Evasão Escolar no
Curso Superior de Tecnologia em Irrigação e Drenagem do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de Iguatu, no período
compreendido entre o primeiro semestre de 2005 e o primeiro semestre de
2008. O interesse desta pesquisa veio a lume pela percepção da ocorrência de
um percentual relevante de desistência e trancamentos de matrículas, além do
fato de existir pouca ou nenhuma informação a respeito da evasão de alunos
deste curso.
REVISÃO DE LITERATURA
Antes de tentar tecer qualquer consideração acerca desta pergunta,
gostaria de fazer alusão a um fato histórico. Durante a colonização americana,
os Estados da Virgínia e de Maryland assinaram um tratado de paz com os
índios das Seis Nações, e ofereceram aos nativos que enviassem alguns
27
jovens para as escolas dos brancos. Percebe-se, de acordo com a carta, que
não há uma linha definida para estabelecer um conceito sobre educação,
sendo algo extremamente relativo, dependendo, dentre outros fatores, da
cultura, do modo de vida do sujeito.
Eis a resposta dos Índios:
... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o
bem para nós e agradecemos de todo o coração.
Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm
concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não
ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a
mesma que a nossa.
...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas
do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles
voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da
floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como
caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a
nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não
serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não
possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos
nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens,
que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles,
homens. (BRANDÃO, 2007, pp. 08-09).
O vocábulo educação, de acordo com BRANDÃO (2007), deriva do
latim
educere,
que
significa
extrair,
tirar,
desenvolver.
Consiste,
essencialmente, na formação do caráter do homem, cujo objetivo é guiá-lo no
desenvolvimento dinâmico, no curso do qual se constituirá como pessoa
humana, dotada das armas do conhecimento, do poder de julgar e das virtudes
morais.
A educação, é inegável, faz parte da vida do ser humano, é uma
verdadeira guia para uma convivência social saudável e o possibilita produzir,
fomentar e disseminar conhecimentos; configura-se, portanto, em um fator
preponderante e imprescindível na formação humana e cidadã da sociedade.
Para SILVA (2005), a educação está situada no coração do desenvolvimento
do ser humano, fazendo frutificar os seus talentos e potencialidades criativas, o
que implica a capacidade de cada um em responsabilizar-se pela realização do
seu projeto pessoal.
Segundo ROMANELLI (2005), a educação para o desenvolvimento,
numa realidade complexa, como é a brasileira, teoricamente não é um conceito
28
fácil de se construir, já que se trata de pensar a educação num contexto
profundamente marcado por desníveis.
De acordo com LIBÂNEO (1994), em sentido amplo, a educação
compreende os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os
indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato
de existirem socialmente; nesse sentido, a prática educativa3 existe numa
grande variedade de instituições e atividades sociais decorrentes da
organização econômica, política e legal de uma sociedade. Em sentido restrito,
a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou não, com
finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente,
deliberada e determinada.
Não se pode, todavia, confundir educação com instrução, ou mesmo
com ensino. O primeiro termo, o qual possui um campo semântico muito vasto,
refere-se, segundo LIBÂNEO (1994), a um processo de desenvolvimento
unilateral da personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas –
físicas, morais, intelectuais, estéticas etc. – tendo em vista a orientação da
atividade humana na sua relação com o meio social, num determinado contexto
de relações sociais. O segundo verbete se refere à formação intelectual,
formação e desenvolvimento das capacidades cognoscitivas mediante o
domínio de certo nível de conhecimentos sistematizados. E, finalmente, a
terceira palavra corresponde a ações, meios e condições para realização da
instrução.
Conforme BRANDÃO (2007), a educação é uma fração do modo de
vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções
de sua cultura, em sua sociedade, e não há uma forma única nem um único
modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez
nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor
profissional não é o seu único praticante. Portanto, pode-se dizer que, a
educação ideal para um, pode não ter nenhum sentido para outrem.
Em qualquer tipo de comunidade humana onde ainda não existe
uma rigorosa divisão social das atividades produtivas entre classes desiguais, e
onde o exercício social do poder ainda não foi centralizado por uma classe
como um Estado, existe a educação sem haver a escola e existe o processo de
29
aprendizagem sem haver o ensino especializado e formal, como um tipo de
prática social separada das outras.
BRANDÃO (2007) enfatiza que a educação da comunidade de iguais
que reproduzia em um momento anterior a igualdade, ou a complementaridade
social, por sobre diferenças naturais, começa a reproduzir desigualdades
sociais por sobre igualdades naturais, começa desde quando aos poucos usa a
escola, os sistemas pedagógicos e as “leis do ensino” para servir ao poder de
uns poucos sobre o trabalho e a vida de muitos. Ou seja, é o Estado
burocrático e o formalismo inflexível prestando um desserviço justamente a
quem mais necessita de seus préstimos – as camadas populares.
Pois é exatamente por meio do que separa e de como separa quem
entra e quem sai das escolas que a educação, absolutamente capitalista,
cumpre a sua (des)função de reproduzir, disseminar e consagrar a
desigualdade entre os homens, afirmando, contudo, que existe como um
instrumento democrático de produção da igualdade social por meio do acesso
ao saber.
A escola primária surge em Atenas, por volta do ano 600 a. C. Só
depois da invenção da escola de primeiras letras é que o seu estudo é, pouco a
pouco, incorporado à educação dos meninos nobres. Desta maneira, surgem
em Atenas, segundo BRANDÃO (2007), escolas de bairro, não raro “lojas de
ensinar”, abertas entre as outras no mercado. Ali um humilde mestre-escola,
“reduzido pela miséria a ensinar”, leciona as primeiras letras e contas.
Já o menino escravo, que aprende com o trabalho a que o obrigam,
não chega sequer a essa escola. O menino livre e plebeu, em geral, pára nela.
O menino livre e nobre passa por ela depressa em direção aos lugares e aos
graus onde a educação grega forma de fato o seu modelo de “adulto educado”.
Para melhor visualisação da discriminação presente já naquela
época, transcrevo uma citação do legislador grego Sólon:
As crianças devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler; em
seguida, os pobres devem exercitar-se na agricultura ou em uma
indústria qualquer, ao passo que os ricos devem-se preocupar com a
música e a equitação, e entregar-se à filosofia, à caça e à freqüência
aos ginásios. (BRANDÃO, 2007, 40).
30
Esta concepção foi ácida e, ironicamente, criticada por Xenofonte,
historiador, poeta e filósofo grego, quase dois séculos depois, quando
expressou que só os que podem criar os seus filhos para não fazerem nada é
que os enviam à escola; os que não podem, não enviam. Desta maneira, o
historiador reduzia a importância da escola a coisa nenhuma.
De acordo com DEOLORS apud KRAEMER (2005), a educação
desenvolve e forma a personalidade humana atuando em todos os aspectos,
começando na família, continuando na escola, e se prolongando por toda
existência. Ela forja no homem a capacidade crítica, permitindo o livre
pensamento e uma ação autônoma.
Pode-se inferir, portanto, que a educação é o princípio por meio do
qual a sociedade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e
espiritual. Para JAEGER (1995), a natureza do homem cria condições
especiais para a manutenção e transmissão da sua forma particular e exige
organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais é dado o nome de
educação.
É razoável dizer que a essência da educação consiste na
modelagem dos homens pelas diretrizes da comunidade. Então, por ser a
educação um contínuo processo de aprendizagem, independentemente de se
levar em conta o caráter temporal ou espacial, o homem não pára e está
sempre em busca de conhecimento, inovação e transformação, visando
sempre
a
uma
troca
de
conhecimento
“aprendizagem-ensinamento-e-aprendizagem”.
numa
ação
Assim,
continuada
de
conforme
CUNNINGHAM (1975) apud FREIRE (2001), a educação aparece sempre que
há relações entre pessoas e intenções de ensinar-e-aprender.
Ainda segundo ROMANELLI (2005), a necessidade e a conveniência
de manter as diferenças de níveis sociais, tiveram, desde a época da
colonização brasileira, na educação escolar, um instrumento de reforço das
desigualdades. Nesse sentido, a função da escola foi a de ajudar a manter
privilégios de classes, o status quo, apresentando ela mesma como uma forma
de privilégio, altamente discriminatória, quando se utilizou de mecanismos de
seleção escolar e de um conteúdo cultural que não foi capaz de propiciar às
diversas camadas sociais sequer uma preparação eficaz para o trabalho. Ao
mesmo tempo que ela deu à camada dominante a oportunidade de se “ilustrar”,
31
exibindo seu conhecimento acadêmico com alarde e pompa, manteve-se
insuficiente e precária, em todos os seus níveis, atingindo apenas uma minoria
que nela procurava uma forma de conquistar ou manter status. Já no nível da
escola superior, ocorre a predominância de instituições que preparavam para
as carreiras liberais.
Diante desse pensamento, pode-se concluir que a escola concorre
para que apenas as classes privilegiadas, as únicas em condições de consumir
todo o conteúdo, verdadeiro símbolo de poder e instrumento de dominação,
mantenham o monopólio da cultura letrada.
A esses espíritos ociosos interessava muito esse tipo de educação
implantada pelos Jesuítas, cujo objetivo principal era cultivar com dedicação
“as coisas do espírito”, ou seja, uma educação literária, humanista e livresca,
que objetivava apenas dar um brilho de celebridade à inteligência, que
correspondia fielmente aos ideais do homem culto europeu, não perturbava a
estrutura vigente, mantendo-se totalmente alheia a aspectos políticos, e
deixando à margem o ensino técnico, que ainda hoje, apesar de avanços
consideráveis, recebe altas cargas de segregação, de discriminação, pois o
trabalho manual sempre foi considerado degradante, indigno, invariavelmente
preterido, em prol da produção intelectual e científica. Sendo justumente por
isso que as escolas técnicas são direcionadas para os filhos das classes
populares, e não das elites.
Para FREIRE (1981), essa imitação servil de outras culturas produz
uma sociedade alienada, sem consciência de seu próprio existir, pois olha para
o mundo com olhos alheios, uma vez que, quando o ser humano, de maneira
subserviente, pretende imitar a outrem, já não é ele mesmo. Contudo, finaliza o
autor: o erro não está na imitação, mas na passividade com que se recebe a
imitação ou na ausência de análise ou de autocrítica, pois é preciso partirmos
de nossas possibilidades para sermos nós mesmos; também não se pode
esquecer do nosso passado colonial que criou a ordem social escravocrata e
estigmatizou as profissões técnicas e o trabalho manual, então reservados aos
escravos.
Na visão de FREIRE (1996), a educação é um conjunto
humanizador de forças cujo alvo é a liberdade individual e a transformação
social, que possibilitam uma intervenção no mundo. No entanto, é preciso
32
deixar claro que essa intervenção pode ser positiva ou negativa, pode ser
esclarecedora ou ocultadora, pode ser libertadora ou imobilizadora. Para o
autor, é por meio da educação, especificidade humana, que se pode contestar
a reprodução da ideologia dominante.
EVASÃO ESCOLAR
Evasão escolar é o desligamento do aluno de sua instituição de
ensino, e se constitui em uma preocupante realidade enfrentada pelo sistema
educacional. Deve ser levada muito a sério, pois representa um forte fator de
desequilíbrio da educação escolar. É preciso que as instituições de ensino
saibam não só atrair o alunado, mas também motivá-lo a estudar e a
permanecer na escola.
Segundo VASCONCELOS & BRITO apud FREIRE (2006,109-110),
evasão escolar é:
um eufemismo que imputa ao estudante uma responsabilidade que
não é sua. O que há é uma escola que não atende a uma faixa da
população, que não atinge as diferentes classes sociais, prevendo
diferentes formas de aprendizado, ou seja, o que existe é uma
educação feita por uma elite, para essa mesma elite. O aluno que
não se encaixar nos parâmetros “desejáveis” terá dificuldade de
assimilar os conteúdos estabelecidos, muito distantes que são da sua
realidade. Para evitar a evasão é necessário entender a realidade
circundante, promovendo uma aprendizagem a partir dessa realidade.
Para mim, o problema não é evasão, é expulsão. As escolas
expulsam muito mais do que delas se evadem os alunos. Esse é um
problema que tem de ser discutido, criticado, analisado. Em um
determinado momento o adolescente descobre - e descobre
sofridamente - que a escola não bate com as dúvidas dele, que a
escola não corresponde às suas ansiedades. E, tanto quanto ele
possa, o adolescente deixa a escola. No fundo a escola não se tornou
capaz de evitar que o adolescente não encontrasse nada, nenhum
sentido nela.
Muitas vezes, no entanto, não se pode colocar a culpa totalmente
nas instituições de ensino, uma vez que se trata, a meu ver, de uma
problemática bem mais ampla e que merece ainda estudos mais detalhados.
33
Trata-se de um problema crônico em todo o Brasil, sendo muitas
vezes tolerada por algumas instituições de ensino, que chegam ao absurdo de
admitir a matrícula de um número mais elevado de alunos por turma do que o
necessário, pois já prevêem a evasão.
Para BRUNO & ABREU (2006), quando um aluno abandona a
escola, a escola já o abandonou há tempos. O fracasso já foi produzido e
nesse momento – o da evasão – já se cristalizou e se desdobrou, ou seja, as
autoras não levam em conta os fatores externos à escola.
O fracasso escolar, para CARVALHO (1997), alimenta a exclusão
social e é alimentado por ela. Verifica-se, portanto, uma reciprocidade das
implicações entre as estruturas internas e externas à escola no que se refere à
produção e à legitimação dessa cultura da evasão escolar.
Compreender o fracasso escolar, para ARROYO (1991,17), é:
Compreendê-lo como parte da estrutura social e política de um
sistema que reforça e legitima uma sociedade seletiva, desigual e
excludente. E o sistema escolar não é diferente. Está estruturado
para excluir, materializando uma cultura em relação ao fracasso que
por sua força e persistência desafia os esforços de educadores,
mesmo os mais progressistas.
Diante dessas observações e conclusões, faz-se necessária uma
urgente mobilização da comunidade escolar, e da sociedade em geral, no
sentido de conscientizar e sensibilizar a todos – professores, alunos, pais,
diretores de instituições de ensino etc. a respeito dessa problemática
educacional.
É preciso combater de todas as formas a evasão escolar, e para
isso, o primeiro passo é garantir uma educação de qualidade desde o ensino
fundamental, valorizando os professores e oferecendo especial atenção
àqueles alunos que se mostram menos afeitos ao curso, ou a determinados
componentes curriculares.
Sobre a valorização docente, FREIRE (2006) enfatiza que os
professores precisam ser respeitados, terem o seu trabalho reconhecido e
valorizado, pagos com decência, chamados à discussão de seus problemas e
das situações que afligem o país, embutidos na problemática educacional. Não
34
podem ser diminuídos, desconsiderados, responsabilizados pelas fundas
lacunas de sua formação.
Em trabalhos produzidos por BRANDÃO et al. (1983), são
apresentados os resultados de uma pesquisa elaborada e desenvolvida pelo
Programa de Estudos Conjuntos de Integração Econômica da América Latina
(ECIEL), o qual se baseou em uma amostra de cinco países latino-americanos,
e concluiu que o fator mais importante para compreender os determinantes do
rendimento escolar é a família do aluno, sendo que, quanto mais elevado o
nível da escolaridade da mãe, mais tempo o aluno permanece na escola e
maior é o seu rendimento.
Perante essa verificação, pode-se estabelecer que a família é um
dos principais determinantes do fracasso escolar do aluno, seja pelas suas
condições de vida, seja por não acompanhá-lo e orientá-lo em suas atividades
escolares.
METODOLOGIA
Para atingir os objetivos definidos foi utilizada a estratégia de
pesquisa documental, que teve por base as informações contidas nos diários
de classe dos professores e nas fichas de inscrições dos alunos. Após o
levantamento dos dados e conclusão da entrevista foram gerados gráficos
informativos dos principais aspectos contidos na quesitação apresentada aos
sujeitos da pesquisa.
O horizonte temporal para a realização da pesquisa foi fixado desde
a turma inicial – primeiro semestre de 2005 – até a turma do primeiro semestre
de 2008.
Para a conclusão dos trabalhos foi feita uma análise qualitativa e
estatística dos principais dados levantados, utilizando-se o programa Microsoft
Office Excel e as equações explicitadas abaixo.
Após a tabulação dos resultados, foram construídas tabelas
interpretativas e realizada análise estatística dos principais indicadores.
Para determinação dos percentuais, de acordo com MARTINS
(2001), foram utilizadas as equações abaixo:
35
X′= X ±i⋅ X
Onde:
X ′ = novo valor;
X = valor anterior;
i = taxa percentual.
⎛ f ⎞
X % = ⎜ i ⎟ x100
⎜∑ f ⎟
i ⎠
⎝
Onde:
f i = valor particularizado;
∑f
i
= soma total dos valores
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em relação à quesitação efetuada, os resultados obtidos passam a
ser analisados de acordo com a divisão com que estão alocadas no
instrumento aplicado. A primeira pergunta é referente à procedência geográfica
do estudante. Os resultados obtidos para a amostra considerada – (13 alunos –
de um total de 34), indicaram que o percentual de estudantes oriundos de
Iguatu – CE, que ingressaram no Curso de Tecnologia de Irrigação e
Drenagem, abandonando-o após algum tempo, foi de 76% - (10 alunos). Isso
deixa claro que a grande maioria dos estudantes que ingressa no curso
superior do IFCE – campus de Iguatu é proveniente do próprio município. Os
demais 24% são procedentes de municípios da região Centro-Sul do Estado.
Esses resultados podem estar refletindo também o fato de que, sendo Iguatu,
município pólo da região, e contar com muitos cursos superiores, os estudantes
da cidade sentem-se motivados a dar continuidade à sua formação acadêmica,
36
e assim, estarem mais predispostos a ingressarem no ensino superior.
Os resultados obtidos para a faixa etária dos estudantes que
ingressam no curso nos evidenciam uma completa heterogeneidade de faixa
etária dos alunos evadidos. Percebeu-se que a faixa de idade dos evadidos
varia de 16 a 40 anos. Apenas 4 alunos – (cerca de 30%) – estão dentro da
interface considerada comum – (de 16 a 19 anos). O restante – cerca de 70% possui idade que varia de 22 a 40 anos, ou seja, fora da idade considerada
normal para o acesso ao nível superior. Os resultados sugerem que a maioria
dos estudantes que ingressa no curso já concluiu o ensino médio há algum
tempo, inclusive segundo o relato de alguns professores do curso, os
estudantes fazem esta observação quando sentem dificuldade na realização de
algumas atividades de sala de aula.
Outra possibilidade para explicar o fato da faixa etária mais elevada
é a possível necessidade de que esses estudantes tenham ingressado em
alguma atividade de trabalho (de natureza provisória) e que depois tenham
ficado sem a atividade. O item 06 (quais as razões que o levaram a desistir do
curso?) corrobora esta possibilidade, já que 54% disseram ter abandonado o
curso por motivos de ingresso no mercado de trabalho.
Para a indagação sobre a renda familiar do estudante (fator de
fundamental importância para a estabilidade do aluno no que diz respeito à
permanência na Instituição), as respostas mostraram que 38% (5 alunos)
pertencem a famílias que ganham entre 2 a 3 salários mínimos, 23% (3 alunos)
fazem parte de famílias que recebem mensalmente entre 3 a 4 salários
mínimos, outros 23% (3 alunos) se enquadram em famílias que têm um
rendimento melhor, pois percebem mais de 5 salários mínimos por mês. Foi
revelado que apenas 16% pertencem a famílias que têm rendimento entre 1 e 2
salários mínimos.
Observa-se que, como poderia se previr, o menor contingente
enquadra-se na renda mais baixa, haja vista que, na grande maioria dos casos,
as pessoas que pertencem aos níveis de renda mais baixos direcionam suas
atividades para o mercado de trabalho, pois de outra forma seria muito difícil
conseguir manter-se (e em muitos casos, as suas famílias, pois alguns
estudantes são casados). Pode-se observar pelas respostas obtidas que as
razões de ingresso no curso são extremamente variadas.
37
Não se observou uma padronização nos argumentos relatados para
justificar a razão de começar o Curso de Tecnologia de Irrigação e Drenagem,
flutuando desde a influência da família e amigos, até ser o vestibular do IFCE –
campus de Iguatu a única opção para cursar a educação superior. Isso sugere
não haver, por parte de uma parcela dos candidatos, uma consciência mais
assentada sobre a escolha do curso, o que pode provocar, em médio e longo
prazos, o abandono dos estudos. Outras respostas que chamam a atenção é
que uma parte dos estudantes que desistiu do curso após certo tempo,
declarou possuir afinidade com a área em que o curso está inserido. Aqui se
coloca, possivelmente, o fato de que razões de outra ordem, além da escolha
não-consciente, podem estar afetando o comportamento do estudante.
De acordo com as respostas coletadas, a evasão desses alunos não
se deveu às condições do mercado de trabalho, pois 61% (8 alunos)
consideram que o nível de oportunidades de emprego nessa área está entre
bom ou ótimo. 39% (5 alunos) consideram que falta incentivo por parte das
autoridades governamentais.
Este quesito retrata bem as prováveis causas das evasões do curso
superior em Tecnologia em Irrigação e Drenagem do IFCE – campus de Iguatu.
Foi constatado que 8% (1 aluno) desistiram devido à dificuldade financeira de
se locomover, uma vez que reside em outra cidade. A causa de desistência de
15% (2 alunos) foi a imensa quantidade de cálculos que as disciplinas do curso
possuem. 23% (3 alunos) disseram ter sido aprovados em outro vestibular. O
ponto que mais chama a atenção é o abandono do curso por motivo de
consecução de um emprego, pois 54% (7 alunos) apontaram esta a razão da
sua desistência.
Percebe-se que os alunos não têm uma visão ampla de futuro, visto
que trocam um curso superior, que num período de médio prazo poderia lhes
render um emprego, financeiramente mais satisfatório, por empregos não
qualificados, sem nenhum vínculo ou garantia e de poucos rendimentos, já que,
conforme as respostas apuradas no item 10, todos afirmaram receber apenas
um salário mínimo.
No que diz respeito à hipótese de retomar o curso superior no IFCE
– campus de Iguatu, uma parcela considerável, equivalente a 61% (8 alunos),
afirmou que pretende reiniciá-lo. Em contraposição, 39% (5 alunos)
38
descartaram essa possibilidade. Isso confirma e evidencia que a maior parte
abandonou o curso devido a questões totalmente extrínsecas à Instituição,
inclusive
com
razões
ligadas
à
estruturação
macroeconômica
e
microeconômica do País, pois quando se considera a desistência por conta de
ingresso no mercado de trabalho, fica implícito que o imediatismo e a incerteza
quanto ao futuro agem de forma muito mais significativa do que qualquer forma
que a Instituição adotasse para demover o estudante de sua opção de
abandono.
As respostas sobre se os desistentes pretenderiam continuar sua
formação em nível superior (em outra instituição), obteve-se 100% de
respostas afirmando que sim. Isso apenas reflete a tendência de se considerar
a educação superior formal como um fim em si mesmo, refletindo a elevada
elasticidade – renda da demanda (ξR) por este tipo de educação, sendo
classificada ou como bem superior ou como bem normal.
O fato de o curso ter uma afinidade muito estreita com a área de
exatas (matemática, física, geometria, topografia, estatística, entre outras), que
lhe confere uma grande quantidade de disciplinas com forte ênfase em
cálculos, a necessidade de ingresso no mercado de trabalho (fator fortemente
apontado pelos sujeitos da pesquisa), e a situação dos que buscam ingresso
em outras carreiras (até por conta de que projetam ganhos futuros maiores,
como é o caso dos estudantes que desistiram para ingressar no Curso de
Direito), todos estes fatores juntos expressam uma força explicativa muito
grande para os resultados obtidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste trabalho, os resultados permitem concluir que a
grande maioria dos alunos que evadem o Curso de Tecnologia de Irrigação e
Drenagem do IFCE – campus de Iguatu é oriunda do próprio município de
Iguatu – CE, sendo a faixa etária desses alunos bastante elástica, variando de
16 (dezesseis) a 40 (quarenta) anos; a maior parcela desses estudantes
pertence a famílias que têm rendimentos de 2 (dois) a 3 (três) salários
mínimos, ou seja, não se encontram na base, tampouco no topo da pirâmide,
39
pois famílias com rendimentos menores que esses, geralmente direcionam
seus filhos para atividades laborais, na maioria das vezes agrícolas, o que
sugere que a educação profissional, considerando-se a sua elasticidade-renda
da demanda para essas famílias, seria classificada como bem superior.
Todavia, famílias com altos rendimentos costumam encaminhar seus
descendentes para escolas que possuem um total direcionamento para o
vestibular, o que sugere uma elasticidade-renda da demanda para educação
profissional classificada como bem inferior.
Em relação às causas que levaram os estudantes a escolher o
Curso de Tecnologia em Irrigação e Drenagem, os resultados apontaram para
uma não-padronização das razões, sendo que vão desde influências familiares
e de amigos, até ser o IFCE – campus de Iguatu a única opção que dispõem
para cursar a educação de nível superior. Isso sugere que não há uma
consciência definida quando do ingresso desses estudantes no curso.
No que tange, especificamente à evasão escolar, os resultados
obtidos neste trabalho por meio da pesquisa parecem contrariar a maior
parcela dos estudiosos sobre este tema, uma vez que as causas da evasão
mencionadas pelos ex-alunos sugerem justificativas extra-escola, além do fato
de um grande número de alunos evadidos considerar a hipótese de retomar o
curso.
Apesar de os fatores de evasão apontarem, teoricamente, para
causas externas à escola, os resultados não deixam de inquietar, pois se
apresentaram com índices muito elevados para os padrões normais de evasão.
Esses resultados mostram que se torna necessária uma avaliação urgente dos
setores vinculados à esfera pedagógica do campus de Iguatu no sentido de
buscar alternativas para, se não zerar, pelo menos trazer para níveis mais
aceitáveis os indicadores em análise.
40
REFERÊNCIAS
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3 ed. – Coleções polêmicas do nosso tempo. São Paulo: Cortez, 1991.
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diretrizes
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nacional
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nossos dias. 4 ed. São Paulo: Cortez, 1995.
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WIKIPÉDIA,
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2008.
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<http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia>. Acesso em 25.06.2008.
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OFERTA E DEMANDA POR EDUCAÇÃO NOS INSTITUTOS FEDERAIS
DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: O CASO DO IF DO CEARÁ
– CAMPUS DE IGUATU
Frank Wagner Alves de Carvalho
[email protected]
Ahmad Saeed Khan
Lúcia Maria Ramos Silva
INTRODUÇÃO
Os índices de desenvolvimento humano, dos diversos países, indicam o nível
de discrepância entre as condições de bem-estar das populações dos países
desenvolvidos e a dos países em desenvolvimento. De acordo com BECKER (1990), o
processo de crescimento de um país está diretamente relacionado ao nível de
investimentos feitos em capital humano.
Dentre as regiões brasileiras, o Nordeste é a que apresenta o maior índice de
analfabetismo (28,7%), o que é consistente com o menor desenvolvimento desta região
em relação às demais. As estatísticas mostram, ainda, que o Estado do Ceará tem
36,5% de analfabetismo na faixa de 07 a 14 anos e 31,5% entre as pessoas com mais
de 15 anos. Estes dados demonstram a necessidade de investimentos neste setor e
incentivos para a população, especialmente a de mais baixa renda, e a residente no
setor rural que, em geral, tem maior dificuldade de acesso à escola.
São conhecidas as dificuldades de muitos jovens, residentes nos diversos
municípios do país e em áreas rurais, de continuarem seus estudos após a conclusão
do 1o grau, equivalente, atualmente, ao Ensino Fundamental, de acordo com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei No 9394/96); os principais empecilhos são:
necessidade de trabalhar, falta de escolas do 2o grau, equivalente ao Ensino Médio, e a
falta de recursos para se manter estudando em outras localidades.
43
Considera-se, portanto, a relevância desta Instituição, o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE, para o município de Iguatu e para o
Estado do Ceará, tendo em vista a grande vocação agropecuária dos mesmos e a
contribuição que a referida Escola tem dado às comunidades inseridas dentro de sua
área de abrangência.
Pretende-se, neste estudo, identificar e analisar a oferta e a demanda por
educação técnica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará –
campus de Iguatu.
MATERIAIS E MÉTODOS
Um projeto de investimento de capital é qualquer ação produtiva, de vida
limitada, que implique a imobilização de alguns recursos financeiros, na forma de bens
de produção, em determinado momento, na expectativa de gerar recursos (futuros)
oriundos da produção (NORONHA e DUARTE, 1995).
No processo de avaliação, consideram-se os fluxos de receitas e de custos,
que ocorrem ao longo de um horizonte pré-definido de tempo. O confronto entre dois
fluxos possibilita a determinação dos retornos aos investimentos (SOARES, 1999) e
(SINGH, 1989).
De acordo, BECKER (1964), os ganhos de todo o tempo de vida de um
indivíduo podem ser interpretados como uma série de retornos ao investimento feito em
sua educação formal.
Se o valor da educação técnica de um indivíduo (V) é igual ao fluxo descontado
de benefícios que ele espera de sua vida de trabalho, pode-se calculá-lo pela fórmula:
n
V = ∑ Yt /(1 + r ) t
t =1
Onde:
V = valor da educação técnica;
Yt = ganhos esperados no ano t;
44
n = número de anos de vida de um indivíduo em que ele pode ganhar dinheiro,
inclusive anos gastos na escola de técnica;
r = taxa de desconto. Pressupõe-se, por simplicidade, que r permanece a mesma a
cada ano.
O valor presente do custo privado da educação técnica (C) será:
n
C = ∑ (C t ) /(1 + r ) t
t =1
Onde:
Ct = custos para incrementar as atividades de capital humano no ano t.
O valor presente líquido dos ganhos (Vn), provocado pela educação técnica,
pode ser considerado como o valor presente de um fluxo de diferenças entre os ganhos
brutos e os custos, em cada ano, a ela associados. Então, o valor presente da
sequência de ganhos líquidos resultantes da educação técnica será dado por:
n
Vn = ∑ ( Yt − C t ) /(1 + r ) t
t =1
Ou ainda:
n
Vn = Z = ∑ ( Z t ) /(1 + r ) t
t =1
Onde:
Z t = (Y t - C t)
Se X for o ganho líquido no tempo t, associado a outra atividade, por exemplo,
aquela na qual um indivíduo, com ensino fundamental completo, ingresse na força
de trabalho em vez de seguir um curso técnico, o valor presente do fluxo de ganhos
líquidos (X ), associados a esta atividade, seria:
45
n
X = ∑ (X t ) /(1 + r ) t
t =1
O valor presente dos ganhos (G) provocados pela educação técnica, em
relação àqueles associados com (X), pode ser calculado como:
G=Z-X
Onde:
n
n
t =1
t =1
G = ∑ ( Z t ) /(1 + r ) t − ∑ ( X t ) /(1 + r ) t
Os benefícios privados da educação técnica são compostos de:
-
Benefícios Monetários – os ganhos adicionais por toda a vida tornados
possíveis pela educação técnica;
-
Benefícios Psicológicos – adicional de ganhos através do acréscimo de
conhecimentos, alargamento das oportunidades de trabalho, prestígio e outras
vantagens sociais e culturais advindas da educação técnica.
Da mesma forma, os custos privados da educação técnica podem ser
decompostos em vários componentes:
-
Despesas institucionais diretas tais como taxas, compra de livros e outros
materiais, bem como quaisquer custos adicionais associados à educação técnica.
Estes custos diretos são influenciados pelo método através do qual eles são
financiados. Ajuda financeira na forma de bolsas escolares ou doações servem para
reduzir os gastos educacionais de um indivíduo, aumentando, desse modo, o retorno
líquido esperado à educação técnica;
-
Custo de Oportunidades – qualquer renda adicional que o indivíduo
poderia ter ganhado se ele não estivesse na escola técnica;
-
Custos Psicológicos – o aborrecimento e tensão em virtude dos estudos,
exames etc., por exemplo, dependem do local, tipo e qualidade da instituição de ensino
técnico e da tendência ou vocação do indivíduo para os estudos desse nível.
46
Um indivíduo, com ensino fundamental completo, toma sua decisão de
ingressar numa escola técnica baseado nos benefícios e custos esperados a ela
associados. Para um dado conjunto de custos e benefícios haverá uma taxa implícita
de retorno. A taxa de retorno é definida como a taxa de desconto que faz o valor
presente dos ganhos (G) igual a zero, e pode ser calculada como:
n
n
t =1
t =1
∑ ( Z t ) /(1 + m) t − ∑ (X t ) /(1 + m) t = 0
Onde:
m = taxa interna de retorno.
A lei da demanda aplica-se a todos os bens superiores e normais. A menos
que a educação técnica seja um bem de Giffen, um aumento nos custos (preços) da
educação técnica diminuirá o número demandado de inscrições para matrícula nos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
A FUNÇÃO DA DEMANDA
Uma representação formal da demanda por educação técnica, que inclui os
aspectos de investimento e de consumo, é dada pela seguinte equação:
Q t = f (Pt , Xt1, Xt2 , Xt3, Xt4)
Onde:
Q t = número de indivíduos que ingressam no campus de Iguatu, no ano t;
Pt
= taxa paga pelo estudante no ano t, expressa em R$;
Xt1 = salário mínimo, média anual, em R$ no ano t, usado como “Proxy” para os ganhos
futuros do estudante com educação técnica, em virtude dos ganhos (piso
salarial) serem indexados à quantidade de salários mínimos;
Xt2 = população do município de Iguatu no ano t, usada como “Proxy” para o número de
candidatos potenciais aos cursos do campus;
47
Xt3 = PIB do Estado do Ceará no ano t, em R$, usada como “Proxy” para renda das
famílias dos potenciais candidatos a ingressar no campus de Iguatu;
Xt4 = número Institutos Federais no ano t.
A FUNÇÃO OFERTA
De acordo com a Teoria da Oferta, o número de vagas oferecidas para
matrículas por um campus deveria estar positivamente relacionado à taxa (preço) paga
pelos estudantes, recursos financeiros recebidos pela instituição e número de docentes
contratados pela instituição.
Uma apresentação formal da oferta do número de vagas é dada pela seguinte
equação:
Q t = f (Pt, Xt5 , Xt6 , Xt7)
Onde:
Q t e Pt = são definidos como anteriormente;
Xt5 = orçamento campus de Iguatu, em R$, no ano t;
Xt6 = número de docentes do campus de Iguatu, no ano t;
Xt7 = tendência.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados da equação estrutural de demanda por educação técnica, no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus de Iguatu
encontram-se na TABELA 1.
48
TABELA 1 – Equação selecionada para estimativa da relação estrutural de demanda
por educação técnica no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará – campus de Iguatu, 1986 – 1998
Variáveis
Coeficie
Desvio
ntes
Padrão
-
244,043
-4,368
0,003
Interseção
Estatística t
Valor – P
Elasticidad
es
-
Pt
1066,12
0,129
-1,758
0,122
-
Xt1
8
0,254
2,525
0,039
0,176
0,003
4,933
0,001
0,397
3,4E-9
-2,547
0,038
7,640
2,896
-0,404
0,698
-0,520
Xt2
-
Xt3
0,227*
Xt4
R2: 0,846
0,644**
-0,260
F de Snedecor: 0,009
Pesaran & Pesaran: 0,017**
0,140
-
Teste de Godfrey: - 8,6E9**
0,456
-1,171
FONTE: Resultados da pesquisa
* O coeficiente é maior que o seu desvio padrão;
** O coeficiente é pelo menos duas vezes o seu desvio padrão.
Os coeficientes na equação de demanda (Tabela 1) apresentaram os sinais
consistentes com a teoria econômica, à exceção da variável explicativa produto interno
bruto do Estado do Ceará (Xt3), que teve relação negativa com a variável dependente.
O variável produto interno bruto foi usado como “Proxy” para renda das famílias
dos candidatos potenciais à educação técnica. O sinal do coeficiente pode estar sendo
afetado pelo método de cálculo do PIB do Estado do Ceará, que variou muito, ao longo
do
tempo,
e
apresenta
distorções
em
seu
valor
real,
não
representando
adequadamente o poder aquisitivo (renda) das famílias dos candidatos aspirantes,
superestimando-a. Pode-se considerar também que uma renda mais alta levaria as
famílias a preferir matricular os filhos numa escola com ensino propedêutico, nãotécnico.
49
Com relação à significância dos parâmetros, quase todos foram significantes,
exceto o variável número de Institutos Federais (Xt4), cujo coeficiente não foi
significativo. Esta não significância do parâmetro pode estar condicionada ao fato de
que a distância entre elas, em alguns casos, é grande, o que provocou uma ação
diluída do fator. O poder explicativo da regressão foi elevado, pois o coeficiente de
determinação múltipla foi igual a 0,846.
O coeficiente de elasticidade-preço da demanda de vagas no campus de Iguatu
foi de –0, 176, indicam uma acentuada inelasticidade da demanda de vagas.
ANÁLISE DA EQUAÇÃO ESTRUTURAL DE OFERTA
TABELA 2 – Equação selecionada para estimativa da relação estrutural de oferta de
educação técnica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Ceará – campus de Iguatu, 1986 – 1998
Variáveis
Interseção
Coeficient Desvio
Estatística Valor – P
Elasticidad
es
Padrão
t
es
-86,303
98,201
-0,878
0,405
-
0,110
-4,129
0,003
-0,356
2,8E-6
2,954
0,018
0,270
0,925
0,912
0,388
0,140
1,372
1,991
0,081
1,432
Pt
-
Xt5
0457**
Xt6
8,4E-
Xt7
6**
R2: 0,767
F
de
0,844
Snedecor:
2,732*
0,011
Pesaran & Pesaran:
0,933
Teste de Godfrey: 0,247
FONTE: Resultados da pesquisa
* O coeficiente é maior que o seu desvio padrão;
** O coeficiente é pelo menos duas vezes maior que o seu desvio padrão.
50
Todas as variáveis exógenas incluídas na equação estrutural de oferta, com
exceção da variável número de docentes, apresentaram-se significativas, ou seja,
tiveram o valor absoluto de seus coeficientes maiores que seus respectivos desviospadrão. Em relação aos sinais dos coeficientes da equação estrutural de oferta, com
exceção da variável Pt, que se apresentou negativa quando o normal seria que se
apresentasse positiva, todos estão coerentes com a teoria econômica.
O sinal negativo associado à variável Pt mostra que a taxa cobrada na série
histórica considerada (1986-98) não representa o valor da educação do estudante,
porque no campus de Iguatu o estudante interno, além da educação, tem à disposição,
entre outros benefícios, alimentação e alojamento. Depreende-se, então, que o valor
cobrado representa um preço negativo, por não incluir todos os valores que
representam o custo da educação.
O coeficiente de determinação múltipla (R2) apresentou valor 0,767, o qual
pode ser considerado satisfatório. O coeficiente de elasticidade-orçamento de oferta de
vagas indica que um aumento de 100% no orçamento do campus de Iguatu, provoca
um acréscimo de 27% na quantidade ofertada de vagas. Isto sugere que uma das
fontes mais importantes que permitem uma expansão no número de vagas na escola é
o seu orçamento, proveniente do Governo Federal. A diminuição no fluxo de verbas
provenientes da União para o campus de Iguatu levará a uma estagnação, ou até a
uma redução no número de vagas, ofertadas a cada ano.
CONCLUSÕES E SUGESTÕES
O valor encontrado para o coeficiente de elasticidade-preço permite concluir
que a demanda de vagas no IF do Ceará – campus de Iguatu é inelástica em relação a
preço.
Finalmente conclui-se, pelos resultados, que algumas das mais importantes
fontes de recursos que possibilitam incrementos na oferta de vagas e ampliação da
infra-estrutura física do campus de Iguatu é a proveniente do seu orçamento e do
aumento de suas receitas próprias. Estes recursos são vitais para o seu funcionamento
51
e, pela importância social exercida pela escola, torna-se importante a ampliação dos
mesmos.
No que diz respeito à perspectiva de ganhos futuros por parte dos estudantes e
sua inserção no mercado, sugere-se que o campus desenvolva um trabalho
permanente de acompanhamento da atividade dos egressos, realize encontros
periódicos, procurando, concomitantemente, estabelecer convênios com instituições de
fomento, visando possibilitar implantação de projetos desenvolvidos pelas mesmas,
assessorados por profissionais da Escola.
Sugere-se, para aumento da receita do campus, a criação de um balcão
tecnológico formado por professores, técnicos e alunos. Esse balcão teria a finalidade
de elaborar projetos agropecuários, desenvolver parcerias e realizar pesquisas
relacionadas com a realidade da região.
Deve-se, enfim, buscar uma ampliação dos recursos provenientes do Governo
Federal, de forma a possibilitar uma ampliação na infra-estrutura física do campus de
Iguatu, bem como um incremento na oferta de vagas por parte da mesma,
proporcionando, assim, maiores benefícios à sociedade.
52
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53
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E ECONOMIA SOLIDÁRIA:
O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO E HUMANIZADOR DO SER
HUMANO
Eliesér Toretta Zen
Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais –
PUC/MG
Especialista em Filosofia e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito
Santo - UFES.
Professor de Filosofia e Metodologia de Projetos, no PROEJA, e de Filosofia da
Educação, no curso Superior de Licenciatura em Matemática do Instituto Federal do
Espírito Santo – IFES.
Leciona a disciplina: Economia Solidária e Cooperativismo na Especialização do Proeja.
E-mail: [email protected]
Que para todos haja sempre pão para saciar a fome
Educação para aliviar a ignorância
Saúde para espantar a morte
Terra para colher o futuro
Teto para abrigar a esperança
E trabalho para fazer dignas as mãos
(EZLN)
Resumo
O artigo busca articular Trabalho, Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos.
Nesse sentido, assume o trabalho como dimensão ontológica na constituição e
formação do humano. O trabalho tem uma potencialidade ontologicamente formadora
dos seres humanos na medida em que é, pelo trabalho, que os seres humanos
transformam a natureza, criando cultura, humanizando a natureza e a si próprios,
reconhecendo-se a si mesmo como criador e sujeito de sua história. O trabalho, em sua
concepção ontológica, supera a alienação e desumanização imposta pelo modo de
54
produção capitalista ao trabalhador. A economia solidária, ao colocar no centro do
processo produtivo e educativo o ser humano, e não o capital, reforça e comunga da
concepção de trabalho na perspectiva ontológica. Nesse sentido, a economia solidária
articula a unidade entre produção e reprodução, trabalho intelectual e manual, teoria e
prática, concepção e execução, evitando a contradição fundamental do sistema
capitalista, que desenvolve a produtividade tendo como meta o lucro, excluindo
crescentes setores de trabalhadores do acesso aos bens fundamentais a uma vida
digna. Dessa forma, a Economia Solidária parte do pressuposto de que os sujeitos
jovens e adultos são trabalhadores, portanto, o trabalho em sua dimensão ontológica,
emerge como dimensão fundamental para a compreensão do ser desses sujeitos e
para a superação do caráter alienado do trabalho inerente ao sistema capitalista.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos – EJA, Economia Solidária, Trabalho,
Humanização e Desumanização.
55
INTRODUÇÃO
Refletir sobre o trabalho como princípio educativo e humanizador dos seres
humanos faz-se necessário ao considerarmos os sujeitos jovens e adultos como
trabalhadores. Nesse sentido, o trabalho emerge como dimensão fundamental para a
compreensão do ser desses sujeitos. De modo geral, são trabalhadores assalariados,
desempregados, subempregados, da cidade ou do campo, que lutam pela
sobrevivência. A Economia Solidária surge como resistência da classe trabalhadora às
formas perversas de exclusão do modo de produção capitalista. As pessoas que foram
excluídas não têm alternativa para conseguir viver, para garantir a reprodução da vida
ampliada, a não ser organizando-se de forma solidária.
O atual contexto do capitalismo tem originado uma grande produção do
desemprego. São muitos sujeitos. Entre eles, jovens e adultos fora do mercado formal
de trabalho assalariado, que não conseguem vender a sua força de trabalho. Esta é a
realidade de um sistema de produção que se configura pela busca incessante do lucro,
em uma sociedade que se define pelo poder do dinheiro, sistema este que declarou
homens e mulheres como figuras fundamentais para a transformação de matérias em
mercadorias, explorando a função do trabalho de forma alienante e desvinculada do
processo educacional de pensar, para não correr o risco de se transgredir a ordem do
determinismo neoliberal e para o qual a sociedade deve se sujeitar às exigências do
mercado sem questionar os seus métodos (MÉSZÁROS, 2005).
OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) E O MUNDO DO
TRABALHO
O mundo do trabalho tem sido marcado por um processo de reestruturação
produtiva e de acumulação financeira, observado a partir de meados da década de 90,
o que tem ocasionado efeitos na reconfiguração tecnológica e organizacional dos
processos
56
produtivos.
Esses
fatos
acabam
comprometendo
os
vínculos
de
emprego/trabalho e acentuando a lógica destrutiva na relação entre os seres humanos
e a natureza. Antunes (1998) afirma que o capitalismo, com a configuração que vem
assumindo nas últimas décadas, acentuou sua lógica destrutiva:
O padrão produtivo taylorista e fordista vem sendo crescentemente substituído
ou alterado pelas formas produtivas flexibilizadas e desregulamentadas, das
quais a chamada acumulação flexível e o modelo japonês ou toyotismo são
exemplos; o modelo de regulação social-democrático, que deu sustentação ao
chamado estado de bem estar social, em vários países centrais, vem também
sendo solapado pela (des)regulação neoliberal, privatizante e anti-social
(ANTUNES, 1998, p. 40).
De acordo com o eminente autor, algumas características podem ser
enumeradas para qualificar as modificações no sistema de produção capitalista, que
vêm fragmentando e reduzindo a classe trabalhadora: a incorporação da ciência e
inovação tecnológica nos processos produtivos, a produção global e flexível, a nova
forma organizacional – toyotismo, a qualidade total e a globalização do capital
financeiro. A partir de todas essas mudanças, o que se percebe é que o volume de
desemprego aumenta e diversifica a sua forma, além de atingir desigualmente os
indivíduos segundo as suas características de sexo, escolarização, idade, raça. O
caráter destrutivo do sistema capitalista manifesta-se de forma mais contundente e
grave na precarização da força humana, que trabalha, e na degradação da natureza,
pelo homem.
Segundo Mance (2003), o conceito de Economia Solidária surge como um
projeto contra-hegemônico à economia capitalista. Nesse sentido, a economia solidária
está associada a práticas de consumo, à comercialização, à produção e serviços, em
que se defende em graus variados, entre outros aspectos, a participação coletiva, a
auto-gestão, a democracia, o igualitarismo, a cooperação, a autossustentação, a
promoção do desenvolvimento humano, a responsabilidade social e a preservação
ambiental. A economia solidária, na medida em que estabelece novas relações com a
natureza e com os seres humanos, e ao estar profundamente vinculada com a
realidade local e regional, tende a fundamentar uma nova concepção de trabalho e
desenvolvimento, uma vez que contém indicativos de superação dos problemas
57
fundamentais gerados pelo modo de produção capitalista (e que o mesmo não
consegue resolver), como o crescimento progressivo da miséria humana e da
destruição ambiental.
Os sujeitos da EJA são homens e mulheres, trabalhadores (as) empregados
(as) e desempregados (as), em busca do primeiro emprego ou da reintegração aos
postos de trabalhos; filhos, pais e mães; sujeitos da cidade e do campo. São sujeitos
sociais e culturais, marginalizados e excluídos das esferas socioeconômicas e
educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais,
comprometendo uma participação mais efetiva no mundo do trabalho, da política e da
cultura. Trazem em sua identidade existencial a marca do sofrimento. De acordo com
Paiva (2004), os sujeitos jovens e adultos quando voltam à escola, mesmo pensando
que é ela que lhes pode permitir a ascensão social ou econômica, quase sempre
trazem uma autoestima afetada pela internalização dos fracassos anteriores em
experiências com a própria escola. Mas é nela que confiam a realização de seus
sonhos, pela esperança que depositam no projeto de vida pessoal e coletivo. Desta
forma, consideram-se fundamentais as motivações e as experiências dos alunos, as
quais dão sentido aos processos de aprendizagem. Segundo Soares (2005):
Os jovens e adultos populares não são acidentados ocasionais que, ou
gratuitamente, abandonaram a escola. Esses jovens e adultos repetem
histórias longas de negação de direitos, histórias coletivas. As mesmas de
seus pais, avós, de sua raça, gênero, etnia e classe social. Quando se perde
essa identidade coletiva racial, social, popular dessas trajetórias humanas e
escolares, perde-se a identidade da EJA e passa a ser encarada como mera
oferta individual de oportunidades pessoais perdidas (p.30).
Nessas experiências, produzem novos saberes e novos conhecimentos,
levando-os novamente à escola. Saberes da vida, das práticas sociais em casa, na rua,
na igreja, no mundo do trabalho, nas lutas pela sobrevivência. Saberes que nem
sempre revelam seus direitos de trabalhadores, nem sua condição de cidadãos.
Segundo Freire (2007), respeitar e valorizar esses saberes no processo educativo é
uma das tarefas fundamentais do educador-professor comprometido com a libertação:
58
Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à
escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos,
sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente
construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos
venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses
saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Por que não discutir com os
alunos a realidade concreta a que deva associar a disciplina cujo conteúdo se
ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência
das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não
estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos
alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não
discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos
dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste
descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola
não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os
conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos
(FREIRE, 2007, p.30).
Assim sendo, o currículo escolar deve representar um vínculo entre os
conhecimentos prévios e a nova aprendizagem, por meio de uma relação substantiva e
não arbitrária com o que já sabem. Segundo Paiva (2004), se essa relação se
estabelece, a aprendizagem se torna significativa. Esse currículo deve, pois, considerar
os processos de aprendizagem, os conhecimentos vividos-praticados pelos alunos,
numa perspectiva de uma pedagogia crítica, pautada na concepção de escola como
uma instituição política, um espaço propício a emancipar o aluno, formador da
consciência crítico-reflexiva, buscando promover a autonomia dos sujeitos da EJA.
Ao estabelecer a relação entre os conhecimentos vividos pelos alunos,
oriundos da prática social global, incluindo o mundo do trabalho com os saberes
escolares, o diálogo torna-se uma necessidade fundamental na problematização da
realidade. A educação problematizadora e, portanto, humanizadora funda-se numa
relação dialógico-dialética entre educador e educando em que ambos aprendem juntos.
O diálogo é, assim, uma exigência existencial que possibilita a comunicação e permite
ultrapassar o imediatamente vivido. É no reconhecimento mútuo entre educador e
educando, entre um saber de experiência, feito e vivido, que ambos, educador e
educando, tornam-se sujeitos e protagonistas de sua educação e humanização. De
acordo com Arruda (2004), tomando como ponto de partida as condições de vida e
trabalho dos educandos, o educador abre um diálogo com eles sobre a questão “para
quê desejam educar-se”. Como afirmamos anteriormente, os jovens e adultos, buscam
59
a escola motivados por uma necessidade muito concreta: conseguir um trabalho menos
degradante e alienante, através do qual possa ganhar o suficiente para sustentar, com
dignidade, a si e sua família. Nesse sentido, fica explícito, que o vínculo entre trabalho e
educação faz-se naturalmente, pelas suas próprias condições.
O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS – EJA E NA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Conforme Paiva (2004) é na escola que os sujeitos da EJA apropriam-se dos
conhecimentos científicos e do instrumental necessário ao exercício de uma cidadania
crítica. São esses conhecimentos que permitirão aos alunos, jovens e adultos, a
pensarem, de forma crítica, as formas de trabalho que lhes são oferecidas e o papel
subalternizado dos trabalhadores no modo de produção e reprodução do capital. Nesse
contexto, o trabalho emerge como uma categoria fundamental do currículo da
Educação de Jovens e Adultos. Quando afirmamos o trabalho como categoria
fundamental na Educação de Jovens e Adultos e na Economia Solidária, de que
concepção de trabalho estamos falando? Qual concepção de trabalho emerge das
práticas e experiências da Economia Solidária?
Pensar o trabalho na perspectiva da Economia Solidária nos remete a pensá-lo
como princípio educativo e como dimensão ontológica capaz de formar/deformar os
seres humanos. É por meio do trabalho que homens e mulheres transformam a
natureza e criam sua existência material e cultural, constituindo-se como seres
humanos. Essa afirmação nos leva a entender o ser humano em sua dimensão de
historicidade. Nós nos fazemos por meio do trabalho. Não há um ser humano pronto,
acabado. Estamos sempre a nos fazer humanos ou desumanos. É pelo trabalho que o
homem cria o mundo e a si mesmo. Os seres humanos se humanizam/desumanizam
por meio do trabalho. Pelo trabalho o homem produz os bens necessários à existência,
e ao produzir sua existência, o homem se põe em relação com a natureza,
transformando-a e também em relação com os outros homens, criando a si e a
sociedade.
60
Arruda (2004), quando se refere ao cultivo dos cinco sentidos materiais da
espécie humana, como o trabalho de toda a história anterior à existência da natureza
humanizada, afirma o caráter social do trabalho humano como fundamental no
processo de hominização. Para ele, Marx concebe o trabalho como “objetivação da
essência humana necessária para fazer os sentidos humanos do Homem e também
para criar um sentido humano apropriado para toda a riqueza da humanidade e da
natureza”. A concepção de trabalho de Marx vai além daquela que prevalece nas
sociedades de classes, onde o ócio e os trabalhos de gestão e reprodução do capital e
das mercadorias estão separados dos trabalhos manuais. Frigotto (2005), citando Marx
(1983), afirma que diferente do animal, que vem regulado, programado por sua
natureza e por isso não tem consciência de sua existência, não a modifica, mas se
adapta e responde instintivamente ao meio, os seres humanos criam e recriam, pela
ação consciente do trabalho, a sua própria vida.
Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em
que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu
metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural
como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de se
apropriar da matéria natural numa forma útil à própria vida. Ao atuar por meio
desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX, 1983, p. 149).
Ensinar o trabalho como direito e dever é desconstruir a idéia e a prática
capitalista de privilégio de uma classe por meio da exploração do trabalho sobre a outra
e alcançar a compreensão de que essa concepção burguesa é um fenômeno que pode
e deve ser transformado. Assim, podemos afirmar que o trabalho como uma atividade
humana fundamental, ao ser introduzido no processo educativo e no currículo, permite
ao educando da EJA compreender, como se dá o processo de construção da realidade
social e, ao mesmo tempo, refletir sobre sua atuação como cidadão no sentido de
participar como sujeito na transformação da sociedade. Segundo Ramos (2003), do
ponto de vista do capital, a dimensão ontológica do trabalho é subsumida à dimensão
produtiva, pois nas relações capitalistas, o sujeito é o capital e o homem é o objeto.
61
Nesse sentido, para assumir o trabalho como princípio educativo é preciso considerar e
superar a lógica da reprodutibilidade do capital:
Chegamos ao fim do século XX com a seguinte contradição: a ciência e a
técnica, que têm a virtualidade de produzir uma melhor qualidade de vida,
ocupar os seres humanos por menos tempo nas tarefas de produzir para a
sobrevivência e liberá-los para o tempo livre – tempo de escolha, de fruição, de
lazer, sob as relações do capitalismo tardio produzem o desemprego estrutural
ou o trabalho precarizado (FRIGOTTO, 2005, p. 70).
É neste ponto que reside o sentido de articulação entre o mundo do trabalho e
a educação: a constatação da identidade entre as capacidades demandadas pelo
exercício da cidadania e pela atividade produtiva, o que permitiria construir um currículo
da EJA em que se pudesse superar a dicotomia a racionalidade técnica e caráter
abstrato dos ideais de formação humana. Concordamos com Ramos (2003) quando
nos afirma que esta seria uma das principais características de um currículo que
integrasse trabalho, ciência e cultura. A concepção de currículo que defendemos para a
Educação de Jovens e Adultos tem como foco a formação humana. Isso implica formar
(não treinar, adestrar, de forma aligeirada e restrita ao mercado de trabalho) os sujeitos
(cidadãos-trabalhadores) para compreenderem a realidade para além de sua aparência
fenomênica. Por realidade compreendemos, conforme Ramos (2003), tanto as relações
sociais em sua totalidade quanto os processos de trabalhos que envolvem o
trabalhador e dele requerem uma ação no sentido de transformação e não da simples
adaptação.
Os conhecimentos desenvolvidos pela escola e que estão presentes no
currículo constituem-se como apropriação da realidade objetiva (social e produtiva), de
modo que os conteúdos de ensino convertam-se em “categorias de análise” da
realidade. O trabalhador não seria somente “competente”, mas cognoscente da
realidade social e produtiva em que está inserido, na qual e sobre a qual opera política
e profissionalmente, podendo transformá-la porque a compreende. Isso modifica
radicalmente o sentido dos conteúdos curriculares. Eles não são conteúdos em si para
si nem são insumos para o desenvolvimento de competências. Eles são conhecimentos
objetivos construídos sócio-historicamente e constituem-se, para o trabalhador,
62
categorias para a compreensão da realidade em que vive, seja esta realidade, até
mesmo, o trabalho que deve realizar.
ECONOMIA SOLIDÁRIA: O TRABALHO PARA ALÉM DO CAPITAL
Tiriba (2001) nos informa que a economia solidária é um conjunto de
atividades econômicas e práticas sociais desenvolvidas pelos setores populares com a
finalidade de garantir, por meio da utilização de sua própria força de trabalho e de
recursos disponíveis, a satisfação das necessidades básicas, tanto materiais como
imateriais. Com base nisso, a concepção de economia solidária nos remete a duas
questões fundamentais: refere-se a uma dimensão da economia que transcende a
lógica capitalista de obtenção e acúmulo de bens materiais; e se refere a um conjunto
de práticas que se desenvolvem entre os setores populares, manifestando-se no
cotidiano, na produção e reprodução da existência, na perspectiva do bem-viver. A
economia popular solidária busca superar as relações sociais de produção pautadas
pela lógica do ter inerente ao sistema capitalista.
Ensina Fromm (1977) que a sociedade industrial, capitalista, busca
desenvolver nas pessoas o modo ter de existência 1 . Esse modo caracteriza-se pela
ganância, pelo acúmulo de riquezas, pelo consumismo, pela competição e pela
supremacia do poder do dinheiro em escala planetária sobre a vida humana e a
natureza. A sociedade aquisitiva tem como direitos intransferíveis do indivíduo adquirir,
possuir e obter lucro. Dessa forma, pode-se caracterizar o modo ter de existência:
Adquirir, possuir e obter lucro são os direitos sagrados e inalienáveis do
indivíduo na sociedade industrial. O que sejam as fontes da propriedade não
importa. A orientação no sentido do ter é característica da sociedade industrial
ocidental, na qual a avidez por dinheiro, fama e poder tornou-se o tema
dominante da vida. O homem moderno é incapaz de compreender o espírito de
uma sociedade que não esteja centrada na propriedade e na avidez (FROMM,
1977, p. 39).
1
Segundo Fromm (1977) ter e ser são dois modos fundamentais de experiência, cujas respectivas
forças determinam as diferenças entre os caracteres dos indivíduos e vários tipos de caráter social.
63
A sociedade industrial capitalista é fundamentalmente orientada para o modo
ter de existência. A totalidade da vida social se encontra retificada e alienada pela
lógica do ter. De acordo com Arruda (2004), o sistema global do capital está
configurado da seguinte forma: o capital é o sujeito, os trabalhadores são os objetos; a
competição, a dominação e a submissão são as formas dominantes de relação; a
apropriação privada é a finalidade e a matriz da ação. Os resultados estruturais são a
subordinação, a desigualdade, o desemprego e a exclusão; o Estado tem o papel de
garantir a “liberdade” do mercado e o capital privado como sujeito legítimo, seja por
manipulação ideológica, seja por coerção. Em síntese, a matriz cultural dominante se
fundamenta na concepção consumista, individualista e hedonista, subordinando o ser
ao ter e reduzindo o ser humano e a natureza a mercadorias. Ainda, para o referido
autor, a Economia Solidária contrapõe-se à economia no modo de produção capitalista
na medida em que promove o trabalho humano como ser, saber, criar e fazer, ou como
toda ação transformadora do mundo da natureza em mundo humano, ou ainda como
toda ação em que, ao transformar o mundo, o ser humano constrói a si mesmo.
Na Economia Solidária, o parâmetro do crescimento econômico ilimitado como
razão de ser da atividade econômica cede lugar ao conceito complexo de riqueza como
um conjunto de bens materiais e imateriais que servem de base para o
desenvolvimento humano e social. Já afirmamos, em outros momentos, que a
Economia Solidária nos remete ao sentido etimológico da palavra “economia” que se
origina do grego oikos (casa) e nemo (eu distribuo, eu administro) (ZEN, 2009). As
normas são modificadas sempre que a casa não consegue mais servir para o cuidado
de todos os seus habitantes. O bem-viver de todos os que habitam a casa depende da
co-responsabilidade de cada um. Quanto mais cada um cuidar do bem-estar dos
outros, mais aumenta o bem-estar de todos. Nesse sentido, a Economia Solidária tem
como finalidade a gestão do bem-viver e a satisfação das necessidades dos habitantes
da casa.
64
A RESSIGNIFICAÇÃO DO TRABALHO NA PERSPECTIVA DA ECONOMIA
SOLIDÁRIA
Ainda, parafraseando Arruda (2004), a alienação maciça em escala planetária,
o desemprego estrutural, a profunda desigualdade e opressão provocados pelo
capitalismo têm sido confrontados por um movimento social sempre mais vigoroso, que
começou como antiglobalização e desdobrou-se num movimento alterglobalização, cuja
palavra de ordem é a mesma do Fórum Social Mundial 2 : outro mundo é possível, outra
globalização é possível! Nesse contexto adverso é que podemos situar a Economia
Solidária como uma nova proposta de organizar a economia e a sociedade em torno da
convicção de que outra socioeconomia global é possível, outro ser humano é possível.
O processo de reestruturação produtiva, observado a partir dos anos 80 e a
reconfiguração tecnológica e organizacional dos processos produtivos, têm provocado
efeitos na vida dos trabalhadores contribuindo para a precarização e degradação do
trabalho humano. Nesse sentido afirma Mészáros:
A consciência dos limites do capital tem estado ausente em todas as formas de
racionalização de suas necessidades retificadas, e não apenas nas versões
mais recentes da ideologia capitalista. Paradoxalmente, contudo, o capital é
agora compelido a tomar conhecimento de alguns desses limites, ainda que,
evidentemente, de uma forma necessariamente alienada. Pelo menos agora os
limites absolutos da existência humana – tanto no plano militar como no
ecológico – têm de ser avaliados, não importa quão distorcidos e mistificadores
sejam os dispositivos de aferição da contabilidade socioeconômica capitalista.
Diante dos riscos de uma aniquilação nuclear, por um lado e, por outro, de uma
destruição irreversível do meio ambiente, tornou-se imperativo criar alternativas
práticas e soluções cujo fracasso acaba inevitável em virtude dos próprios
limites do capital, os quais agora colidem com os limites da própria
existência humana (2009, p.57).
2
O FSM é um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão, formulação de
propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras
organizações da sociedade civil, que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e
por qualquer forma de imperialismo. Após o primeiro encontro mundial, realizado em 2001, configurou-se
como um processo mundial permanente de busca e construção de alternativas às políticas neoliberais.
Esta definição está na Carta de Princípios, principal documento do FSM. O Fórum Social Mundial
caracteriza-se também pela pluralidade e pela diversidade, tendo um caráter não confessional, não
governamental e não partidário. Ele se propõe a facilitar a articulação, de forma descentralizada e em
rede, de entidades e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela
construção de outro mundo, mas não pretende ser uma instância representativa da sociedade civil
mundial.
65
Concordamos com Arruda (2004) quando afirma que na economia capitalista
as atividades econômicas são orientadas para gerar riquezas, que são acumuladas ou
apropriadas por aqueles que possuem bens, capital, recursos e conhecimentos. O
capitalismo tem por base a propriedade privada dos bens, dos recursos e dos meios de
produção: os equipamentos, as empresas e a propriedade da terra. Nas sociedades
capitalistas, quem não possui esses recursos não consegue satisfazer suas
necessidades básicas (alimentação, moradia, proteção, saúde, educação, lazer) e
continua na pobreza. A atual crise econômica é o resultado do atual modelo de domínio
do capital financeiro especulativo, ou seja, da “jogatina” das bolsas de valores. Quem
paga a conta dessa crise são os trabalhadores e trabalhadoras: aumenta o número de
desempregados; há redução de salários; aumenta o trabalho precarizado, entre outras
consequências. Esse é o “desenvolvimento” que o capitalismo deixou para a
humanidade, ou seja, uma humanidade desumanizada e um planeta insustentável:
O estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de
uma minoria. O custo em termos de depredação do mundo físico, desse estilo
de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria
inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco a
sobrevivência da espécie humana (FURTADO, 1974, p. 38).
A partir de todas essas mudanças, o que se percebe é que o mercado de
trabalho atual assume novos traços. O vínculo empregatício, então, encontra-se
fragilizado. Conforme Guimarães (2002), o aparecimento desta nova categoria –
desempregados de longa duração – revela uma ruptura da relação entre emprego e
desemprego e aponta para a crise estrutural do sistema capitalista. Tiriba (2001) afirma
que as estatísticas não consideram como desempregados aqueles sujeitos que não
estão à procura de emprego, ou que trabalham informalmente. Por isso, afirma que há
de se questionar estas estatísticas sobre a questão do emprego e desemprego, pois
elas:
[...] ao totalizar a realidade humano-social desconsideram a complexidade das
relações econômicas, ofuscando outros mundos nos quais a força de trabalho
não se configura como uma mercadoria. Sinalizamos que a economia global
66
não se resume à economia capitalista e que, tampouco a economia popular
(solidária) se configura como ‘refúgio dos desempregados’ (TIRIBA, 2001,
p.76).
Conforme Tiriba (2001), ainda que a Economia Solidária esteja submetida ao
sistema capital, apresenta características que se contrapõem à racionalidade
capitalista. Na Economia Solidária os trabalhadores não intercambiam sua força de
trabalho por um salário; seu trabalho não consiste em trabalho pago e trabalho
excedente não pago, ou seja, trabalho alienado 3 . Como os trabalhadores detêm a
posse coletiva dos meios de produção, em vez do emprego da força de trabalho alheio,
o princípio é a utilização da própria força de trabalho para garantir não somente a
subsistência imediata senão também produzir um excedente que possa ser trocado e
comercializado, no mercado de pequena produção mercantil, por outros valores de uso.
Para Singer (2005), a Economia Solidária apresenta-se como alternativa capaz de
superar o capitalismo e retomar a questão do trabalho como dimensão ontológica
inerente ao ser humano. Desse modo, a Economia Solidária é uma alternativa à
precarização do emprego ou a exclusão deste no quadro que se configura a partir da
reestruturação do capitalismo.
Com propriedade, Arruda (2004) afirma que a Economia Solidária é uma
atividade econômica organizada para servir ao seu objetivo maior, que é o auto
desenvolvimento pessoal e coletivo seguro e sustentável. Isto implica a partilha da
satisfação das necessidades e a co-gestão das casas em que o povo habita em comum
– lar, bairro, município, ecossistemas, país e planeta. Em suma, a Economia Solidária é
uma forma ética, recíproca e cooperativa de consumir, produzir, intercambiar, financiar,
comunicar, educar, desenvolver-se, que promove um novo modo de pensar e viver. A
3
O conceito de alienação é histórico, tendo uma aplicação analítica numa ligação recíproca entre
sujeito, objeto e o modo de produção capitalista. Karl Marx (1818-1883), filósofo alemão, analisa esse
conceito em duas de suas obras “Os “Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844” e “Elementos para a
Crítica da Economia Política” (1857-58)”. Marx, ao analisar a alienação, tem como horizonte refletir sobre
o processo de expropriação da “mais-valia”, ou seja, do lucro, que se dá nas relações de trabalho sob o
modo de produção capitalista. O processo de alienação do trabalhador no modo de produção capitalista
impede a sua emancipação, pois retira dele o caráter de sujeito, transformando-o em objeto.
67
economia solidária se configura da seguinte maneira: a sociedade civil, especialmente o
mundo do trabalho, se empoderam para serem os sujeitos da sua vida e do seu
desenvolvimento. O Estado, o capital, a economia e a tecnologia são concebidas como
meios para viabilizar o desenvolvimento humano e social. A luta pela democratização
da escola e do Estado é um projeto comum da classe trabalhadora, cujo papel é
promover um sistema de convivialidade baseado na cooperação, no respeito mútuo, na
solidariedade e que possibilite o pleno desenvolvimento de todas as pessoas.
Nos ensinamentos de Barbosa (2007), afirma que ao atingir recentemente o
estatuto de política pública 4 a economia solidária passou a ser definida como “conjunto
de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito –
organizadas sob a forma de autogestão”. Os elementos ideo-políticos que compõem
esse paradigma afirmam-se como de: difusão de valores culturais que centralizam o ser
humano como sujeito e finalidade da atividade econômica; desenvolvimento de práticas
de reciprocidade e espírito cooperativista; assunção do feminino como essencial nesse
processo de constituição de uma economia sustentada na solidariedade; associação
entre produção, distribuição e consumo, mediante investimento no desenvolvimento
local, com redes de consumidores orientados por princípios éticos solidários e
sustentáveis nas suas escolhas de consumo, e redes de comércio e ecossistema (terra,
água, reservas florestais, animais); política autogestionária 5
de financiamento
responsável por meio de descentralização de moedas; comércio justo associado ao uso
de moedas comunitárias, controle dos fluxos financeiros e limitação das taxas de juros;
associação a movimentos e lutas sociais por um Estado democraticamente forte a partir
da sociedade e voltado diretamente para ela; por outro modelo de globalização que seja
contra-hegemônica ao socialmente excludente em vigor; agenciamento de novos
sujeitos políticos na prática econômica através de democratização do poder, da riqueza
4
A Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) foi criada em 2003 pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e reflete o movimento de luta da sociedade civil pela consolidação de novas relações
de produção, consumo e distribuição dos bens necessários à vida.
5
A autogestão é concebida como repartição de poder e esforços para ação produtiva cooperativa, com
o objetivo de humanizar o trabalho e ampliar a democratização na sociedade. Não é um conceito novo,
na medida em que acompanha a história do movimento operário, dos falanstérios à comuna de Paris.
68
e do saber, e sustentada na gestão participativa sem a tutela do Estado e distanciada
das práticas cooperativas burocratizadas.
A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL
De acordo com os participantes do Fórum Brasileiro de Economia Solidária
(FBES) a economia solidária no Brasil está avançando na sua organização política,
constituindo fóruns e redes. Desde o início dos anos 1980 surgiram iniciativas de apoio
e organização às iniciativas de economia solidária, tais como os Projetos Alternativos
Comunitários, incentivados pela Cáritas Brasileira e a cooperação agrícola nos
assentamentos de reforma agrária, organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST, entre outras.
Esse processo ganhou impulso durante a década de 1990, com as seguintes
iniciativas: a) criação da Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de
Autogestão (ANTEAG), articulando as iniciativas de empresas recuperadas por
trabalhadores e outros empreendimentos autogestionários; b) nas ações de incentivo à
socieconomia solidária do Projeto Alternativas do Cone Sul (PACS) que, junto com
outras organizações, resultou na criação da Rede Brasileira de Socioeconomia
Solidária; c) nas iniciativas promovidas pela Ação da Cidadania Contra a Fome e a
Miséria e Pela Vida, animada pelo sociólogo José Herbert de Souza, o Betinho,
juntamente com centenas de organizações não-governamentais e entidades públicas;
d) com o surgimento das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares
organizadas nas Redes (ITCPs) e com a Rede Unitrabalho que ampliaram os
horizontes da extensão universitária com caráter emancipatório, comprometendo as
Universidades e Institutos Federais com o fomento às iniciativas econômicas solidárias;
e) com as experiências de ações governamentais em apoio à economia solidária.
Um marco importante na trajetória da economia solidária ocorreu em 2001,
com a criação do Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária nos Fóruns
Sociais Mundiais, articulando essas diversas iniciativas organizativas. O trabalho do GT
brasileiro trouxe visibilidade e propiciou o intercâmbio de experiências e integração
69
entre as diferentes práticas de economia solidária no Brasil e em diversas partes do
mundo. A conjugação de esforços resultou na realização da I Plenária Nacional de
Economia Solidária, em 2002, em São Paulo-SP, que iniciou a elaboração de uma
Plataforma Nacional de Economia Solidária e decidiu reivindicar ao governo recémeleito a criação de políticas públicas de Economia Solidária. Em 2003, foi criada a
Secretaria Nacional de Economia Solidária no âmbito do Ministério do Trabalho e
Emprego, fruto do esforço político conjunto de uma série de organizações que atuam
com economia solidária no Brasil. No mesmo ano, foi realizada a Terceira Plenária
Nacional de Economia Solidária, criando o Fórum Brasileiro de Economia Solidária
(FBES). O FBES é um instrumento do movimento da Economia Solidária, um espaço
de articulação e diálogo entre diversos atores e movimentos sociais pela construção da
economia solidária como base fundamental de outro modelo de desenvolvimento
socioeconômico do país, a partir da realidade local, de modo economicamente solidário
e ambientalmente sustentável. Em 2006 foi realizada a 1ª Conferência Nacional de
Economia Solidária, mobilizando mais de quinze mil pessoas em suas etapas
preparatórias (estaduais e microrregionais) e 1.200 pessoas na etapa nacional. A
Conferência estabeleceu diretrizes, objetivos e prioridades para as políticas públicas de
economia solidária, como direito de cidadania e obrigação do Estado.
EXPERIÊNCIAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ES
No estado do Espírito Santo algumas experiências de Economia Solidária vem
sendo construídas em parcerias com os movimentos sociais, via campesina,
prefeituras, MST e outras instituições. Nesse sentido, merece destaque a realização da
“II Conferência Estadual de Economia Solidária” realizada no município da Serra-ES,
promovida pela parceria entre a Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e
Desenvolvimento Social (Setades) e o Conselho Estadual de Economia Solidária
(CEES). A “II Conferência Estadual” teve como tema central o seguinte ideal: “Pelo
direito de produzir e viver em cooperação de maneira sustentável”. A organização do
70
evento contou com painéis, debates, grupos de trabalho e palestras sobre o tema
Economia Solidária.
Dentre os objetivos da conferência destacaram-se: a realização de um balanço
sobre os avanços, limites e desafios das políticas públicas de Economia Solidária no
atual contexto socioeconômico, político, cultural, ambiental nacional e internacional;
avanço no reconhecimento do direito a formas de organização econômica, baseadas no
trabalho associado; proposição de prioridades, estratégias e instrumentos efetivos de
políticas públicas e programas de economia solidária; e promoção do conhecimento
mútuo e a articulação dos poderes públicos e das organizações que constroem a
economia solidária. Como preparação para a Conferência Estadual foram realizadas
oito conferências regionais que possibilitaram o intercâmbio de conhecimentos e
experiências em torno da Economia Solidária no Espírito Santo. Nos encontros
regionais foram discutidos três eixos temáticos: ‘Avanços, limites e desafios da
Economia Solidária no atual contexto socioeconômico, político, cultural e ambiental
nacional e internacional’; ‘Direito a formas de organização econômica baseadas no
trabalho associado, na propriedade coletiva, na cooperação, na autogestão, na
sustentabilidade e na solidariedade, como modelo de desenvolvimento’; e ‘Prioridades,
estratégias e instrumentos efetivos de atuação e de organização de Políticas e
Programas da Economia Solidária’.
As Conferências regionais de Economia Solidária foram realizadas tendo como
referência os Territórios de Cidadania, Região metropolitana, Região Sul e Territórios
de Identidade da Política Territorial do Ministério de Desenvolvimento Agrário através
da Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social em
articulação com o Conselho Estadual de Economia Solidária e convocada pela
Comissão Organizadora Estadual. A “Conferência Estadual de Economia Solidária”
realizada no período de 27 a 29 de abril contou com a participação de 267 delegados
entre gestores públicos, sociedade civil e empreendimentos econômicos solidários. Na
ocasião foram eleitos oito delegados do poder público, oito delegados da sociedade civil
e 16 delegados dos empreendimentos econômicos solidários para representar o Estado
na II Conferência Nacional de Economia Solidária, que foi realizada de 16 a 18 de junho
de 2010, em Brasília.
71
A economia solidária no Estado do Espírito Santo vem se constituindo como
uma nova prática coletiva, construída a partir dos valores da cooperação, da
solidariedade, da autogestão, do respeito à natureza e da valorização do trabalho
humano, tendo em vista um projeto de desenvolvimento sustentável e solidário. É um
modo diferente de organizar a produção, a distribuição e o consumo, tendo por base a
igualdade de direitos e de responsabilidades. Esta nova economia representa um
resgate histórico dos valores do trabalho, tornando-se para os trabalhadores uma
possibilidade da construção de uma nova cultura do trabalho, voltada para valorização
e dignidade do ser humano com respeito à vida. É uma alternativa para geração de
trabalho e renda visando à eliminação das desigualdades socioeconômicas e
difundindo os valores da solidariedade e do exercício da cidadania.
CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS
A questão que desafia a nós, educadores (as), é como elaborar uma proposta
curricular que seja perpassada pela concepção de trabalho na perspectiva da economia
solidária e que integre as diferentes demandas e diversidades dos sujeitos da EJA e do
Proeja (educação do campo, educação indígena e quilombola, educação especial,
educação ambiental, educação sexual, educação profissional) e as diferentes
disciplinas do currículo, tendo como eixo articulador a categoria trabalho como princípio
educativo e humanizador dos sujeitos jovens e adultos.
Cabe ressaltar o material produzido pela Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD), os cadernos de EJA e o próprio Documento
Base do PROEJA, bem como o material que vem sendo construído de forma coletiva e
colaborativa pelos professores de Matemática do PROEJA – IFES, que seguem como
eixo teórico-metodológico a categoria “trabalho”, articulando-os com a diversidade de
demandas da EJA, tais como: cultura e trabalho; diversidade e trabalho; Economia
Solidária e trabalho; globalização e trabalho; juventude e trabalho; meio ambiente e
72
trabalho; mulher e trabalho; qualidade de vida, consumo e trabalho; tecnologia e
trabalho e trabalho no campo dos sujeitos onde e com quem os processos educativos
se dão.
Como questões a nos desafiar no sentido de aprofundamento teóricometodológico na construção do currículo da EJA que contemple a relação trabalhoeducação na perspectiva da Economia Solidária, podemos nos indagar: que concepção
teórico-metodológica está fundamentando a construção do currículo da EJA? Que tipo
de formação inicial e continuada os professores estão recebendo nas Universidades e
Institutos Federais a fim de contemplar essa realidade? Que tipo de ser humano quer
se formar e para que tipo de sociedade? Como podemos abordar essas temáticas na
produção do currículo? Quais as alternativas metodológicas que nos ajudam a trazer
essas temáticas para a sala de aula? Como repensar a educação profissional de jovens
e adultos na perspectiva da formação humana no atual contexto de desumanização
provocados pela lógica de acumulação/reprodução ilimitada do capital?
73
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75
O PROEJA SOB O OLHAR DOS EDUCADORES:
O CASO DO IFPB – CAMPUS DE JOÃO PESSOA/PB 1
Zoraida Almeida de Andrade Arruda 2
[email protected]
RESUMO
Este artigo tem como objetivo contribuir numa avaliação do Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos - PROEJA - no IFPB, implantado em 2007,
tomando como base a visão do corpo docente que atuou nos dois primeiros anos
de implementação do programa no campus de João Pessoa. A relevância desse
estudo dá-se em função dos desafios pedagógicos inerentes à modalidade da
Educação de Jovens e Adultos de um modo geral, e em particular, para a oferta
de um programa que se propõe a resgatar e reinserir, no sistema educacional
brasileiro, jovens e adultos que tiveram seus percursos escolares interrompidos,
possibilitando-lhes a elevação da escolaridade, como também a
profissionalização. Ressalta-se também a importância de que seja ofertada uma
educação inserida numa proposta pedagógica de EJA, com práticas curriculares
que contribuam para a formação integral do educando e de um profissional
docente que contemple competências e saberes necessários à prática com esta
modalidade de ensino. Os dados utilizados para análise foram provenientes da
aplicação de questionário, ao corpo docente. Nossa vivência em sala de aula, os
diálogos travados em reuniões pedagógicas, contribuíram nas reflexões aqui
expressas. Este estudo reforça a importância da construção de um novo olhar, de
uma identidade própria para todos os elementos inerentes a esta modalidade:
métodos educativos apropriados, imbuídos de uma prática dialógica nas diversas
situações de aprendizagem; material didático específico; adequação de horário ao
público a que se destina e a formação dos educadores envolvidos.
Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos - PROEJA – Práticas Pedagógicas.
1
Texto escrito a partir de pesquisa desenvolvida no curso de especialização em educação profissional
integrada è educação básica na modalidade de jovens e adultos, sob orientação da Profa. Ms.Laura Maria de
Farias Brito, que resultou em Monografia defendida em 16/02/2009.
2
Especialista em Educação de Jovens e Adultos, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação
da UFPB, Coordenadora do PROEJA no IFPB, campus de João Pessoa/Paraíba.
76
1. INTRODUÇÃO
O direito à educação, no Brasil, sempre foi marcado por situações de
desigualdades sociais. Crianças e jovens trabalhadores foram cada vez mais
firmando um contingente de pessoas afastadas da vida escolar em idade própria.
O Brasil assim contraiu uma dívida social histórica para com os cidadãos de 15
anos ou mais que não concluíram a educação básica.
A Educação de Jovens e Adultos – EJA – teve um ganho significativo ao ser
inserida no corpo legal como modalidade de ensino, através da Lei de Diretrizes e
Base da Educação – LDB n° 9.394/96, representando um passo importante na
reconquista do direito universal à educação.
Em se tratando de uma modalidade da educação básica nas etapas do
ensino fundamental e médio, assume uma especificidade própria. Deve considerar
a realidade do estudante e a proposição de um modelo pedagógico próprio, de
acordo com o que está expresso nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação de Jovens e Adultos, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação no
ano 2000.
Traz também consigo novos desafios, principalmente do ponto de vista da
necessidade de formação do educador, do pensar em práticas pedagógicas e de
um currículo que leve em consideração as experiências e a realidade do aluno.
O presente trabalho tem como objetivo buscar elementos que contribuam
numa avaliação do PROEJA no IFPB, implantado no ano 2007, buscando
identificar junto aos professores sua visão de EJA, sua opinião sobre este
programa e quais as dificuldades encontradas em sua prática pedagógica com
esta modalidade de ensino.
A relevância deste estudo dá-se em função dos desafios pedagógicos
inerentes à modalidade da EJA, de um modo geral, e em particular, para a oferta
de um programa que se propõe a contribuir na reversão das condições de
desigualdades de um público com uma história marcada de exclusões.
77
Ressalta-se também meu interesse no referido tema, por fazer parte da
equipe de professores que vem ministrando aulas no PROEJA, no campus do
IFPB, em João Pessoa, e por ter a compreensão da importância de ofertarmos
uma educação inserida numa proposta pedagógica de EJA, de qualidade, e que
contribua para a formação integral do educando.
2. INSTITUIÇÃO DO PROEJA
O Governo Federal criou em 2005, através do Decreto 5.478/2005
(revogado, em 13 de julho de 2006, pelo Decreto n° 5.840/2006) o Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, visando não só
resgatar, mas também reinserir, no sistema educacional brasileiro, jovens e
adultos que tiveram seus percursos escolares interrompidos, possibilitando-lhes a
elevação da escolaridade, como também a profissionalização. O PROEJA,
[...] expôs a decisão governamental de atender à demanda de jovens e
adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio, da
qual em geral, são excluídos, bem como, em muitas situações, do próprio
ensino médio.(BRASIL, 2007, p.12)
A criação do PROEJA foi motivada a partir das discussões travadas desde
a década de 80, considerando-se o cenário econômico e produtivo estabelecido,
onde foram exigidos trabalhadores com níveis de educação e qualificação cada
vez mais elevados.
Remonta também desta época as discussões sobre a integração entre
formação geral e formação profissional, aliadas ao papel da Rede Federal de
Educação Profissional nas políticas de inclusão social, diante do quadro de
exclusão educacional e social da população jovem e adulta.
Esta é uma experiência nova para a Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica, na qual o Instituto Federal de Educação, Ciência e
78
Tecnologia da Paraíba – IFPB está inserido, que não possui um quadro de
educadores com formação especializada para a EJA, requerendo, assim, uma
atenção especial.
3. DESAFIOS E AÇÕES DESENVOLVIDAS
O PROEJA busca resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiro jovens e
adultos, possibilitando-lhes acesso à educação e a uma formação profissional na
perspectiva de uma formação integral e de inclusão desses sujeitos, a partir de um
projeto de sociedade mais justa e igualitária Sendo assim, ele certamente
oportunizará o trilhar de um novo caminho de resgate da cidadania de uma imensa
parcela da população brasileira, excluídas do sistema escolar por problemas
diversos encontrados dentro e fora da escola.
Para sua implantação, este programa também trouxe consigo desafios
pedagógicos, gerenciais e políticos. Como construir um currículo integrado, sem
desconsiderar a diversidade deste público? Como reconhecer os saberes
adquiridos em espaços não formais de aprendizagem e que instrumentos utilizar,
capazes
de
considerar
tais
elementos
no
processo
de
avaliação
da
aprendizagem? Qual o papel que as escolas devam ter para conseguir, de fato,
implementar este programa? Qual a preparação que o corpo docente deva ter?
Estas são algumas indagações, dentre outras, que poderíamos levantar
para compor um conjunto de desafios postos para a execução do PROEJA,
enquanto programa, e sua consolidação, como política pública.
Aqui vamos destacar o desafio pedagógico no tocante a preparação que os
docentes das instituições que vão oferecer o PROEJA devam ter, considerando-se
que os alunos atendidos por este programa necessitam de especialistas que
saibam trabalhar com jovens e adultos que estão fora da faixa escolar regular e já
acumulam experiências de vida e de trabalho.
79
Assim, sendo o PROEJA um campo peculiar de conhecimento, faz-se
necessário a formação/qualificação de professores e gestores para atuarem neste
programa.
Essa formação objetiva também a construção de um quadro de referências
e
a
sistematização
de
concepções
e
práticas
político-pedagógicas
e
metodológicas que orientem a implantação, implementação e monitoramento do
programa, garantindo a elaboração do planejamento das atividades do curso, a
avaliação permanente do processo pedagógico e a socialização das experiências
vivenciadas pelas turmas. Requer ainda profissionais aptos a produzirem e
sistematizarem conhecimentos nesta área de atuação.
Visando atender a qualificação desses profissionais para atuarem no
PROEJA, dentre as ações desenvolvidas pela SETEC/MEC, destacamos os
cursos de pós-graduação lato sensu, ofertados anualmente pelas Universidades e
CEFET´s, nas diversas regiões do País. A primeira edição da Especialização lato
sensu foi ofertada em 2006/2007 para 15 pólos, com cerca de 1.400 matrículas.
Na segunda edição, 2007/2008, o curso foi oferecido para 21 pólos, com
aproximadamente 2.400 matrículas. Neste ano de 2009, a terceira edição
aconteceu em 32 pólos, com cerca de 4.500 matrículas. Estas unidades-pólo
interiorizaram suas turmas, considerando-se os novos campi dos Institutos
Federais e as Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais.
Para
a
elaboração
dos
Projetos
Pedagógicos
destes
cursos
de
especialização, o MEC/SETEC encaminhou aos respectivos pólos um documento
intitulado Propostas Gerais para Elaboração de Projetos Pedagógicos de Curso de
Especialização, contendo um conjunto de orientações. Deste documento,
destacamos a seguir o objetivo geral apresentado para os referidos cursos de
especialização.
Formar profissionais com capacidades para atuar na elaboração de
estratégias, no estabelecimento de formas criativas das atividades de
ensino-aprendizagem e de prever pro-ativamente as condições
necessárias e as alternativas possíveis para o desenvolvimento
adequado da educação profissional técnica de nível médio integrada ao
ensino médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos,
considerando as peculiaridades, as circunstâncias particulares e as
80
situações contextuais concretas em que programas e projetos deste
campo são implementados.(BRASIL, 2006, p.8)
Considerando-se que não existe uma formação sistemática de profissionais
para atuarem neste campo - educação profissional integrada a EJA, estes cursos
de especialização tornam-se fundamentais para a implantação do PROEJA com a
qualidade que este programa requer.
Ressalta-se que as concepções desses programas de especialização são
fundamentadas nos seguintes pressupostos:
•
•
•
A necessidade da formação de um novo profissional que possa atuar
na educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino
médio na modalidade EJA como docente-pesquisador, gestor
educacional de programas e projetos e formulador e executor de
políticas públicas;
A integração entre trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo
e cultura geral, a qual contribui para o enriquecimento científico,
cultural, político e profissional dos sujeitos que atuam nessa esfera
educativa, sustentando-se nos princípios da interdisciplinaridade,
contextualização e flexibilidade, como exigência historicamente
construída pela sociedade;
Espaço para que os cursistas possam compreender e aprender uns
com os outros, em fértil atividade cognitiva, afetiva, emocional,
contribuindo para a problematização e produção do ato educativo
com uma perspectiva sensível, com a qual a formação continuada de
professores nesse campo precisa lidar.(BRASIL, 2006,p.10).
Para alcançar os objetivos e finalidades propostas, o currículo do curso de
especialização está voltado para a necessária integração entre os três campos
educacionais: o ensino médio, a educação profissional técnica de nível médio e a
educação de jovens e adultos. Dessa forma, nas Propostas Gerais para
Elaboração de Projetos Pedagógicos de Curso de Especialização, sugere-se que
os conteúdos programáticos sejam estruturados a partir dos seguintes eixos
curriculares: concepções e princípios da educação profissional e da educação
básica na modalidade de educação de jovens e adultos; gestão democrática e
economia solidária; políticas e legislação educacional; concepções curriculares na
educação profissional e na educação básica na modalidade de educação de
jovens e adultos; e didáticas na educação profissional e na educação de jovens e
adultos.
81
Outras ações em destaque, relacionada também com a formação
continuada de profissionais para atuar no PROEJA, são o Acordo de Cooperação
Técnica Científica Pedagógica, firmado entre a CAPES e SETEC, visando à
implantação e ao desenvolvimento de núcleos de pesquisa sobre o PROEJA
(tanto dos aspectos pedagógicos como os de gestão) e o fomento à criação de
linhas de pesquisa, que contemplem a proposta do PROEJA, nos programas de
pós-graduação stricto sensu existentes no país. Além disso, existem ainda as
Chamadas Públicas para apresentação de projeto de cursos com carga-horária de
120h a 240h, visando abordar temas específicos do Programa.
4. O QUE PENSAM OS EDUCADORES
Neste tópico iremos apresentar parte do resultado da pesquisa realizada,
quando aluna da segunda edição do curso de especialização, integrando meu
trabalho de conclusão do referido curso. Os dados são oriundos da aplicação de
um questionário com 13 professores, durante os meses de abril e maio/2008, num
universo de 15 professores que atuam/atuaram no PROEJA, nos anos de 2007 e
2008. Os entrevistados, quando necessário for, serão denominados por letras do
alfabeto, cujas falas emergem do texto em itálico.
Fazendo uma caracterização do corpo de professores entrevistados, temos
que 9 são do sexo masculino e 4 são do sexo feminino. Quanto ao tempo de
atuação no magistério, 3 estão entre 10 e 20 anos, 6 estão entre 20 e 30 anos, 3
possuem mais de 30 anos e 1 possui menos de 10 anos. Quanto ao tempo de
atuação com a modalidade de EJA, com exceção de um professor, os demais
possuem até cinco anos de experiência.
Quanto à participação em alguma
capacitação para atuarem na EJA, 7 professores responderam afirmativamente,
destacando que a mesma foi ofertada pelo IFPB em julho de 2007.
82
4.1. VISÃO DE EJA
Ao serem indagados sobre qual a visão que possuem da EJA, no geral, foi
destacada a oportunidade de retorno à escola na perspectiva de melhoria de vida.
Vejamos alguns dos depoimentos dados:
Tento ajudar os alunos que não tiveram chance de dar
continuidade aos seus estudos e agora querem estudar e
recuperar aqueles anos “perdidos”. Eu como professor, tenho
responsabilidade de não mais excluir esses alunos e nem
castrar mais seus sonhos.(Professor C).
A EJA tem um papel importante dentro da sociedade
resgatando aqueles alunos que não tiveram tempo e
oportunidade de estudar como também ter um curso técnico
para que possa ajudar no seu trabalho. (Professor E).
É uma clientela que não teve oportunidade durante sua faixa
etária para estudar portanto devemos aperfeiçoar nossa
didática para adequar metodologia que venha facilitar e
recuperar o tempo destes que estão querendo. (Professor
G).
A EJA também é relacionada ao resgate da cidadania, conforme
observamos a seguir:
Considero muita oportuna essa modalidade de ensino e
percebo que há uma grande possibilidade de um resgate à
cidadania para uma população esquecida e excluída pela
sociedade. (Professor I).
É um importante instrumento de política educacional
afirmativa, onde se dá a oportunidade a jovens e adultos,
para concluírem seus estudos, quando este, por motivos
diversos, tiveram seus ciclos educacionais interrompidos. Na
atual conjuntura da sociedade, nunca o conhecimento, ou a
formação escolar, foi tão importante para a promoção da
cidadania e o bem estar social. (Professor M).
83
Transcrevemos ainda o relato do Professor J quando afirma que,
Na realidade minha visão foi se fundamentando a partir do
meu fazer, da minha prática com essa clientela. Muito se tem
falado nas reuniões o fato de ser uma turma difícil e com
grandes limitações. No entanto, considero que através das
minhas auto-avaliações bem como por meio de relato dos
próprios alunos, ao término do curso, que grande foi o
avanço atingido por eles.
Ressaltamos o pensamento freireano acerca da reflexão crítica, como uma
exigência no ato de ensinar que o educador deva ter de sua prática pedagógica,
pois “não é possível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar
sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz
necessariamente sujeito também”. (FREIRE, 2007, p.39-40).
Ainda sobre a visão de EJA, e como exemplo de atuação de sua prática
pedagógica, destacamos outro trecho do relato feito pelo Professor J:
Pois, a minha preocupação não é focada para a
memorização de regras gramaticais, de vocabulário
específico a uma determinada área, mas, sim direcionada à
apropriação/reconhecimento dos gêneros textuais diversos
aos quais eles são apresentados durante o ano letivo e, de
que forma a utilização desses gêneros textuais pode
contribuir para torná-los cidadãos “antenados” com o mundo
da tecnologia, do trabalho bem como da vida social que os
rodeia. Assim, estarei propiciando uma pequena parcela de
ampliação dos horizontes dessa camada estudantil para que
eles possam enxergar a si mesmos como sujeitos atuantes
do seu papel na sociedade.
Ressalta-se a importância da preocupação expressa no depoimento do
Professor J, e mais ainda, de sua intencionalidade de fazer com que o aluno
extrapole da leitura das palavras para a leitura de si próprio e do mundo. Paulo
Freire já dizia que a educação é uma forma de intervenção no mundo e que “[...]
além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos
84
implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu
desmascaramento”. (FREIRE, 2007, p.98).
Os professores entrevistados, ao serem indagados se o material utilizado é
adequado à realidade dos alunos, mostraram-se divididos: 5 responderam
afirmativamente, 4 negativamente, 1 não tem certeza, 1 avalia afirmativamente em
termos, 1 avalia afirmativamente para alguns aspectos e 1 avalia que é uma
questão difícil de ser respondida. Transcreveremos, a seguir, algumas das
respostas a essa questão.
Aos que responderam afirmativamente:
Utilizo textos, músicas e filmes, dentre outros. Tenho tido
excelentes resultados, pois na maioria dos casos é novidade
e, portanto, estimulante (Professor A).
Facilita a aprendizagem (Professor G).
São materiais simples encontrados na nossa casa como
também em qualquer papelaria, é de baixo custo e qualquer
escola que se preze deveria também tê-lo (Professor K).
Aos que responderam negativamente:
Tenho clareza que o material didático que uso não é
adequado...os textos são complicados..não existe material no
campo da filosofia adequado para alunos do PROEJA”
(Professor B).
Seriam necessárias mais aulas práticas. (Professor D).
Como nova modalidade, precisamos de um material
específico. (Professor F).
O Professor I, que não tem certeza sobre o material que utiliza, afirma que
“como faz pouco tempo com a turma tem dado certo, mas gostaria de ter mais
conhecimento dessas práticas e material específico para a EJA. Uso dinâmica de
grupo”.
85
O Professor J justifica ser esta uma pergunta difícil de ser respondida,
“porque o professor, ingenuamente, sempre acha que está fazendo o melhor e
que está usando o melhor material didático para sua clientela”.
O aspecto relacionado ao material didático, que não se restringe apenas ao
material em si, mas à própria prática pedagógica, é algo que requer uma reflexão,
envolvendo os próprios alunos, afinal o professor, muitas vezes, é levado a crer
que aquilo que esteja praticando é o melhor para a aprendizagem. Os alunos
devem ser reconhecidos como sujeito da sua própria educação. O ato de ensinar
exige saber escutar.
É preciso que quem tem o que dizer saiba, sem dúvida nenhuma, que,
sem escutar o que quem escuta tem igualmente a dizer, termina por
esgotar a sua capacidade de dizer por muito tempo ter dito sem nada ou
quase nada ter escutado.(FREIRE, 2007, p.117).
Também foram ressaltadas, por alguns professores, dificuldades estruturais
para aulas práticas, questões estas que precisam ser debatidas, buscando-se
soluções na perspectiva de que não haja comprometimento do trabalho como um
todo.
4.2. VISÃO SOBRE O PROGRAMA
Ao serem indagados acerca do projeto de implantação do curso ora
ofertado no PROEJA, 6 professores opinaram de forma positiva, destacando a
relação com a parte profissional que tende a contribuir para uma formação integral
do aluno, ressaltando-se, porém, que o mesmo deva melhorar. Os demais
afirmaram desconhecer o projeto, não ter opinião formada ou que ainda é cedo
para uma avaliação. O Professor A, mesmo desconhecendo o projeto, afirma que
“qualquer possibilidade de novas qualificações só vem a somar”.
Transcreveremos, a seguir, algumas das respostas dadas que apontam
para aspectos que precisam ser melhorados.
Se fossemos retomar este projeto, ele deveria ser melhorado
nos seguintes aspectos: a) fundamentação teórica; b)
86
currículo: rever matriz curricular; c) metodologia e d)
avaliação. (Professor B).
A proposta é válida mas deve aprimorar, para que este curso
esteja dentro da realidade do aluno. (Professor C).
Deveria oferecer cursos profissionalizantes em várias áreas,
desde que seja desintegrado do ensino médio, pois
considero insuficiente os três anos oferecidos pelo PROEJA
para a formação integral do aluno. (Professor D).
Muita coisa ainda precisa ser implantada e implementada,
principalmente no que diz respeito a integração curricular.
(Professor M).
4.3. DIFICULDADES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Com relação às dificuldades encontradas pelos professores na sua prática
pedagógica no PROEJA, vários elementos foram indicados, sobre os quais iremos
discorrer a seguir.
O fator tempo associado ao horário e trabalho foi a questão mais
destacada pelos professores. O horário de funcionamento das aulas do PROEJA
compreende o período de 18h20min às 22h40min, ocorre em função de muitos
dos alunos serem trabalhadores, o que dificulta não só o cumprimento do horário
de acesso, como a permanência, até o final deste período, e a falta de tempo para
estudar fora do horário de aula. Sobre estas questões vejamos o que disseram os
professores:
O tempo reduzido das aulas pelas dificuldades de locomoção
dos estudantes (transporte urbano, horários, etc.) e a luta
diária contra o cansaço dos mesmos, nos incita a sempre
renovar as metodologias, tornando as aulas as mais
dinâmicas possíveis (Professor A).
Falta de tempo para estudar motivado pelo trabalho
(Professor E).
O não comparecimento constante às aulas (Professor E).
Eles não tem tempo de realizar atividades de casa.
(Professor J)
87
Essas questões requerem um pensar sobre a organização dos tempos e
espaços no atendimento a esta modalidade. Ressalta-se ainda pelo depoimento
dado pelo Professor A, o reflexo em sala de aula, na aprendizagem do aluno, pelo
cansaço que o acompanha, após um dia de trabalho, e na percepção que o
educador deva ter disto, a ser refletida em sua prática pedagógica.
A falta de conhecimento básico por parte dos alunos foi a segunda
dificuldade mais destacada pelos professores entrevistados. Por ter uma trajetória
escolar de repetência e descontinuidade, o aluno do PROEJA muitas vezes não
apresenta aqueles conhecimentos básicos esperados pelo professor que,
normalmente, trabalha com alunos do ensino dito “regular”. Isso poderá levá-lo a
uma desmotivação, fazendo-os se sentirem fracassados. De acordo com Brunel
(2004),
sabemos que existem alunos que não correspondem satisfatoriamente a
certos saberes e competências que lhe são exigidos na escola e, muitas
vezes, são classificados como fracassados, sem uma análise mais
detalhada de seu histórico ou de seu entorno.(p.14).
Alguns professores tentam sanar essas dificuldades buscando espaços
físicos e horários para núcleos de aprendizagem. No nosso entender, além de se
buscar propiciar mais um espaço de “encontro” dos alunos com os professores,
esta questão requer o pensar na própria organização curricular e em práticas
pedagógicas como elementos fundamentais para o desenvolvimento da produção
de saberes, considerando a experiência do aluno e a sua realidade.
A falta de recursos humanos capacitados para atuar nesta modalidade
de ensino também foi apontada como uma das dificuldades. Vejamos os relatos a
seguir:
A maior dificuldade ainda é a falta de recursos humanos
capacitados para atuar nesta modalidade de educação.
Temos hoje apenas 4 docentes e 1 pedagogo em processo
de capacitação. É muito pouco. Sem capacitação de todos os
docentes não poderemos avançar na construção de um
88
currículo, material didático e metodologia de ensino
adequada para os alunos desta modalidade. (Professor B).
Falta capacitação para melhor servir e educar esses
estudantes, já que eles tem suas particularidades e
necessitam de uma metodologia específica”.(Professor H).
A implantação do PROEJA trouxe consigo o desafio de se ter um
profissional capaz de atuar na educação profissional técnica de nível médio
integrada ao ensino médio na modalidade EJA. Para isto, o Governo Federal vem
investindo na formação sistemática de profissionais para atuarem nesta área e os
cursos de especialização tem sido um exemplo disto. O depoimento do Professor
B registra a pouca participação de professores neste processo formativo e esta é
uma questão fundamental que precisa ser revista.
Sobre a formação docente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
educação de jovens e adultos é clara quando afirma que:
Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado
para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e
qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta
modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar
preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes
e de estabelecer o exercício do diálogo. “Jamais um professor aligeirado
ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e
sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que
a habilitação como formação sistemática requer.” (BRASIL, 2000, p.114).
Durante as reuniões pedagógicas ocorridas no decorrer de 2008, algumas
destas questões aqui apresentadas pelos professores foram abordadas,
principalmente naquilo que se refere às práticas pedagógicas e a relação
interdisciplinar que deveria estar ocorrendo. Nestes encontros, buscou-se
compartilhar as experiências vivenciadas em sala de aula, constatando-se que
isso deveria ser algo mais sistematizado.
89
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação de jovens e adultos deve ser entendida como uma atividade
especializada, com características próprias. Por isso, necessita de um profissional
docente que contemple competências e saberes necessários à prática com esta
modalidade de ensino. Requer a utilização de métodos educativos que atendam
às diferenças individuais do aluno, que seja imbuído de uma prática dialógica, que
leve em consideração o respeito, a liberdade, a paciência, a alegria, a esperança,
o bom senso, a curiosidade, o compromisso e a criação de situações diversas de
aprendizagem.
Na rede federal de educação profissional e tecnológica não existe um corpo
de professores formados para atuar no campo específico da EJA. E que tipo de
formação faz-se necessário? Aquela que vai além dos conhecimentos técnicos,
científicos e que favoreçam a construção de uma aprendizagem significativa,
articulada num contexto social; que leve em consideração a realidade do
educando, pelas suas características, história de vida, expectativas com a escola,
os saberes que já detém, sua visão de mundo e que carrega, consigo, a introjeção
da inferioridade naturalizada.
O PROEJA, no IFPB, se por um lado oportuniza a inclusão destes jovens e
adultos, paradoxalmente, poderá correr o risco de promover a sua exclusão a
partir do momento em que as suas necessidades sócio-educacionais e suas
perspectivas pessoais e profissionais não forem correspondidas.
Requer, portanto, a construção de um novo olhar, de uma identidade
própria, para todos os elementos inerentes a esta modalidade de ensino: métodos
educativos apropriados, imbuídos de uma prática dialógica nas diversas situações
de
aprendizagem;
material
didático
específico;
adequação
de
horário
(tempos/espaço) ao público a que se destinam e a formação dos educadores
envolvidos.
90
REFERÊNCIAS
BRUNEL, Carmen. Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e
adultos. Porto Alegre: Mediação. 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática
educativa. 35ª ed. São Paulo: Paz e Terra. 2007.
SOARES, Leôncio. PARECER CEB 11/2000. In: _______ Diretrizes Curriculares
Nacionais: Educação de Jovens e Adultos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.25133.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA:
Educação Profissional Técnica de Nível Médio/Ensino Médio. Documento Base.
Brasília: MEC, 2007.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica. Propostas Gerais para Elaboração de Projetos Pedagógicos de
Curso de Especialização. Brasília: MEC/SETEC. mimeo, 2006.
91
SINALIZANDO A EDUCAÇÃO: DOIS ANOS DE UMA PESQUISA NO
CAMPO DA INCLUSÃO VIRTUAL
Maurício Rocha Cruz 1
A idéia de uma pesquisa que proporcionasse uma página na internet com
recursos de interatividade e que permitisse circular vídeos em Libras teve grande
aceitação no INES. O desenrolar desta experiência permitiu, aos seus participantes,
refletir sobre a usabilidade de certas ferramentas, pensar as especificidades da
língua de sinais em plataformas interativas, conhecer conceitos, perspectivas e
projetivas das Tecnologias da Comunicação e da Informação.
Pensar estes temas, dentro de um Curso de Graduação em Pedagogia, tem
se mostrado necessário frente aos avanços científicos atuais. Novas formas de
comunicação aprimoram o acesso ao conhecimento, rompem fronteiras e
aproximam diferentes. Muitos são os grupos de pesquisa que, atualmente, refletem
sobre estes temas e pensam a educação atravessada por estes avanços. Sistemas
de ensino online são testados e aprimorados a cada dia, seja para oferecer mais um
suporte ao aluno ou mesmo para que, por ele, o aluno guie completamente seus
estudos. Há ainda uma forte discussão quanto ao uso não-didático das TIC’s, etc.
etc. etc.. Parece haver também uma forte convicção de que as novas tecnologias
ameaçam ou desvirtuam os caminhos pelos quais os alunos, tradicionalmente,
percorrem para alcançar o conhecimento. Nesse caso, nos parece claro, que a sátira
de que a biblioteca de um professor caberia no pendrive de seu aluno pode
realmente impactar os menos preparados.
Temos a convicção de que as TIC´s merecem uma leitura menos visionária,
menos virtualizante. É preciso encarar as novas ferramentas em sua complexidade,
sem desmoralizá-la com discursos sobre o ctrl+c + ctrl+v. Tais discursos
marginalizam, por exemplo, o uso da internet como fonte de pesquisa. Tais
discursos aparecem com mais frequência porque os próprios professores também
1
Professor Assistente DE do INES/DESU. Graduado em Pedagogia (UERJ/FEBF). Mestre em
Educação (UFF/PROPED). E-mail: [email protected]
92
consultam robôs de busca. Antes, os professores não detectavam, com tanta
facilidade, aquilo que foi copiado num dos muitos livros (para ser otimista) da
biblioteca de sua escola.
Encarar com seriedade o uso das ferramentas proporcionadas pelas TIC’s
significa estar em constante capacitação, aquilo que normalmente chamamos de
formação continuada. No caso em questão a razão é simples, as tecnologias que
podemos usar em sala de aula (ou mesmo fora dela) surgem a cada dia e atualizamse, permanentemente. Mas não necessariamente o conceito de formação precisa
estar ligado às instituições. Embora pouco em voga no cenário nacional, a autoformação permanece acreditando nos indivíduos, acreditando no compromisso que
ele deveria assumir consigo mesmo e depois, se for o caso, com a instituição. Se
fossemos pensar numa formação continuada, especificamente para as TIC’s, esta
formação não terminaria. Esta é a razão de ser do próprio conceito de formação
continuada: algo que amarra o indivíduo ao exercício de sua profissão. Não é
necessariamente com estes termos que a formação continuada merece ser
discutida. Por isso, apostar no compromisso do indivíduo para com o conhecimento
deveria ser mais eficiente do que oferecer melhorias salariais a cada especialização
concluída. A inversão dos valores, infelizmente, tem se expressado em análises
equivocadas.
Falar sobre as ferramentas de sucesso entre a garotada (Orkut, MSN, mp3
etc.) rende debates interessantes: desde a habilidade no uso destas ferramentas à
invasão de privacidade ou mesmo quebra de patentes. Não são poucos os
professores que usam estes temas em suas aulas, aproveitando maravilhosamente
os conhecimentos adquiridos anteriormente por seus alunos. Uma escola conectada
com seu tempo exige dinâmicas menos persuasivas, exige posturas pouco
exploradas pelos docentes. Exige uma postura conclamada a muito pelos alunos:
que o professor desça do palco, que reflita as fontes do conhecimento, conduzindo o
aluno
pelos
caminhos
mais
apropriados.
Trata-se,
portanto,
de
uma
descentralização do conhecimento, como de fato ele se apresenta na realidade, e
em oposição às fantasias de que o conhecimento, na sua forma literária, ainda é
mais eficiente para nossos alunos.
Esta pesquisa contou com a participação de estudantes voluntários que, na
medida do possível, contribuíram em atividades diversas da pesquisa. Estes alunos,
sem perspectivas alguma de bolsa e com a precariedade dos recursos disponíveis,
93
demonstraram o verdadeiro sentido da busca pelo conhecimento. Resta a impressão
de que mereciam mais do que lhes foi ofertado.
CONTEXTO
A idéia de uma pesquisa que promovesse ambientes online de discussão e
que circulasse vídeos em Libras insere-se num contexto institucional bastante
limitado. Com os poucos anos de experiência de funcionamento do Curso de
Pedagogia (INES/DESU) e com (ainda) os poucos profissionais de seu quadro
permanente, muitas linhas de pesquisa ainda não foram preenchidas. As grandes
mudanças na educação, provocadas pelas novas tecnologias, tem proporcionado
quebras de paradigmas e exigido melhor capacitação dos professores, nesta área. O
Curso de Pedagogia do INES necessita de um tratamento mais adequado aos
assuntos relacionados às TIC’s. Dizer que os surdos necessitam destas tecnologias
para ter uma maior acessibilidade aos conhecimentos é apenas um dos muitos
motivos pelos quais devemos nos preocupar com a questão. Mas urgente é fazer
com que os professores conheçam, discutam e transitem pelas ferramentas
disponíveis, assegurando assim uma formação integrada com os adventos
tecnológicos que tanto diferencia os comportamentos de nossas crianças.
Decorridos meus primeiros doze meses de trabalho no INES, percebi que
este era um campo fértil para pesquisas e experiências diretamente ligadas às
ferramentas tecnológicas mais acessíveis nos dias atuais. Com uma câmera na
mão, e acesso a internet, já é possível inovar e, principalmente, comunicar
(ferramenta de toda educação). Com um pouco de criatividade, por exemplo, é
possível utilizar blogs ou um serviço de hospedagem gratuita para compor um jornal,
uma webrádio, e até um canal de IPTV via stream.
Foi com idéias bem abrangentes que submeti um projeto à apreciação ao
INES, que acolheu seu desenvolvimento entre julho de 2008 e junho de 2010. Com
mudanças sugeridas, o projeto de pesquisa pode começar a sair do papel. O
objetivo maior foi criar um site voltado ao público surdo, com vídeos em Libras,
direta ou indiretamente, ligado à formação de professores. A aposta em ferramentas
interativas como blog, chat, fóruns, notícias etc. proporcionou maior autonomia por
partes dos usuários.
94
PERSPECTIVAS
O Curso de Pedagogia ainda não tinha uma regulamentação institucional que
definisse as políticas e os processos de credenciamento de pesquisas. Com isso,
também carecia de um programa de bolsas que regulamentasse a participação do
alunado nestas atividades. Sendo assim, com a pesquisa sendo institucionalizada
em junho de 2008, foi aberto um processo de seleção de alunos da graduação para
participar da pesquisa Sinalizando a Educação, na qualidade de Alunos Voluntários
(Auxiliar de pesquisa), com 10 horas semanais.
Os candidatos tiveram que
responder a um pequeno questionário sobre sua disponibilidade, interesse e
propósitos. A princípio, cinco alunos começaram a participar das reuniões, e aos
poucos, duas alunas não conseguiram acompanhar as reuniões. Os três alunos
selecionados na graduação compuseram o grupo de pesquisa junto ao Professor
Orientador e a outros voluntários, um mestrando da UERJ/FEBF e duas pósgraduandas do INES/ISERJ. Todos foram informados do cadastramento da pesquisa
e de sua situação voluntariada.
As perspectivas de trabalho não podiam ser tão abrangentes, embora o início
das atividades nos empolgasse com um grupo tão grande e disposto. Contávamos,
em julho de 2008, apenas com uma sala para reuniões e um computador, para ser
compartilhado pelos grupos de pesquisa e por todos os professores do Curso de
Pedagogia. Ainda no comecinho das atividades, o Diretor do INES convidou o
responsável pela pesquisa, elogiou a iniciativa, e ofereceu suporte material,
combinando um futuro encaminhamento de solicitação de compra de recursos.
Foram estas as perspectivas estruturais no início da pesquisa.
Quanto ao público, nossa idéia era primeiro oferecer e testar nosso site com
os alunos do Curso de Pedagogia do INES. Na qualidade de curso bilíngue (LibrasPortuguês), e no âmbito de sua formação para atuação com o público surdo, era
evidente pensar no uso da Libras no site a ser criado. Os usuários da Libras
estavam no corredor, ao nosso lado, entre nós; e esse convívio foi marcando, em
nós, propósitos e características defendidas pelos surdos para uma comunicação
mais eficaz. Este público (usuário da Libras), concentra sobre si nosso contexto,
orienta nossas perspectivas, e objetiva nossas ações.
95
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Formado o grupo, as reuniões iniciais serviram para afinar os propósitos da
pesquisa. Nestas reuniões, estabelecemos o funcionamento da pesquisa, sua
estrutura, sua intervenção no espaço. Em seguida, nos munimos de referenciais
teóricos que nos permitisse pensar a usabilidade de ferramentas interativas
(PELLANDA, BEY), que as problematizasse em relação a possibilidades formativas
(LÉVY) e, principalmente, que aproximasse o usuário das novas tecnologias
(SCLÜNZEN), tendo como requisito sua compreensão enquanto fenômeno social.
As reuniões aconteceram semanalmente, e na maioria das vezes, sem intérprete.
Na ocasião, discutimos a utilização de hospedagens gratuitas e sua
significação frente às possibilidades abertas e acessíveis a qualquer usuário da
internet. Testamos algumas possibilidades e constatamos alternativas bastante
interessantes.
Em nosso primeiro teste, hospedamos uma página com links e arquivos em
um servidor gratuito (www.freewebtown.org). Percebemos que, com poucos
conhecimentos, pode-se configurar uma conta gratuita e hospedar informações. As
primeiras páginas que hospedamos serviram para testar o princípio de navegação
por imagens. A idéia foi criar um ambiente virtual que simulasse o caminhar de um
avatá (boneco) por dentro de uma instituição com biblioteca, sala de bate-papo, sala
de vídeo, mural de notícias etc., tudo representado por imagens. Com um clique nas
setas posicionadas ao redor do avatá, o usuário do site movimentava-se,
dinamicamente, pelo mesmo.
Repetimos estes testes em um disco virtual (Diino). Um disco virtual nada
mais é que um local na internet onde podemos guardar nossos arquivos. Sem nunca
termos ouvido falar sobre experiência parecida, hospedamos páginas no disco e
criamos um redirecionamento de domínio para facilitar o acesso de usuários.
Embora o acesso aos arquivos tenha se mostrado um pouco lento, a experiência
funcionou e nos ajudou a pensar o futuro da pesquisa.
À medida que experimentávamos as possibilidades gratuitas e conferíamos
seu funcionamento, percebemos os limites das linguagens aceitas e as dificuldades
que encontraríamos se optássemos por desenvolver o site com estes recursos. A
maior dificuldade, na época, foi que não encontramos suporte a ferramentas PHP,
uma linguagem necessária para proporcionar a interação de usuários através de
96
fóruns, login, enquetes, etc. em serviços de hospedagens gratuitos. Sem essa
possibilidade, nosso usuário poderia ficar limitado à navegação por links e sem
intervenção no site.
A navegação por imagens nos demonstrou outro empecilho: o carregamento
de imagens fica comprometido, pela ainda precária, taxa de transferência de dados
ofertada por prestadoras de conexão com a internet no Brasil. Neste caso,
percebemos que se usássemos a linguagem flash (também sem suporte em
hospedagens gratuitas) teríamos maior sucesso. Tempos depois, descobrimos um
ranking não-oficial dos dez melhores sites em flash do mundo. Para nossa surpresa,
o princípio de navegação por imagens estava presente no site vencedor. Vale
ressaltar que tal site levou dois anos para ser construído com o patrocínio de cerca
de vinte empresas grandes. Não contávamos, obviamente, com tal aparato técnico
nem mesmo como suporte financeiro para tal empreitada, mas ficamos muitos
satisfeitos já que, ao menos conceitualmente, estávamos propondo um caminho de
sucesso.
Decidimos, após análises destas primeiras experiências, que a linguagem
flash exigia conhecimentos tecnicamente muito avançados para este grupo de
pesquisa. Decidimos mesclar HTML e PHP em nosso site e, com estas linguagens,
alcançar a interação desejada com nossos usuários.
Este propósito nos fez analisar a possibilidade de pedir a instalação de
páginas da pesquisa no servidor institucional do INES. Esta iniciativa evitaria que
contratássemos um plano de hospedagem. Entretanto, até por questões de
segurança, o uso do servidor do INES nos proporcionaria maior dificuldade de
atualização do site da pesquisa. Qualquer dificuldade de atualização no site poderia
ferir o seu próprio princípio interativo.
Estes limites nos fez contratar (com recursos pessoais) a compra de um
domínio: o endereço eletrônico www.sinalizando.net. O nome sinalizando, por
questões óbvias, refere-se à pesquisa e à ação que o gerúndio indica (em
consonância com a interatividade desejada). Já net é uma das opções disponíveis
atualmente (ex.: .com; .org; .gov; ..com.br, etc.) e encaixa-se no sentido de uma rede
de colaboração e interação virtual. As outras formas estão mais atreladas ao
comércio, à iniciativas não-governamentais, governamentais etc.
Um endereço eletrônico (www.sinalizando.net) deve redirecionar o usuário
para uma página hospedada em um servidor. Como os serviços gratuitos não
97
contemplavam
as
necessidades
da
pesquisa,
contratamos
um
plano
de
hospedagem para armazenar os dados e as ferramentas do site. Neste caso,
também o plano foi custeado com recursos pessoais. Mesmo sabendo da
possibilidade de reivindicar, ao INES, o fomento a estes recursos, temíamos que os
procedimentos administrativos pudessem retardar nossos objetivos. Com estes
serviços contratados, partimos para a instalação do site.
Passamos a estudar a plataforma Moodle (Modular Object Oriented Distance
Learning) e investigar se atendia aos nossos propósitos. O moodle tem sido muito
utilizado em Curso de Educação a Distância, pois possui toda uma estrutura própria
para isso. A sua versatilidade também tem estimulado sua utilização para outros
fins, em especial para permitir que usuários intervenham frente aos conteúdos
postados e até configure, à sua maneira, a visualização do site. Seu código é aberto
e gratuito, sendo atualizado, colaborativamente, por usuários do mundo inteiro. Tais
características são apoiadas pelos referencias teóricos que estudamos e,
atualmente, até o governo brasileiro incentiva a produção e a circulação do código
aberto, em oposição às patentes que impedem o livre desenvolvimento de recursos
tecnológicos.
Martin Dougiamas é o principal desenvolvedor do moodle e associa o seu
desenvolvimento ao que chama de “pedagogia social construcionista”. O moodle
propõe uma pedagogia da colaboração, onde o conhecimento se constrói,
socialmente, na medida em que as pessoas interagem com as outras e com os
conteúdos. Vejamos algumas das características desta pedagogia:
1. Construtivismo — Esta filosofia sustenta que as pessoas
constroem ativamente novos conhecimentos à medida que
interagem com seu ambiente;
2. Construcionismo — Sustenta que a aprendizagem é
particularmente eficaz quando se está construindo alguma
coisa para que outros experimentem;
3. Construcionismo Social — Um grupo de pessoas
construindo
algo
para
as
outras,
criando
de
maneira
colaborativa uma pequena cultura de “coisas” compartilhadas,
bem como com os significados compartilhados;
98
4. Ligado e Separado — Neste ponto, o objeto de observação
é a motivação das pessoas em uma determinada discussão de
assuntos.
Percebemos, no grupo de pesquisa, que as possibilidades ofertadas pelo
moodle preenchiam os requisitos mínimos necessários à dinâmica desejada para o
site. Outro motivo importante para a escolha deve-se à autonomia no gerenciamento
total das senhas, por parte do administrador do site (isso permite, por exemplo, criar
diversos grupos com autonomia diferenciada para intervir no site) e as facilidades na
edição de páginas por dentro do site. Neste sentido, o usuário não depende de um
domínio técnico de linguagens de programação para organizar suas intervenções
frente ao site. Veja que estamos partindo de um princípio de navegação, onde o
usuário do site é considerado um interventor: alguém que mobiliza a informação
para além da sua apresentação autoral. Alguém que responde, cria e edita textos,
novos textos, e que em última instância, também provoca novos textos. Assim, nos
aproximamos das características defendidas por Dougiamas para o que chama de
“pedagogia social construcionista”.
A PUBLICAÇÃO DO SITE E SUA UTILIDADE PARA OS USUÁRIOS
O site foi lançado em novembro de 2008, em cerimônia interna no INES, com
a presença de palestrantes, que se apresentaram por, aproximadamente, três horas,
e foi transmitida pelo referido site, acompanhado de uma sala de bate-papo para
intervenção dos internautas. Desde o princípio, as experiências aproximavam o
usuário do site das possibilidades formativas e informativas disponibilizadas.
Aos poucos, alguns fóruns foram construídos e as informações atualizavam
os usuários sobre temas específicos. A interatividade proporcionada ao usuário fez
com que um público, de mais de oitenta usuários, fizesse seu cadastro nele. É bom
salientar que não foi feita divulgação externa, e que o site ficou sendo direcionado,
exclusivamente, ao público do INES e aos surdos e profissionais ligados à questão.
Essa falta de divulgação foi pensada para testar as possibilidades de ramificações
de informações sobre conteúdos na internet sem que seus veiculadores interfiram
diretamente neste processo (enviando e-mails de divulgação, publicando anúncios,
99
etc.). Outro fator importante a ser considerado é que o site permite aos usuários não
cadastrados acesso a todas as informações publicadas pelos administradores do
site. Isso faz com que, na maioria das visitas, o usuário não execute seu login. Ele,
normalmente, precisa logar-se para responder a um tópico, publicar um conteúdo,
responder e enviar mensagens, etc.. Portanto, seu anonimato é garantido enquanto
leitor e impossibilitada, na medida em que se torna um interventor do site e que
precisa receber autoria. São estes os dados que avaliamos importantes para
compreender, como muito bom, o número de cadastro de usuários que temos no
momento.
Tendo um público usuário de língua de sinais, nossas dificuldades eram
sempre maiores. Conteúdos em texto escrito (é possível falar de texto em libras) são
considerados conteúdos ofertados na segunda língua do surdo. É difícil encontrar
reconhecimento na população em geral, e até em professores, para o fato de que
um ser que não escuta terá uma dificuldade imensa para aprender o código
linguístico representado pelo encadeamento de um monte de letras. Para nós,
ouvintes, as letras têm som e as ouvimos, muito antes de aprender a escrever. Para
os surdos, a fala é uma expressão gesto-visual: representa um conjunto muito maior
de enunciados que é parcialmente despercebido pelos que ouvem. Foram estas as
características linguísticas do surdo para as quais o site foi desafiado a publicar
conteúdos em Libras.
A Libras é uma língua que se exerce no tempo e no espaço e que é
representada por uma pessoa (existem avatás que podem fazer a língua de sinais,
mas sem expressão facial). Ofertar conteúdo em Libras significava ter pessoas que
pudessem interpretar textos. Este desafio era mais que estrutural. Não tínhamos
pessoas destinadas a esta função (nem bolsas, nem intérpretes, e nem dinheiro).
Por outro lado, é forte entre os intérpretes de Libras a reivindicação por direito de
imagem, o que dificulta o deslocamento destes profissionais para atividades como
esta. Para nós, outra questão também merecia maior atenção: os conteúdos não
deviam ser pensados em Português e interpretados em Libras. Era imperioso que os
conteúdos, ou a maioria possível deles, fossem pensados segundo a estrutura da
Libras, que tem características próprias bem diferenciadas da estrutura do
Português que usamos para passar as informações. Eis que nossos desafios
aumentavam, e ainda tínhamos dificuldades com equipamentos e estrutura básica
para o funcionamento de uma pesquisa.
100
Ainda sim, lançamo-nos aos desafios. Com ajuda dos próprios participantes
da pesquisa, fomos criando conteúdos em Libras. Posteriormente, em disciplinas da
graduação, alunos foram apresentados ao desafio de construir textos em Libras
(conteúdos acadêmicos que pudessem auxiliar na formação do professor que irá
atender surdos). Este desafio resultou em cerca de vinte pequenas produções sobre,
e principalmente, a vida e a obra de autores relacionados, direta ou indiretamente,
com o Curso de Pedagogia do INES, e que foram publicados no site no ano de
2009. Há também uma ferramenta para envio de vídeos em Libras para o site. A
intenção é que ele pudesse tornar-se um grande local de circulação da Libras.
Como se sabe, o envio de conteúdo em Libras exige, minimamente, o uso de
uma câmera e, posterior, postagem. Minimamente, porque normalmente um vídeo é
editado e até convertido antes do envio. Isso exige certa aparelhagem e uma notória
exposição da pessoa que fará a Libras, no vídeo, para não falar de tempo,
dedicação e outras questões que podem desanimar esta empreitada. O maior
difusor da Libras hoje é o youtube, seguido dos programas televisivos que tem a
presença de intérpretes de Libras; a escola, pasmem, fica posicionada depois ainda
das igrejas. Há muito espaço, portanto, para a difusão da Libras por outros canais.
Nosso proposto e nesta questão, vale lembrar, restringiu-se a um público específico.
Muitos dados foram gerados pelos acessos, de nossos usuários cadastrados,
e outros, referem-se aqueles que não se logaram. Estatísticas de acesso não
tomaram tempo neste texto, mas vale ressaltar que alguns dados apresentam,
claramente, interesses por temas e ferramentas de navegação. A interação
proporcionada pelo site garantiu uma mobilidade eficaz e uma usabilidade
relativamente consistente. Isso significa, em última instância, a garantia de que o
usuário obteve o que procurava, mesmo sendo significativa parte dos usuários
cadastrados surdos, portanto, tendo o Português como segunda língua. No que
tange aos acessos, a seção de vídeos foi a mais visitada e tornou-se a mais
importante ferramenta do site.
PARA NÃO CONCLUIR...
Durante estes dois anos de pesquisa, percebemos o quão amplo é a
necessidade de divulgar a Libras no âmbito da internet, para não falar de outros
101
âmbitos. Percebemos que a inclusão virtual é muito mais do que oferecer recursos e
tornar acessíveis determinados conteúdos. Isto já desconfiávamos, desde o começo
da pesquisa, e foi um dos motivadores para que dedicássemos atenção especial ao
público surdo, seja pensando numa dinâmica de navegação por imagens (que
retardamos para uma etapa posterior) seja exaustivamente editando sites e vídeos,
segundo
critérios
nunca
classificados,
pouco
abordados
e,
isoladamente,
experimentados.
Partimos, por exemplo, nas edições de vídeos, de limitações nas transições
de imagens, de informações e até de cenários e vestimentas, pois a Libras não deve
ser ofuscada pelo contexto em que se insere (vale ressaltar as experiências do
Telelibras). O padrão de cenas curtas, luz, efeitos, e muitas transições, pode tornarse desgastante demais para aqueles que usam a visão para se orientar em quase
tudo no seu dia. Estas, e muitas outras constatações técnicas, ou não, foram
percebidas em plena experiência que se materializou em diversos vídeos postados.
A inclusão virtual não pode e não deve ser pensada como estando a serviço
unicamente do acesso. Acessar não foi para nós o principal propósito (vide o fato de
não ter havido divulgação), não até o momento em que pudéssemos experimentar o
suficiente esta inclusão, até vivenciar com nossos alunos do Curso de Pedagogia
suas dificuldades na construção de um vídeo em Libras, e posterior postagem no
site. A inclusão virtual para nós foi um desafio que exigiu acompanhamento do
público, conhecimento de suas estratégias de pesquisa, proximidade com sua
aprendizagem. Portanto, só em última instância ela foi virtual, porque no cotidiano de
nossas reflexões, e no exercício de nossas experiências, é que o conteúdo foi
produzido e pensado. Estas ressalvas não questionam o caráter da inclusão, mas
alerta para o fato de que incluir e manter incluído deve estar diretamente envolvido
com os interesses dos próprios indivíduos para o qual se destina esta inclusão.
102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. São Paulo: Editora Conrad, 2001.
GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo:
Editora UNESP, 1991.
LÉVY, P. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.
_____. O que é virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996.
PELANDA, N., SCLÜNZEN, E., JUNIOR, K. (Orgs.). Inclusão Digital: tecendo redes
afetivas/cognitivas. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
103
A EDUCAÇÃO E A DIVERSIDADE
Tânia Guerra
Secretária Geral do SINASEFE
Integrante do Conselho Coordenador e Consultivo da CEA
Integrante do Conselho Internacional de Educação do Fórum Mundial de Educação
IF Sul-riograndense
[email protected]
RESUMO
O presente trabalho busca se inserir na discussão sobre a qualidade que queremos
para a educação profissional e tecnológica e o papel social da escola, a necessidade de
referenciar esta discussão no conteúdo da Declaração dos Direitos Humanos, conforme
apontam as últimas orientações do Conselho Nacional da Educação e da Conferência
Nacional de Educação – CONAE
104
A EDUCAÇÃO E A DIVERSIDADE
Declaração Universal dos Direitos humanos: A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta De­ claração, se esforce, através do ensino e da Edu­ cação, por promover o respeito a esses direitos e li­ berdades, e, .... O Estado tem a obrigação de promover a inclusão social e superar as
desigualdades sociais, além de promover a qualidade de vida, a cidadania e fazer a
justa distribuição da riqueza econômica, social e cultural do país, uma vez que a
exclusão social está muito mais associada à desigualdade do que à pobreza,
propriamente dita.
Em nossa sociedade, embora a Constituição garanta a igualdade entre
homens e mulheres e combata a discriminação, ainda temos nas mais diversas
instituições sociais, e entre estas a escola, cujo modelo reproduzido é o da sociedade
capitalista, as relações sociais permeadas pelo preconceito e pela desigualdade.
A escola reproduz esta desigualdade por aceitar sua naturalidade, e assim
aceita como naturais os modelos culturais, historicamente construídos, dos papéis
sociais do homem e da mulher. Ao homem cabe mandar, afinal ele é o mais inteligente;
à mulher, por sua vez, cabe ser dócil, ela é feita para guardar, acompanhar e auxiliar o
seu parceiro. O modelo ideal, então, é o do macho, branco, rico e heterossexual.
105
Esta visão de sociedade, visão de mundo, precisa ser urgentemente
desconstruída, porque desqualifica e discrimina a mulher, o negro, o velho o
homossexual e o portador de necessidades especiais. A escola, por sua vez, necessita
formar seres humanos que não tolerem ações discriminatórias por não aceitarem, como
naturais, tais construções.
Nossa cultura, auxiliada pelos meios de comunicação, fazem com que nossas
crianças e adolescentes tenham exemplos de violência e preconceito desde suas
primeiras experiências de vida, quando desenvolvem seu raciocínio lógico e o seu
poder de abstração. Criando seus espaços de resolução de situações concretas, e
estabelecendo relações entre elas, interiorizam seus valores éticos e suas normas
sociais e morais, estabelecendo, dessa forma, seus modelos referenciais.
É papel da escola, enfim, identificar que esta naturalização traz dor e
sofrimento; comprometendo, pois, a formação integral para a cidadania.
Valorizar a diversidade exige, justamente, lidar com ela, cotidianamente;
entendendo que as diferenças devem ser respeitadas e promovidas, superando o seu
uso como critério de exclusão social, hoje aceito e praticado em nossas instituições, e
como de resto, na sociedade.
Renomados educadores como Paulo Freire, Piaget, e tantos outros, e outras,
enfatizaram a totalidade do ser humano e sua capacidade de se construir, socialmente,
através de significados socialmente importantes. Alem de se reconhecer o(a) outro(a)
como
desigual,
é
necessário,
primeiramente,
reconhecer
em
suas
relações
interpessoais, seus direitos e deveres como tal, igualmente desiguais.
Efetivamente, assim, incorpora-se a função social do educador(a), com a
responsabilidade de, em se aceitar os diferentes seres que lhes são dados a conviver,
por conta de mais um ano letivo que se inicia, a cada mudança de ano de calendário,
transmitir valores éticos que referendem a cidadania.
106
A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
As estatísticas oficiais denotam que 47% das casas brasileiras vivem em
situação de violência doméstica, o que leva as crianças brasileiras a estabelecerem
suas primeiras relações sociais baseadas, por assim dizer, em referenciais violentos e
discriminatórios. Sabe-se também, é senso comum que, é grande a probabilidade de
quem sofre violência, qualquer que seja, quando criança vir, a reproduzi-la quando
adulto(a).
A Sociedade Civil Organizada, nos últimos anos, tenta superar este quadro
com leis que utilizam a educação, e não somente ela, como instrumento de superação
das desigualdades e formação integral de cidadãos e cidadãs construtores (as) de uma
sociedade ética, fraterna e igualitária, justamente por entenderem ser a escola o espaço
social onde se modela, ou provoca, uma mudança de mentalidade de nossa juventude.
É necessário, todavia, que nossas instituições escolares adotem, em suas
bases curriculares, conteúdos capazes de darem conta desta necessidade: educar
dentro do respeito aos Direitos Humanos e na perspectiva do combate à violência
sexista e à homofobia; no respeito às relações étnico-raciais, geracionais, e à
valorização da diversidade; o que deve ser, hoje, uma prioridade na/da educação
brasileira.
A Lei 10639/03, que trata da História e Cultura Afro-Brasileira, e a Lei
11340/06, Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica e familiar contra a
mulher, embora já tenham algum tempo de vigência; infelizmente, ainda não chegaram
às nossas instituições de ensino.
Hoje, tramitam no Congresso, vários projetos de lei que tratam do referido
assunto. Em especial, temos o PL 2431-A/07 e o PL 3361/08, das deputadas Maria do
Rosário e Lídice da Mata, respectivamente, que incluem, nos currículos escolares,
conteúdos e práticas que contribuam para o combate à violência doméstica, cumprindo
assim o art. 8º da Lei Maria da Penha. A relatora do segundo PL diz: saber que “romper
a visão que rebaixa, desqualifica e discrimina a mulher e o(a) negro(a) exige políticas
de longo prazo, exige a formação de indivíduos que não considerem naturais, ou não
107
tolerem, ações discriminatórias em relação a quaisquer formas de diversidade: raça e
etnia, geracional, orientação sexual, deficiências e gênero”. Os dois PLs enfatizam a
necessidade de esta questão ser tratada, em todos os níveis e modalidades de ensino.
Os conteúdos e as práticas educacionais deverão, dessa forma, abordar temas
relacionados aos direitos humanos e disseminar valores éticos de respeito à dignidade
humana na perspectiva de gênero, raça/etnia e opção sexual.
Com o advento da Lei Maria da Penha, somos o décimo oitavo país da
América Latina a contar com lei específica contra a violência sexista, além do fato de o
poder
público
oferecer
Programas
de
Qualificação
e
Formação,
aos
seus
professores(as) da educação básica, a fim de, devidamente preparados, atuarem nas
escolas.
A Lei 9394/96, a LDB, infelizmente, ignora os Direitos Humanos e não reforça
a necessidade de os conteúdos curriculares neles se referenciarem.
O Conselho Nacional de Educação – CNE, ao preparar o Parecer que
subsidiou as discussões para a construção do novo Plano Nacional de Educação –
PNE, em 2009, apontou para a necessidade de o novo Plano conter diretrizes
referenciadas nos Direitos Humanos. Ainda em maio deste ano, o Parecer número 04
do CNE, homologado pelo Ministro da Educação, traçou diretrizes para a educação nas
prisões, reforçando o direito de todos e todas à educação, independente de terem, ou
não, direito à liberdade civil.
Parece que o poder público, através de seus ministérios e do CNE,
despertaram para a necessidade de se ter políticas de inclusão e valorização da
diversidade, como política de Estado; única forma de responder a demanda maior da
sociedade brasileira, medida em todas as pesquisas, que é a preocupação com a
segurança pública.
108
A HOMOFOBIA E A IDENTIDADE DE GÊNERO
Em 1975, a Organização Mundial da Saúde – OMS deixou de considerar o
homossexualismo como integrante da Classificação Internacional de Doenças
classificadas como distúrbio mental. Em 1985, a OMS declarou que deixava de
considerar o homossexualismo doença, considerando-o, a partir de então, como um
sintoma decorrente de circunstâncias psicossociais – desajuste social, retirando o
“ismo” do termo, que significa doença, e adotando o “dade”, que significa uma forma de
ser. Passou a ser tratado, então, como homossexualidade.
Em 1995, a Conferência Mundial de Beijing encaminhou o tema para as
discussões a serem levadas a efeito na ONU; entretanto, este não apareceu nas
Resoluções, por objeção das delegações islâmicas. A Conferência Regional das
Américas, em Santiago – Chile, em 2000, aprovou a Declaração de Santiago, que
compromete todos os países do continente sul - americano a combater a discriminação
por orientação sexual – a homofobia.
O Departamento de Psicologia da Universidade de Sevilha realizou o primeiro
estudo sobre o desenvolvimento de meninos e meninas em famílias de pais gays, ou
mães lésbicas, famílias monoparentais, na Espanha. Este trabalho apresentou a
seguinte conclusão: 1) pai e mãe com alta autoestima, boa saúde mental, e nível
econômico satisfatório; 2) estilo democrático de educar, com alto nível de comunicação
e afeto; 3) pais e mães consideram a paternidade e a maternidade como o legado mais
importante de suas vidas; 4) famílias cujo valor educativo principal é o respeito aos
outros e à tolerância.
E, diante da constatação feita, em diversos países, de que a violência sexual é
a forma mais recorrente de violência contra as crianças, adolescentes e jovens,
juntamente ao elevado índice recorrente da agressão física, a UNESCO e os países
membros se voltaram para a resolução deste desafio.
No Brasil, nós que queremos construir uma escola justa, livre de preconceito e
discriminação,
precisamos
identificar
nossas
dificuldades
e
elencar
nossos
instrumentos para, somente assim, podermos enfrentá-las.
109
As dificuldades são aquelas próprias de nossa realidade social e cultural, que
permeiam nosso cotidiano, e que trazem a incompreensão acerca da homofobia e de
seus efeitos. Esta dificuldade não é só dos professores(as) consultados(as), uma vez
que também está presente na dificuldade de formulação de políticas públicas para o
assunto. Esta dificuldade nos leva, muitas vezes, a reproduzir esta discriminação em
vez de enfrentá-la.
Muito tem ajudado os estudos de Bourdieu e Passeron, além de outros(as)
acerca desse assunto; estudos que alertam para a necessidade de desmistificar o
poder de a educação, sozinha,
transformar o mundo e criar a sociedade que
queremos.
A escola, hoje, além de produzir e difundir o conhecimento reproduz padrões
sociais, concepções de Estado e de mundo, legitima relações de poder, processos de
acumulação, e não aponta para o desejo de derrubar o modelo capitalista, ou de
construir o socialismo.
A escola é, historicamente, um espaço disciplinador e responsável pela
permanência do status quo. Ela isola o diferente, o doente, o pervertido o não normal. É
mais um lugar de opressão, discriminação e preconceitos.
A professora Guacira Louro diz (2004, p. 27), com muita propriedade, que “...
os sujeitos que, por alguma razão ou circunstância escapam da norma e promovem
uma descontinuidade na sequência sexo/gênero/sexualidade serão tomados como
minoria e serão colocados à margem das preocupações de um currículo ou de uma
educação que se pretenda para a maioria”. Paradoxalmente, esses sujeitos
marginalizados continuam necessários, “... pois servem para circunscrever os contornos
daqueles que são normais e que, de fato, se constituem nos sujeitos que importam.”
(Louro, 1997, p. 29). A homofobia, o medo voltado contra os(as) homossexuais, podese expressar ainda numa espécie de “terror em relação à perda do gênero, ou seja, no
terror de não ser mais considerado como um homem ou uma mulher “reais”ou
autênticos/as”.(Louro, 1997, p. 29).
110
A UNESCO, em 2001, em pesquisa realizada em escolas brasileiras,
constatou que a forma mais comum de discriminação, nas interações entre jovens, são
as chamadas brincadeiras, por meio de linguagem desrespeitosa e ameaças, que
comumente tem como alvo as meninas. A pesquisa apresentou o seguinte resultado: 1)
1/3 de pais e alunos não querem homossexuais em sua turma, sendo 30,6% em
Fortaleza e 22,6% em Belém. 2) A homossexualidade é rechaçada por 42% dos
rapazes e 13% das moças em Porto Alegre. 3) Professores/as ou silenciam, ou
reproduzem o preconceito. 4) Há o reconhecimento de não se saber como lidar com
seus preconceitos, e a preocupação em como formar para uma cultura da diversidade
alem da tolerância formal.
Em 2004 divulgou o resultado de outra pesquisa, com todas as Unidades da
Federação, em que 59,7% dos professores(as) julgam ser inadmissível que uma
pessoa tenha ligações homossexuais.
Na Parada do Orgulho GLBT, no Rio de Janeiro, em 2004, 40,4% dos
entrevistados(as),
na
faixa
etária
de
15
a
18
anos,
declararam
ter
sido
discriminados(as) na escola. Na Parada de São Paulo, em 2005, 32,6%, identificaram
a escola e a faculdade como espaços de marginalização e 32,7% afirmaram ter sofrido
discriminação, por parte de professores(as) e colegas. No mesmo ano, na 8ª Parada de
Belo Horizonte, 34,5% declararam ser a escola a instituição com maior frequência de
reações homofóbicas.
No Brasil, em 2004, o governo federal lançou, em conjunto com a sociedade
civil, o Programa Brasil sem Homofobia“, na perspectiva de que a democracia não pode
prescindir do pluralismo e de políticas de equidade, interrompendo a histórica
indiferença em relação à homofobia.
Em 2007, na Inglaterra foi aprovada a Equality Act, voltada a eliminar
discriminações por orientação sexual, determinando que até mesmo as escolas
religiosas devam ensinar o respeito à livre expressão sexual.
111
AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Todas as reflexões e pesquisas sobre a condição da mulher agravam-se com o
viés da raça. Se os salários das mulheres são inferiores aos dos homens; os salários da
mulher negra são inferiores aos da mulher branca.
A intolerância com as lésbicas é muito maior do que a verificada com os gays,
e se a mulher em questão for negra, a intolerância, verificada principalmente no
atendimento médico dispensado pelo sistema de saúde pública, é maior do que com as
brancas.
Se durante o século XX aconteceram alguns avanços na área dos direitos
humanos e sociais, dentro da legislação brasileira, sempre por necessidade da
expansão do capitalismo e da consolidação das políticas neoliberais, nada foi
construído visando à promoção da cidadania da população negra.
O Movimento Negro, forte e organizado, contando com importantes
protagonistas como Abdias Nascimento, as experiências do Movimento Negro Unificado
– MNU, o Movimento das Mulheres Negras e as Comunidades Quilombolas, sempre
reivindicaram a educação formal com o olhar do negro(a) como instrumento de
promoção das demandas da população negra, na perspectiva da superação das
desigualdades sociais e raciais, acreditando que o racismo é um dos mais fortes
componentes do fracasso escolar deste segmento da sociedade.
Os mais importantes instrumentos legais para atingir estas reivindicações são
a Lei 10639/03, que obriga os currículos nacionais, de todos os níveis e modalidades de
ensino, a incorporarem a História da Cultura Afro-Brasileira, e o Parecer CNE/CP 3/04,
que institui as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o
Ensino da História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, cabendo aos sistemas de
ensino, federal, estaduais e municipais, promover a formação de professores(as),
assegurar o cumprimento das Diretrizes e disponibilizar o material didático necessário
para garantir o sucesso escolar que o mundo e a sociedade estão a exigir. Aqui nos
referimos a relações étnico-raciais, como a relação entre brancos e negros
112
considerando a raiz cultural da ancestralidade africana com sua visão de mundo,
valores e princípios.
Cabe, ao cotidiano escolar, criar pedagogias de combate ao racismo e ao
preconceito, conhecer esta história, fazendo as ligações necessárias, para que
tenhamos a inclusão social devida há 500 anos a esta população, e que somente
acontecerá com a articulação entre processos educativos, políticas públicas e
movimentos sociais, uma vez que qualquer mudança de comportamento acontece além
dos muros da escola.
Aqui consideramos raça como construção social que serve para informar
características como cor da pele e tipo de cabelo com o intuito de definir destino e lugar
social dos sujeitos assim caracterizados, hoje ressignificado pelo Movimento Negro com
sentido político e de valorização, deixado pelos africanos(as).
Apesar de a população negra perfazer 45% da população brasileira, segundo
dados do IBGE, o Brasil se imagina um país branco, bem mais europeu do que
africano.
Segundo Frantz Fanon, em Os Condenados da Terra (RJ, 1979):“É obrigação
dos descendentes dos escravizadores assumirem a responsabilidade moral e política
de combater o racismo, as discriminações e construir relações sociais e raciais sadias
para que todos e todas se realizem enquanto seres humanos e cidadãos e cidadãs”,
CONCLUSÃO
Uma educação de qualidade, emancipadora e inclusiva, além de construir e
divulgar o conhecimento científico, deve reconhecer que a diversidade é pedagógica e
liberadora, e sua valorização garante a formação integral do ser humano, com justiça
social e formação de cidadania.
Podemos contribuir com esta nova escola sugerindo algumas medidas e
ações, como:
113
1 – conhecer e respeitar diretrizes que apontem para ações de respeito e
reconhecimento da diversidade de orientação sexual e identidade de gênero, que
eliminem a violência homofóbica e sexista;
2 – fomentar a realização de cursos interdisciplinares de formação inicial e continuada
para os trabalhadores(as) em educação, incluindo gestores(as);
3 – apoiar e estimular a articulação constante entre os sistemas de ensino e a
sociedade civil organizada, nesta tarefa;
4 – criar e integrar equipes multidisciplinares para avaliação e construção de materiais
didáticos não contaminados pelo preconceito e a discriminação;
5 – estimular a inclusão destas temáticas nos currículos e atividades de ensino,
pesquisa e extensão, fomentando a criação e o fortalecimento de núcleos de estudos
acadêmicos, grupos de trabalho nos cursos e sindicatos, com vistas a promover a
construção, a difusão e a produção de conhecimentos que contribuam com a superação
do preconceito, a violência e da discriminação em razão de orientação sexual, gênero,
raça e etnia.
O combate ao preconceito, a capacitação adequada, a divulgação das Leis
10639/03 e 11340/06, são instrumentos capazes de qualificar nossa rede para o
exercício pleno de sua função social de contribuir na construção democrática de uma
nova ética, centrada na vida e na cultura da paz, superando políticas e práticas
opressoras que excluem significativa parcela da sociedade formada por pobres,
negros(as), indígenas, ciganos(as), quilombolas, homossexuais, dentre outros e outras.
114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 – Pareceres do CNE;
2 – Lei 9394/96, Lei 10639/03 e Lei 11340/06;
3 – Plano Nacional de Educação – diretrizes propostas pela CONAE;
4 – Projetos em tramitação no Congresso;
5 – Diferenças – Educação de qualidade para todos – SCAD/MEC;
6 – Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais – SECAD/MEC;
7 – Homofobia nas Escolas – Rogério Diniz Junqueira;
8 – Gênero e Diversidade na Escola – Maria Elizabeth Pereira e outras;
9 – Materiais Didáticos para a violência de Gênero – Pilar Jiménez Aragonés
10 – Educação em Direitos Humanos – Educação Profissional e Tecnológica –
SETEC/MEC
11 – O Elogio da Diferença – Rosiska Darcy de Oliveira
12 – Gênero: uma categoria útil de análise histórica- Joan Scott;
13 – O Horror Econômico – Vivianne Forrester;
14 – Texto Base das Conferências Estaduais LGBT – Comissão da Diversidade Sexual
da OAB/RS;
15 – Plano Nacional de Prevenção de Cidadania e de Direitos Humanos LGBT;
16 – Diversidade Sexual na Educação: Problematização sobre a Homofobia nas
Escolas – 2009 – MEC/UNESCO;
115
17 – Estudo sobre Ações Discriminatórias no Âmbito Escolar – 2009 – FIPE/MEC/INEP;
18 – Pesquisa Fundação Perseu Abramo;
19 – Juventudes e Sexualidade – UNESCO.
116
AFRICANIDADES, EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DIGNIDADE
CULTURAL: INTERROGANDO A FORMA CULTURAL COLONIAL.
Gustavo Henrique Araújo FORDE
Núcleo de Estudos Afro-brasileiros do IFES
[email protected]
RESUMO
O presente ensaio é uma breve contribuição que visa fomentar reflexões acerca da
temática “Educação e Diversidade na Educação Básica, Profissional e
Tecnológica”. Trata-se de um diálogo inspirado nos estudos culturais e póscoloniais, e nos estudos africanos e afrobrasileiros. Os fios condutores deste
trabalho são as práticas discursivas enquanto contributos para colonização ou
emancipação da diversidade humana, de maneira a provocar deslocamentos
epistemológicos que possibilitem práticas curriculares comprometidas com a
promoção da dignidade cultural dos sujeitos na/da educação profissional e
tecnológica, sobretudo, no que tange aos aspectos civilizatórios de natureza
científica e tecnológica de matrizes africanas e afrobrasileiras, das implicações do
racismo e do etnocentrismo nos processos educativos, e da implementação de
práticas curriculares que valorizem a diversidade étnico-racial neste nível e
modalidade de ensino. Por fim, o artigo propõe debater a diversidade humana
inserida na íntima relação entre história, cultura e processos de colonização.
Palavras-chave: Africanidades, ciências e tecnologias. Educação Profissional e
relações étnico-raciais. Dignidade cultural, colonização e relações de poder.
117
Quando falamos em dignidade cultural temos, ao menos, dois grandes
objetivos: um global e outro local. No global, desejamos contribuir com ações que
estimulem à humanidade livrar-se de sentimentos de xenofobia, racismos e
intolerâncias, de modo que todos – descendentes de europeus, de africanos, de
asiáticos, etc. – de alguma forma, possam beneficiar-se desse processo de
descolonização cultural onde “o branco não é apenas o Outro, mas o senhor, real ou
imaginário” (FANON, 2008, p. 124). No que tange ao objetivo local, voltamo-nos
especificamente aos africanos e seus descendentes no Brasil, uma vez que a
valorização deles na Educação Profissional e Tecnológica poderá oferecer-lhes
outras posições de sujeito no interior dos vocábulos culturais. Aqui, falamos da
possibilidade de oferecer motivações culturais, psíquicas e afetivas – mesmo que
simbólicas – ao bom processo de ensino-aprendizagem e de emancipação sóciocultural.
Preocupa-nos, no cerne desta reflexão, a valorização da pessoa humana
enquanto Ser localizado, histórico e culturalmente. Para os afrodescendentes, os
modelos histórico-culturais positivos são poucos, uma vez que a história das
ciências ocidentais caminha associadas às histórias de colonização, eurocentrismo e
política de branquitude. É nesse sentido que problematizamos a necessidade de
ampliar as bases curriculares e, sobretudo epistemológicas, da educação
profissional e tecnológica. Nesta, o confronto será imprescindível; afinal, o legado
científico e tecnológico africano foi excluído dos processos educativos.
O seu
retorno requer deslocamentos e confrontos de poder, pois o pensamento
hegemônico das ciências ocidentais, nas palavras de D’ambrósio (1998, p. 76):
[...] é o resultado natural da evolução da disciplina dentro de um modelo
econômico, cultural e social, o que não pode ser separado da expectativa principal
de um certo grupo sociocultural num momento histórico. [...] representam as
expectativas de certos segmentos da sociedade naquele momento.
As ciências e tecnologias, como produtos de culturas locais, provêm de
distintos berços civilizatórios, em cada um dos quais apresentam características
cognitivas e operacionais distintas. As culturas ocidentais e africanas são,
metaforicamente, os mantos que recobrem as interações do ser humano com o
meio social, interações que produzem significados singulares. Numa mesma
cultura, portanto, os sujeitos fazem uso das mesmas interações, submetem os
118
processos de significações aos mesmos critérios e, desta forma, há certa
compatibilização nos conhecimentos gerados. Os conhecimentos, desta forma, são
sempre locais e pertencentes a determinado grupo étnico-cultural. Toda ciência é,
nesta perspectiva, uma etno-ciência. Adicionar o sufixo etno aos conhecimentos
científicos e tecnológicos, neste contexto, apresenta-se como uma das estratégias
políticas aos povos cujas culturas foram, historicamente, oprimidas e inferiorizadas.
Necessário, portanto, problematizar as relações que constituem a
epistemologia hegemônica, as quais inferiorizam a cultura daqueles submetidos à
dominação – marca principal dos processos de colonização cultural – impondo a
sua cosmovisão e negando àquela própria dos conquistados. Colonizando a
cultura, retirando suas raízes históricas e estereotipando sua imagem, negros e
negras, no Brasil, são apresentados a um espelho greco-branco-ocidental, espelho
este que reflete, em vez da sua imagem, a imagem do colonizador. Dito de outra
maneira, falar de personagens e mitos greco-europeus, na educação profissional e
tecnológica, é prática discursiva alojada num regime de signos eurocêntricos.
[...] aqueles indivíduos historicamente apontados como responsáveis pelo avanço
e consolidação dessa ciência, são identificados na Antiguidade grega e
posteriormente, na Idade Moderna, nos países centrais da Europa, sobretudo
Inglaterra, França, Itália, Alemanha. Os nomes mais lembrados são Tales,
Pitágoras, Euclides, Descartes, Galileu, Newton, Leibniz, Hilbert, Einstein,
Hawkings. São idéias e homens originários do Norte do Mediterrâneo
(D’AMBRÓSIO, 2005, p. 74).
Suspeito que a branquitude ocupa lugar de grande potencialidade neste
processo! Uma das lógicas da política da branquitude é fazer-se desejada pelos
não-brancos. As lacunas produzidas pela produção da ausência africana no
arcabouço científico e tecnológico da educação profissional é devidamente
preenchida pela presença greco-européia. A metáfora do espelho greco-brancoocidental nos auxilia a compreender esses processos de subjetivação nos
afrodescendentes. O espelho convida os afrodescendentes a reconhecer
positividade exclusiva no Outro que ele não é, mas que deve desejar ser!
Essas dimensões requerem análise, enquanto processos captados pelos
“olhos” da cultura, “olhos” que funcionam sob “lentes sociais” que contribuem para
um maior foco em alguns fatos pensáveis. Na educação profissional, como em
todas as demais modalidades de ensino, cada número recobre seres humanos,
cada saber resume um longo e repetido processo de diálogo entre os povos e cada
119
conteúdo
curricular
selecionado
representa
escolhas
comprometidas
com
determinadas visões de mundo.
Tanto quanto às demais modalidades de ensino, cabe à educação
profissional, por ocupar lugar privilegiado na inserção sócio-econômica de muitos
jovens e adultos, uma responsabilidade ética com a dignidade cultural. Essa
responsabilidade é imprescindível, uma vez que, como nos disse um professor: “o
racismo aqui no Brasil é o pior que existe, porque não é um racismo declarado, é um
racismo velado, escondido” (Prof. Viriato, entrevista 1 ). Corroborando a opinião de
Viriato, o professor Silvestre acrescentou que “é importante para o aluno utilizar um
livro didático que lhe representa e mostra a realidade dele” (Prof. Silvestre,
entrevista 2 ), ou seja, falar da África “seria de grande importância, até para mostrar
aos outros povos que a África não é um continente inerte”, como nos disse, também
durante entrevista, o professor Zoroastro 3 .
Para muitos, a razão é grega! E é neste ponto que problematizamos a
fabricação de uma África selvagem e analfabeta, cuja “influência do africano, ou do
negro, está mais voltada para o campo físico e lúdico: atletismo, treinamento de
campo” (Prof. Rugério 4 , entrevista). Esses pensamentos docentes demonstram
intensas similaridades e continuidades com a perspectiva sobre os povos africanos
defendida pelo filósofo alemão Hegel. Para Hegel;
[...] a principal característica dos negros é que sua consciência ainda não atingiu a
intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o
homem se encontraria com a própria vontade, e onde ele teria uma idéia geral de
sua essência [...]. O negro representa, como já foi dito, o homem natural,
selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade
e de tudo o que chamamos sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles,
nada evoca a idéia do caráter humano [...]. A carência de valor dos homens chega
a ser inacreditável. A tirania não é considerada uma injustiça, e comer carne
humana é considerado algo comum e permitido [...] Entre os negros, os
sentimentos morais são totalmente fracos – ou, para ser mais exato, inexistentes
(HEGEL, apud PRAXEDES, 2008, p. 2).
Para o filósofo alemão, a África simplesmente “não faz parte da história
mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para mostrar” (HEGEL,
apud PRAXEDES, 2008, p. 2), cabendo ao Egito a peculiaridade de existir “como
transição do espírito humano do Oriente para o Ocidente” (HEGEL, apud
1
Nome fictício. Entrevista concedida em 03 de dezembro de 2007, turno vespertino.
Nome fictício. Entrevista concedida em 28 de novembro de 2007, turno noturno.
3
Nome fictício. Entrevista concedida em 26 de novembro de 2007, turno vespertino.
4
Nome fictício. Entrevista concedida em 19 de novembro de 2007, turno matutino.
2
120
PRAXEDES, 2008, p. 2). Nesta prática discursiva, identificamos a mais um golpe
que destitui o continente africano da história universal e dos africanos e africanas da
condição de seres humanos. Todavia, o Egito e diversas outras civilizações negroafricanas, como sabemos, além de transmitir valiosas contribuições às civilizações
da antiguidade clássica, também deixou um importante legado científico e cultural à
era moderna. Tais conhecimentos foram transmitidos pelo mundo greco-romano ao
mundo árabe e espalhados na civilização ocidental.
Mas o que a educação profissional e tecnológica tem a ver com educação
anti-racista, afirmação das diferenças étnico-culturais e educação anti-colonial? O
que a “ciência e a tecnologia” têm a ver com a promoção da igualdade racial entre
brancos e negros? Indicamos por ora, que a mesma forma cultural que ontem
legitimou a escravidão, o racismo e a eugenia, por meio de supostas teorias
científicas, hoje configura a ciência e a tecnologia hegemônica.
Forma cultural é uma categoria que visa entender o padrão cultural no qual as
diversidades se expressam; é menos o conteúdo expressado e mais o “lugar”
onde este conteúdo é expressado. São mais as condições da expressão que a
obra propriamente dita. Se comparássemos à criação artística, diríamos que é
mais a tela onde a obra vai ganhar corpo que o corpo da obra de arte (OLIVEIRA,
2003, p. 107).
O que está por trás, por exemplo, da narrativa de que o primeiro
matemático foi Tales? Ou de que a matemática egípcio-africana era pouco
desenvolvida? Por trás destes enunciados, emerge um discurso colonial, de
afirmação de superioridade cultural de um povo geográfica e culturalmente
localizado
e
caracterizado:
os
greco-ocidentais!
No
pensamento
docente,
encontramos ainda que;
Aparentemente o mundo, parece que gira em torno dos brancos. Dá impressão
que tudo que se fala, ou toda pessoa que é citada são brancas. Se você não falar
a cor dessa pessoa, todos têm a impressão de que essa pessoa é branca. Se,
sem citar a cor da pessoa, nós pedirmos aos nossos alunos que imaginem uma
pessoa e depois perguntar a cor dessa pessoa, provavelmente a imagem desta
pessoa dificilmente será negra. Na grande maioria das vezes essa imagem será
associada a uma pessoa branca. Se você falar qualquer assunto ou sobre
qualquer pessoa a imagem será do branco..., porque todas as imagens que nós
temos na televisão, nas revistas e no dia-a-dia nos leva a pensar o branco (Prof.
Teodorinho 5 , entrevista).
5
Nome fictício. Entrevista concedida em 26 de novembro de 2007, turno matutino.
121
Dito de outra maneira, se a narrativa pode contribuir para a consolidação de
um sentimento de superioridade civilizatória, em detrimento dos africanos e seus
descendentes, da mesma forma terá condições de contribuir para a consolidação de
uma ciência anti-racista e não etnocêntrica, em que “o aluno é mais importante que
programas e conteúdos” (D’AMBRÓSIO, 2005, p. 86).
Diante dessas narrativas, deparamo-nos diante de um momento singular de
escolha de referencial paradigmático à educação profissional e tecnológica. Com ela
não apenas definiremos os conteúdos programáticos, mas, em especial,
decidiremos a perspectiva histórico-cultural trazida aos alunos em cada prática
curricular: momento de incorporação da perspectiva afrodescendente na educação
profissional e tecnológica.
Ao propor um diálogo entre afrodescendência e educação profissional,
priorizamos nossa análise no campo da história e do ensino de matemática, primeiro
por este ser o nosso campo de estudos e pesquisas e, outro, por compreender que a
matemática ocupa um lugar de destaque em todos os processos de escolorarização
do mundo, e seu ensino detém o mesmo status que o ensino das línguas maternas.
Os fios condutores que originaram as reflexões aqui apresentadas são a busca por
compreender a presença africana no ensino de Matemática, problematizando os
significados culturais expressos nos discursos docentes e práticas historiográficas.
Os conhecimentos, que hoje nomeamos de matemáticos, são quase tão
antigos quanto à espécie humana. O testemunho matemático conhecido mais antigo
é o “osso Ishango, com mais de 8000 anos de idade, encontrado em Ishango, às
margens do lago Edward, no Zaire (atualmente República Democrática do Congo),
no continente africano, mostrando números preservados por meio de entalhes no
osso” (EVES, 200p. 26). O Bastão de Ishango, como também é conhecido esse
osso petrificado, nos sugere pensar que encontraremos na África o berço das mais
antigas experiências matemáticas.
Entre a matemática ossificada no Bastão de Ishango (8.000 a.C.) e a
matemática dedutiva atribuída a Tales de Mileto (600 a.C.), houve uma infinidade de
avanços e descobertas matemáticas desenvolvidas pelos quatro cantos do planeta.
É neste intervalo espaço-temporal – entre Ishango e Tales – que encontraremos
registros matemáticos das civilizações que se desenvolveram a partir de 3.000 a.C.,
ao longo do rio Nilo, na África, dos rios Tigre e Eufrates, no Oriente Médio
(Mesopotâmia), e do rio Amarelo, na China. Destes, reconhecemos o Egito antigo
122
um dos importantes berços civilizatórios africanos. Neste contexto, em nossas
pesquisas em torno da ‘presença africana na história e no ensino de matemática’ 6 ,
identificamos aspectos matemáticos próximos àqueles encontrados nos atuais livros
didáticos deste ensino. Portanto, a forma matemática negro-africana, de matriz
egípcia, não deixou de existir por ser ignorada pela comunidade científica
eurocêntrica.
Alvo de muita admiração e mistérios, a civilização egípcia situada no
espaço civilizatório africano núbio-egípcio-kushita (MOORE, 2005) foi – e ainda é –
alvo de distorções científicas. Distorções com relações estreitas com aspectos da
história da matemática, como a tentativa de deslocar o Egito da África para o Oriente
Médio, uma prática universalmente repetida acriticamente nas mais consagradas
obras de referência em história da matemática publicadas, no Brasil.
Neste debate o Egito antigo, em boa medida, é apresentado de maneira a
distanciá-lo dos descendentes de africanos, no Brasil. Muitos profissionais da
educação pensam a cultura egípcia, como o professor Viriato, incomunicável com as
demais culturas africanas.
Nos livros didáticos ele [o Egito] é situado na África, porém existe essa relação
entre a África e a cor de pele. Então, mesmo falando de Egito na África, é como se
ele não pertencesse à África. Isso é uma coisa interessante para se pensar
também. A parte norte da África é a África branca, então quando se fala em África,
a idéia que vem é a pele escura. Como o Egito pertence à África branca, parece
que ele não pertence à África; assim, falamos do Egito como se estivesse no
Oriente médio ou na Europa. [...] Agora, essa matemática africana, que é seu
objeto de estudo, dos nossos antepassados, essa contribuição africana no
desenvolvimento matemático aqui no Brasil, que acredito que seja relevante, se
houve e se existe de fato, ela foi feita pelos negros escravos, não pela África
branca, e sim pelo povo negro que foi trazido para o Brasil. Então esta matemática
[a do Egito] é africana, mas quem foi trazido para o Brasil foi o escravo negro
(Professor Viriato, entrevista).
Ao dizer que “a matemática do Egito é africana, mas quem foi trazido para o
Brasil foi o escravo negro”, o professor evidencia uma tripla lógica com implicações
epistemológicas: 1) o discurso ideológico que fabrica uma África branca e outra
negra; 2) o lugar de raça que aprisiona os africanos e seus descendentes na
condição de “negros”; e 3) a incomunicabilidade entre o Egito e demais civilizações
6
Para saber mais, veja: FORDE, Gustavo Henrique Araújo Forde. A presença africana no ensino de
matemática: análises dialogadas entre história, etnocentrismo e educação. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo – UFES,
Vitória, 2008.
123
africanas. Diante do exposto, é necessário, portanto, voltarmos aos ensinamentos
do professor Cheik Anta Diop, citado por Abdias do Nascimento, sobre as intensas
relações intracontinentais do Egito antigo com as demais civilizações subsaarianas.
Um pormenor interessa particularmente à memória do negro brasileiro: aquele
onde Diop menciona as relações do antigo Egito com a África negra, de modo
específico com os iorubás. Parece que tais relações foram tão íntimas a ponto de
se poder "considerar como um fato histórico a possessão conjunta do mesmo
habitat primitivo pelos iorubás e egípcios". Diop levanta a hipótese de que a
latinização de Horus, filhos de Osíris e Ísis, resultou no apelativo Orixá. Seguindo
essa pista de estudo comparativo, ao nível da lingüística e outras disciplinas, Diop
cita J. Olumide Lucas em The religion of the Yorubas, o qual traça os laços
egípcios do seu povo iorubá, concluindo que tudo leva à verificação do seguinte:
a) uma similaridade ou identidade de linguagem; b) uma similaridade ou
identidade de crenças religiosas; c) uma similaridade ou identidade de idéias e
práticas religiosas; d) uma sobrevivência de costumes, lugares, nomes de
pessoas, objetos, práticas, e assim por diante (NASCIMENTO, 1980, p. 3-4).
As reflexões de Diop, trazidas por Nascimento (1980), rompem com as
produções discursivas que fabricam uma divisão entre uma África branca e outra
negra, como também rompe com a condição intransponível do deserto do Saara,
que, supostamente, manteve incomunicáveis essas duas Áfricas.
No contexto brasileiro, é sabido que as africanidades brasileiras remetem,
significativamente, à cultura iorubana, a qual tem importante influência no Brasil, e
laços estreitos na cultura egípcia. Os iorubas eram chamados de nagôs na Bahia e,
no Rio de Janeiro e em Estados do Sul, de Negros-minas. De acordo com o que
descreve Femenick (2006), os iorubas ou yorubás são provenientes de uma etnia do
Sul do Egito ou da Etiópia, cuja cidade santa de Ifé foi sua primeira capital, que
posteriormente, foi transferida para a cidade de Oyo.
Revisitando a tradição iorubana, a antropóloga Ronilda Lyakemi Ribeiro
(1996) traz uma importante e esclarecedora síntese sobre a origem dos iorubas. Ao
que nos interessa neste trabalho, Ribeiro (1996), citando Perkins & Stembridge
(1977), relata que “os iorubas vieram do vale do Nilo e, viajando para o ocidente ao
longo da grande savana do Sudão, chegaram à Nigéria e seguiram posteriormente
rumo ao sul [...]” e, ao final, conclui que a origem mais provável dos iorubas é o Alto
Egito ou Núbia.
O reino Ioruba foi constituído por grandes cidades, dentre as quais
destacamos a cidade de Ketu, cujo povo é conhecido no Brasil por jeje, gêge ou efã.
Em Ketu, no século XVII, originou-se o reino de Daomé, cujas tradições religiosas
124
jeje tiveram grande importância na formação de parte significativa dos terreiros de
candomblés no Brasil. Dahomé, etimologicamente, origina-se de “Dan = ‘serpente
sagrada’ e Homé = ‘a terra de Dan’, ou seja, Dahomé = ‘a terra da serpente
sagrada’, segundo Prandi (1996). Para Prandi, o culto Dan é oriundo do antigo Egito,
pois ali se iniciou o culto à serpente por intermédio dos Faraós que usavam anéis e
coroa com figuras de cobra; como Cleópatra, cujos adornos possuíam figuras de
cobra.
Nesses movimentos intracontinentais entre os reinos do Egito e do Ioruba, e
aqueles extracontinentais, entre os Iorubas e o Brasil, é possível estabelecer
eminências de circularidades culturais entre as culturas egípcias e iorubanas,
cultivadas no Brasil pelos africanos nagôs ou negros-minas trazidos para o Brasil. O
conceito de circularidade cultural (GINZBURG, 1998) nos fornece ferramentas
importantes de análise, para compreendermos que, neste espectro, as ciências e
tecnologias ocidentais não se referem exclusivamente aos conhecimentos de
matrizes gregas ou helênicas, mas resultam de trocas, disputas e conflitos entre os
diversos povos da antiguidade: babilônicos, egípcios, chineses, gregos, fenícios,
persas, indianos, e outros. O conceito de circularidade cultural sugere um
movimento circular e dinâmico entre culturas dos distintos povos da antiguidade. Um
movimento de interpenetração e de interferência mútua, haja vista que, no
mediterrâneo antigo, os povos não estiveram incomunicáveis ou “blindados” às
culturas estrangeiras, muito menos aprisionados no interior de sua “própria” cultura.
Temos, entre outras preocupações, a de apresentar alguns laços
compartilhados entre a forma cultural egípcia e outras civilizações africanas, no
sentido de demonstrar similaridades que nos assegurem compreender que os
africanos e as africanas, trazidos/as para o Brasil, compartilham aspectos culturais
comuns com o antigo Egito.
Mas, o que têm a ver os iorubas com educação profissional e tecnológica?
Reportamo-nos. Novamente, às racionalidades e epistemologias e as implicações
desta com a cosmovisão de mundo. A compreensão do questionamento acima
dependerá intimamente da nossa capacidade de refletir os esforços contidos nas
representações dos sistemas complexos que governam nossos sistemas de valores
e paradigmas científicos, os quais emergem de cada forma cultural. Ou seja, por ora,
não é tanto o conteúdo curricular que nos interessa, mas, sim, a forma cultural que
lhe confere status de conhecimento. Formas culturais que apresentam laços
125
estreitos com modelos socioeconômicos e políticos, estando atravessadas por
relações de força e comprometidas com modelos de colonização cultural.
As formas culturais ocidentais apresentam, na perspectiva de Oliveira
(2003), uma cosmovisão essencialista, excludente e individualista, calcada no
principio da identidade, lógicas dicotômicas que compreendem a vida e suas
relações aprisionadas em regimes de verdades e purezas, criando os binarismos de
certo e errado, bem e mal, deus e diabo, puro e impuro, assim como teoria e prática,
e matemática pura e matemática aplicada, que, por sua vez funcionam como
“armadilhas ideológicas para a compreensão da cosmovisão africana” (OLIVEIRA,
2003, p. 36). Diferente destas, as formas culturais encontradas nas tradições
africanas constituem-se de lógicas includentes, imanentes e alternativas, nas quais
os elementos se comunicam e se complementam.
Uma das categorias fundamentais da estrutura mental ocidental é pensar por
contradição. Ou seja, privilegia-se um ponto identitário. É-se puro quando se é
igual ao Mesmo. O princípio da identidade é aquele que elege como equivalente
geral não a diferença, mas a minha própria cultura. Ser igual a si mesmo é o
axioma valorizado. Encerrar-se na totalidade da minha identidade, sem assimilar a
novidade da cultura alheia é o mecanismo próprio do etnocentrismo (OLIVEIRA,
2003, p. 88).
Para Oliveira (2003), a racionalidade africana não pensa por contradição;
nela não há o principio identitário, pensa-se por analogia e participação, não por
pureza e contradição. Nessa cosmovisão, não há contradição entre mineral e
vegetal, tudo está interligado a tudo. É no campo epistemológico que encontramos –
talvez – as maiores dificuldades no tocante aos conhecimentos de matriz africana.
Por exemplo, para o professor Zoroastro, em África não havia condições de
desenvolver matemática.
[...] a gente sabe que boa parte dos berços da matemática está no Oriente médio,
de onde algumas escolas de matemática foram banidas... Assim, quem abriu as
portas para o desenvolvimento foi o Oriente médio e praticamente estagnou por
ali. Quanto à África, nos períodos anteriores teve os conflitos da colonização.
Conflitos de colonização racial e religiosa. Então, talvez a matemática não tenha
tido muita “brecha”..., talvez a matemática fosse um problema a ser discutido
futuramente na África. Eu creio que lá não existia estrutura para pensar a
matemática ainda..., não que a África não tivesse capacidade..., mas não seria um
problema do momento. A África tinha ainda outras turbulências. A África estava
vivendo um outro momento, até devido à colonização. Assim, o que sobrava era
pra África. Tudo que era de bom dali era deslocado, como o ouro..., tudo de bom
da África foi levado e nada de bom foi oferecido..., então a preocupação deles era
outra: era fome, o problema racial-religioso e, desta forma, não sobrava tempo
para pensar matematicamente, para realizar pesquisas matemáticas. Hoje a África
126
está se reestruturando e pode ser que futuramente a África desenvolva e ofereça
contribuições... e, de repente, também, pode ser que possamos voltar ao passado
da África e ver que tinha muitas contribuições, mas, no momento, a gente não
consegue ter essa visão (Prof. Zoroastro, entrevista).
A fala do professor Zoroastro não é uma fala isolada ou descontextualizada
da história escrita pelos pensadores ocidentais. A suposta ausência de “estruturas”
na África para pensar a matemática, ou o fato de que estava vivendo outro
momento, como relata o professor, converge. Intimamente, com o pensamento do
filósofo Kant, citado por Praxedes:
Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve
acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo
em que um Negro tenha mostrado talentos, e afirma: dentre os milhões de pretos
que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido
postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo
grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os
brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa,
adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é
a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em
relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores. A religião do fetiche,
tão difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se aprofunda
tanto no ridículo quanto parece possível à natureza humana. A pluma de um
pássaro, o chifre de uma vaca, uma concha, ou qualquer outra coisa ordinária, tão
logo seja consagrada por algumas palavras, tornam-se objeto de adoração e
invocação nos esconjuros. Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria
maneira, e tão matraqueadores, que se deve dispersá-los a pauladas (KANT,
apud PRAXEDES, 2008, p. 02).
Kant, não se contentando em destituir os africanos de história e ciência,
esforça-se igualmente em inferiorizar suas religiões. Esses discursos emergem da
mesma forma cultural que impõe ao mundo uma única maneira de pensar/fazer
ciência no mundo ocidental.
A problematização da forma cultural ocidental nos coloca diante de um jogo
de identidades, onde a batalha é por definir o direito de representar e nomear o
Outro. É um jogo manipulado ideologicamente na perspectiva de construção de uma
ciência e uma tecnologia imaginada, associada à pureza e de saber “mais elevado”
que as demais, desfrutando o privilégio de representar a si mesmo e o Outro a partir
de Si mesmo, envolvendo processos de inferiorização, marginalização e colonização
cultural.
Isso anuncia que a África e as diásporas, na educação profissional e
tecnológica, serão aquilo que lhe atribuímos enquanto representação no jogo de
identidades. Serão aquilo que lhe forem atribuídos em determinada forma cultural,
127
dentro de uma trama histórica e política, processo em que há inseparação entre
história e cultura.
A trama histórica, aqui, está intimamente associada a relações de luta pela
hegemonia cultural no mundo científico e tecnológico. Nesta trama, um dos maiores
desafios é a dupla necessidade de deslocar a matriz epistemológica da centralidade
greco-ocidental e de desvelar uma práxis africanizada. Na práxis africanizada, o
educador compreenderá que a objetividade da razão ocidental tem promovido um
genocídio cultural, ao silenciar outras formas de racionalidades existentes no
mundo. Assim, a práxis da africanidade, na educação profissional e tecnológica,
poderá oferecer maneiras de desembrutecer as relações humanas, integrando o
que foi fragmentado em teoria e prática, razão e emoção, sagrado e profano,
pensamento e sentimento, abstrato e concreto; dito de outra maneira, de africanizálos.
Africanizar, neste sentido, não é reduzir as diferenças ao equivalente geral da
forma cultural africana. Africanizar é dignificar, é abrir-se à alteridade, é desejar a
diferença, é promover a ética, valorizando a expressão de todos e de cada um,
sem massificação ou imposição de modelos [...] (OLIVEIRA, 2003, p. 175).
O que o legado africano poderá nos dizer é parte daquilo que, hoje, a
ciência pós-moderna anuncia: que o conhecimento é simultaneamente ético,
estético, afetivo e cognitivo! Nem só emoção e nem só razão, nem só o Eu e nem só
o Outro; são necessários ambos! . Inspirando-nos em Ross (1988), compreendemos
que tudo é uma bola só, integrada e integradora. Como diz Whitehead, citado por
D’Ambrósio (1998, p. 8) “o mundo real não se manifesta através de álgebra,
geometria ou física, mas ele se mostra no seu todo”. A ciência é simultaneamente
estética e cognitiva. A práxis africanizada deverá estar atenta, sobretudo, à
necessidade primeira de humanizar as relações, de integrar a ciência ao contexto
cultural e não mais fragmentar.
É importante que nos reportemos a outros modelos de conhecimento, da busca do
saber e do fazer, [...], modelos alternativos de conhecimento se apresentam,
obviamente em competição com aquele modelo que passou a ocupar uma posição
dominante no mundo moderno. Essas formas alternativas de conhecer, de fazer e
de explicar, nos oferecem uma oportunidade de refletir mais profundamente sobre
a nossa própria forma de conhecer, de fazer e de explicar (D’AMBRÓSIO, 1998, p.
44).
A africanização da educação profissional e tecnológica exigirá uma
derrubada de fronteiras e, uma concepção de ciência sob a égide de um novo
128
paradigma pautada em aportes teórico-metodológicos que contribuam para o
processo de emancipação dos sujeitos afrodescendentes, de maneira a lhe
atribuírem uma representação positiva e favorecer o processo de descolonização
cultural.
Descolonização, aqui, é compreendida, de acordo com o pensamento
fanoniano, como um processo que substitui uma “espécie” de humanidade por outra
“espécie” de humanidade, ou seja, a descolonização visa a transformar os sujeitos
silenciados na/pela educação profissional em sujeitos notáveis, por intermédio de
uma historiografia inserida em um modelo interpretativo não colonial. A
descolonização só é possível à medida que o colonizado questiona a situação
colonial. Vejamos o que diz o próprio Fanon:
A descolonização, como sabemos, é um processo histórico: isto é, ela só pode ser
compreendida, só tem a sua inteligibilidade, só se torna translúcida para si mesma
na exata medida em que se discerne o movimento historicizante que lhe dá forma
e conteúdo. A descolonização é o encontro de duas forças congenitalmente
antagonistas, que têm precisamente a sua origem nessa espécie de
substantificação que a situação colonial excreta e alimenta (FANON, 2005, p. 52).
O legado dessa referência é que, ainda nos dias de hoje, diversos estudos
e pesquisas são desenvolvidos dentro do paradigma do “olhar branco sobre o
negro”, isto é, dentro de uma forma cultural eurocêntrica. Dessa maneira, refletir a
educação profissional e tecnológica em diálogo com as pesquisas desenvolvidas no
campo dos estudos africanos e afro-brasileiros sugere (re)aproximarmos da forma
cultural africana que antecedeu o mundo colonial, num movimento epistemológico
de africanização, configurado igualmente como um movimento de descolonização
cultural e ruptura etnocêntrica. Por fim, africanizar é desejar que, sem negar a matriz
grega, possamos potencializar a matriz africana.
129
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131
A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO PROGRAMA DE
INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL AO ENSINO
MÉDIO NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS (PROEJA) DO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA DO ESPÍRITO SANTO, UNIDADE VITÓRIA: UMA
ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE.
Eliesér Toretta Zen
Professor de Filosofia no Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos – PROEJA do Instituto Federal do Espírito Santo – IFES.
Especialista em Filosofia e Mestre em Educação pela Universidade Federal do
Espírito Santo
E-mail: [email protected]
Lucio Benedito Mauro Barbosa
Secretaria Municipal de Educação de Vitória - SEME
Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha – SEMED
RESUMO
O trabalho objetiva analisar a prática docente e a questão étnico-racial
brasileira na primeira turma do Programa de Integração da Educação
Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(PROEJA) do Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo
(CEFET - ES), unidade Vitória. Avalia a prática docente nos cursos do período
noturno. Trata de uma pesquisa qualitativa e quantitativa, não-experimental do
tipo levantamento. Considera o foco na questão étnico-racial a partir da História
da África. Entende que a África é muito mais do que um continente do outro
lado do Atlântico. Historiciza a trajetória do negro no Brasil. Contempla a sua
resistência durante a escravidão. Constata que na Educação de Jovens e
Adultos (EJA), do CEFET - ES, os alunos negros representam a maioria.
Examina a ausência de políticas públicas e ações afirmativas para o segmento
negro nessa instituição. Identifica falha no processo de ensino-aprendizagem
132
de alunos jovens e adultos negros. Revela práticas discriminatórias na
Educação Profissional para com os alunos da Educação de Jovens e Adultos.
A relevância da pesquisa é possibilitar ações no sentido de contribuir para a
valorização da cultura e da comunidade negra e a elevação da sua autoestima. Alguns dos resultados que emergem da pesquisa sugerem mudanças
de postura docente para com os alunos jovens e adultos do Programa de
Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio no CEFET - ES. Outra
contribuição relevante que a pesquisa aponta é a necessidade de construção
de uma política de formação continuada dos docentes que trabalham no
PROEJA.
Palavras-Chave:
Questão
Étnico-racial
-
Negro.
PROEJA.
Professor.
Docência. Prática Pedagógica.
133
A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO PROEJA DO CEFET - ES
No Brasil, se considerarmos a História da Educação e sua produção
teórica, perceberemos que a situação do negro não tem provocado muito
interesse acerca das reflexões educacionais. Nesse sentido, conforme
ressaltou Gomes (2005, p. 96), “no Brasil, ao falarmos em educação em termos
de exclusão e em desigualdades sociais, inevitavelmente, falaremos da
questão racial”. Nesse sentido, os negros fazem parte da maioria dos sujeitos
da Educação de Jovens e Adultos: uma modalidade de ensino ainda
desvalorizada socialmente. Além disso, os negros da EJA representam apenas
uma das múltiplas faces segregacionistas que a educação brasileira apresenta.
Sendo assim, caberia indagar: O PROEJA permite a construção da identidade
e da autonomia dos jovens e adultos negros, ou apenas reproduz o lugar
desses sujeitos na sociedade?
O Documento Base do PROEJA (2006) esclarece que é preciso refletir
o quanto tem estado equivocada as políticas públicas para a educação de
jovens e adultos. Muitas dessas políticas ficam restritas, na maioria das vezes,
à questão do analfabetismo, sem articulação com a educação básica como um
todo, nem com a formação para o trabalho, nem com as especificidades
setoriais, traduzidas pelas questões de gênero e raça. O Documento Base do
PROEJA (Brasil 2006, p. 25) ressalta ainda:
Para que um programa possa se desenhar de acordo com marcos
referenciais do que se entende como política educacional de direito,
um aspecto básico norteador é o rompimento com a dualidade
estrutural cultura geral versus cultura técnica, situação que viabiliza a
oferta de uma educação academicista para os filhos das classes
favorecidas socioeconomicamente e uma educação instrumental
voltada para o trabalho para os filhos da classe trabalhadora, o que
se tem chamado de uma educação pobre para os pobres.
Assim, uma das finalidades mais significativas do PROEJA deve ser a
capacidade de proporcionar uma educação básica sólida, em vínculo estreito
com a formação profissional, ou seja, a formação integral do educando. Ainda
segundo o Documento Base (Brasil 2006, p. 25):
134
A concepção de uma política, cujo objetivo da formação está
fundamentado na integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia,
humanismo e cultura geral, podem contribuir para o enriquecimento
científico, cultural, político e profissional das populações, pela
indissociabilidade dessas dimensões no mundo real. Ademais, essas
dimensões estão estreitamente vinculadas às condições necessárias
ao efetivo exercício da cidadania.
Contudo, os fundamentos das práticas pedagógicas para com os
alunos do PROEJA noturno do CEFET – ES permanecem reproduzindo
modelos culturais burgueses diferentes das dos alunos das classes populares e
(re) produzindo o fracasso escolar por meio da chamada evasão. Desta forma,
pouquíssimos chegam ao final do curso. Para tentar evitar isso desde o início,
Pires (2006, p.107) afirma que:
Atitudes plenas de recepção e inclusão na chegada dos alunos e
alunas na procura pela vaga ou no momento da matrícula podem
tornar-se um momento privilegiado para o conhecimento dos sujeitos
parceiros nesse caminho a ser percorrido. Recebê-los bem, dizer que
fizeram uma boa opção, que tomaram a decisão certa ao voltar a
estudar, ouvi-los, apresentar a escola novamente para esses
estudantes, estando ao seu lado, são atitudes plenas de acolhida e
inclusão voltadas para uma educação anti-racista.
Precisamos compreender que muitos dos alunos quando chegam ao
PROEJA no CEFET – ES trazem consigo os elementos e as características da
sua cultura seja ela, étnica, religiosa, artística, afro-brasileira, etc. No entanto,
muitas dessas características culturais acabam passando em branco na sala
de aula, quando na verdade deveriam ser valorizadas e/ou, até mesmo,
exaltadas.
Quanto à questão étnico-racial no PROEJA do CEFET – ES,
analisamos apenas os cursos que iniciaram em 2006/1, no período noturno.
Ademais, sabemos que existe ainda uma série de complicações nas questões
de auto-atribuição por cor ou raça em nosso país, mesmo quando guiados
pelos critérios do IBGE. Entretanto, um dos objetivos dessa pesquisa foi deixar
claro que a categoria de negros engloba pretos e pardos, ou seja, aquilo que já
se via nos cursos do PROEJA noturno do CEFET – ES, e agora confirmado
pelos dados da pesquisa. Isso significa que o grupo étnico majoritário que
iniciou o ano letivo de 2006/1, nos cursos do período noturno do PROEJA do
135
CEFET – ES, é formado por alunos negros, e estes representam 69% sobre a
população total pesquisada.
Nesse ínterim, percebemos nos cursos regulares do CEFET – ES a
quase ausência do perfil étnico negro, exceto na modalidade educação de
jovens e adultos, ou melhor, no PROEJA. Sendo assim, precisamos promover
não apenas a inclusão, mas, também, a permanência desses sujeitos nas
escolas, rompendo com o círculo de segregação educacional, principalmente
na Rede Federal de Ensino.
As turmas do PROEJA no CEFET – ES apresentam uma
heterogeneidade considerável em sua composição. No entanto, ainda que de
maneira involuntária ou inconsciente, ocorrem manifestações de discriminação
social e étnica, por parte dos professores, alunos e funcionários. Manifestações
de discriminação social, cultural e étnica acontecem quase sempre camufladas
nas conversas, gestos, atitudes e palavras. Os alunos da PROEJA são
discriminados, justamente, por serem do PROEJA, um Programa desvalorizado
por alguns “professores” que ainda não o (re) conhecem, pelos alunos do
ensino regular, por alguns professores dos cursos técnicos, funcionários, e até
por eles mesmos. O que é dito pelos corredores da escola é que no curso do
PROEJA no CEFET-ES é mais fácil de passar, é um curso fraco, entre outras
coisas.
A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO PROEJA: UMA ANÁLISE DA PRÁTICA
DOCENTE
Frequentemente, o professor não se dá conta de que está
consolidando práticas discriminatórias em seu cotidiano. Manifestações
discriminatórias camufladas ocorrem em quase todo o espaço escolar. Por isso
se faz necessária a formação de professores para o PROEJA com ênfase no
estudo das questões da diversidade e da pluralidade cultural, pois trabalhar
com esse público exige estudo e um preparo cuidadoso.
A discriminação no PROEJA se dá também pelo saber. O ensinar de
alguns professores, e o aprender dos alunos, não se baseiam na reciprocidade
e nem no intercâmbio cultural. Pelo contrário, ao não valorizarem as questões
136
étnicas, o ensino-aprendizagem no PROEJA acontece, muitas vezes, através
da reprodução das relações de dominação existentes na sociedade. Ao invés
de um cidadão crítico e participativo, surge um sujeito passivo e submisso.
Entre esses professores, que se afirmam grandes mestres e doutores,
está o desprezo pela cultura popular. Outros ainda utilizam-se de termos
preconceituosos para se referirem ao PROEJA, o que só tem feito aumentar o
racismo e a discriminação para com esses alunos. Alguns docentes ainda
deixam marcas da sua prática pedagógica ao afirmarem a incapacidade de
certos alunos no PROEJA, justificando assim o fracasso escolar pela falta de
capacidade e condições dos alunos, e não pelo resultado do trabalho docente.
É comum entre os professores do CEFET – ES, especialmente dos
cursos técnicos, a expectativa de desempenho baixo em relação ao aluno do
PROEJA. Essa visão estereotipada dos resultados tem sido um estigma para
muitos alunos jovens e adultos e reflete a falta de objetivos claros e específicos
no planejamento de ensino. Além disso, a situação de pobreza e o baixo
desempenho, lamentavelmente, ainda tem sido o sinal caracterizador dos
alunos no PROEJA. Essa marca tem sido usada como argumento por alguns
para vincular, erroneamente, a queda da qualidade da educação ao acesso das
camadas populares numa escola explicitamente seletiva como é o CEFET –
ES. Dessa forma, o PROEJA acaba reproduzindo as desigualdades em nome
de uma igualdade que não se efetiva, especificamente, para o segmento negro,
majoritário nessas turmas.
Para que ocorra uma aprendizagem significativa é necessária a
valorização e a compreensão das características do universo cultural dos
sujeitos, jovens e adultos, no PROEJA. Ademais, é preciso refletir sobre as
múltiplas formas de romper com o preconceito e a discriminação, ainda
existentes nos espaços de educação de pessoas jovens e adultas. Educar
significa dialogar, permitir o aparecimento de um sujeito verdadeiro,
independente, crítico, autônomo e coerente com a sua maneira de viver e
conviver. Não existe uma educação, mas várias educações, e a escola não é o
único lugar onde ela acontece.
Precisamos levar em consideração que esses alunos não são crianças
e adolescentes, mas jovens e adultos. Estes possuem uma história e um saber,
próprios. Os professores que trabalham com o PROEJA precisam (re)
137
conhecer e compreender as especificidades étnicas do discente no PROEJA,
principalmente em seus aspectos sociais e culturais. Educar pessoas jovens e
adultas requer competências e habilidades específicas, pois esse é um público
que costuma ser muito rico em diversidade e cultura.
Em geral, os professores do PROEJA do CEFET – ES encontram
dificuldades em lidar com a positividade das diferenças étnicas em sala de aula
e tentam produzir padrões nos alunos, negando suas especificidades e
particularidades.
Talvez isso explique por que alguns alunos do PROEJA
respondem tão bem aos desafios mais complexos da vida, mas na escola
fracassam. Esse fracasso pode estar relacionado à negação da sua identidade
sociorracial, às diferenças, às tentativas de padronização em sala de aula e
aos preconceitos vividos na sua subjetividade, durante o processo de
aprendizagem. Enfim, professores que se preocupam demais com as suas
aulas esquecem-se dos seus alunos.
O CEFET – ES também precisa estar adequado ao contexto social no
quais os alunos do PROEJA estão inseridos e do qual se originam, caso
contrário, estará apenas reproduzindo modelos de sistemas excludentes.
Contudo, a construção da identidade do aluno do PROEJA não acontece
apenas na escola, mas também em casa, no trabalho, na igreja, na rua, e na
vida, de uma maneira em geral. Ademais, o CEFET – ES precisa propor
situações de aprendizagens positivas e (re) pensar a presença dos negros e
mestiços em seus cursos do PROEJA.
Fazem-se necessário, no PROEJA do CEFET – ES, discussões
acerca do preconceito racial e das suas manifestações na sociedade brasileira
e, em particular, na própria escola. Essa é uma discussão necessária para
ampliar a compreensão do problema étnico-racial no PROEJA e a compor um
currículo escolar que privilegie também um olhar sobre os negros e mestiços
da nossa história. Além disso, o CEFET – ES pode ser um lugar facilitador para
a construção de uma identidade positiva para os jovens e adultos negros. A (re)
construção dessa identidade precisa do apoio de imagens confirmadoras e
positivas. Nas palavras de Pires (2006, p.108) “É essencial desnaturalizar as
desigualdades e compreender o significado das diferenças”.
Ademais, o PROEJA do CEFET – ES precisa reconhecer outras
categorias para além da de trabalhadores em seus cursos, como por exemplo,
138
a de negros. Além disso, essas categorias devem ser consideradas pelo fato
de serem elas constituintes das identidades e não se separarem, nem se
dissociarem, dos modos de ser e estar no mundo desses jovens e adultos
trabalhadores.
Portanto, é preciso (re) pensar o PROEJA do CEFET – ES como um
campo heterogêneo de conhecimentos específicos, o que pressupõe investigar,
entre outros aspectos, as reais condições e necessidades de aprendizagem
desses sujeitos jovens e adultos, homens e mulheres, pretos e pardos,
trabalhadores e desempregados, entre outros. É preciso também formular uma
proposta político-didático-pedagógica específica, clara e bem definida, para
que possa atender às reais necessidades de todos os envolvidos, e oferecer
respostas condizentes com a natureza da educação que buscam, e com as
concepções de formação para a vida e formação para o trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Afirmar a diversidade no Brasil já não é uma tarefa fácil, pois vivemos
em um país que desconhece a sua própria história. Porém, essa afirmação é
fundamental para a construção da própria identidade. Precisamos valorizar a
etnicidade (condição de pertencer a um grupo étnico) e não o etnocentrismo
(adoção da própria cultura como centro). Além disso, precisamos considerar os
aspectos sociais e culturais desses sujeitos negros no tocante às questões
educacionais, especificamente no PROEJA do CEFET – ES.
Nesse sentido, é fundamental que o PROEJA do CEFET – ES
preceda à implantação de uma sólida formação continuada dos docentes, por
serem estes também sujeitos da educação desses jovens e adultos, em
processo de aprender por toda a vida. O diálogo intercultural torna-se
importante no PROEJA do CEFET – ES, pois promove uma aprendizagem
mais significativa dentro das diversas culturas.
Trabalhar com a diversidade e a identidade cultural no PROEJA
significa tratar de dois assuntos: discriminação e desigualdade social. Ambas
articuladas produzem a exclusão social. Por isso, valorizar e reconhecer essa
diversidade significa agir sobre os mecanismos de discriminação e exclusão,
139
entraves ao desenvolvimento de uma cidadania ativa. Ademais, diante dos
descaminhos da educação de jovens e adultos, torna-se importante
assumirmos uma postura contra todas as práticas de desumanização e
discriminação.
Precisamos valorizar toda essa grande riqueza cultural dos alunos do
PROEJA, além da comunidade negra, a fim de reafirmarmos a constante
presença do negro na nossa história, na música, na criatividade, na forma de
viver, de pensar, de andar, de dançar, de falar e de rir, de rezar, festejar a vida,
entre outras coisas. Essa riqueza cultural manifesta-se desde o convívio em
família até ao trabalho artesanal, em barro ou madeira. É a valorização dessa
pluralidade cultural que encontramos nos alunos do PROEJA que atesta a
construção das suas identidades.
Ao valorizarmos as diferenças culturais e étnicas no PROEJA não
significa que estamos privilegiando uma cultura em detrimento de outra, nem
aderindo aos valores do outro, e muito menos dividindo a sociedade em grupos
fechados. O que se busca é o respeito à diversidade, sem qualquer
discriminação.
É dessa forma que a educação de jovens e adultos deve ser pensada,
como um modelo pedagógico próprio, com o objetivo de criar situações de
ensino-aprendizagem adequadas às necessidades educacionais desses
alunos. Professores e educadores de jovens e adultos, preocupados em
valorizar as identidades e em desenvolver as potencialidades desses alunos,
também acreditam na necessidade de mudanças em sua práxis educativa.
Enfim, o PROEJA do CEFET – ES precisa, também, restituir a
presença e a dignidade da população negra como sujeitos na história e na
cultura brasileira. É preciso que estejamos convencidos da urgente
necessidade de reescrever a nossa história sob a ótica da presença e
participação da população negra, e do por que disso, tanto do ponto de vista da
recuperação da história brasileira, como da participação da escola na
construção de identidades positivas nos jovens e adultos de ascendência
africana.
140
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142
GÊNERO FEMININO E ESCOLARIZAÇÃO
TÉCNICO-PROFISSIONAL
Maria José de Resende Ferreira
Licenciada em História (UFC-1990)
Especialista em História do Brasil (PUC-MG-2000), e em Educação
Profissional Técnica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(CEFETES-2007)
Mestra em Pedagogia Profissional (ISPETP/CUBA/UFGO – 2003)
Doutoranda em Educação (UAA-PY-2010)
Professora do IFES – campus de Vitória, dos cursos de Licenciatura de
Química e de Informática e Pós-PROEJA presencial e a distância
Coordenadora do PROEJA do IFES – campus de Vitória
Membro do Grupo de Pesquisa PROEJA/CAPES/SETEC-ES.
Email: [email protected]
Edna Graça Scopel
Formada em Pedagogia
Mestra em Educação pelo IPLAC e Mestranda da linha de pesquisa
Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas do PPGE/UFES
Servidora do IFES – campus de Vitória, como Pedagoga do PROEJA, e
Coordenadora Pedagógica
Professora do curso de Pós-graduação em Ensino Médio Integrado à
Educação Profissional Técnica de Nível Médio
Professora do curso de Pós-graduação do PROEJA
Membro do Grupo de Pesquisa PROEJA/CAPES/SETEC-ES.
E-mail: [email protected]
143
Resumo
Este artigo apresenta um recorte sobre o estudo da inserção feminina na formação
técnico-profissional dos cursos de Mecânica e Eletrotécnica do IFES – Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo – campus de Vitória e
busca resgatar a trajetória da educação profissional e da escolarização feminina,
bem como a sua inserção no mercado de trabalho e na instituição espíritosantense.
O estudo é do tipo descritivo e de abordagem quantiqualitativa. Os intercessores
teóricos foram Nader (2005, 20007), Bruschini (2000), Hirata (2002), entre outros.
Os resultados obtidos nessa pesquisa indicam que a luta pela inserção das
mulheres, em igualdade de condição com a dos homens, no sistema educacional e,
principalmente, no processo de profissionalização, ainda é uma realidade.
Evidenciam-se indicadores que comprovam a existência de discriminação referente
ao tratamento dado aos gêneros nas relações profissionais: persiste a desigualdade
sexista no mercado e nas condições de trabalho. Os mesmos indicadores apontam
também que as habilidades exigidas para inserção no mercado profissional são
exercidas com competência e responsabilidades pelo público feminino.
Palavras chave: Gênero feminino; relações de gênero; formação técnicoprofissional
144
INTRODUÇÃO
No Brasil, é crescente a participação da população feminina no mercado de
trabalho e nas instituições educacionais. Estudos recentes, divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 1 , apontam que, em sendo a maioria da
população brasileira, dos 21,2 milhões de pessoas ocupadas (PO), as mulheres
representam 44,4% desse contingente, isto é, 9,4 milhões; em relação à População
em Idade Ativa (PIA), elas são 53,5%; e à População Economicamente Ativa (PEA),
são 45,5%; enquanto que na População Desocupada (PD), ocupam, ainda, 57,7%
(IBGE, 2009).
Os dados também revelam que esse público apresenta níveis de
escolarização mais elevados, 59,9%, que a dos homens, que é de 51,9%,
principalmente entre o segmento daquelas que possuem 11 anos ou mais de
estudos.
Entretanto, no que se refere à forma de inserção no mercado de trabalho,
elas se encontram em situação menos favorável: apenas 40% das mulheres no
mercado de trabalho têm carteira de trabalho assinada; já entre os homens, esta
proporção atinge 50%. Em relação ao rendimento médio, o das mulheres, neste
mesmo período, foi de R$ 956,80; enquanto o dos homens, R$ 1.342,70. Verifica-se,
então, que elas receberam 71,3% do rendimento dos homens. Mesmo em relação
às mulheres que possuíam nível superior completo o rendimento médio foi de R$
2.291,80; enquanto que para os homens esse valor foi de R$ 3.841,40.
Assim, observou-se que os rendimentos das mulheres são cerca de 60% menor que
o dos homens, indicando que, mesmo com grau de escolaridade mais elevado, as
divergências salariais, entre homens e mulheres, seguem elevadas (IBGE, 2009).
Esses indicadores apresentados, corroborados também pelo Departamento
Intersindical
de
Estatística
e
Estudos
Sócio-econômicos
(DIEESE,
2009),
1
Dados extraídos da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2009, apresentam as características
da inserção das mulheres no mercado de trabalho em seis regiões metropolitanas brasileiras,
divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
145
demonstram também a existência de desigualdades entre homens e mulheres no
mercado de trabalho, seja na constituição como força de trabalho, nas dificuldades
de se obter uma ocupação ou nas características dos trabalhos exercidos
(BRUSCHINI, 2000).
Particularmente no Brasil, desde os primórdios da colonização, os papéis
sexuais foram prescritos com muita rigidez. A herança de uma ordem cultural
patriarcal européia relegou as responsabilidades do mundo privado-doméstico à
mulher, o que restringiu sua participação nos cargos de poder e no campo
profissional, a determinados postos de trabalhos (NADER, 2007). Estes, em grande
parte, relacionados às atividades antes desempenhadas no interior dos domicílios,
tais como serviços pessoais, educação, alimentação e saúde. O emprego
doméstico, por exemplo, é uma forma de relação de trabalho preenchida quase que,
exclusivamente, por mulheres (BRUSCHINI, 2000).
Dessa forma, as pesquisas do DIEESE e do IBGE evidenciam que o
mercado de trabalho, concretamente, define determinadas funções como mais
femininas, pois é insignificante o percentual entre as mulheres ocupadas no setor
industrial, se comparada com o do homem.
Ao discutir a inserção feminina na formação técnico-profissional dos cursos
de Mecânica e Eletrotécnica do IFES – campus de Vitória 2 , Ferreira (2003) resgatou
a trajetória da educação profissional e da escolarização feminina, bem como a sua
inserção no mercado de trabalho e na instituição espíritosantense. O estudo feito
apresentou uma análise quantiqualitativa, do tipo descritivo. Os intercessores
teóricos foram Nader (2005, 20007), Bruschini (2000), Hirata (2002) entre outros.
Por meio dessa investigação, detectou-se que a mesma situação,
apresentada pelas referidas instituições de pesquisa citadas, se reflete no sistema
de educação profissionalizante. Ao relacionar essas informações, com aquelas
2
A escola passou por diversas mudanças de cunho institucional e de nomenclaturas. Em 1937, com a
denominação de Liceu Industrial de Vitória, passou a formar profissionais habilitados para a produção
industrial. Em 1942, foi inaugurada a Unidade de Ensino de Jucutuquara, em Vitória. A partir de 1965,
passou a denominar-se Escola Técnica Federal do Espírito Santo e em 1999 passa a ser conhecida
como Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo. Em dezembro de 2008, a
instituição passa por uma nova reformulação, baseada na Lei nº 11.892, sancionada pelo presidente
da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que criou 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia no país. O nome CEFETES é substituído por Ifes – Instituto Federal do Espírito Santo.
146
divulgadas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito
Santo – campus de Vitória, por meio da Coordenadoria de Registro Escolar (CORE),
constatou-se que a participação da mulher, nesta Instituição de formação
profissional, nas diversas especialidades oferecidas, é muito variável, chegando a
ser insignificante quando se trata de cursos que preparam trabalhadores para
ocupações vistas como “naturalmente” masculinas.
Os cursos de Mecânica e Eletrotécnica, desta escola, exemplificam, com
clareza, essa questão: o número de alunas matriculadas corresponde a 8% do total
de alunos, entre os anos de 1967 a 2005 3 . Estes cursos habilitam profissionais para
o mercado de trabalho em diversas áreas da indústria e, ainda hoje, são procurados
por um número considerável de candidatos do sexo masculino, quando essa Escola
anuncia seu processo de seleção para preenchimento de vagas.
Esse quadro apresenta uma realidade em que persiste a presença feminina
restrita a funções historicamente atribuídas a sua condição de mulher e que
guardam semelhança com as atividades por elas desempenhadas, no cuidado da
família e do domicílio. Paralelamente, Hirata (2002) vem apresentando estudos
sobre a divisão sexual do trabalho nos setores industriais e como essa problemática
se apresenta na atualidade. Esses estudos denunciam
[...] que em diversos postos de trabalho, os homens se apropriam da
tecnologia enquanto conceito, desenvolveram tecnologias de produção
específicas que reivindicam como direito deles, e que defendem como
domínios masculinos [...] E a partir da apropriação da esfera tecnológica
pelos homens há uma construção social do feminino como incompetente
tecnicamente (COCKBURN, 1983 apud HIRATA, 2002, p.199).
A responsabilidade social do IFES cresce quando se tem, também, acesso
a outros estudos que se debruçam sobre a discussão dos gêneros e trabalho
industrial e afirmam que “a profissionalização industrial da mulher acontece fora da
empresa em escolas de ensino técnico [...] o que contrasta com a formação
tradicionalmente dispensada aos homens na empresa” (HIRATA, 2002, p.211. grifo
da autora), e,
Elas executam as mesmas tarefas que os homens, vestem os mesmos
uniformes [...] e cumprem a mesma jornada de trabalho. No entanto, elas
3
Análise documental em andamento. Assim não dispomos ainda dos dados dos anos mais recentes.
147
não têm as mesmas oportunidades sociais de formação técnica que os
homens, enfrentando, por isso, mais dificuldades para promoção na carreira
profissional baseada em critérios bastante rígidos (BLASS, 2000, p.1).
ALGUMAS PESQUISAS SOBRE A INSERÇÃO DAS MULHERES NOS CURSOS
TÉCNICOS E NO MERCADO DE TRABALHO CAPIXABA
Ferreira (2003), nos seus estudos sobre a inserção das mulheres nos
cursos técnicos de Eletrotécnica e de Mecânica da Instituição, resgata também, por
meio de diversos estudos sobre a rede de escolas técnicas, vestígios da presença
feminina na educação profissional e, em especial, no Instituto Federal do Espírito
Santo.
Na instituição espiritosantense foi possível localizar a presença das
capixabas, nos estudos de Ferreira (2003) e de Pinto (2006). Segundo Ferreira
(2003), buscando adequar-se à mudança na legislação educacional, a escola, em
1971, passou a oferecer um número maior de matrículas para o 2º grau técnico
profissionalizante
e
regulamenta
a
abertura
de
matrícula
para
mulheres,
determinada pela legislação. No registro da Ata do Conselho de Professores, o
diretor comunica essa decisão: “O Sr. Presidente informa que no próximo ano será
livre a escolha para o elemento feminino, pois não podemos alterar um dispositivo
constitucional” (Ata do Conselho de Professores, de 04-11-1971, arquivo do
CEFETES apud PINTO, 2006, p.111).
Porém, a mesma autora afirma que na documentação pesquisada foram
encontrados registros de matrículas desse público, nos cursos profissionalizantes,
somente a partir do ano de 1973, para o curso de Eletrotécnica (4 alunas); em 1974,
no de Mecânica (2 alunas); em 1977, no de Edificações (116 alunas); e em 1979,
no de Metalurgia (12 alunas) (FERREIRA, 2003, p. 60).
Contudo, o estudo de Pinto (2006) aponta registros da presença feminina
desde a década de 50, quando o IFES “(...) recebia a denominação de Escola
Técnica de Vitória, a matrícula de mulheres estava condicionada ao curso de
Alfaiataria, congênere ao curso de Corte e Costura que, oficialmente, era destinado
às mulheres e era oferecido em algumas escolas técnicas de outros Estados” (Pinto,
2006,
p.13).
A
legislação,
profissionalização feminina.
148
portanto,
abriu
outras
possibilidades
para
a
Esse
autor
apresenta,
ainda,
uma
discussão
sobre
os
cursos
profissionalizantes e a presença feminina na instituição. Segundo ele, os cursos
que eram caracterizados por uma formação que não exigia o trabalho
“pesado” e “sujo” das oficinas, como os cursos de Edificações, Estradas e
Agrimensura, o número de matrículas do sexo feminino superou o do sexo
masculino. Entretanto, naqueles cursos que exigiam contato direto com o
“chão da fábrica”, como Eletrotécnica, Mecânica e Metalurgia, a presença
de mulheres era muito pequena (PINTO, 2006, p. 113).
Essa análise coincide com os dados acima apresentados por Ferreira
(2003) e corrobora a idéia chave desse trabalho: as determinações sociais de
gênero como fator dificultador no itinerário da escolarização feminina.
Um estudo interessante e que permite, também, mapear a presença
feminina da região do Espírito Santo, fora do âmbito privado, são os de Nader
(2005), que analisa as mudanças econômicas e relações conjugais na capital
capixaba, entre os anos de 1970-2000.
Ela afirma que, assim como ocorria em todo o país, as mulheres vitorienses
tiveram suas vidas preparadas para assumir atividades pertinentes ao casamento.
Sua ocupação principal devia ser a manutenção da casa, a criação dos filhos e o
cultivo de relações sociais. Assim, a rígida formação da população capixaba
caracterizava a educação feminina sob uma base doutrinária conservadora que
tolhia, sempre que possível, a participação da mulher na escola, no lazer e,
principalmente, no mercado de trabalho, preparando-a, especificamente, para o
casamento (NADER, 2005, p. 4).
Suas pesquisas apontam que até o início da segunda metade do século XX,
o número de mulheres vitorienses que trabalhavam fora de casa, desenvolvendo
atividades remuneradas que não se relacionavam com as funções domésticas, era
ainda muito pequeno. Essa situação mudou completamente nos anos de 1970, na
época do chamado Milagre Brasileiro, com o agravamento da pobreza que provocou
grandes mudanças em Vitória, em virtude do êxodo rural provocado pela
erradicação dos cafezais improdutivos e pela constante chegada de migrantes de
outras localidades do país, em busca de emprego nos grandes projetos de impacto
(SIQUEIRA, 2001) que se implantavam na cidade.
De acordo com Nader (2005), essa situação chamava atenção, pois esse
processo se refletia no comportamento de toda a sociedade vitoriense, uma vez que
149
o aumento do empobrecimento da população local promoveu uma corrida feminina
ao mercado de trabalho. Como em outros centros urbanos em processo de
industrialização, a lógica do modelo capitalista de produção se fez presente, na
região da Grande Vitória, uma vez que “o crescimento econômico fundado no
desenvolvimento de grandes projetos industriais não foi proporcionalmente seguido
pelo crescimento de emprego” (SIQUEIRA, 2001, p. 145).
Segundo o Censo Demográfico do Estado do Espírito Santo de 1970,
analisado
por
essa
pesquisadora,
as
mulheres
desenvolviam
atividades
relacionadas à prestação de serviços que se ligavam às tarefas domésticas
remuneradas, tais como serviços de alimentação, (cozinheiras, garçonetes) e
higiene pessoal (cabeleireiras, manicures e pedicuros, lavadeiras e engomadeiras).
Além das tradicionais ocupações como as relacionadas à arte, ao magistério, ao
comércio, à produção têxtil artesanal e à costura e as da área de saúde, tais como
parteira ou enfermeira. Da população total de 70.103 mulheres habitantes de Vitória,
somente 35,57% estavam no mercado de trabalho – 24.536 mulheres. (NADER,
2005).
Nessa década, ainda segundo a autora, o setor industrial contratava,
preferencialmente, pessoas do sexo masculino para desenvolver atividades tanto na
indústria de transformação como na de construção civil; atividades consideradas
masculinas, por excelência. Registra-se, nesses setores, a presença de 600
mulheres, neste período.
Contudo, ao final dos anos de 1970, a pesquisadora traz outras
informações que indicam que, com a implantação de outras grandes indústrias,
localizadas ao redor da cidade, abriram novas oportunidades de empregos,
absorvendo maior número de mão-de-obra feminina. Especificamente no ramo
industrial, o número de mulheres empregadas durante toda a década cresceu da
ordem de 24%.
Outros dados, defendidos por Siqueira (2001), auxiliam nessa questão,
quando esclarece que, depois dos términos dessas obras de impacto, a “grande
maioria dessa mão-de-obra foi expulsa do mercado informal de trabalho, sem
perspectiva de reintegração” (p.154). A presença de uma grande reserva de mão-deobra pressionava a oferta de emprego como também barateava seu custo (p.146).
Mesmo nessa conjuntura desfavorável aos trabalhadores, Nader (2005)
informa que foi o comércio e o setor de serviços que abriram maiores oportunidades
150
de trabalho para as mulheres. Em 1980, o setor terciário abrangia 41,15% de todos
os empregos disponíveis na cidade e, dentro deles, enquadravam-se 53,74% da
população feminina economicamente ativa. Os empregos, nesse setor, assumiram
um papel relevante dentro do mercado empregatício feminino, principalmente nas
atividades da área de serviços que, em dez anos, teve um crescimento da ordem de
48,59%, finaliza a pesquisadora.
Atualmente, trabalho e salário femininos são necessários à sobrevivência
da própria família. No Espírito Santo, dados do PNDE/IBGE (2009) evidenciam que
as mulheres são chefes de família em 23,3% dos domicílios, e no município de
Vitória, elas formam 40,2% da população economicamente ativa, em que um terço
(33,8%) ocupa a condição de responsável pelas unidades familiares, uma proporção
bem acima da média nacional, com 24,9% dos imóveis.
Os dados também revelam as desigualdades salariais entre homens e
mulheres, em que os valores aumentam, proporcionalmente, conforme o tempo de
escolarização: as mulheres com grau de escolarização igual ou inferior a 3 anos de
estudos ganham menos que os homens com o mesmo grau de escolaridade –
61,5% - enquanto que as mulheres com maior grau de escolarização (11 ou mais
anos de estudos ) ganham 57,1% do salário dos homens (IBGE, 2009).
Esses indicadores, ainda que preliminares, são preocupantes, na medida
em que as mulheres das camadas populares, que não conseguiram completar sua
escolarização, estão mais vulneráveis diante do mercado de trabalho, o que
configuram sua presença em postos de trabalho cada vez mais precarizados e
invisíveis, como o trabalho doméstico e as atividades no mercado informal. Essa
situação contribui, ainda mais, para sua vulnerabilidade perante a sociedade.
Hoje, trabalho e salário femininos são necessários à sobrevivência da
própria família. É conhecida e pertinente a discussão da dualidade do sistema
educacional, que ainda persiste na sociedade brasileira – educação superior para as
camadas privilegiadas, e educação profissionalizante, para as camadas populares –
polêmica essa de extrema atualidade pela implantação do Decreto Governamental
2.208/97, que desvinculou o Ensino Médio do Ensino Técnico-Profissional e as
151
consequentes implicações decorrentes de sua aplicabilidade nas Instituições de
Ensino Profissionalizante e que ainda vigora 4 .
Por outro lado, estudos científicos comprovam a contribuição da educação
técnica para a o sucesso desses jovens, oriundos dos setores populares e grupos
médios, para ingressarem no ensino superior. Dessa forma, o IFES – campus de
Vitória representa, para uma parte considerável da população capixaba, uma
alternativa para dar sequência a sua escolaridade e, ao mesmo tempo, buscar sua
inserção no mercado de trabalho, pela profissionalização. E esta clientela, que
busca essa Instituição de Ensino, grande parte pertence ao sexo feminino.
Entretanto, nos cursos de Mecânica e de Eletrotécnica, essa presença ainda, é
insignificante.
Considerando o total de jovens que buscam o IFES, quando do processo de
seleção para ingresso nestes cursos, a escola, ao atender a demanda feminina,
pode desenvolver um trabalho para incentivar a participação efetiva em atividades
técnicas não tradicionalmente femininas e desmistificar o que Hirata (2002) chama
de “apropriação masculina da técnica”.
Acredita-se que uma atuação social efetiva do IFES pode tornar possível a
qualificação dessas jovens, em setores ocupacionais da indústria, ajudando-as na
inserção no mercado de trabalho e ampliando suas opções, para uma realização
profissional consciente, evitando escolhas, como no depoimento abaixo:
[...] você tem na Escola Técnica um curso de Edificações que tem
mais mulheres, porquê? Porque Edificações é associado muito à
questão de ambientes, à questão referente ao mundo da mulher.
Quanto ao Curso Técnico de Mecânica, está associado a automóveis,
a carros, grandes máquinas, que é uma coisa que está afastada do
mundo da mulher, do mundo no qual ela foi criada (depoimento de
aluna apud GUIMARÃES, 1999, p.90).
4
Deve-se ressaltar que com o governo Lula há a obrigatoriedade de ofertar cursos técnicos
integrados de formação técnica com a Educação Básica. Mas ainda são ofertados cursos técnicoprofissionalizante com essa organização curricular (os curso técnicos subseqüentes).
152
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A luta pela inserção das mulheres, em igualdade de condição com a dos
homens,
no
sistema
educacional
e,
principalmente,
no
processo
de
profissionalização, ainda é uma realidade. Evidenciam-se indicadores que
comprovam a existência de discriminação referente ao tratamento dado aos gêneros
nas relações profissionais: persiste a desigualdade sexista no mercado e nas
condições de trabalho. Os mesmos indicadores apontam também que as habilidades
exigidas para inserção no mercado profissional são exercidas, com competência e
responsabilidades, pelo público feminino.
Portanto, essa instituição educativa, formadora de mão-de-obra, não pode
eximir-se de cumprir sua função social. E uma delas é combater atos
discriminadores que possam impedir as pessoas de exercerem suas funções
profissionais, devido à imagética social construída, historicamente, em torno das
profissões, sobretudo no âmbito industrial.
Sabe-se que um problema social, de natureza e dimensões tão amplas, não
permite imediatismo em sua resolução. Mas, entende-se que ao buscar parceria
com o setor produtivo e com a comunidade, por meio de suas entidades
representativas, cria-se uma rede de agentes sociais, comprometida com a
visibilidade no trato da discriminação dos gêneros. O que pode trazer ganhos
significativos para essas questões.
Assim, levar em consideração que na educação escolar coexistem as
diferenças, assim como de classe e étnico-racial, configura-se, nos tempos atuais,
como uma abordagem necessária nas pesquisas educacionais, em uma sociedade
diferenciada quanto ao acesso à educação, à cultura e aos bens materiais.
Adotando-se um recorte de relações de gênero nas análises educacionais,
é possível edificar novas formas de pensamento isentas de diferenciação sexista, o
que levaria a praticas pedagógicas e sociais compatíveis com a nova posição dos
gêneros, no mundo atual.
153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Fundação Carlos Chagas. SP: 2000, Disponível em: < http/ www fcc. br>. Acesso em:
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<http://www.www.dieese.br> Acesso em: abril 2007.
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Cursos de Mecânica e de Eletrotécnica do CEFETES. 2003 151 f. Dissertação
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GUIMARÂES, Valéria M. Gomes. A Mulher de batom, graxa e macacão. Uma
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da Escola Técnica Federal da Paraíba. João Pessoa: CEFET/PB. 1999.
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PINTO, Antônio Henrique. Educação Matemática e Formação para o trabalho:
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Tese (Doutorado em Educação). Campinas – SP: Unicamp, 2006.
SIQUEIRA, Maria da P. Smarzaro. Industrialização e empobrecimento urbano: o
caso de Grande Vitória, 1950-1980. Vitória: EDUFES, 2001.
154
MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO:
EDUCAÇÃO IDENTIDADE E PROFISSÃO
Gilvandro Vieira da SILVA
Pedagogo do IFPB – campus de Cajazeiras – PB.
Aluno do Curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal da Paraíba.
[email protected]
[email protected]
RESUMO
O presente artigo objetiva apresentar questões relativas às mudanças no mundo do
trabalho com reflexões acerca da educação tecnológica, identidade humana e
profissão na sociedade tecnológica.
155
O inicio da década de 70 é colocado, por muitos pensadores, como o marco
inicial da expansão do chamado avanço tecnológico que veio através dos resultados
de pesquisas na microeletrônica e do surgimento da internet. Estes marcos
tecnológicos vão mudar significativamente as características do trabalho, que até
então tinha como base a utilização da técnica como forma de desenvolver a
produção. Neste sentido, no que diz respeito aos países subdesenvolvidos existia, e
ainda existe, a filosofia e a prática da educação profissional direcionada a instruir os
futuros trabalhadores para reproduzirem comportamentos de ações profissionais
predefinidas nos currículos, manuais técnicos, revistas especializadas, estágio, entre
outras maneiras de aprendizagem, para otimizar a produção. Além disso, vale
salientar que as escolas profissionais, muitas vezes, não dão conta da parte prática,
e o que se tem detectado, ao longo do tempo, é que o aluno vai aprender realmente
esta prática ao lado das máquinas, na lógica do ensaio e erro, contando com a ajuda
de outros profissionais experientes que estão ao seu lado. Assim, as aplicações
progressivas das novas nas relações de produção vão mudar a natureza do trabalho
e da educação, e como consequência, a forma de ser do trabalhador, que passa a
ter sua identidade enquanto pessoa e profissional modificada, exigindo-se, a partir
daí, um perfil polivalente e, acima de tudo, um trabalhador qualificado com
competências para entender a complexidade imposta pelas novas tecnologias.
É a partir da mundialização do capital que se desenvolve um complexo de
reestruturação produtiva, com impactos estruturais no mundo do trabalho.
Ele surge como ofensiva do capital na produção, tendo em vista que
debilita a classe não apenas no aspecto objetivo, com a constituição de um
novo (e precário) mundo do trabalho, mas principalmente no subjetivo. É
por isso que, na perspectiva histórico-ontológica, o novo complexo de
reestruturação produtiva não possui caráter “neutro” na perspectiva da luta
de classes. (Alves. 2000.p.9)
Esse processo de reestruturação produtiva se inicia nos países desenvolvidos
pelo abandono dos princípios tayloristas/fordista e adoção do Toyotismo, que propõe
o uso das novas tecnologias e procedimentos organizacionais no mundo do
trabalho, implantando, assim, a flexibilidade que tornaria a produção mais
racionalizada, constituída por máquinas inteligentes e poucos trabalhadores.
Desse modo, ao utilizar o conceito de toyotismo, queremos dar-lhe uma
significação particular, delimitando alguns de seus aspectos essenciais.
São tais aspectos essenciais do toyotismo- seus protocolos organizacionais
(e institucionais), voltados para realizar uma nova captura da subjetividade
156
operaria pela lógica do capital- que possuem valor heurístico, capaz de
esclarecer seu verdadeiro significado nas novas condições da
mundialização do capital. (Alves. 2000.p.30)
.O Toyotismo é estruturado pelos seguintes protocolos organizacionais:
●AUTONOMAÇÃO/AUTO-ATIVAÇÃO – Consiste em fazer com que as máquinas e
os modos de operação incluam protocolos de responsabilidade pela qualidade dos
produtos nos próprios postos de fabricação;
●POLIVALÊNCIA – Impõe uma desespecialização do trabalhador, fazendo com que
o mesmo trabalhe, em um mesmo espaço, em várias funções;
●LINEARIZAÇÃO – Consiste em instalar as máquinas de tal maneira que elas se
tornem o suporte de operações sucessivas, levadas a cabo pelos operários
polivalentes;
●JUST-IN-TIME/ KANBAN – Promove um conjunto de reagregações das tarefas
produtivas, com o espírito de incorporar a subjetividade operaria como constituidora
do novo complexo de produção de mercadorias.
Estes princípios, que levam a determinação da existência de novas práticas
profissionais, são aos poucos introduzidos nos países de terceiro mundo, e seus
reflexos são sentidos pelos trabalhadores.
Neste sentido, Alves citando Shaiken (1990) confirma a extensão deste
processo de flexibilização econômica:
Nos países do Terceiro Mundo industrializados como o Brasil, a classe
operaria ainda mantém, pelo menos até os anos 80, presença significativa
nas industrias. Entretanto, em virtude da mundialização do capital, as
empresas, conglomerados e corporações transnacionais no Terceiro
Mundo, como é o caso da indústria automobilística, tendem a adotar, cada
vez mais, em maior ou menor proporção, os mesmos padrões tecnológicoorganizacionais do centro capitalista (desenvolve-se no Brasil dos anos 80
o que denominamos mais adiante um “ toyotismo restrito”). O complexo de
reestruturação produtiva que atinge o Terceiro Mundo tende a debilitar o
mundo do trabalho, (re)constituindo- ou meramente extinguindo – pela
desindustrialização, os pólos de modernidade industrial, instaurados na
época da industrialização emergente. Os imperativos da competitividade
mundial exigem das corporações transnacionais, os verdadeiros agentes
da mundialização do capital, seja nos países capitalistas centrais, seja nos
países do Terceiro mundo, uma lean production, que tende a conduzir á
redução de pessoal empregado na indústria. Ao lado da introdução de
novas tecnologias microeletrônicas na produção, em escala mundial,
157
passa-se a adotar um processo intensivo de racionalização produtiva,
incorporando os princípios do toyotismo. (Alves. 2000.p.69)
Com a imposição progressiva de formas flexíveis de administração da
economia mundial vai sendo superado, e saindo de cena, o Estado com a economia
baseada no capital industrial para um Estado fundamentado, principalmente, no
capital financeiro e serviços. Esta nova forma de ser do Estado está estruturada no
projeto neoliberal que, em sua nova versão, traz como determinação a redução da
ação do Estado no que diz respeito a investimentos em políticas sociais. Esta nova
fase do Estado Capitalista representa mais um rompimento, ou momento de crise,
com fins de encontrar novas formas de acumulação de capital e esta fase traz
consigo a aplicação de novas tecnologias no mundo do trabalho e vai provocar uma
serie de mudanças em todos os setores da sociedade mundial porque a introdução
de novas tecnologias, com base principalmente na microeletrônica, diminui
significativamente os postos de trabalho devido a introdução do processo de
automação das linhas de produção. Essa introdução das novas tecnologias na
produção vem exigindo um nível de conhecimento compatível, não só com a
complexidade que passam a estruturar as máquinas inteligentes, mas também
requer perfis profissionais diferenciados, com associação a uma forma de trabalho
polivalente.
Assim, a partir deste fato, ocorre um processo continuo e dialético de
especialização e desespecialização que atingiu, e vem atingindo diretamente,
principalmente, os trabalhadores dos países subdesenvolvidos pelo fato de não
possuírem as qualificações que, a partir de então, passaram a ser exigidas para que
se pudesse estar empregado, ou na condição de empregabilidade.
Já o processo de trabalho flexível traz a possibilidade de uma redução dos
níveis de divisão e fragmentação do trabalho, pois oportuniza a
intercambialidade de funções e a polivalência do trabalhador, ao ser
alocado em diferentes tarefas. Esta flexibilidade funcional pode ser de dois
tipos: a agregação de funções para cada trabalhador, como é o caso das
ilhas de fabricação onde um único homem controla um conjunto articulado
de várias máquinas; e a rotação põe diferentes tarefas, como registrar a
experiência de trabalho por equipes, que se responsabiliza pela sequência
inteira de uma etapa produtiva, arcando com todas as funções
coletivamente. Com a flexibilização funcional um novo perfil de qualificação
da força de trabalho parece emergir e, em linhas gerais, pode-se dizer que
estão sendo postas exigências como: posse de escolaridade básica, de
capacidade de adaptação a novas situações, de compreensão global de um
conjunto de tarefas e funções conexas, o que demanda capacidade de
158
abstração e de seleção, trato e interpretação de informações. Como os
equipamentos são frágeis e caros e como se advoga a chamada
administração participativa, são requeridas também a atenção e a
responsabilidade. (Machado. 1992.p.15).
De acordo com a análise que se encontra presente na nota técnica do Dieese
(2010.p.12), quando se pensa em investimento em alta tecnologia e introdução de
inovações, comumente faz-se referência à possível existência de um gargalo
estrutural na força de trabalho brasileira, que é sua baixa formação escolar e
profissional (qualificação, técnica, e tecnológica).
Esta afirmação tem sido
recorrente no debate público e alguns chegam a mencionar a ocorrência de um
“apagão”, um ponto de estrangulamento que poderia, em muito pouco tempo,
impedir a continuidade do ciclo recente de crescimento observado na economia
brasileira.
De fato, os dados sobre formação escolar e formação e educação
profissional não são positivos e revelam a necessidade de um grande esforço
nacional, de médio e longo prazo, para a alteração desta situação. Por exemplo,
especificamente sobre a formação profissional, segundo o suplemento da PNAD
2007, da população acima de 18 anos, apenas 3,3% (4,3 milhões de pessoas)
frequentavam algum curso profissionalizante, sendo que 77% de qualificação
profissional (dos quais, quase a metade na área de informática), 21%, técnicos de
nível médio e 2%, de graduação tecnológica. Nos três casos, predominavam os
cursos oferecidos por instituições de ensino privadas.
Realmente o que se verifica é que está em curso no mundo um processo de
avanço tecnológico que vem interferindo, de forma incisiva, na redução da força de
trabalho via automação da produção e no desaparecimento de várias profissões,
agora consideradas improdutivas, na exigência de qualificação/requalificação e
numa postura polivalente do trabalhador. Neste sentido, se faz necessário que a
educação ofereça uma resposta condizente para a formação do trabalhador, e esta
resposta precisa, obrigatoriamente, passar pela adoção da Educação Tecnológica
que, fazendo a relação entre ciência e técnica, poderá permitir uma formação
tecnológica capaz de possibilitar aos trabalhadores a condição crítica e criativa de
poder tanto pensar a tecnologia quanto de poder ser um construtor de tecnologia.
Infelizmente, o que se constata é que a escola brasileira não está preparada
para executar esta tarefa, já que continua caminhando na contra - mão da historia,
159
adotando uma concepção de educação e currículos que permitem, aos professores,
ensinar conteúdos e utilizar metodologias conservadoras e ultrapassadas, e que
muitas vezes mal conseguem instruir. Um dos grandes problemas é que não se
trabalha a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade, e sim, o repasse de
conteúdos descontextualizados, que só possibilita a manutenção da distância com
relação à dinâmica flexível em que o trabalho se encontra imerso, ensinando, talvez,
para um mundo que não existe mais.
De acordo com Seraphim (2006.p.24), as pessoas aprendem, atualmente,
com suas atividades sociais e profissionais, e o sistema educacional passa a perder
o monopólio da criação e transmissão do conhecimento. Neste sentido, é mais do
que nunca objetivo da educação fazer a orientação dos percursos individuais do
saber e contribuir para o reconhecimento destes saberes, incluindo-se aí os saberes
não acadêmicos. Esta distância entre o sistema educacional e a dinâmica do
conhecimento que se multiplica, a todo o momento, na sociedade informacional, dáse, principalmente, porque os saberes estão codificados em bases de dados on-line,
em mapas alimentados em tempo real pelos fenômenos do mundo, e em simulações
interativas. Com esse novo suporte de informação e comunicação emergem gêneros
de conhecimentos inusitados, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber;
novos atores trabalham na produção e tratamento dos conhecimentos, e qualquer
política de educação tem que levar isso em conta.
Acerca da educação ideal para o contexto da sociedade atual, onde ocorrem
mudanças provocadas também pela tecnologia, Grispum (2002) aponta que:
Um dos traços que confere, então, peculiaridade à sociedade atual é esta
situação de crise, seja ela política, cultural ou ética. Temos uma sociedade
marcada por contradições e desafios da civilização cientifica tecnológica:
altos avanços neste campo capazes de fazer a vida mais humana,mais
longa,com uma cultura,hoje,de lazer,mas que, por outro lado,nos levam, por
suas estratégias,a vivenciarmos uma situação de domínio,destruição e até
mesmo de alienação.A moderna civilização convive com esses contrastes
mas também com suas aspirações.A educação também vive a sua
crise,seja ela caracterizada pelos objetivos e finalidades de suas
propostas,seja pelos seus procedimentos ou metodologias a serem
seguidos.Com que modelo de educação ela está comprometida,nos dias de
hoje: ensinar? dominar técnicas mais modernas? fazer com que o aluno
aprenda a usar o computador? adequar o aluno às normas vigentes no
campo político-social? formar o cidadão? preparar a escola para competir
com a televisão? enfim, qual o modelo de educação que existe nos dias
atuais? A intima vinculação da educação com o contexto social e cultural
leva-nos a rever, então, os seus modelos na medida em que ela tem que
estar refletindo os anseios da sociedade, e que, por estar em crise, tem os
160
seus desafios muito mais instigados e problematizados. Sem,entrar (muito)
no mérito da questão das “crises” desta sociedade, precisamos
compreender como e por que elas existem e como a educação deve agir
para fazer com que o individuo compreenda sua sociedade e nela interfira
satisfatoriamente.
De acordo com Rodrigues (2002)
Pensar em educação significa pensar no tipo de preparo requerido para o
enfrentamento com este mundo de crescente complexidade e permanente
mudança e na necessária tomada de consciência dessa realidade. Qualquer
projeto de educacional, ao se voltar pra as demandas da vida
contemporânea, terá que também incluir uma reflexão sobre valores.
Antigamente, julgava-se que os valores seriam sempre os mesmos
perenemente apreciados da mesma forma. Entretanto, com o passar do
tempo, vemos que novas atitudes surgem com novas visões de mundo e
novas realidades. Isso significa que também os valores sofrem alterações,
sua ordem hierárquica se reorganiza. Alguns filósofos chegam a considerar
que novos parâmetros éticos devam ser formulados, já que os antigos não
dão conta da problemática suscitada pela tecnologia.
Bastos (2009) lembra que para se discutir esse tipo de educação para a
sociedade tecnológica, informacional, ou do conhecimento, faz-se necessário deixar
clara a relação entre educação, tecnologia e trabalho.
Educação e tecnologia não são termos teóricos e abstratos, mas dimensões
com conteúdos de práticas e de existência vivenciados através da história e
retomados, hoje, em novas perspectivas, face aos desafios impostos pelos padrões
valorativos do homem moderno, e pelas transformações tecnológicas que o
envolvem. São relacionadas e relacionáveis, pois no âmago de seus conteúdos há
linguagens e comunicações, não apenas construídas definitivamente pela historia,
mas em processo dinâmico de revitalização necessitando sempre de retoques e
reformulações. A primeira vista, poderiam significar a preparação adequada de
recursos humanos para preencher quadros e aplicar técnicas. No entanto, há que se
questionar a razão de ser de cada um desses termos, isolada e interativamente, no
contexto de homem e de mundo, não apenas marcados pelos sinais do pragmatismo
imediato, mas assinalados pelo destino histórico de construir uma existência tecida
pelos encontros de parcerias, em beneficio das sociedades.
Assim, refletindo as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores para se
adequar a essa nova estrutura imposta, atualmente, no mundo do trabalho, na qual
161
envolve a exigência de uma nova identidade, que contenha uma serie de requisitos,
como conhecimento intelectual capaz de entender a complexidade imposta pelas
novas tecnologias, aceitação de contratos temporários de trabalho e do não
recebimento de direitos trabalhistas, historicamente conquistados, dentre outras
formas de precariedade, que hoje estão presentes no mundo do trabalho,
verificamos que existe uma fragmentação nas relações de trabalho que atinge,
diretamente, a identidade do trabalhador e a profissão que exerce pelo fato de
muitas já terem sido extintas, e por não conhecer outras pela dificuldade de acessar
uma formação múltipla que se adéque a estas novas atividades e novas atribuições.
Assim, a construção de uma nova, ou de novas identidades, representa um desafio
para a classe trabalhadora que precisa ser debatida, principalmente, nos
movimentos sindicais como forma de resistência ao discurso e práticas precarizadas
e impostas pelo Estado Neoliberal.
IDENTIDADE E PROFISSÃO
No espaço social, o homem ultrapassa os limites da cultura e procura,
identidades passadas, para se perceber. No presente, vive em uma luta contínua no
intuito de construir suas identidades futuras, que vão aos poucos formando um todo
dialético que poderá ser encontrado e incorporado a qualquer momento, perfazendo
um ciclo de transformações que só se esgota com a morte.
Para Bogo (2008. p. 27):
As coisas são o que são mais aquilo que virão a ser, delineado pelo
movimento de suas contradições internas, pois ao se fazerem, antecipam
em si as características daquilo que serão. É a ação consciente do ser
humano através do trabalho ou de outra atividade cultural, como a arte, a
educação e a pesquisa, que nos permite passar de seres biológicos para
seres sociais. Negamos o estado de natureza pura para nos tornarmos
humanos, por meio do trabalho como base da formação da cultura sem
deixarmos de ser totalmente natureza.
Esta busca pelo ser e pelo ter dá-se num ambiente social dinâmico, no qual
ocorrem, a todo o momento, diversas transformações; exigindo esforços, cada vez
maiores, pela busca desse homem do seu tempo no intuito de se tentar assegurar o
que se pode ser no próximo passo que der em direção ao futuro. Esse futuro
aparece diariamente, trazendo como necessidade o viés da atualização da
162
identidade. Neste sentido, o espaço social é, sem duvida, o ambiente em que se dá
o desenvolvimento da identidade humana em suas mais diversas facetas
O sistema social – consolidado por valores comuns – constitui a condição
do êxito da comunicação (interação) entre os indivíduos e acha que esse
sistema não pode ser senão interiorizado nas personalidades, e não exterior
a elas, a tese da socialização precoce constitui a solução mais simples para
o problema precedente: ao se identificar com seus próximos, a criança
interioriza suas normas e seus valores e torna-se, assim, um ator desejoso
de se comunicar com quem tem a mesma experiência que ela, reproduzindo
desse modo as normas e os valores de sua sociedade e de seu meio de
origem. (Dubar. 2005.p. 64)
Isso ocorre principalmente porque o homem, enquanto ser social, necessita
de afirmação social ou reconhecimento a todo o momento em que executa uma
ação, e para isso precisa ter, em mãos, um símbolo reconhecido e respaldado pelo
outro, e pelo conjunto da sociedade, para ter segurança e obter uma relativa certeza
de que o que esta fazendo tem uma aproximação de sucesso na obtenção de seus
objetivos, afastando, assim, o medo de que o objeto com o qual está lidando não
seja o que ele realmente imagina ser. Mesmo assim, o sentimento de insegurança
continua até a consecução do objetivo, através da ação de elaboração do outro.
Essa insegurança representa um processo continuo, já que a ação do homem
na relação entre o pensar e o fazer requer um esforço muito grande da pessoa que
vai agir, e até um sofrimento, devido ao fato de, às vezes, saber o que se quer mais
não ter nenhuma segurança do que o outro pensa e quer, e isso se dá pela
impossibilidade de se poder adentrar à subjetividade do outro. Assim, a grande
problemática é que interação com o outro acontece permeada pelas normas e
valores sociais que, a principio, permitem o estabelecimento de processos de
afastamento, desconfiança, e descriminação, para quem sabe, em um determinado
momento posterior, possa vir a se transformar em aproximação, confiança, e adoção
do outro ou do seu modelo, como pratica de vida, ou relação direta com ele.
A divisão interna á identidade deve enfim e, sobretudo, ser esclarecida pela
dualidade de sua própria definição: identidade para si e identidade para o
outro são ao mesmo tempo inseparáveis e ligadas de maneira problemática.
Inseparáveis, uma vez que a identidade para si é correlata ao Outro e a seu
reconhecimento: nunca sei quem sou a não ser no olhar do
Outro.Problemáticas,dado que“ a experiência do outro nunca é vivida
diretamente pelo eu...de modo que contamos com nossas comunicações
para nos informarmos sobre a identidade que o outro nos atribui ...e,
portanto, para nos forjarmos uma identidade para nos mesmos” (Laing,
163
p.29). Ora, todas as nossas comunicações com os outros são marcadas
pela incerteza: posso tentar me colocar no lugar dos outros, tentar adivinhar
o que pensam de mim, até mesmo imaginar o que eles acham que penso
deles etc. Não posso estar na pele deles . Eu nunca posso ter certeza de
que minha identidade para mim mesmo coincide com minha identidade para
o Outro. (Dubar, 2005.p.1350.
Um grande complicador é que o homem, ao nascer em um campo permeado
por diversos símbolos, não consegue entender como se deu a construção de sua
identidade e se tem liberdade para refazer sua reconstrução. Portanto, boa parte de
sua própria subjetividade é desconhecida e está submetida a um processo de ordem
social que permite ao Outro se utilizar de vários instrumentos para delimitar e
determinar o seu espaço de convivência e, até mesmo, modelar o seu
comportamento. Desta forma, em todos os modos de produção o homem passou por
processos de condicionamento de sua forma de ser, seja atendendo as regras do
mais simples costume até as determinações rígidas existentes nas relações de
produção do sistema capitalista; e em sendo assim, o trabalho, como espaço
primordial da existência física e psicológica do homem, representa um dentre os
diversos instrumentos de modelagem que se desenvolvem no processo de sua
socialização.
Habermas, analisando o pensamento de Hegel acerca do trabalho, coloca o
seguinte:
É na divisão do trabalho e na troca dos produtos do trabalho que se origina
a emergência do trabalho abstrato e do dinheiro (a moeda) como
equivalente geral, fornecendo o modelo do comportamento recíproco. A
forma institucional dessa troca é realizada pelo contrato no qual “a palavra
proferida adquire um valor normativo”. A ação complementar dos atores
“mediada por símbolos que fixam expectativas de comportamentos
obrigatórios... é codificada como tal pelo intermediário de uma
institucionalização da reciprocidade que encontra estabelecida com a troca
dos produtos do trabalho”.
É claro que este processo de modelagem das identidades sociais não se dão
de forma aleatória, sem interesses envolvidos e passividade. Ao contrário, as
construções das identidades vão se dar num espaço processual de alienação e de
luta em busca de uma consciência critica que permita, no mínimo, a possibilidade de
pensar a liberdade e buscar a autonomia no ato de agir sobre a problemática social.
164
A idéia de que a ausência de interesse é uma condição indispensável para
se conhecer a verdade é falsa. É difícil apontar qualquer descoberta ou
percepção significativa que não tenha sido atiçada por um interesse do
pensador. Com efeito, sem interesses e pensamento torna-se estéril e
despropositado. O que importa não é saber se há ou não interesse, mas
que espécie de interesse existe e qual será sua relação com a verdade.
Todo pensamento produtivo é estimulado pelo interesse do observador.
Nunca é um interesse por si mesmo que deturpa as idéias, mas somente os
interesses que são incompatíveis com a verdade, com o descobrimento da
natureza do objeto que esta sendo observado. (Fromm, 1986.p.96).
Dentre as identidades que o homem busca está a identidade profissional; uma
identidade de extrema importância porque vai representar a passagem de um
momento de formação no qual o homem adquiriu habilidades e competências, seja
na educação formal ou informal, para um outro momento, em que exercerá uma
atividade profissional, da qual a sociedade vai requerer em forma de serviço para
resolver seus problemas. Neste sentido, o homem aparece como profissional,
atuando na diversidade do mundo do trabalho e dependente dele. E como é
justamente no mundo do trabalho que se encontra a sua identidade profissional, o
homem busca se compreender através do outro e através do entendimento do
mundo.
Neste percurso de busca o homem está perseguindo sempre seus interesses,
os quais estão inseridos no conjunto dos interesses sociais, para poder superar suas
dificuldades, principalmente, as de acesso às riquezas socialmente produzidas, e
assim, poder sobreviver em meio às diversas dificuldades, dando ênfase às de
natureza econômica. Sendo assim, a luta do homem por espaços capazes de lhes
proporcionar uma condição de vida mais digna é histórica; muitos exemplos de
superação vindos de ações individuais e coletivas estão registrados na sociedade
pelas ciências, especialmente pelas ciências sociais. Dessa forma, as identidades
pessoais e profissionais são construídas no contexto dos diversos interesses que
permeiam as classes sociais, o que para Habermas:
Não é legitimo (nem “cientificamente” “nem moralmente”) reduzir os
processos de comunicação social (interação), cuja implicação histórica é”a
libertação das formas de dominação e de servidão e sua substituição por
formas de reconhecimento recíproco”, a produtos ou aspectos dos
processos instrumentais e, em particular, dos processos de
produção(trabalho).De acordo com ele, a questão da socialização intervém
precisamente nessa relação entre trabalho e interação, ou seja entre
processos ou “sistemas“ de produção e processos ou “mundos vividos” das
relações sociais sem que, de maneira nenhuma, os segundos possam se
165
reduzir aos primeiros. Em outras palavras, tanto para Habermas como para
o jovem Hegel, as identidades sociais, e correlativamente, as formas de
relações sociais nas quais elas se estabelecem e se exprimem não podem
ser deduzidas dos sistemas de trabalho ou produção nem das “forças
produtivas”. Reduzir os “mundos vividos” e os processos identitários a um
aspecto ou produto dos “sistemas” é suprimir a questão da socialização e,
portanto, subtrair toda autonomia às Ciências Sociais (Habermas, 1981,
tomo 2, PP.331ss). Dubar, 2005.p.105 e 106).
Neste sentido, fica evidente que não se pode focar o trabalho como um
instrumento isolado do espaço social, com poderes de interferir na formação das
identidades, seja no que diz respeito à identidade pessoal ou profissional. No caso,
as instituições sociais de educação primária das crianças, como a família e a escola,
possuem juntas um poder muito grande de influenciar na formação das identidades.
Historicamente, a família tem exercido um papel preponderante na formação de
seus pares; e as expectativas de como serão e o que farão os filhos tem raízes na
própria forma de ser dos pais, tios e avos, destacando-se aí a importância da
preservação dos seus costumes e valores morais. É na família que a criança recebe
sua primeira carga educativa, de caráter informal, entrando em contato com regras
comportamentais que devem ser cumpridas, sem que haja questionamentos acerca
delas; e, quando a criança questiona, é trazida para o enquadramento através de
castigos.
Nas discussões ocorridas nas ciências sociais se diz que o primeiro ensaio de
identidade ocorre nos primeiros contatos da criança com a mãe, que vai se
construindo, passando pela a escola, e alargando pelo meio social, como um todo. A
família não possui tanta influência assim sobre a formação profissional, fazendo
apenas alguns direcionamentos para a criança, indicando as qualidades de algumas
profissões, sendo referenciadas, principalmente, as que trazem mais status social e
remuneração. Esta ação da família se ancora numa análise muitas vezes do senso
comum da necessidade que seus filhos terão de obter recursos econômicos para
sobreviver. Neste sentido, a identidade da criança que está em construção sai do
controle da família e se constrói, de forma processual, no contato com as outras
instituições e demais sujeitos sociais.
Para Dubar (2005) os indivíduos de cada geração reconstroem suas
identidades a partir:
166
Das identidades sociais herdadas da geração anterior (“nossa primeira
identidade social nos é sempre conferida”, Laing, p.116) das identidades
virtuais (escolares...) adquiridas durante a socialização inicial (“primária”);
das identidades possíveis (profissionais...) acessíveis no decorrer da
socialização “secundaria”. De outro lado, as próprias categorias pertinentes
de identificação social evoluem no tempo e permitem antecipações
recíprocas sobre as quais podem se enxertar as negociações identitárias.
É claro que estas escalas de reconstrução das identidades, passando pela
família, escola e as diversas profissões, perpassa por uma discussão acerca da
desigualdade social que provoca a diferença entre as classes sociais. Crianças
nascidas em classes sociais abastadas entram logo cedo em contato com muitos
recursos que facilitam a interpretação dos objetos presentes no meio social,
enquanto as crianças menos abastadas, passam por situações de privações sendo
tidas muitas vezes, como prioridade, a busca do alimento como forma de
sobrevivência biológica.
A necessidade de emancipação pelo trabalho parece sentida mais cedo
pelos jovens operários ou pelos jovens lavradores, e a atmosfera da escola
não lhes satisfaz, a partir de certa idade, o desejo de inserção na vida
social. (Friedmann, 1973. p216).
Assim, muitas crianças e jovens entram no mercado de trabalho muito cedo e
deixam de vivenciar suas fases de desenvolvimento.
Entre os acontecimentos mais importantes para a identidade social, a saída
do sistema escolar e a confrontação com o mercado de trabalho constituem
atualmente um momento essencial da construção de uma identidade
autônoma. É claro que o conjunto das escolhas de orientação escolar mais
ou menos forçada ou assumida representa uma antecipação importante do
status social futuro. A entrada em uma “especialidade” disciplinar ou técnica
constitui um ato significativo da identidade virtual. Mas, hoje em dia, é na
confrontação com o mercado de trabalho que, certamente, se situa a
implicação identitária mais importante dos indivíduos da geração da crise.
Essa confrontação assume formas sociais diversas e significativas conforme
os países, os níveis de escolaridade e as origens sociais. Mas é de seu
resultado que depende tanto a identificação por outrem de suas
competências, de seu status e de sua carreira possível, quanto a
construção por si de seu projeto, de sua aspirações e de sua identidade
possível. (Dubar, 2005.p.148 e 149).
É sabido que, historicamente, a família e a escola sempre buscaram cumprir o
papel de orientar seus filhos e alunos da melhor forma possível para o
desenvolvimento das vocações e profissões; no entanto, isso até hoje não tem
167
acontecido a contento, por vários motivos, a saber como: muitas vezes as famílias
priorizam determinadas profissões pelo status social que representam e contribuem
para abafar as aspirações vocacionais que partem da vontade de seus orientandos,
o mercado de trabalho muda constantemente, exigindo perfis profissionais que,
muitas vezes, são complexos e requer um grau de escolaridade elevado, ou as
profissões oferecidas não possuem atrativo econômico e status.
A escola, geralmente, centra suas atividades no desenvolvimento de
conteúdos e discute pouco, ou quase nada, o mundo do trabalho e suas profissões.
Além disso, em cada etapa da historia da humanidade, o processo de
desenvolvimento tecnológico tem determinado como dever ser o mercado de
trabalho e os perfis profissionais necessários, o que gerou e gera, até hoje, um
descompasso entre as condições de formação do trabalhador e essas exigências
circunstanciais. Essa falta de informação e contato com o mercado de trabalho faz
com que a criança e o adolescente cresçam acumulando uma serie de ansiedades
quanto ao seu futuro como pessoa e profissional. Assim, principalmente, a
identidade profissional é desenvolvida no espaço de trabalho onde o trabalhador vai
numa perspectiva de ensaio e erro, acumulando experiência e aprendendo a gostar
ou odiar a profissão na qual está inserido.
Partindo dessa confrontação do trabalhador com o mercado de trabalho,
Dubar define assim como se dá a formação da identidade profissional:
É do resultado dessa primeira confrontação que dependerão as
modalidades de construção de uma identidade “profissional” básica que
constitua não somente uma identidade no trabalho, mas também e,
sobretudo, uma projeção de si no futuro, a antecipação de uma trajetória de
emprego e a elaboração de uma lógica de aprendizagem, ou melhor, de
formação. Essa construção de identidade para si na confrontação com o
mercado de trabalho ou com os “sistemas de emprego” coincide ainda mais
com o “drama social do trabalho” de que fala Hughes, por comportar
atualmente, para uma parcela dos jovens, o risco de uma exclusão
duradoura do emprego estável e, para todos os jovens, a criação de
estratégias pessoais e de apresentação de si (“aprender a se vender”) que
pode ter grande peso no desenvolvimento futuro da vida profissional. Já
não se trata apenas de “escolha da profissão” ou de obtenção de diplomas,
mas de construção pessoal de uma estratégia identitária que mobilize a
imagem de si, a avaliação de suas capacidades e a realização de seus
desejos. (Dubar, 2005.p.149).
168
Hoje, tudo está diferente para que o jovem possa construir sua identidade
pessoal e profissional, porque alem da sua condição social, dos problemas
existentes nas famílias e na escola, existe em curso uma das mudanças mais
radicais na estrutura do trabalho.
169
REFERÊNCIA
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a
negação do trabalho. 3. ed. São Paulo: Boitempo, 2000. 261 p.
Bauman, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias
vividas. 1 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2008.
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<http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=11&rv=Vivencia>. Acessado em: 20 jul
2009.
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trabalhadores.
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Acesso em: 26 de julho de 2010.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia,
sociedade e cultura. v. 1. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 617 p.
DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais.
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Giddens, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2002.
Machado, Lucília Regina de Souza. Politecnia, escola unitária e trabalho. 2 ed.
São Paulo, Cortez, 1991.
Grinspun, Zippin. Educação Tecnológica: desafios e perspectivas. 3a Ed. São
Paulo: Cortez, 2002.
SERAPHIM, Jovelino Sérgio. O processo de formação do tecnólogo. Dissertação
de mestrado do Centro Estadual Paula Souza. São Paulo, 2006.
FRIEDMANN, Georges. O futuro do trabalho humano. 2a Edição. LisboaPortugal.:Moraes Editora. 1981
FROMM, E. Caráter. In: _ Análise do Homem. Tradução Octávio Alves Velho. Rio
de Janeiro: Editora Guanabara, 1986.
170
A DIMENSÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
TECNOLÓGICA
Graciane Regina Pereira
IFSC campus de Gaspar
Email: [email protected]
INTRODUÇÃO
Os Institutos Federais, enquanto instituição de ensino, precisam ir além da
formação profissional; precisam proporcionar uma formação integral, atrelada à
busca de soluções para os problemas contemporâneos, na qual cada jovem cidadão
sinta que o exercer de sua profissão possa melhorar a qualidade de vida do planeta
e, não apenas, gerar riquezas para ele e para a sociedade. O jovem tem de
entender as profundas e complexas relações existentes entre o trabalho e os
recursos naturais; isso implica desenvolver um senso crítico que vá muito além da
simples criticidade, mas que se concretize em atos responsáveis.
Passamos por um momento em que os seres humanos sentem-se, apesar
de viverem em comunidade, isolados, autônomos. Como se fôssemos autosuficientes, e dentro de nossas redomas, não há entendimento da complexidade e
da interdependência das relações econômicas, sociais e ambientais, ou, estas são
banalizadas. É tempo de rever conhecimentos, valores e atitudes.
A formação de valores, que se dá nos espaços sociais (família, igreja,
comunidade...), precisa acontecer, de forma intensa e crítica, na escola, para que
este cidadão lá formado seja um agente ativo do seu contexto, especialmente, em
se tratando da Educação Profissional e Tecnológica. Sendo assim, cidadania e
profissão são inseparáveis; e a instituição deve preparar para ambos.
A Educação Profissional e Tecnológica, através das atividades de ensino,
pesquisa e extensão, auxilia na formação integral dos cidadãos, ou seja, além de
171
formar profissionais para o trabalho; forma profissionais cidadãos, antenados com e
para a sociedade complexa na qual estão inseridos.
Para Cortina (2003, p.102), um modelo de formação de cidadania deve ter
as seguintes características: autonomia pessoal (o cidadão não é nem vassalo nem
súdito); consciência de direitos e deveres que devem ser respeitados; sentimento de
vínculo com os concidadãos, com os quais são compartilhados projetos comuns;
participação
responsável
no
desenvolvimento
desses
projetos,
com
responsabilidades; e sentimento de vínculo com todos os outros seres humanos na
busca por mudanças positivas na aldeia global. Essas características, anteriormente
apontadas, são condizentes com os princípios da Educação Ambiental, tema
transversal, obrigatório em todos os níveis e modalidades de ensino, no Brasil.
Apesar de as diversas políticas públicas há algumas décadas indicarem que
a prática pedagógica, em todos os níveis e modalidades de ensino, devam ser
permeadas pela educação ambiental, basta olharmos para o crescimento dos
problemas socioambientais para entendermos que, ou essa inserção não está sendo
feita, ou ela é incipiente, pois a mobilização social esperada não acontece.
Este artigo pretende chamar à reflexão, os educadores, sobre a importância
da incorporação da dimensão ambiental na Educação Profissional e Tecnológica na
contribuição da formação de cidadãos profissionais, responsáveis e críticos, com
relação às temáticas socioambientais.
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Se a educação sozinha não transforma a sociedade,
sem ela tampouco a sociedade muda.
Paulo Freire
A Educação Ambiental (EA) foi pela primeira vez reconhecida como
essencial para solucionar a crise ambiental internacional, na Conferência de
Estocolmo, no ano de 1972, na Suécia. O plano de ação desta conferência
recomendava a capacitação de professores, e o desenvolvimento de novos métodos
instrucionais para a Educação Ambiental.
172
A UNESCO promoveu, ainda, outros três eventos internacionais marcantes
para a Educação Ambiental: Conferência de Belgrado, em 1975; Conferência de
Tbilisi, em 1977; e Conferência de Moscou, em 1987. Cada uma enfocou pontos
importantes para consolidação da Educação Ambiental, a saber:
- Estímulo para criação do Programa Internacional de
Educação Ambiental (PIEA), da UNESCO. A EA deve ser
contínua, multidisciplinar, e integrada às diferenças regionais
(Conferência de Belgrado).
-
Definição
de
objetivos,
funções,
estratégias,
características, princípios e recomendações para a EA. União
da EA formal com a não-formal, despertando a sensibilização
de cada indivíduo, e da coletividade, como um todo
(Conferência de Tbilisi).
- Criação de Diretrizes Metodológicas para EA. A EA
deve modificar comportamentos (Conferência de Moscou).
A
Conferência
das
Nações
Unidas
para
o
Meio
Ambiente
e
Desenvolvimento, a Rio – 92, produziu, dentre outros, dois importantes documentos
para a EA: a Agenda 21 1 e o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global.
Ambos são referências para a EA do
mundo.
Estamos vivendo a década da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável (2005-2014), no âmbito na UNESCO, que objetiva ajudar as pessoas a
desenvolver atitudes, habilidades e conhecimentos, para tomar decisões em
benefício de si e dos outros, agora e no futuro, e agir de acordo com estas decisões
(vale conferir o site www.unesco.org/en/esd).
No Brasil, temos a EA abordada na Constituição Federal de 1988, que
deixa clara a necessidade de a Educação Ambiental se fazer presente nos três
níveis governamentais: federal, estadual e municipal. Além dela, temos também a
Agenda 21 Brasileira, que traz a EA, de forma transversal, nas suas ações
prioritárias.
1
Capítulo 36 - promover a educação, a consciência pública e a formação. Área programática – reorientar a educação para o
desenvolvimento sustentável.
173
A Política Nacional de Educação Ambiental (que complementa a LDB) foi
promulgada em 1999 – Lei 9.795 – e no artigo 6 – parágrafo 2 – faz referência à
capacitação de recursos humanos, que deve se dar através
da incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e
atualização dos educadores de todos os níveis e modalidades de ensino; da
incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e
atualização dos profissionais de todas as áreas; da preparação de
profissionais orientados para as atividades de gestão ambiental; da
formação, especialização e atualização de profissionais na área de meio
ambiente; do atendimento da demanda dos diversos segmentos da
sociedade no que diz respeito à problemática ambiental.
Fica, portanto, claro, que os Institutos Federais, que trabalham com Cursos
Técnicos, Graduação, Pós-graduação e Qualificação Profissional precisam inserir a
dimensão ambiental no Ensino, como também na Pesquisa e na Extensão, conforme
preceitua o parágrafo terceiro – artigo 6 – da mesma lei 2 .
O Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA), fruto de muitas
discussões, aponta alguns dos princípios norteadores para as práticas educativas,
que são:
x Concepção de ambiente em sua totalidade, considerando a
interdependência sistêmica entre o meio natural e o construído,
o socioeconômico e o cultural, o físico e o espiritual, sob o
enfoque da sustentabilidade.
• Abordagem articulada das questões ambientais locais,
regionais, nacionais, transfronteiriças e globais.
• Respeito à liberdade e à equidade de gênero.
• Reconhecimento da diversidade cultural, étnica, racial,
genética, de espécies e de ecossistemas.
• Enfoque humanista, histórico, crítico, político, democrático,
participativo, inclusivo, dialógico, cooperativo e emancipatório.
2
...desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à incorporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar,
nos diferentes níveis e modalidades de ensino; a difusão de conhecimentos, tecnologias e informações sobre a questão
ambiental; o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à participação dos interessados na formulação e
execução de pesquisas relacionadas à problemática ambiental; a busca de alternativas curriculares e metodológicas de
capacitação na área ambiental; o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a produção de material
educativo; a montagem de uma rede de banco de dados e imagens, para apoio às ações.
174
• Compromisso com a cidadania ambiental.
• Vinculação entre as diferentes dimensões do conhecimento;
entre os valores éticos e estéticos; entre a educação, o
trabalho, a cultura e as práticas sociais.
• Democratização na produção e divulgação do conhecimento e
fomento à interatividade na informação.
• Pluralismo de idéias e concepções pedagógicas.
• Garantia de continuidade e permanência do processo
educativo.
• Permanente avaliação crítica e construtiva do processo
educativo.
• Coerência entre o pensar, o falar, o sentir e o fazer.
• Transparência.
Apesar de a EA estar bem embasada pelas políticas públicas, na prática há
desconhecimento, despreparo, e até indiferença, por parte de docentes e gestores
da educação; e isto é observado em todos os níveis de ensino. A Educação
Fundamental talvez tenha maior entendimento dos princípios e diretrizes da EA e da
sua incorporação, em suas práticas pedagógicas. A Educação Profissional e
Tecnológica exige avanços nesse campo.
A TEMÁTICA AMBIENTAL E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
(INCLUSIVE AS LICENCIATURAS)
Não podemos vencer a batalha para salvar espécies animais e os ambientes,
se não conseguirmos forjar um laço emocional entre nós e a natureza.
Stephen Jay Gould
Quando o aluno chega a nossas instituições ele já tem suas experiências,
que são demonstradas, cotidianamente, pelas suas atitudes e posturas, frente ao
que é discutido, em sala de aula, e por seu comportamento. Os docentes, por sua
vez, também têm as suas experiências, as quais norteiam sua conduta pedagógica.
175
Ambos encontram-se em um momento de construção do conhecimento, embasados
que estão na ciência, nas experiências e no contexto onde se situam. Esta
construção será mais ou menos crítica dependendo da bagagem experiencial de
cada um; mas o professor por ser o formador de opinião, ter um papel central
influenciador; portanto, as instituições de ensino precisam que seus docentes sejam
preparados para formar para a transformação, preparar para a busca, constante e
coletiva, da qualidade de vida, em todos os aspectos possíveis: sociais, ambientais,
econômicos, culturais.
Gutiérrez-Pérez (2005) fala que os mediadores ecológicos não têm só a
obrigação de desvendar os segredos dos problemas ambientais, como também
torná-los visíveis aos interlocutores que os rodeiam, e diante dos destinatários de
suas ações; por isso não podem ser neutros.
A inserção da dimensão ambiental na Educação Profissional e Tecnológica
é necessária para estimular posturas reflexivas frente às contradições entre
desenvolvimento e a proteção do meio ambiente. Esse entendimento tem de ser
integral. As atividades humanas e profissionais podem ser compatíveis com um
desenvolvimento mais sustentável ou, pelo menos, não tão impactante.
Um cuidado todo especial deve ser dado para fugir da lógica capitalista do
desenvolvimento sustentável,
onde essa expressão se converteu em um tipo de cola multiuso que pôs em
contato ambientalistas e imobiliárias, empresários e conservacionistas,
políticos e gestores, sem que pelo simples uso comum do termo tenha-se
resolvido nada; muito pelo contrário, com a confusão gerada, quem mais
saiu ganhando foram os defensores do neoliberalismo, pois o termo
desenvolvimento pode significar qualquer coisa, dependendo como se olhe
e com que fins se empregue (GUTIÉRREZ-PÉREZ, 2005).
O autor cita, por exemplo, o PIB, considerado para o crescimento
econômico, mas que não considera o capital social e natural. Os seres humanos e
demais seres vivos, como também os recursos naturais, não são considerados nos
sistemas produtivos; então, o desenvolvimento apresentado é uma falácia, e isso
nos é acenado o tempo todo pelas catástrofes, acidentes, desigualdades, doenças,
etc. Nós, educadores, precisamos nos antecipar aos problemas e não usá-los,
meramente, como conteúdos de aula. Precisamos chegar mais cedo!
176
A Educação Profissional e Tecnológica (Formação Inicial e Continuada em
Qualificação Profissional, Técnico de Nível Médio, Educação Profissional de
Graduação e Pós-graduação) precisa ser revista, seus currículos precisam
incorporar os potenciais impactos ambientais relacionados a cada formação
profissional. E, além disso, precisam familiarizar todos os estudantes com os
problemas complexos existentes ao seu redor, em todas as suas facetas,
provocando, constantemente, a reflexão e, posteriormente, a tão necessária ação.
Percebe-se uma defasagem de cultura ambiental nos educadores e nos
gestores que atuam nos Institutos Federais, ou seja, não receberam uma formação
mais integral, e nem tampouco, sob a ótica da sustentabilidade ou de valores mais
coletivos. Por isso, concomitante à inserção da temática ambiental nos cursos, há a
necessidade da formação continuada dos atuais docentes e gestores em temas
transversais; no caso, Meio Ambiente. Essa constatação foi abordada no trabalho de
Verdi e Pereira (2006), quando professores responderam que não possuíam
conhecimentos científicos suficientes para trabalharem com as questões ambientais
porque não tiveram formação nesta área, nem na graduação, pós-graduação, ou em
qualquer formação continuada.
Com a oferta das Licenciaturas, pelos Institutos Federais, vem a
responsabilidade de não se deixar esta lacuna na formação dos futuros docentes. E
que esta formação seja mais conectada com os problemas atuais. Nossos egressos
professores precisam ser agentes de provocação de mudanças sociais, precisam
preparar-se para fazer a EA formal e a não-formal.
Pensar no meio ambiente e manejá-lo de forma adequada é assunto novo;
há poucas décadas é vêm sendo assimilado pelas instituições de ensino:
ambientalização 3 transformadora dos currículos e oferta de cursos relacionados à
área ambiental; pesquisas que geram conhecimento para subsidiar a construção de
políticas públicas e tecnologias limpas; e, extensão que aproxima as instituições da
sociedade, levando conhecimentos, e aplicando-os; são pontos que precisam estar
presentes no cotidiano institucional.
A
dimensão
ambiental
precisa
ser
incorporada
também
administrativamente, com procedimentos sistematizados para gerenciar os diversos
aspectos ambientais de cada instituição. Um exemplo específico disso é a adoção
3
É muito mais do que “colocar” conteúdos “ambientais” nas várias disciplinas, passa por uma profunda revisão do exercer
pedagógico e da formação esperada.
177
da Agenda Ambiental na Administração Pública – o A3P 4 (ver o site:
www.mma.gov.br)
Existe a necessidade, em curto, médio e longo prazo, de soluções
tecnológicas para reverter o quadro de degradação ambiental presente, mas, e
muito mais que isso, é preciso que pessoas estejam preparadas para tomar
decisões acertadas. Assim, os Institutos Federais têm no Ensino, na Pesquisa, na
Extensão e na Administração, oportunidades de contribuir para a solução de
problemas críticos. É dessa maneira que as instituições deveriam se relacionar com
a sociedade e se esforçar, ao máximo, para satisfazer suas necessidades; através
de um processo de cooperação e diálogo. Definir uma postura institucional perante o
desenvolvimento
que
se
busca
é
essencial,
assim
como
questionar-se,
permanentemente, sobre o atendimento das necessidades básicas da sociedade, o
uso racional dos recursos naturais, a participação e a autonomia social, o respeito às
culturas, os valores humanos, a qualidade de vida, a qualidade ambiental, entre
outros
fatores,
fazem
a
diferença
entre
uma
instituição
verdadeiramente
comprometida com a transformação, de outra meramente maquiada, em que
somente tente demonstrar uma imagem positiva, mas com relações negativas ou
duvidosas relacionadas ao meio ambiente.
Desde a década de 90 já existe um movimento mundial em torno da
incorporação da dimensão ambiental em Universidades ou Instituições de Ensino
Superior; prova disso são os vários documentos já pactuados, entre eles: a
Declaração de Talloires, de 1990, a Declaração de Halifax, em 1991, a Declaração
de Swansea, em 1993, a Declaração de Kyoto, em 1993 e a Carta Copernicus, em
2003 (KRAEMER, 2010). Cada documento desses apresenta diretrizes e objetivos a
serem implementados, pelas instituições signatárias, no que tange ao meio
ambiente.
Como coloca Kraemer (2010), as Universidades, ou no nosso caso, os
Institutos Federais, são chamados a desempenhar um papel preponderante no
desenvolvimento de uma forma de educação multidisciplinar e, eticamente,
orientada, de forma a encontrar soluções para os problemas ligados ao
desenvolvimento sustentável. Para isso, devem assumir um compromisso com um
4
O Programa Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P) é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e seu
objetivo é promover a internalização dos princípios de sustentabilidade socioambiental nas organizações públicas.
178
processo contínuo de informação, educação e mobilização, de todas as partes
relevantes da sociedade, com relação às consequências da degradação ecológica,
incluindo o seu impacto sobre o ambiente global, e as condições que garantam um
mundo sustentável e justo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A capacidade de convergência demonstrou ser o ponto forte do desenvolvimento
sustentável e a ambigüidade semântica um ponto fraco.
Ignacy Sachs
Apesar de todos os indicadores ambientais mostrarem o avanço das
doenças da Terra, ainda estamos longe, coletivamente falando, de tratar e recuperar
a enferma. São poucos para essa tarefa, e mesmo assim, esses poucos ainda não
têm consenso sobre uma série de concepções; por isso a necessidade de as
instituições de ensino entrar na discussão e agirem.
Para um processo de ensino aprendizagem ser eficaz, o professor, um dos
protagonistas principais dessa discussão, precisa ter total ciência de seu papel. Ele
é quem acena para as possibilidades existentes e mais adequadas à construção de
uma sociedade melhor, explicitando todas as dificuldades e contradições possíveis.
Para isso, ele próprio tem de ser um exemplo: para os colegas, para os alunos, para
todos, nos contextos por ele influenciados. Esse processo é também um processo
educativo, auto-educativo, que se dá ao longo da vida. É o não acomodar-se, é o
aprender e o reaprender, constantemente.
A EA, desenvolvida no espaço do ensino, não é a solução para problemas
ambientais, mas, certamente que, é um elemento para preparar as pessoas para
que elas próprias procurem as soluções para estes problemas. E esse processo não
se limita, apenas, a uma revisão dos currículos, como vimos, mas passa por toda
uma nova postura da instituição frente às problemáticas socioambientais, de forma
permanente, acompanhando as transformações que se dão no contexto do mundo,
do país e da região.
179
Os Institutos Federais podem contribuir, de sobremaneira, para a formação
da cidadania ambiental. Abaixo, relatados alguns pontos a serem considerados
nesta reflexão, por nossas instituições, para atender as políticas públicas existentes,
ou estimular a criação de outras necessárias, e assim consolidarmos nosso
compromisso socioambiental:
•
Criar e manter procedimentos de gerenciamento dos
aspectos ambientais de cada instituição em um processo
que envolva toda a comunidade escolar (coleta seletiva, uso
racional de insumos e matérias-primas, sensibilização,
projetos, pesquisas, etc.). Para isso o compromisso dos
gestores é essencial.
•
Buscar um trabalho inter 5 e multidisciplinar. Apesar da
resistência de alguns docentes é necessário para temas
transversais
e
enriquecedor
para
o
processo
de
aprendizagem. Isso tende a ser mais difícil na medida em
que a instituição vai se compartimentando. Uma boa
estratégia para isso é trabalhar com projetos onde as
várias disciplinas têm um objetivo comum e as relações são
entendidas, as áreas e pessoas se aproximam. Assim um
determinado tema não é visto de forma fragmentada e sim
de forma sistêmica.
•
Investir na formação continuada de docentes, tanto os
servidores da rede federal, quanto os demais das outras
redes (estadual e municipal) que anseiam por formação na
área ambiental e não encontram em outras instituições
possibilidades de acesso. Os servidores devem estar
permanentemente atualizados sobre os problemas atuais e
possibilidades de intervenção para minimização ou solução
dos mesmos. Sem informação não há opção para uma
decisão mais acertada.
5
“a EA não é uma matéria suplementar que se soma aos programas existentes, exige a interdisciplinaridade, uma cooperação
entre as disciplinas tradicionais, indispensável para poder perceber a complexidade dos problemas do meio ambiente e
formular sua solução”. Prefácio da Conferência de Tbilisi citado por Gonzáles-Gaudiano (2005).
180
•
Desenvolver materiais específicos para nossas instituições,
para nossos cursos, porque não tem ou são inadequados.
Os temas também devem ser selecionados de acordo com
o contexto e curso, alguns são mais gerais (consumismo,
proteção
dos
recursos
naturais,
preservação
da
biodiversidade biológica, etc.) outros mais específicos
(licenciamento ambiental, conforto ambiental, prevenção de
catástrofes, recuperação de áreas degradadas, etc.). Isso
também vale para metodologias diferenciadas. Um bom
exemplo é a educomunicação 6 , onde os jovens são os
protagonistas da construção do conhecimento; ou ainda as
aulas a campo que colocam o educando direto com o objeto
de estudo.
•
Criar grupos de pesquisa, grupos de estudos, comissões e
demais formas de manter a comunidade envolvida,
aprendendo, desenvolvendo e fortalecendo relações mais
sustentáveis. Se possível, sempre buscar parcerias com
outras instituições que tenham objetivos comuns 7 .
•
Formar profissionais específicos para lidar com problemas
específicos. Ser especializado, mas não desconectado.
Como por exemplo, cursos técnicos, tecnólogos ou pósgraduação, além de cursos de qualificação profissional,
conforme demanda ambiental apontada.
•
Politizar a ação formativa frente à complexidade dos
problemas e contextos existentes. Perceber os danos desse
desenvolvimento e delimitar a capacidade ecológica e
humana aceitável e justa.
•
Conhecer e se aproximar das instituições de ensino que
desenvolvem ações ambientais no Brasil 8 e pelo mundo.
6
A Educomunicação aproxima o campo da Educação Ambiental à perspectiva de uma comunicação popular educadora,
autonomista e democrática (Brasil, 2008)
7
Em Maio deste, realizou-se em Camboriu-SC o I Seminário de Pesquisa: “A questão ambiental na formação profissional”
promovido pelo IFSC – campus de Camboriu em parceria com outras instituições. Eventos com este precisam ser freqüentes.
8
Um exemplo é a Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis (RUPEA) que tem
como missão reunir, articular e fortalecer instituições universitárias e seus sujeitos sociais, promotores de iniciativas e
programas de educação ambiental comprometidos com a construção de sociedades sustentáveis (www2.uefs.br/rupea).
181
Bem como de órgãos representativos de cada profissão,
onde já se observa alguma inclinação para uma discussão
mais séria.
Precisa-se entender que a resolução dos problemas socioambientais não
envolve somente técnica, mas valores sociais, econômicos, éticos e culturais. Isso
só é possível com uma formação mais integral, na qual os jovens saibam tomar
decisões autônomas, trabalhar de forma colaborativa, compreender as interligações
de uma situação, comprometer-se com responsabilidade e ética, identificar as
fragilidades e potencialidades e agir.
O papel dos Institutos Federais é estimular esses jovens a compreender a
complexidade da interação entre desenvolvimento e o meio ambiente, e torná-los
capazes de entender o impacto das atividades humanas, no ambiente, para que
possam
contribuir,
efetivamente,
para
implementação
de
uma
forma
de
desenvolvimento capaz de reverter os danos existentes, e manter um mínimo de
equilíbrio ambiental para a sustentação da vida. Formar para uma ação
transformadora e consciente.
182
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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prioritárias/CPDS,
2002.
http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idCont
eudo=10068&idMenu=10683
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http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idCont
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Antunes. São Paulo: Moderna, 2003.
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explorando novos territórios epistêmicos. In A educação ambiental: pesquisas e
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2005. p.119-133.
GUTIÉRREZ-PÉREZ, José. Por uma formação dos profisionais ambientalistas
baseada em competências de ação. In A educação ambiental: pesquisas e
desafios. Organizadoras: Michele Sato e Isabel Carvalho. Porto Alegre: Artmed,
2005. p. 177-210.
183
kRAEMER,
Maria
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P.
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A
Universidade
Sustentável.
do
Século
XXI
Disponível
Rumo
ao
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http://ambientes.ambientebrasil.com.br/educacao/
artigos/a_universidade_do_seculo_xxi_rumo_ao_desenvolvimento_sustentavel.html.
Acessado em 31/07/2010.
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PRONEA.
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pdf. Acessado em 21/07/2010.
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VERDI, M; PEREIRA, G.R. A Educação Ambiental na formação de educadores: o
caso da Universidade Regional de Blumenau – FURB. Revista Eletrônica do
Mestrado em Educação Ambiental - Fundação Universidade Federal do Rio Grande,
vol.17, jun-dez, 2006.
184
O ENSINO DA MATEMÁTICA FINANCEIRA E O CURRÍCULO DO
ENSINO MÉDIO E TÉCNICO NO CONTEXTO DOS PARÂMETROS
CURRICULARES NACIONAIS (PCN´s).
Helio Rosetti Júnior
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito
Santo
Email: [email protected]
Juliano Schimiguel
Professor da Universidade Cruzeiro do Sul
Email: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade discutir e destacar o significado da
Educação Matemática Financeira no Ensino Médio e no Ensino Técnico, levando
em conta as questões relativas aos currículos, aos conteúdos curriculares, aos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) estabelecidos pelo MEC, bem como
às necessidades do mercado de trabalho para os novos profissionais, nas
organizações empresariais e nas comunidades. Dessa forma, o trabalho procura
destacar a presença da Matemática Financeira nos documentos oficiais acerca de
currículo do MEC, com suas consequências para o ensino de Matemática e
formação dos alunos.
Palavras-chave: Educação Matemática; Ensino; Currículo; PCN; Matemática
Financeira.
185
INTRODUÇÃO
Trabalhar, educacionalmente, os fundamentos de Matemática tem sido um
desafio para o sistema educacional brasileiro. Ao longo da história, os resultados
de desenvolvimento e formação dos alunos têm sido precários, com elevadas
taxas de reprovação e retenção, por conta das enormes barreiras de
aproveitamento enfrentadas pelos estudantes.
Desenvolver estratégias educacionais, curriculares e pedagógicas que
levem o ensino de Matemática para a maioria dos alunos, sobretudo nos cursos
de perfil profissionalizante, tem sido um desafio para educadores e gestores da
educação, na perspectiva de proporcionar a evolução plena dos jovens no
contexto educacional brasileiro (ROSETTI & SCHIMIGUEL, 2009).
Vale destacar que falar em currículo escolar ou acadêmico significa,
sobretudo, falar também na vida do aluno e da comunidade escolar, em
permanente ação, isto é, educandos e educadores, no espaço escolar, constroem
e formatam, através de processos de valorização e do cotidiano que vivenciam, o
currículo apropriado para o desenvolvimento de competências e habilidades
necessárias ao desenvolvimento educacional dos estudantes.
Assim, tomamos neste texto como significado de currículo todas as
situações vivenciadas pelo estudante, dentro e fora do ambiente escolar, em seu
cotidiano, nas relações sociais, nas experiências de vida acumuladas por esse
estudante ao longo de sua vida, as quais contribuem para a formação de uma
perspectiva de construção e formação educacional.
Dessa maneira, o ensino, o trabalho pedagógico e uso dos modelos
Matemático-financeiros, em sala de aula, devem estar em consonância com as
necessidades, os interesses e as experiências de vida dos alunos.
186
MATEMÁTICA FINANCEIRA NOS PCN`s
Em conformidade com as Bases Legais dos PCN`s, a preocupação com a
formação para atuação no mundo do trabalho deve ser efetiva nos currículos, bem
como nos conteúdos trabalhados nas escolas, visando uma aplicação imediata
dos conhecimentos.
Do ponto de vista legal, não há mais duas funções difíceis de conciliar
para o Ensino Médio, nos termos em que estabelecia a Lei nº 5.692/71:
preparar para a continuidade de estudos e habilitar para o exercício de
uma profissão. A duplicidade de demanda continuará existindo porque a
idade de conclusão do ensino fundamental coincide com a definição de
um projeto de vida, fortemente determinado pelas condições econômicas
da família e, em menor grau, pelas características pessoais. (BRASIL,
1999).
De acordo com os PCN´s, numa perspectiva educacional inclusiva do
currículo, o entendimento mais amplo da Matemática, com seus temas, é
fundamental para o indivíduo, na sociedade, tomar decisões em sua vida
profissional, social e pessoal, podendo agir com equilíbrio e racionalidade diante
das relações de consumo, com condições de identificar as melhores opções de
negócios. Dessa forma, as orientações do MEC ressaltam a importância da
Matemática para o jovem no Ensino Médio destacando:
Em um mundo onde as necessidades sociais, culturais e profissionais
ganham novos contornos, todas as áreas requerem alguma competência
em Matemática e a possibilidade de compreender conceitos e
procedimentos matemáticos é necessária tanto para tirar conclusões e
fazer argumentações, quanto para o cidadão agir como consumidor
prudente ou tomar decisões em sua vida pessoal e profissional. (BRASIL,
1999).
Buscando orientar os currículos de Matemática no Ensino Médio e no
Ensino Técnico, destacando uma preocupação com a formação e interação
187
cidadã 1 do estudante com a sociedade, com a vida profissional e cultural, num
mundo e em um ambiente de trabalho em constantes transformações, os PCN’s
formulam que:
Em seu papel formativo, a Matemática contribui para o desenvolvimento
de processos de pensamento e a aquisição de atitudes, cuja utilidade e
alcance transcendem o âmbito da própria Matemática, podendo formar
no aluno a capacidade de resolver problemas genuínos, gerando hábitos
de investigação, proporcionando confiança e desprendimento para
analisar e enfrentar situações novas, propiciando a formação de uma
visão ampla e científica da realidade, (...) (BRASIL, 1999).
A Matemática, no Ensino Médio e na Formação Técnica, deve ser
trabalhada preparando o jovem para os diferentes contextos, fugindo-se dos
modelos previamente formatados. Afinal, no dia-a-dia do ambiente de trabalho os
problemas não são padronizados, nem as soluções são prontas para uma simples
opção. Ao contrário, apresentam a complexidade dos múltiplos fatores de uma
sociedade em permanente mudança. Com isso, no ambiente corporativo e de
trabalho, o estudante poderá fazer uso de competências e habilidades financeiras,
possibilitando mecanismos de inserção social.
No que diz respeito ao caráter instrumental da Matemática no Ensino
Médio, ela deve ser vista pelo aluno como um conjunto de técnicas e
estratégias para serem aplicadas a outras áreas do conhecimento, assim
como para a atividade profissional. Não se trata de os alunos possuírem
muitas e sofisticadas estratégias, mas sim de desenvolverem a iniciativa
e a segurança para adaptá-las a diferentes contextos, usando-as
adequadamente no momento oportuno. (BRASIL, 1999).
Vale destacar que o desemprego e a desocupação dos jovens 2 é um dos
mais graves problemas da atualidade, pois a dramática situação da falta de postos
de trabalho e as dificuldades de acesso à rede de proteção social transformam a
1
Aqui com ações pedagógicas voltadas para a cidadania plena, a inclusão educacional e social dos alunos em
suas comunidades.
2
Segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2008, o desemprego entre jovens
de 15 a 24 anos é 3,5 vezes maior do que entre os trabalhadores considerados adultos, com mais de 24 anos.
188
fase da juventude em uma etapa de incerteza, carente de inclusão social e
educacional (BARBOSA & DELUIZ, 2008),
Nesse sentido, merece destaque a orientação contida nos PCN + 3 , Ensino
Médio - Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais, acerca do significado educacional do Ensino de Matemática.
A resolução de problemas é peça central para o ensino de Matemática,
pois o pensar e o fazer se mobilizam e se desenvolvem quando o
indivíduo está engajado ativamente no enfrentamento de desafios. Essa
competência não se desenvolve quando propomos apenas exercícios de
aplicação dos conceitos e técnicas matemáticos, pois, neste caso, o que
está em ação é uma simples transposição analógica (...) (BRASIL, 2002).
Nos temas estruturadores 4 do ensino de Matemática no PCN +, a
competência de se utilizar os conhecimentos matemáticos em situações diversas
nos estudos de Álgebra deve ser implementada, buscando a autonomia do
educando diante da vida, e na comunidade.
O primeiro tema ou eixo estruturador, Álgebra, na vivência cotidiana se
apresenta com enorme importância enquanto linguagem, como na
variedade de gráficos presentes diariamente nos noticiários e jornais, e
também enquanto instrumento de cálculos de natureza financeira e
prática, em geral. No ensino médio, esse tema trata de números e
variáveis em conjuntos infinitos e quase sempre contínuos, no sentido de
serem completos. (BRASIL, 2002)
O olhar crítico deve ser trabalhado no currículo e nos conteúdos no ensino
de Matemática, tendo em vista o conjunto de possibilidades que a Matemática
abre, na vivência do dia-a-dia.
O ensino, ao deter-se no estudo de casos especiais de funções, não
deve descuidar de mostrar que o que está sendo aprendido permite um
olhar mais crítico e analítico sobre as situações descritas. As funções
exponencial e logarítmica, por exemplo, são usadas para descrever a
3
Orientações Educacionais Complementares a os Parâmetros Curriculares Nacionais sobre Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias.
4
Aqui com o significado de ementas gerais por disciplinas, não como meros tópicos disciplinares, mas na
forma do que se denomina de temas estruturadores.
189
variação de duas grandezas em que o crescimento da variável
independente é muito rápido, sendo aplicada em áreas do conhecimento
como matemática financeira, crescimento de populações, intensidade
sonora, pH de substâncias e outras. A resolução de equações
logarítmicas e exponenciais e o estudo das propriedades de
características e mantissas podem ter sua ênfase diminuída e, até
mesmo, podem ser suprimidas. (BRASIL, 2002).
A passagem, do jovem trabalhador, da escola para o mundo do trabalho é
delimitada e definida pelas dificuldades de sobrevivência da família. Usualmente,
quanto menor a renda familiar, maior a proporção de jovens que precisam
trabalhar e ingressar no mundo corporativo e organizacional.
Na resolução de problemas, o tratamento de situações complexas e
diversificadas oferece ao aluno a oportunidade de pensar por si mesmo,
construir estratégias de resolução e argumentações, relacionar diferentes
conhecimentos e, enfim, perseverar na busca da solução. E, para isso, os
desafios devem ser reais e fazer sentido. (BRASIL, 2002).
Com isso, a aprendizagem passa a ter significado real na vida do
estudante, ampliando suas possibilidades de vida e melhorando seu convívio
familiar e comunitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Matemática, e em especial a Matemática Comercial e Financeira, não
pode continuar sendo um fator de exclusão do sistema escolar brasileiro, do
mundo profissional e do ambiente corporativo, num contexto informatizado em que
as linguagens, nos veículos de informação, são carregadas de signos lógicos
quantitativos (ROSETTI, 2003, P.22).
Por outro lado, as mudanças realizadas no mundo do trabalho têm
modificado as exigências para a entrada no mercado de trabalho, tornando cada
vez mais urgentes as necessidades de jovens e adultos trabalhadores em
aumentar sua escolaridade e qualificar-se profissionalmente, o que procuram
190
fazer, dentre outras formas, por meio de projetos ou programas estatais,
desenvolvidos em parceria com organizações da sociedade civil, como é o caso
do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE). (BARBOSA &
DELUIZ, 2008)
Dessa forma, incrementar currículos e práticas educacionais, no cotidiano
das escolas, incluindo os estudantes brasileiros e os trabalhadores no mundo da
Matemática Financeira, tem o significado de inserir uma parte significativa da
nossa população no ambiente numérico da vida econômica e financeira de nossa
sociedade.
191
REFERÊNCIAS
BARBOSA, CARLOS SOARES; DELUIZ, NEIZE. Qualificação Profissional de
Jovens e Adultos Trabalhadores: O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro
Emprego em Discussão. B. Téc. SENAC: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 34,
n.1, jan./abr. 2008.
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Médio.
Brasília: Ministério da Educação, 1999.
BRASIL, Ministério da Educação. PCN+. Brasília: Ministério da Educação, 2002.
ROSETTI JÚNIOR, HELIO. Não Pare de Estudar. Vitória: Oficina de Letras, 2003.
ROSETTI JÚNIOR, H.; SCHIMIGUEL, J. . Educação matemática financeira:
conhecimentos financeiros para a cidadania e inclusão. InterScience Place, v. 2, p.
1-13, 2009.
192
EDUCAÇÃO E CIDADANIA
Humberto Hickel de Carvalho
Professor do IFSP – campus de Cubatão,
Engenheiro Eletricista, especialista em Análise de Circuitos, pela Universidade Federal
de Santa Catarina
Especialista em Filosofia e História da Educação, pelo Centro Universitário Monte
Serrat, Santos – SP
Mestre em Educação, pela Universidade Católica de Santos, Santos – SP
Delegado da seção São Paulo no GTPE do SINASEFE
E-mail: [email protected]
Ives Cabral Ribeiro Junior
Professor do Ensino Médio na rede estadual de educação do Estado de São Paulo –
EE Vicente de Carvalho, Guarujá – SP
Educador filósofo pela Universidade Católica de Santos, Santos – SP
E-mail: [email protected]
RESUMO
Este trabalho trata do conceito de cidadania sob a ótica da sociedade de classes, com
referencial teórico em Antonio Gramsci, cidadania que propiciará a possibilidade da
emancipação das classes subalternas ao indicar a contestação do Estado; o trabalho
também indica forma de atuar para o alcance da cidadania de forma plena com
possibilidade de fruição dos bens materiais, culturais e sociais.
Palavras chave: cidadania, sociedade em classes, hegemonia, transformação social.
193
INTRODUÇÃO
A cidadania é um conceito que, atualmente, tem várias definições. Cada um a
explica à sua maneira, conforme seus interesses. Neste trabalho procuraremos, a partir
de um conceito pré posto, construir uma definição para cidadania que contemple a
possibilidade de emancipação das classes subalternas 1 , sob a ótica da teoria de
Gramsci.
Para tal, traçaremos a evolução do conceito de cidadania desde a Grécia antiga
até os dias atuais, com o capitalismo vigente. Em um segundo momento, destacaremos
aspectos da teoria de Gramsci que implicam no conceito de cidadania; comentaremos
o conceito de cidadania em Martins 2 e o relacionaremos aos aspectos da teoria de
Gramsci. Finalmente, procuraremos destacar o papel da cidadania como possibilidade
de transformação da sociedade e emancipação das classes subalternas, através da
penetração em todos os campos da atividade humana, considerando o conceito de
Estado-ampliado 3 de Gramsci e a luta pela formação da hegemonia.
1. A CIDADANIA ATRAVÉS DOS TEMPOS
Hoje, existem várias interpretações para o conceito de cidadania, porém, há um
certo consenso em relação ao que foi a cidadania no passado. Quando falamos do
passado, refiro-nos à cultura ocidental, isto é, aquela que vem da Grécia, passa pelo
Império Romano, atravessa a Idade Média, modifica-se com o Renascimento, deságua
na Revolução Industrial e chega ao capitalismo. Considerando a história, o homem, ao
mesmo tempo em que a constrói, também é por ela modificado, e assim o são seus
1
O termo subalterna para designar a classe trabalhadora se justifica, apesar do sentido pejorativo que possa ter, por
dois motivos: o primeiro para ser fiel a Gramsci e o segundo pelo viés de denúncia à condição de exploração a que
os trabalhadores são submetidos no regime capitalista de produção de mercadorias.
2
O autor escreveu sobre o ensino técnico e a globalização e, para isto, chegou a um conceito de cidadania atrelado a
Gramsci. Como o conceito de cidadania em Martins cerca, a meu ver, as questões que ora trato, partirei dele.
3
Estado “propriamente dito” e “sociedade civil” são dois momento distintos, não se identificam, mas estão em
relação dialética, constituindo, em conjunto, o “Estado ampliado”. (LIGUORI, 2003, p. 183)
194
conceitos; não foi diferente com o conceito de cidadania. Através dos tempos as formas
de governar, de gestão do poder, de relacionamento entre os homens, de dominação
de um grupo sobre outros grupos de homens, se modificaram e evoluíram.
Na Grécia, a administração da cidade, polis, estava a cargo dos homens livres, o
que excluía os escravos, as mulheres e os estrangeiros.
Se vê, pois ai, portanto o que é um cidadão: É aquele que possui participação
legal na autoridade deliberativa e na autoridade judiciária ai está o que
denominamos cidadão da cidade (...) E denominamos cidade a multiplicidade
de cidadãos capaz de ser suficiente a si próprio. (ARISTÒTELES apud
MARTINS, 2000, p. 37)
Faz-se notório que participar da cidadania, ao ser atrelado àquele capaz de ser
suficiente a si próprio, era privilegio de alguns e que grande parte dos habitantes da
cidade não possuía direito de voz, ou seja, não podia opinar sobre as decisões que
diziam respeito à cidade e a si mesmo enquanto cidadãos; as leis e normas que se
estabeleciam para a cidade e para a vida dentro de seus muros levavam consideravam
somente o interesse e a vontade dos considerados cidadãos.
No Império Romano, a polis grega tem sua correlata, a civitas.
A
correspondência se dá porque nas duas a gestão da cidade se faz pela participação
igualitária de seus habitantes. O problema é que em ambas a igualdade era para
poucos, havia igualdade para os de uma mesma classe, isto é, apenas para a pequena
classe dominante com posses e escravos estava reservado o direito à gestão da
cidade. Portanto, no mundo antigo, cidadania era gestão da cidade, e era exercida, de
fato, por uma pequena parcela da sociedade, excluindo-se as classes subalternas.
O desmantelamento do Império Romano provocou a emergência de outras
formas de relações sociais entre os homens. Na Europa emerge o feudalismo. Neste
tipo de sociedade, o privilégio estava do lado dos proprietários de terras e da Igreja. Os
feudos se caracterizavam como grandes propriedades de terra, com um senhor,
vassalos e servos. Os senhores e vassalos passaram a caracterizar a aristocracia, e os
servos, formavam a classe desfavorecida ou subalterna. Ao lado dos senhores estava
a Igreja, que legitimava o poder dos senhores feudais, em troca de poder, e também de
195
terras. Assim se formou um bloco histórico 4 com o consentimento dos servos,
promovido pela Igreja, ao poder dos senhores. As cruzadas, em que o cavaleiro, ou
vassalo, lutava em nome do Rei (senhor) para cristianizar os não-cristãos e elevarem
sua alma, constituem evidência deste jogo de poder. A luta não era para melhorar as
condições de vida dos servos, e sim para manutenção do poder feudal e da instituição
Igreja. Nestas condições, não há como buscar um conceito de cidadania. Não havia no
período feudal aglomerações urbanas, portanto, não havia cidade a gerir, como no
mundo antigo; e direitos sociais são coisas que vieram depois na história...
Com o aumento das demandas por parte da aristocracia, em seus castelos
medievais, que exigia toda uma sorte de serviços, em torno desses castelos
começaram a se aglomerar artesãos, como sapateiros, alfaiates, vidraceiros,
marceneiros, e toda uma plêiade de homens que prestavam serviços à aristocracia. O
incremento desses aglomerados propiciou o surgimento dos burgos, isto é,
aglomerações urbanas em volta dos castelos. Com a prestação de serviços surge uma
nova classe no cenário das relações sociais: a burguesia, que acumula tanta riqueza,
que depõe o regime feudal. Simbólica dessa deposição é a Revolução Francesa, que,
a nosso ver, nada mais foi do que a passagem dos privilégios da aristocracia para a
burguesia emergente, apoiada pelas classes desfavorecidas, insatisfeitas que estavam
pelo trato que recebiam da aristocracia.
É dessa época o surgimento do Estado moderno como o conhecemos. Nessa
época nasce o sentimento de nação. O soldado de Napoleão não lutava por um lugar
no reino dos céus como o cavaleiro das cruzadas, lutava pela França, pela nação e
território, ou seja, pela pátria.
A burguesia, porém, não tardaria a definir as regras do jogo. Com sua liberté,
egalité et fraternité esqueceu-se de que a egalité não implica somente pertencer à
espécie homo-sapiens, era necessário que as condições de entendimento do mundo,
as condições de sobrevivência e as condições sociais, fossem estendidas, elas
também, com igualdade a todos. Assim, todos eram iguais perante as leis, mas a
formação do bloco histórico, assentado no consenso pela formação hegemônica da
4
Segundo Gramsci se estabelece um bloco histórico quando as classes subalternas aceitam sua condição por
consentimento.
196
burguesia e sua ideologia, perpetuou uma situação de classes excluídas em prol de
uma classe com privilégios. Porém aqui já se pode constatar o aparecimento de uma
forma de participação, embora torcida em prol da burguesia, pois perante a lei, todos
eram iguais; máxima do liberalismo, que mais uma vez não entende a igualdade como
igualdade de condições materiais, culturais e sociais.
O avanço das ciências, no pós-renascimento, provocou um desenvolvimento
jamais visto na história humana. A máquina a vapor, a racionalização do trabalho em
tarefas específicas com jornada de trabalho fixa, o posterior uso da eletricidade
caracterizaram a Revolução Industrial. As relações de trabalho moldaram as relações
políticas e sociais – nos períodos anteriores também foi assim, isto é, as relações de
trabalho moldaram a vida em comunidade, porém, naqueles períodos, o executor do
trabalho era o proprietário do meio de produção, o que não acontece no processo
desencadeado pela Revolução Industrial – capitalismo industrial. O divórcio entre a
propriedade dos meios de produção e o executor do trabalho provocou a perpetuação
de uma sociedade dividida em classes, agora com o agravante da fetichização do
produto do trabalho, dado que o executor de uma tarefa específica não tem acesso ao
produto final gerado pelo conjunto de tarefas que o resultou A consequência foi a
desvalorização do trabalho, a coisificação da única mercadoria que o trabalhador tinha,
sua mão de obra. O que levou ao rebaixamento do conceito que o trabalhador tinha de
si. Agora as classes dominantes detém os meios de produção e as classes subalternas
executam o hard work.
O fenômeno da globalização foi acelerado pelo advento das comunicações que
caracterizam a atualidade. Os capitais e as idéias, devidamente tratadas, percorrem o
mundo em velocidade nunca antes imaginada, é o advento do tempo real, do
instantâneo, do designado on line, mas o que se pode verificar é a precariedade no
atendimento às demandas sociais, provocada pelos subprodutos da sociedade em
classes, herdada do modelo burguês. As formas de representação e de gestão do
poder continuam a privilegiar uma classe em detrimento das classes subalternas.
Embora as modernas constituições nacionais tratem todos como iguais, na realidade,
são reflexos da sociedade liberal, do capitalismo, que pressupõe a igualdade formal
entre os homens, onde todos são iguais para competir e alcançar o poder. Esquecem-
197
se, portanto, de que a igualdade não pode ser considerada enquanto somente alguns
tiverem satisfeitas as necessidades de sobrevivência, e outros não.
Com a posição evidente do capital sobre as relações humanas ocorreu a
coisificação ou objetificação do mundo e o próprio trabalho se transformou em
mercadoria, associado a uma cultura da crise em prol de uma estabilidade econômica
que empurra à política do Estado mínimo em oposição ao welfare State. Parece que há
um retrocesso, partindo de Keynes, em direção a Smidth. Para assegurar a
estabilidade macro-econômica, a classe dominante se impõe, hegemonicamente
,através da ideologia da cultura da crise, em que as soluções para os problemas são
individuais e cada um deve competir com o semelhante para galgar um lugar ao sol,
descartando, assim, a visão de que o fracasso não é coletivo, e sim, particular. Dessa
forma, a classe dominante tenta desarticular a luta de classes (por vezes, obtém
sucesso) e a cidadania passa a ser aquela do modelo liberal, em que todos são
formalmente iguais perante a lei e livres para lutar por seus diretos.
A soberania do mercado passa a negar a necessidade de decisões políticas,
que são precisamente as que dizem respeito aos interesses coletivos,
contrapostas aos de natureza particular. A participação no mercado substitui a
participação na política. O consumidor toma o lugar do cidadão – e todos nos
tornamos “cidadãos-clientes”. (SIMIONATTO, 2003, p. 281)
Assim, falar em cidadania hoje, como entendida até aqui, ou seja, participação
na gestão da coisa pública – como nas cidades-estado do mundo antigo – não faz
sentido, dado que essa participação vem da idéia de igualdade entre os homens, o que
não é verdade, vez que a posição de cada um, na sociedade, é definida pela sua
posição no mundo do trabalho e este, com sua contradição fundamental, faz com que
os iguais (homo-sapiens) se tornem diferentes entre si, e até inimigos. Neste contexto,
a cidadania sem perspectiva não terá a função proposta por este trabalho, ou seja,
indicar a possibilidade de transformação e superação da sociedade de classes, da
alienação do trabalho e do próprio homem, condição para sua realização plena, para
“tornar-se consciente de que a polis é também você [o homem] e que seu destino
depende também de sua opinião, comportamento e decisões; em outras palavras, é a
198
participação na vida política” (ARENDT apud BENEVIDES, 2002, p. 195). Para tal,
importa buscar um conceito de cidadania que propicie a emancipação do homem.
Neste trabalho, propomos a construção do cidadão pensado por Gramsci para o futuro,
como forma de alcance de um conceito adequado de cidadania.
Entendemos, como já foi dito, que a cidadania deve proporcionar o
desenvolvimento completo do homem e a superação de qualquer forma de
desigualdade existente entre estes homens, o que nos leva, necessariamente, a
desejar com ardor o fim das sociedades de classes, pois entendemos que esta é a
base de todas as desigualdades existentes, mas sabemos que a superação do status
quo não pode ser alcançada sem uma estratégia adequada. Nesse sentido, Gramsci
propõe que antes da guerra de movimento se faz necessária a guerra de posição 5 . É
necessário que os homens entendam que esta mudança se encontra em suas mãos,
que a realidade é historicamente construída pelos homens, e este entendimento poderá
ser alcançado através da educação; não falamos aqui da educação formal somente,
mas do ato de conhecer, natural e necessário a todos os homens, que provoca
mudanças nos homens a todo o momento. Infelizmente estas mudanças são pequenas
demais para serem sentidas em escala social, mas se agrupadas e bem direcionadas,
podem gerar uma comoção social e provocar o tão almejado desmoronamento da
sociedade vigente. Aqui se evidencia o papel do que Gramsci denomina de intelectual
orgânico: alguém oriundo da classe subalterna, ou comprometido com interesses dessa
classe.
2. O HOMEM-INTELECTUAL DO FUTURO
Para Gramsci, todo homem é filósofo, dado que, mesmo aqueles que executam
funções mais simples na sociedade, em algum momento, têm que pensar acerca do
5
Guerra de movimento é a tomada do poder, que deve ser precedida da guerra de posição, que é travada no campo
das idéias na disputa pela hegemonia através da quebra do discurso hegemônico imposto pelas classes dominantes, e
implica em minar o discurso hegemônico em todas a instituições do Estado ampliado, quebrando o bloco histórico e
o consentimento ao status quo dado pela classe subalterna. Nesse sentido é imprescindível o papel dos intelectuais
orgânicos da classe subalterna. Para Gramsci sem a guerra de posição, o poder não se manterá somente com sua
tomada através da guerra de movimento.
199
que estão fazendo. Também o fato de se expressar, por uma linguagem simbólica, o
torna filósofo, pois toda linguagem simbólica carrega consigo uma concepção de
mundo. Essa concepção de mundo está alojada no senso comum de cada homem; e
inserido no senso comum há, segundo Gramsci, um núcleo de bom senso. A elevação
do senso comum, a partir do núcleo de bom senso de cada um, é que propiciará a
formação do cidadão do futuro, que segundo Gramsci, deverá ter o seguinte perfil:
O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência,
motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas numa inserção
ativa na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor permanente’, já
que não apenas orador puro – mas superior ao espírito matemático abstrato;
da técnica-trabalho chega à técnica-ciência e à concepção humanista histórica,
sem a qual permanece ‘especialista’ e não se torna ‘dirigente’ (especialista +
político). (GRAMSCI, 2004, p. 53)
O que se deve perceber é que o homem do futuro, ou o cidadão do futuro, será
aquele que, especialista em sua profissão, deverá ter a possibilidade de se tornar
dirigente. Concorrem para este objetivo vários fatores que serão analisados abaixo. A
consequência principal é que o homem deverá ser capaz de exercer o seu papel de
cidadão, e, por meio dele, ter possibilidade de fruição da justiça social tão almejada
com o acesso aos bens materiais, culturais e sociais.
Um dos desdobramentos do conceito de intelectual do futuro de Gramsci é a
superação da cidadania nos parâmetros do Estado moderno:
A idéia de “dirigentes” que Gramsci tem em mente, portanto, é mais ampla do
que a noção de cidadania, hoje em voga, que pode ser entendida como uma
forma de registrar e englobar os indivíduos no sistema de democracia liberal.
“Dirigentes”, para o autor dos Cadernos, significa que é dada a todos a
possibilidade concreta de se tornarem autodirigentes, de serem sujeitos
políticos capazes de conduzir em conjunto a democracia, de serem
“organizadores de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento
orgânico de uma sociedade plena, civil e política”. (SEMERARO, 2003, p. 272)
Para o exercício efetivo de uma cidadania que provoque a emancipação das
classes subalternas será necessária a elevação do senso comum, a partir do bom
200
senso, para um senso crítico. Os caminhos para o alcance desse objetivo são
indicados, na teoria de Gramsci, que importa-nos aprofundar.
3. A CIDADANIA NA ATUALIDADE E O PENSAMENTO DE GRAMSCI
Procurar-se-á demonstrar, neste tópico, que a busca do exercício da cidadania
passa pela formação de uma visão de mundo unitária e comprometida com as classes
subalternas; para isto é necessária a construção de um movimento contra-hegemônico,
que pode ser efetivado pelos aparelhos do Estado ampliado, como os partidos
políticos, a escola e as ONGs.
Para efetuar a ponte que liga a teoria de Gramsci ao que entendemos ser a
cidadania, que poderá ser causadora da transformação da sociedade, partiremos do
conceito abaixo.
Cidadania é a participação dos indivíduos de uma determinada comunidade em
busca da igualdade em todos os campos que compõem a realidade humana,
mediante a luta pela conquista e a ampliação dos direitos civis, políticos e
sociais, objetivando a posse dos bens materiais, simbólicos e sociais,
contrapondo-se à hegemonia dominante na sociedade de classes, o que
determina novos rumos para a vida da comunidade e para a própria
participação. (MARTINS, 2000, p 58)
A busca da igualdade, em todos os campos que compõem a realidade humana,
é o ponto nevrálgico a ser desvelado nessa definição, pois, para atender ao conceito de
cidadania assim posto com a posse dos bens materiais, simbólicos [culturais] e sociais
[acesso ao poder], a igualdade deve ser alcançada, e, ao mesmo tempo, para que a
igualdade possa ser alcançada, é indispensável o exercício da cidadania. Assim,
estamos diante de uma via de mão dupla, ou seja, para o exercício da cidadania é
necessária a igualdade, que só é alcançada por esse mesmo exercício. Como fugir
desse ciclo?
201
O principal aspecto da teoria gramsciana, nesse sentido, é a necessidade de
criação de uma contra hegemonia, de modo a superar o status quo e provocar a
transformação da sociedade, com a consequente quebra do bloco histórico atual.
A vivência da igualdade implica na participação igualitária, na possibilidade de
cada homem se expressar para poder expor seu modo de ser histórico, no mundo.
Essa possibilidade implica na existência de mecanismos de participação e também no
saber se expressar e ter uma concepção de mundo adequada à realidade que se quer
transformar, ou seja, o homem precisa se expressar adequadamente, além de ser
possuidor de uma concepção de mundo e projeto adequado aos objetivos que pretende
realizar. Como forma de participação e vivência, podemos citar os partidos políticos, as
organizações não governamentais (ONGs), os movimentos sociais e as entidades de
classe; quanto ao acesso ao saber para aquisição de uma concepção de mundo
adequada, também, e principalmente, a escola tem seu papel. É claro que estas
instituições não são exclusivistas no desenvolvimento de suas funções, mas por vezes
se interpenetram.
A civilização burguesa moderna, na visão de Gramsci, se perpetua através de
operações de hegemonia – isto é, através das atividades e iniciativas de uma
ampla rede de organizações culturais, movimentos políticos e instituições
educacionais que difundem sua concepção do mundo e seus valores
capilarmente pela sociedade. (BUTTIGIEG, 2003. p. 46)
Além da escola, nessa tarefa de formação de uma nova concepção de mundo,
também é necessária a atuação, em todo o campo, do Estado ampliado, dado que o
mesmo é utilizado para formação da hegemonia da classe dominante através da mídia,
dos eventos culturais, etc.
A formação da concepção de mundo, adequada à transformação, requer o que
Gramsci define como guerra de posição, conforme já indicado, na qual os intelectuais
orgânicos da classe dominada, através de sua atuação nos aparelhos que formam a
hegemonia, vão minando as bases do status quo e construindo uma contra-hegemonia.
Estes aparelhos são formados por instituições oficiais e não oficiais, porém todas
202
pertencentes ao Estado ampliado. Podemos citar como oficiais, as escolas 6 e
universidades, institutos de pesquisa, ministérios, etc., e como não oficiais, a mídia
impressa, falada ou televisionada e as ONGs.
Para estabelecer uma estratégia contra-hegemônica, uma questão chave é
desenvolver a “guerra de posições” para criar diferentes frentes na luta
hegemônica. Uma série de problemas (cultura, educação, meio ambiente,
gênero, minorias), que à primeira vista parecem não políticos – em outras
palavras, são temas sociais e culturais num sentido forte -, têm grande
potencial hegemônico. Portanto, é importante criar e organizar a contrahegemonia nestes campos. (OHARA & MATSUDA, 2003, p. 248)
Como aparelho que forma a hegemonia, na sociedade civil, o partido político
também pode ser o formador de uma contra-hegemonia, justamente nessa sociedade.
Cada grupo social cria consigo os intelectuais orgânicos, e estes têm a função de
formular a ideologia a favor do grupo que representam, e isto pode ser feito por meio
do partido político. Evidente está que, para que o partido tenha o perfil adequado à
transformação da sociedade, em prol das classes dominadas, os intelectuais orgânicos
devem ser os comprometidos com essas classes. Não necessariamente oriundos
dessa classe, mas comprometidos com essa classe. Só assim a conexão entre a
sociedade civil e a sociedade política, papel principal do partido político, num sentido
saudável às aspirações das classes dominadas, poderá ocorrer.
Poderíamos dizer que ele [Gramsci] considerava como papel específico do
partido político ligar sociedade civil e sociedade política e estabelecer uma
mediação entre essas duas instâncias. Para nós é indispensável (...) renovar
ou reelaborar a teoria sobre o partido político como “aparelho da hegemonia
dentro da sociedade civil”. (Idem, p. 247)
Na participação com igualdade está implícita a necessidade de formação de uma
concepção de mundo crítica, ou seja, será necessária a elevação do senso comum, a
partir do bom senso, para outro senso comum, qualitativamente superior ao primeiro.
6
Para a escola Gramsci tem uma proposta denominada de Escola Unitária, que contemplaria a formação necessária à
conscientização em relação à emancipação da classe subalterna. (GRAMSCI, 2004, p. 33)
203
Este deve contemplar a possibilidade de transformação da sociedade por meio da
criação de uma contra-hegemonia caracterizada por uma concepção de mundo
unitária, em contraposição às visões fragmentárias, que são disseminadas pelas
classes dominantes às classes subalternas, a fim de se manterem no poder. Para
formação da contra hegemonia é necessária a formação de intelectuais orgânicos da
classe subalterna. Nesse sentido, têm importância os aparelhos de formação da
hegemonia, a saber, as instituições que compõem o Estado ampliado. O uso dos
aparelhos da formação da hegemonia é necessário para propiciar o debate que
promova a elevação do senso comum a um senso crítico. O debate é possível,
principalmente se o homem tiver acesso à cultura letrada, e este se faz por meio de
frequência aos bancos escolares. Sem o domínio das humanidades e dos princípios da
ciência, o homem sempre terá uma visão limitada, e difícil será a elevação do senso
comum a senso crítico. Para que a igualdade seja alcançada, também a escola deverá
ser a mesma para todas as crianças, independente da classe social a qual pertençam.
Hoje, há esforços no sentido de inclusão de todas as crianças, na escola, e dos
jovens carentes, na universidade. Este é um primeiro passo, mas as escolas que se
destinam às crianças das classes desfavorecidas ainda carecem de qualidade de
ensino. Fatores centrais, que ocasionam a falta de condições de aprendizado, como a
não satisfação das necessidades básicas de sobrevivência das famílias carentes, não
são tratados efetivamente pelos governos. Por outro lado os professores são mal
remunerados. Esses fatores, em conjunto com outros, estão impedindo, em grande
parte, o efetivo exercício da cidadania.
Porém, para Gramsci, a educação não se restringe à escola, é algo bem mais
amplo, e define o campo de atuação para a construção efetiva da hegemonia, embora
seu núcleo central seja a escola.
Para Gramsci, educação significa muito mais do que instrução escolar. Na
concepção de Gramsci, a educação equivale, simplesmente, às operações
fundamentais da hegemonia. (...) as relações educacionais constituem o
próprio núcleo da hegemonia, (...) qualquer análise da hegemonia
necessariamente implica um cuidadoso estudo das atividades e das instituições
educacionais e que nem as complexidades da hegemonia nem o significado da
educação podem ser entendidos enquanto se pensar a educação
204
exclusivamente em termos de “relações escolares” (conceito de Estado
ampliado – nota nossa). (BUTTIGIEG, 2003, p. 47)
Outro tipo de instituição que pode contribuir ao alcance da igualdade por meio da
hegemonia são as ONGs. Muitas dessas organizações afirmam que seus campos de
atuação são aqueles onde se exerce a cidadania. Por muitos têm sido definidas,
inclusive, como instituições da cidadania, quando não, as instituições maiores de sua
realização. É preciso certo cuidado nessa afirmação, pois este não é um campo
monolítico, mas de disputas, e existem destas instituições com os mais diversos
objetivos. As ONGs são, a nosso ver, instituições importantes no processo de
fortalecimento da democracia e da sociedade civil, mas uma parte delas funciona,
também, como substitutas de outras instituições da luta de classes, como os sindicatos
e partidos políticos, e podem se tornar instrumentos de escamoteamento desta luta.
Com isso, esta parte das ONGs colabora para a manutenção do modelo vigente, pois
não se predispõem à efetivação de uma transformação social. Também se deve
considerar que seu fomento, a mais das vezes, vem do capital internacional, o que as
atrela ao modelo de poder constituído.
... as ONGs se apresentam como uma forma qualificada de pluralidade e de
cidadania, como uma reconfiguração da política em redes de entidades e de
atores atuando não por relações de classe, por vínculos comunitários ou pelo
sistema de representação, mas pela prestação de serviços, pela informação,
pela articulação e o monitoramento de políticas públicas. (SEMERARO, 2003,
p. 267)
Economicamente dependentes de recursos externos, vivem a precariedade e a
incerteza em relação a trabalhos de longo prazo. Sujeitas à aprovação de
projetos para obter fundos, suas intervenções se restringem, muitas vezes, a
iniciativas sintonizadas com os grupos no poder e com bandeiras inofensivas
ao sistema, perdendo de vista os objetivos que as originaram e sua vinculação
com as causas populares.
A ação circunstancial, a vinculação a agências internacionais, a “neutralidade”
política tornam muitas ONGs débeis para questionar o sistema e propensas a
estratégias interativas, colaborativas, humanitaristas e filantrópicas. Seguindo a
linha do cooperativismo e da “sinergia”, muitas ONGs acabam contribuindo
para legitimação dos grupos dominantes, sustentando e representando o
“diálogo” com instituições multilaterais, que, na prática, são unilateralmente
estruturadas com os centros financeiros. (Idem, p. 267)
205
É importante destacar, ainda, que no campo de luta do Estado ampliado existem
ONGs que se articulam com movimentos sociais portadores e vinculados a projetos
políticos progressistas no seio da sociedade civil, como o Movimento dos Sem Terra
(MST). Estes movimentos são, a nosso juízo, os indícios de que aos poucos a
sociedade, mobilizada e consciente de sua formação em classes, começa a exercer a
cidadania da maneira que se procura descrever neste trabalho. Para que isto torne-se
possível, ou seja, o efetivo exercício da cidadania, alguns fatores são necessários.
No tópico abaixo, à guisa de conclusão, procuraremos demonstrar dois fatores
fundamentais para que a construção da contra hegemonia ocorra e a cidadania possa
ser exercida efetivamente: construção de uma concepção de mundo unitária e
mobilização associada à ação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que a cidadania seja exercida de maneira efetiva e tenha a possibilidade de
transformação da sociedade com a consequente emancipação das classes subalternas
é fundamental que cada classe tenha consciência de si mesma, ou seja, tenha
consciência de que é uma classe, e que tem anseios em comum, tem as mesmas
necessidades, como no MST. A partir daí é que se poderá inferir para a formação de
uma visão de mundo unitária, e, portanto, a possibilidade de mobilização em torno de
objetivos específicos.
Considerando que
A ‘natureza’ do homem é o conjunto das relações sociais, que determina uma
consciência historicamente definida; só esta consciência pode indicar o que é
‘natural’ ou ‘contra a natureza’. Além disso: o conjunto das relações é
contraditório e está em contínuo desenvolvimento, de modo que a ‘natureza’ do
homem não é algo homogêneo para todos os homens em todos os tempos.
(GRAMSCI, 2001, p. 51)
206
Fica evidente a necessidade de formação de uma consciência unitária, dado
que esta é historicamente definida, e a história nos mostra que as classes dominantes
moldaram a consciência até hoje, de forma a manter as classes dominadas em sua
posição de subalternidade por meio da construção de uma hegemonia que fragmenta a
concepção de mundo dos desfavorecidos.
A construção de uma contra hegemonia passa pelo engajamento de todas as
pessoas comprometidas com a transformação da sociedade; e não basta estar
consciente e não agir. O pensamento sem ação é devaneio. A passividade contribui
para a manutenção do sistema de poder que até hoje explora o trabalho alheio, e
aliena dos verdadeiros produtores da riqueza, fruto desse trabalho.
a massa de homens abdica de sua vontade, deixa que outros façam, deixa que
se atem os nós que depois só a espada poderá cortar [...] A fatalidade que
parece dominar a história não é mais, precisamente, do que a aparência
ilusória desta indiferença, desse absenteísmo. Fatos amadurecem na sombra,
poucas mãos (não submetidas a nenhum controle) tecem a rede da vida
coletiva – e a massa ignora [...]. Mas os fatos que amadurecem terminam por
vir à tona; e a rede tecida na sombra se conclui [...] É preciso cobrar de cada
um o modo como cumpriu a tarefa que a vida lhe propôs [...]. É preciso que
tudo o que acontece não pareça resultar do acaso, da fatalidade, mas seja
obra inteligente dos homens. (MEDICI, 2003, p. 211)
Devemos lembrar que há uma passividade que é uma forma de luta, isto é, a
passividade que contesta ao sistema justamente pela ausência de ação, mas essa
passividade pode ser vista como ação, dado que a ausência é revestida de significado
político, desde que a classe que a provoca seja consciente de sua atuação.
Somente quem poderá promover a mudança, através da ação e mobilização, é a
classe desfavorecida que poderá, se devidamente preparada, alcançar o objetivo, ou
seja, a transformação social através do exercício da cidadania.
Não é dos grupos sociais ‘condenados’ pela nova ordem [a classe dominante
condenada a auferir cada vez mais os lucros que a racionalização do trabalho
e a conseqüente acumulação de capital proporciona] que se pode esperar a
reconstrução, mas sim daqueles que estão criando, por imposição e através do
próprio sofrimento, as bases materiais dessa nova ordem: estes últimos
‘devem’ encontrar o sistema de vida ‘original’ e não de marca americana, a fim
de transformarem em ‘liberdade’ o que hoje é ‘necessidade’ [superação da
sociedade de classes]. (GRAMSCI, 2001, p. 280)
207
Portanto, os fatores fundamentais para o exercício da cidadania, que provoquem
a saída do reino da necessidade para o reino da liberdade, após a construção de uma
contra hegemonia, são a consciência de classe e a ação; evidente que para isto são
necessários os mecanismos de ação e a atuação no aparelho hegemônico das classes
dominantes: partidos políticos, mídia, instituições escolares, movimentos sociais,
ONGs, para da quebra do bloco histórico, como já afirmamos anteriormente, e então
atingir o conceito de cidadania, proposto por MARTINS, a fim de que as classes
subalternas tenham acesso aos direitos sociais e a plena satisfação de suas
necessidades pela fruição dos bens materiais, culturais e sociais.
208
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MATSUDA, H. & OHARA, K. A recepção de Gramsci no Japão. In: COUTINHO, C.N.
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TEIXEIRA, A.P. (org) Ler Gramsci, entender a realidade, Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. p. 201-214.
209
SEMERARO, G. Tornar-se “dirigente”. O projeto de Gramsci no mundo
globalizado. In: COUTINHO, C.N. & TEIXEIRA, A.P. (org) Ler Gramsci, entender a
realidade, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 261-274.
SIMIONATTO, I. A cultura do capitalismo globalizado. Novos consensos e novas
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a realidade, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 272-290.
210
SINDICATO, DEMOCRACIA E EDUCAÇAO
Reginaldo Flexa Nunes
Professor do IFES campus de Vitória-ES
Licenciado em História (UFRN – 1988) e Filosofia (UFES – 2005)
Especialista em História do Brasil (PUC/MG – 1994)
Membro da Direção Nacional do SINASEFE, na Coordenação de Políticas
Educacionais e Culturais (Gestão 2010-2011)
Email: [email protected]
RESUMO
O sindicato, como sujeito social, criador da institucionalização da democracia
proletária e de uma educação integral constitui-se, na prática, num agente de
transformação social ao criar uma nova cultura democrática.
Palavras-chave: cidadania, democracia, sindicato público, educação, sujeito social.
211
SINDICATO
Propomos um novo conceito de sindicato que está sendo construído no
imaginário social (CASTORIADIS). O sindicato como sujeito social gerador de uma
nova cultura, um novo jeito de ser. O sindicato como movimento social e entidade
representativa de uma categoria (profissionais da educação), relaciona-se com a
produção da existência e, ao mesmo tempo, se constitui como entidade coletiva, que
institui a democracia não-burguesa e promove a educação integral. Nesta
perspectiva, a história (espaço e tempo; passado, presente e futuro) e o trabalho
(produção material e construção do ser) são vistos como princípios educativos.
Neste caso, o processo histórico deixa de ser visto como simples superestrutura que
reflete os acontecimentos dos âmbitos da política e da economia (ROSELI, p.39) e
passa a ser visto a partir das experiências dos sujeitos concretos de uma luta social.
E através do trabalho, como princípio educativo, entende-se que o sujeito históricosocial ao produzir sua existência, educa-se na prática social.
O sindicato como sujeito social é gerador de educação integral e
emancipadora, portanto, garantidor de autonomia e criatividade para vivência numa
sociedade democrática. O sindicato ao criar um espaço de deliberações coletivas
possibilita os enfrentamentos da sociedade democrática (burguesa) e ao mesmo
tempo cria, a partir desse espaço, uma nova cultura democrática, baseada numa
educação realizada através da prática social assentada nas deliberações.
O sindicato origina-se no desenraizamento promovido pela sociedade urbanoindustrial no século XIX. O papel do sindicato é promover um novo enraizamento:
O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na
existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do
passado e certos pressentimentos do futuro. Participação natural, isto é,
que vem automaticamente do lugar, do nascimento, da profissão, do
ambiente. Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes. Precisa receber
quase que a totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual, por
intermédio dos meios de que faz parte naturalmente. (ROSELI, pp. 97-98).
O sindicato precisa ser referência para produzir nos sindicalizados, nos
diversos ambientes de trabalho onde atua um enraizamento projetivo. Nas palavras
da professora Roseli: “vinculação a um passado e a uma possibilidade de futuro, que
212
lhes permite desenvolver-se como seres morais, intelectuais, espirituais e,
poderíamos acrescentar, culturais.” (ROSELI, p. 99).
A sociedade brasileira, no início do século XX, ao promover o processo de
industrialização, realizado através do Estado e na sua forma dependente, provocou
um acelerado êxodo rural. Isso provocou um desenraizamento. Por outro lado,
possibilitou o fortalecimento de uma cultura de classe média com o crescimento do
número de funcionários públicos. O Estado, ao ter um papel mais ativo na condução
econômica (criação de estatais: CVRD, Petrobrás e CSN) e social (Consolidação
das Leis Trabalhistas – CLT), necessitou de um quadro de funcionários
alfabetizados para o exercício das funções burocráticas. A valorização da educação
como promotora do desenvolvimento nacional torna-se o pensamento hegemônico.
A educação, como capital humano, atendia perfeitamente às demandas dos
empregos criados no Estado e na crescente indústria. Criou-se uma nova cultura
hegemônica baseado na urbanização e na classe média, inserida na nova ordem
capitalista (A Guerra Fria). Os novos hábitos urbanos e o fortalecimento da classe
média incrementaram o mercado consumidor brasileiro: fogão, ferro elétrico, carro,
geladeira, equipamentos domésticos em geral. Os funcionários públicos foram
formados na cultura de classe média e, por isso mesmo, distanciaram-se das lutas
da classe trabalhadora. Não se viam como trabalhadores e não se organizavam em
sindicatos. Não tinham consciência de classe.
Somente na década de 1970, com a precarização do ambiente de trabalho e
dos salários, os funcionários públicos sentiram necessidade de se organizarem.
Surgiram então as associações. Até então, era proibida a organização em sindicatos
Mas, apesar dessa necessidade de organização, a cultura de classe média era
hegemônica e esses funcionários públicos não se misturaram com o restante da
classe trabalhadora. Passaram a praticar uma luta eminentemente corporativista.
A luta reivindicatória apareceu após a Constituição de 1988 quando se
criaram os sindicatos dos servidores públicos. O sindicato cresceu na mesma
proporção do crescimento dos serviços públicos, que são transformados em direitos
sociais na constituição. O ensino nas escolas brasileiras continuou centrado na
perspectiva do capital humano (O ensino como ascensão social).
213
A luta pela escola pública, gratuita, laica e referenciada socialmente apareceu
no processo de lutas pelas direitas já e no processo de elaboração da nova
constituição na década de 1980. A crise do modelo de sociedade burguesa
(individualista) gerou também a crise da escola brasileira, pois a educação visava
atender o mercado (“capital humano”). O problema hoje (início do Século XXI) é que
o maior nível de escolaridade não permite a inclusão social. O desemprego é
estrutural. Não basta competência e escolaridade para garantir emprego. Do Estado
a sociedade exige transparência e às empresas a sociedade questiona a
modernização que dispensa mão-de-obra. A educação nas escolas perdeu o sentido
e entrou em crise. A evasão, a repetência, o vandalismo, a violência se tornaram
sintomas dessa crise.
O sindicato, nesse contexto, ao lutar por uma nova escola passa
necessariamente pela luta por uma nova cultura, em que os valores de
solidariedade, igualdade, cidadania são imprescindíveis. A constatação do sindicato
como um sujeito social abre o horizonte da luta que todos devemos enfrentar. A
luta interna de formação e valorização do espaço sindical (assembléia, seminários,
encontros, grupos de trabalhos) deve nos conduzir à concepção de sindicato que
educa para a liberdade, a cidadania e a autonomia. Ou seja, a educação
emancipadora, no atual contexto, passa necessariamente pelo fortalecimento de
uma nova ética centrada na luta social. O sindicato passa a ser visto na perspectiva
não apenas de um fragmento da classe trabalhadora, mas vai além ao incorporar
lutas não só dos assalariados mais de todos os despossuídos (sem-terra, semtrabalho, sem-educação, sem-moradia, sem-saúde, sem-segurança).
A unificação da classe trabalhadora, a organização reivincativa e a autogestão sindical ao se incorporarem na centralidade da vida social criam o ambiente
educativo necessário para o fortalecimento da cultura proletária. Nas palavras da
Revolução Russa: “Todo o poder aos sovietes.” É entendido aqui que todo o poder
sindical está na educação das massas. A democracia na sociedade urbana,
industrial e burguesa baseia-se na democracia da massa, portanto, representativa e
indireta. A cidadania na sociedade burguesa é realizada através dos partidos de
massa e a participação é indireta na criação de leis e na modificação delas. O
complexo aparato burocrático na condução do Estado e da relação dele com as
empresas e os sindicatos se dão na forma dos conflitos parlamentares (partidos). Há
214
um distanciamento dos trabalhadores na percepção do seu papel na ingerência
estatal. A cultura individualista, da classe média e burguesa impede a efetiva
participação democrática. A isso nós designamos democracia burguesa.
A questão que nos preocupa será como superar a democracia burguesa e
implantarmos a democracia proletária. O que estamos defendendo é que o
sindicato pode ser o caminho para viabilização da educação na sua forma integral e
não apenas fragmentada (formar para o mercado). Essa formação da massa
trabalhadora evidentemente não será realizada por belos discursos ou teorias
fundamentadas. Mas na práxis (teoria – que se constrói para e com a prática e a
prática que se organiza através e com a teoria) que possibilitará uma nova formação
educativa e cultural: greves, paralisações, passeatas, grupos de trabalho e de
estudos, participação nas lutas internas do sindicato, assembléia, congressos e
outros. A democracia assim é um acontecimento interminável de construção e
reconstrução disso que é a vivência na sociedade (o exemplo dessa democracia é a
vivenciada na polis – tal qual a cidade Grega antiga) (VALLE, p. 33). A democracia
vista na perspectiva de uma permanente interrogação da prática política
desenvolvida na sociedade. Os gregos antigos, ao inventar a política, introduziram
na história humana a interrogação permanente. Criaram instituições políticas
(assembléia do povo) que forjaram a característica principal da democracia grega: a
participação ampliada dos cidadãos através do voto e da ocupação de cargos (por
sorteio e rotatividade). Na Grécia Antiga a Assembléia do Povo se reunia pelo
menos quatro vezes por ano e, no intervalo das sessões, se reunia a boulé
(representantes do povo), composta por 50 membros sorteados de cada uma das
dez tribos (VALLE, p. 35). Além disso, havia o mecanismo pelo qual a comunidade
política podia reavaliar uma decisão tomada e punir os culpados. Dessa forma, em
Atenas, a institucionalização de uma interrogação sistemática e permanente fez com
que a própria forma de organização social se transformasse numa escola de
democracia.
Escola de Democracia
Para os Gregos a questão fundamental era a justiça, não a legitimidade do
poder e do direito a governar como aparecerá para os modernos (Renascimento –
215
século XV – e os iluministas – século XVII). Tendo a igualdade como princípio “a
participação política não é submetida a qualquer condição prévia, e que a educação
não é vista como atividade pré-política que dá acesso à participação, mas como
decorrência dessa mesma participação.” (VALLE, p. 39). Ainda há no imaginário
social brasileiro a idéia de que a falta de formação escolar (analfabetismo) é um
entrave à participação política e que a escola tem que formar para a cidadania. A
participação política se torna uma escola de democracia, criando uma sociedade
educativa. A política sindical ao se fazer democrática aproxima-se da democracia
proletária, pois suas lutas devem se ampliar para a melhoria das condições de vida
da maioria. A política sindical também possibilita a formação integral do ser humano,
pois se baseia no princípio do conhecimento em construção e na responsabilidade
para consigo mesmo e para com sua espécie. O ser humano integral e emancipado,
nesse sentido, é visto como um ser em construção interminável (portanto, ser livre) e
em interrogação permanente (portanto, ser em busca da igualdade). Sendo assim,
dessa “participação, de fato, decorre a construção dessa ‘sociedade educativa’ [...]
quando é a própria polis que forma seus cidadãos” (VALLE, p. 39). A política sindical
ao conceber a idéia de que as funções de governo (e do sindicato) e participação na
atividade legislativa (criação de leis) são tarefas de todos, visualiza uma democracia
que está na origem da própria sociedade. A justiça, a igualdade, a segurança são
elementos fundadores da sociedade humana e garantidor da sobrevivência da
espécie. A política sindical supera a política partidária porque esta, impregnada de
valores burgueses, não dá conta de encaminhar solução para a crise de educação e
de sociedade que vivemos.
A Prática Social – a nova educação, a nova escola
Qual educação atende a classe trabalhadora e permite superar a crise de
sociedade que vivemos? Parece-nos que a resposta está sendo dada na prática
social. A escola que educa para a cidadania é a própria sociedade que ao produzir
sua existência, produz também resistência contra a desigualdade e a falta de
liberdade. A origem dos sindicatos de trabalhadores no século XIX, na Inglaterra,
estava associada à participação política dos trabalhadores na “resistência ao capital,
na questão do salário e da jornada de trabalho” (NOGUEIRA, p. 29). Além desse
216
sindicalismo
econômico
surgiu
um
sindicalismo
de
influência
anarquista
(anticapitalista e revolucionária) que descartava a ação política de negociação e
defendia a emancipação social, “por meio da soma das ações reivindicatórias no
cotidiano do trabalho e da greve geral na constituição de uma nova sociedade, sem
exploração.” (NOGUEIRA, p. 30). Os sindicatos são mediadores na tomada de
consciência de classe. Eles atuam na formação política (educação cidadã) e
transitam o tempo todo da economia à política, permitindo o desenvolvimento da
consciência dos trabalhadores (NOGUEIRA, p. 31).
A ampliação da democracia burguesa (voto do analfabeto, dos direitos
sociais) e a burocratização dos sindicatos significaram a crise do sindicalismo
ideológico e revolucionário. Os sindicatos aproximaram-se dos partidos políticos e a
prática de colaboração de classe permitiu um “arranjo corporativo com o Estado e o
capital” (NOGUEIRA, p. 35). A politização e a institucionalização dos sindicatos
possibilitaram a sustentação da ordem democrático-burguesa. A crise atual indica
que o sindicalismo colaboracionista está superado.
Mas o sindicato que emergiu dessa crise, fortaleceu a necessidade de
transformação social. Para Nogueira (p. 39):
as organizações operárias e sindicais vinculam-se a uma lógica instrumental
da economia à política que, de um lado, se foi fundamental para a inclusão
social dos assalariados na sociedade de mercado, de outro, não
desenvolveu a perspectiva de transformação do regime de trabalho
assalariado e nem de emancipação econômica e social dos trabalhadores.
O sindicato de serviço (de classe média, chamados de colarinho branco),
presente no setor público e privado, formou-se a partir da precarização das
condições de trabalho nos escritórios e no serviço público. E os sindicatos de
profissionais da educação ao se expandirem garantiram a ampliação da oferta de
educação pública (caso da França) (NOGUEIRA, p. 55).
A educação pública oferecida no momento da nascimento da socialdemocracia (segunda metade do século XX) foi modelada na lógica do capital
humano. O emprego era a contrapartida dessa formação acadêmica e, portanto,
atendia a essa nova conformação do capitalismo (sociedade industrial, pós-guerras
217
mundiais, Guerra Fria). A crise atual gera a crise da educação, assentada sobre
esse princípio (capital humano).
Cultura Democrática
A questão ecológica e a questão das minorias (movimentos dos negros, das
feministas, dos homossexuais, dos deficientes, dos índios) são geradores de uma
crise de valores na sociedade atual, porque questiona o consumismo, a
descriminação, o desenvolvimento ilimitado, o trabalho desumanizador. Nasce a
oportunidade de apresentação de soluções alternativas ao que vem sendo efetivado.
Os sindicatos de trabalhadores, ao vivenciarem uma cultura democrática,
assentada na valorização do ser humano na sua integralidade e não apenas como
um ser para o trabalho produtivo são mediadores de uma nova sociedade, nova
cultura baseada na solidariedade, na igualdade, na liberdade e na justiça. Neste
sentido é possível restaurar a “unidade de interesse de todos os trabalhadores [...]
desde que os sindicatos não se limitem a reivindicar pautas trabalhistas específicas,
mas se concentrem nas condições de vida” (NOGUEIRA, 65); “[...] não se trata mais
de lançar-se ao assalto de uma fortaleza estatal, ou de construir uma nova torre de
Babel, mas de conquistar, posição por posição, esta rede de poderes horizontais,
mista, que envolve de alto a baixo a cidadela estatal.” (NOGUEIRA, 67). A luta pela
hegemonia em torno do Estado ampliado. Essa situação traz desafios novos aos
sindicatos que deve voltar-se para o campo da luta na sociedade civil (Gramsci apud
NOGUEIRA, 67).
Segundo Antunes (1995), os principais desafios futuros do sindicalismo são:
1. Os sindicatos serão capazes de romper com a enorme barreira social que
separa os trabalhadores estáveis em relação àqueles trabalhadores em
tempo parcial, precários, subempregados e terceirizados? [...] 3. Serão
capazes de romper com o novo corporativismo que defende apenas
categorias organizadas? 4. Serão capazes de estruturar um sindicalismo
horizontal e de romper com a institucionalização e a burocratização? 5.
Serão capazes de superar a ação defensiva e contribuir com a busca de um
projeto mais ambicioso e emancipadora dos trabalhadores?”[...] impõe-se o
velho problema a unidade na diversidade. (NOGUEIRA, pp. 72-74).
218
CONCLUSAO
Precisamos de um sindicalismo de novo tipo, com lutas ampliadas e não
apenas corporativistas; institucionalizador de um novo modo de democrático que se
realiza na prática interna de funcionamento com a participação direta, dialogando
com outros movimentos sociais e com o próprio Estado; e que, portanto, cria espaço
e tempo de formação integral e transforma-se em escola de democracia a sua
prática social, promovendo enraizamento dos trabalhadores.
219
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3ªed. São Paulo:
Expressão Popular, 2004.
CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1982.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley. O mercado do conhecimento e o conhecimento
para o mercado: da formação para o trabalho complexo no Brasil contemporâneo.
Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
NOGUEIRA, Arnaldo José França Mazzei. A Liberdade desfigurada: A trajetória do
sindicalismo no setor público brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2005.
TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo: educação, competitividade e
cidadania na sociedade moderna. 1ºed. São Paulo: Ática, 2002.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Edição comemorativa. Campinas,
SP:Autores Associados, 2008.
VALLE, Lílian do. Os enigmas da educação; a Paidéia democrática entre Platão
e Castoriadis. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
Revisão de texto: Márcia Greice Campos de Melo Nunes.
220
A EXPERIÊNCIA DE CONSTRUÇÃO DOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DOS
CURSOS DO PROEJA NO IFES – CAMPUS DE VITÓRIA:
AVANÇOS, TENSÕES E DESAFIOS DE UM PROCESSO POLÍTICO
Bruno dos Santos Prado Moura 1
Edna Graça Scopel 2
Eliesér Toretta Zen 3
Laís Carla Simeão da Silva 4
Maria da Glória de Oliveira Médici 5
Maria José de Resende Ferreira 6
RESUMO
Neste texto se discute, sob a forma de um relato reflexivo, a experiência de
elaboração do projeto pedagógico dos cursos do PROEJA no IFES – campus de
Vitória. Objetivamos, com ele, compartilhar a vivência de um processo de discussão
e reflexão que envolve a entrada da modalidade de Educação de Jovens e Adultos
no IFES, a problemática do currículo integrado e o sentido da educação dos alunos
trabalhadores. Para isso, iniciamos o texto com uma argumentação sobre as
ranhuras provocadas pela entrada da EJA na rede federal de educação, seguida de
apresentação da trajetória de trabalho das comissões de elaboração dos projetos
pedagógicos dos cursos do PROEJA. Identificamos, nessa trajetória, avanços,
tensões e desafios, os quais evidenciam a necessidade de dar sequência aos
movimentos então iniciados, e de reconhecer o caráter político necessário ao
fortalecimento da EJA e à consolidação do PROEJA no IFES.
Palavras-chave: PROEJA; Projeto pedagógico de curso; IFES.
1
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo-UFES. Atua como professor do PROEJA desde 2007.
Mestranda da linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, Pedagoga do Instituto Federal do Espírito Santo e Membro do Grupo de Pesquisa
PROEJA/CAPES/SETEC-ES. e-mail: [email protected]
2
3
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo-UFES. Professor de Metodologia e Filosofia do PROEJA e integrante do
Grupo de Pesquisa Interinstitucional PROEJA/CAPES/SETEC.
4
Pedagoga do PROEJA no IFES. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo e integrante do Grupo Interinstitucional
PROEJA/CAPES/SETEC.
5
Especialista em Educação Profissional Técnica Integrada à Educação Básica na Modalidade de EJA – IFES.
6
Mestra em Educação. Coordenadora do Proeja e integrante do Grupo de Pesquisa Interinstitucional PROEJA/CAPES/SETEC
221
O processo de construção da proposta curricular do PROEJA 7 faz parte de
um grande trabalho dos profissionais envolvidos com a modalidade de Educação e
Jovens e Adultos – EJA – no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Espírito Santo – campus de Vitória. Apesar de a Educação de Jovens a Adultos ser
uma realidade nova na instituição, ela já tem provocado importantes movimentos em
favor da discussão, não só do projeto que se pretende construir, mas também do
que tem vigorado, no ensino técnico federal, há cem anos, consideradas as
variações pelas quais passou a rede, ao longo desse tempo.
A proposta da rede federal de oferecer educação e formação profissional de
qualidade tem sido realizada de uma maneira muito parcial, atingindo um estrato
muito pequeno da população brasileira. O alto grau de seletividade que caracteriza a
entrada na instituição, além de outros fatores, contribui para configurar um ensino
altamente elitizado, voltado para atender os anseios dos grupos socialmente
privilegiados. Esse foco pouco tem contribuído para um avanço na discussão entre
os profissionais da rede sobre as finalidades do ensino médio e da formação
profissional,
prevalecendo
um
ensino
de
cunho
propedêutico,
e
voltado,
principalmente, para o mercado de trabalho.
A entrada da modalidade EJA, na rede, tem provocado ranhuras nessa
realidade, na medida em que suscita embates teórico-práticos em torno dessa
proposta de educação, exatamente porque traz, no seu bojo, o questionamento do
sentido atribuído à escolarização e à formação profissional. Enquanto modalidade
que se propõe a reparar, equalizar e qualificar (PARECER CNE/CEB 11/2000), a
Educação de Jovens e Adultos tem como meta o resgate do sujeito na perspectiva
da cidadania (PAIVA, 2009). Nesse sentido, como campo de reflexão educacional, a
EJA nos convida ao questionamento do sentido da cidadania burguesa, baseada no
princípio do mérito.
A partir desse questionamento é possível conceber a EJA, na perspectiva
de uma cidadania popular,
requerendo,
então,
pensá-la
em
outra
base
antropológica: aquela que afirma a dignidade dos sujeitos historicamente excluídos
do direito à educação e à totalidade dos bens necessários à vida. Dessa forma,
busca-se superar a ideologia neoliberal burguesa que tem transformado a educação
em mercadoria, e o direito à educação, em benefício. Portanto, afirmar a EJA como
7
PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade
de Educação de Jovens e Adultos.
222
direito significa reconhecer que os jovens e adultos devem educar-se ao longo da
vida, buscando desenvolver todas as suas potencialidades humanizadoras, e não
receber um simples treinamento para o mercado.
A burguesia brasileira sempre negou a escolaridade básica e, como
consequência, a formação profissional efetiva, à maioria dos jovens e adultos
trabalhadores. Em seu projeto sempre esteve uma educação unidimensional, a
serviço do mercado e do capital. Seu objetivo sempre consistiu na oferta de uma
educação profissional, descolada de uma formação de cultura geral, estruturante da
consciência ativa dos homens. Sem esta formação básica integrada à formação
profissional só restou, aos trabalhadores, um adestramento polivalente, cujo objetivo
é formar trabalhadores obedientes.
Dessa forma, entender a educação como uma formação estruturante da
consciência ativa dos homens significa assumi-la como pressuposto para a
cidadania, não no sentido meritocrático, mas sim, no sentido de pertencimento e
participação em todos os bens (sociais, culturais, econômicos e políticos) produzidos
pela sociedade, ao longo dos tempos, e de desenvolvimento pleno de todas as
potencialidades humanas.
Diante da realidade configurada a partir da implantação do PROEJA na
rede federal (DECRETO 5840/2006), o desafio que se impôs consistiu na busca pela
realização de um currículo integrado, de modo a superar uma perspectiva de
formação restrita ao mercado de trabalho e baseada na dicotomia trabalho
manual/trabalho intelectual. Frente a esse desafio, logo se percebeu que o
envolvimento dos profissionais ligados à área de formação profissional e a de
formação básica era um pressuposto fundamental para o processo de elaboração e
discussão dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC’s) do PROEJA.
Foi a partir dessas constatações que se formaram as comissões 8 para
elaboração dos PPC’s do PROEJA no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Espírito Santo, cujos trabalhos seguiram a seguinte trajetória:
1) Em 23 e 24 de junho de 2008, o Grupo de Pesquisa Interinstitucional
UFES/IFES organizou um seminário que envolveu professores da Coordenadoria do
PROEJA e dos cursos técnicos. O seminário discutiu as possibilidades de
8
As comissões de elaboração dos projetos pedagógicos foram compostas pelos professores que participam das
reuniões de formação continuada, assim como dos coordenadores de cada curso.
223
construção de um currículo integrado para o PROEJA, trazendo experiências do
estado do Paraná.
2) Ainda em junho de 2008, foram instituídas, pelas portarias de nº 421 e
422, as Comissões de Elaboração dos Projetos Pedagógicos dos Cursos do
PROEJA. Findado o prazo estabelecido por essas portarias, e diante das discussões
realizadas, foi solicitada, pelo grupo, a ampliação do mesmo, sendo ela atendida e
estabelecida pelas Portarias de nº 97, 98 e 99, de 15 de janeiro de 2009. As
comissões eram composta de professores das áreas de formação técnica e de
formação básica, juntamente com os pedagogos(as) que atuam junto aos curso. O
trabalho das comissões consistiu em discutir a reestruturação dos cursos e levar
propostas para o grupo de professores reunidos nos encontros de formação, onde
elas eram novamente discutidas.
3) Em julho de 2008, houve a primeira reunião das Comissões, na qual
foram apresentados o processo histórico e a legislação básica, e outro encontro no
mesmo mês, no qual procurou-se realizar a complementação da legislação e definir
as ações que deram início o processo de discussão dos PPC’s nas coordenadorias.
4) Seguiram-se mais quatro reuniões entre os membros das comissões e,
em 23 de outubro de 2008, foi apresentada a primeira proposta do Curso de
Metalurgia. Em 30 de outubro, a Coordenadoria de Edificações apresentou sua
proposta e, em 06 de novembro, foi a vez da Comissão do Curso de Segurança do
Trabalho.
5) As propostas passaram a ser discutidas, com foco nas especificidades
de cada coordenadoria, e junto com o grupo de professores da Formação
Continuada.
6) Em dezembro, foram estabelecidas as ações para 2009 e, no início
desse ano, foram retomados os trabalhos. Ao longo do ano de 2009, aconteceram
cinco reuniões com a presença de representantes das três comissões, e muitas
outras reuniões nas coordenadorias e com o grupo de formação. Em paralelo a esse
processo, e consumando os debates em torno das propostas dos cursos, os
professores do grupo de Formação Continuada se reuniram por área para revisar e
propor alterações nas ementas das disciplinas, resultando, desse trabalho,
propostas de ensino apoiadas em eixos temáticos.
224
7) No mês de outubro de 2009, foi realizado um encontro com os alunos do
1º ao 8º módulos dos três cursos do PROEJA, a fim de apresentar o resultado dos
trabalhos das comissões e favorecer a participação dos mesmos no processo de
elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos. A forte presença e intensa
participação dos alunos, nos debates realizados no encontro, tornaram evidentes
para todos a amplitude do trabalho realizado.
Atualmente, o grupo está na fase de finalização dos projetos, a fim de
encaminhá-los para discussão e aprovação pelos setores competentes. A partir
dessa trajetória, e daquilo que foi vivenciado pelos profissionais ligados ao PROEJA,
é possível detectar avanços, tensões e desafios no processo de efetivação da
modalidade EJA no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito
Santo.
AVANÇOS
Um avanço significativo que o processo de discussão e elaboração dos
PPC’s promoveu corresponde à superação de uma perspectiva compensatória
presente na oferta da modalidade pela instituição. A reflexão desenvolvida pelos
profissionais envolvidos com o trabalho, junto aos alunos, tem contribuído muito para
um processo de construção da EJA como campo pedagógico (RIBEIRO, 1999) no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, contribuindo
para que a mesma seja compreendida como direito. Consideramos que esse
processo é de fundamental importância para a superação dos voluntarismos
pedagógicos, e de uma visão que tem acompanhado a Educação de Jovens e
Adultos ao longo da sua história, associando-a a uma formação aligeirada e de baixo
nível, ou seja, uma educação pobre para os pobres.
Os jovens e adultos quase sempre são oriundos das classes populares,
com trajetórias escolares descontínuas, que incluem reprovações e repetências.
Muitas vezes, o retorno à escola já se deu, no ensino fundamental, na mesma
modalidade educativa, pela condição de trabalhadores, que só lhes permite o
acesso à escola noturna. Apesar da experiência do trabalho, nem sempre têm
emprego, mas o buscam com frequência, ou são subempregados, buscando
melhores oportunidades. Nessas experiências, produzem saberes, conhecimentos,
225
com que chegam, novamente, à escola. Saberes da vida, das práticas sociais em
casa, na rua, na igreja, no mundo do trabalho, nas lutas pela sobrevivência. Saberes
que nem sempre, revelam seus direitos de trabalhadores, nem sua condição de
cidadãos. Sabemos que os alunos da EJA, quando chegam à sala de aula, trazem
consigo experiências, saberes e valores vividos em sua luta pela sobrevivência, nas
relações sociais, no mundo do trabalho e no seio da família.
Nesse sentido, o currículo escolar deve representar um vínculo entre os
conhecimentos prévios e a nova aprendizagem, por meio de uma relação
substantiva, e não arbitrária, com o que já sabem. Segundo Paiva (2004), se essa
relação se estabelece a aprendizagem se torna significativa. Nesse sentido, o
currículo da EJA deve considerar os processos de aprendizagem, os conhecimentos
vividos-praticados pelos alunos, na prática social, numa perspectiva de uma
pedagogia crítica e pautada na concepção de escola como uma instituição política,
um espaço propício a emancipar o aluno, contribuindo para a formação da
consciência crítico-reflexivo e promovendo a autonomia dos sujeitos da EJA.
Reconhecer os jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e
aprendizagem (OLIVEIRA, 1999) significa atuar em favor de uma prática fundada em
concepções e princípios intensamente debatidos e derivados de profunda reflexão,
que busca a valorização e a inclusão desses sujeitos no processo ensinoaprendizagem, garantindo aos mesmos o direito de aprender. Dessa forma, é
possível evitar as mesclas das quais nos fala Weisz:
Se o professor procura inovar sua prática, adotando um modelo de ensino
que pressupõe a construção de conhecimento sem compreender
suficientemente as questões que lhe dão sustentação, corre o risco, grave
no meu modo de ver, de ficar se deslocando de um modelo que lhe é
familiar para o outro, meio desconhecido, sem muito domínio de sua própria
prática “mesclando”, como se costuma dizer. (2006).
Nesse sentido, as discussões realizadas em prol da elaboração dos
Projetos Pedagógicos dos cursos trouxeram a tona muitos pré-conceitos em torno
da modalidade, ao mesmo tempo em que estimularam a reflexão sobre os sentidos
do fazer pedagógico no PROEJA. Esse movimento foi bastante significativo, pois
expressou a vontade dos profissionais envolvidos com a modalidade EJA no IFES
de buscar bases sólidas para a prática pedagógica.
226
Outro avanço importante dessas discussões foi o envolvimento, cada vez
maior, dos profissionais que atuam junto às turmas do PROEJA, incentivado pelos
debates ocorridos nas reuniões de Formação Continuada, assim como pela
consciência do fato de a proposta curricular 9 vigente não atender ao que sugeria o
Documento Base (2006). Do grupo de profissionais que frequentam a reunião
formaram-se as Comissões responsáveis pela elaboração dos Projetos Pedagógicos
dos cursos, cujas conclusões e atividades foram intensamente debatidas com todos
os professores presentes nas reuniões de formação. No entanto, na construção
desse novo projeto para os cursos do PROEJA, a estratégia usada, inicialmente,
consistiu apenas na apresentação das ementas das disciplinas da área de formação
básica, acompanhada de discussões e questionamentos que contribuíram para
problematizar a concepção de integração apresentada pelo Documento Base.
No processo de discussão dos PPC’s, o contato entre professores das
áreas de Formação Geral e Técnica permitiu-nos a aproximação das fronteiras. Tal
aproximação se caracterizou pelas tentativas de compreensão mútua das atividades
realizadas por ambas as áreas, pela busca por conhecer as características de cada
uma e suas respectivas disciplinas, e pelo desejo de se chegar a um consenso em
torno da proposta de matriz curricular (distribuição de disciplinas) 10 . Vale lembrar
que a implantação do PROEJA, no IFES, se deu a partir de uma idéia de integração
que se confundia (e ainda se confunde?) com uma justaposição da área de
Formação Técnica à área de Formação Básica.
Diante dessa realidade, as inquietações dos professores, em relação às
questões referentes ao currículo integrado e sua implementação, impulsionaram o
pensar de um novo Projeto Político-pedagógico, buscando uma efetiva articulação
entre a Educação Básica de Nível Médio e a Formação Técnico-profissional, visando
à formação integral do sujeito. Acreditamos que o trabalho das comissões contribuiu,
significativamente, para o fortalecimento da modalidade EJA na instituição, assim
como foi um ponto a favor da busca pela consolidação do PROEJA na rede federal.
9
Atualmente, os cursos do Proeja no Ifes se estruturam da seguinte forma: ao entrar na instituição o aluno jovens
ou adulto cursa quatro módulos (equivalentes a dois anos) de disciplinas da área de formação básica, seguidos de
mais quatro módulos (mais dois anos) de disciplinas da área de formação profissional.
10
É importante esclarecer que as discussões em torno do currículo integrado se restringiram, em sua totalidade, a
distribuição de disciplinas para composição da matriz curricular, assemelhando-se o trabalho mais a uma
justaposição, sem avanços na concepção de integração enquanto totalidade.
227
Entretanto, cabe destacar que o trabalho das comissões não poderia se
completar sem a participação dos alunos, sendo ela efetivada com a realização do
Encontro dos Alunos do PROEJA, no campus de Vitória do IFES. Nesse encontro,
os alunos manifestaram-se quanto à proposta, então em elaboração, expondo seus
pontos de vista, não só sobre o trabalho das comissões, como também sobre a
situação na qual se encontram os cursos. A ampla participação dos alunos permitiunos verificar o resultado de um amplo trabalho de discussão junto aos mesmos
sobre o PROEJA, e sua presença na instituição.
Outro avanço significativo consiste na crescente integração entre ensino e
pesquisa, em torno do PROEJA, no IFES. A presença, cada vez maior, do grupo de
pesquisa PROEJA/CAPES/SETEC, nas discussões sobre o programa, mostrou-se
proveitosa e fecunda, principalmente em atividades voltadas para Formação
Continuada dos professores, contribuindo para repensar o fazer pedagógico.
No processo de discussão dos PPC’s, os integrantes do grupo contribuíram
em favor de uma reflexão do currículo que transcendesse aos seus aspectos
instrumentais. Tais intervenções, somadas às dos demais profissionais envolvidos
com o PROEJA, foram fundamentais para que se pensasse a formação docente
para além do trabalho inicial, ocorrido nos bancos universitários, estando ela
também presente nos momentos de reflexão da própria prática, de embates
ideológicos, de construção de consensos em favor de um ensino e de uma
aprendizagem que, de fato, contribua para um entendimento da EJA como uma
modalidade específica da Educação Básica.
TENSÕES
Os avanços mencionados não ocorreram sem as tensões manifestadas ao
longo dos debates em torno da reformulação dos Projetos Pedagógicos dos cursos
do PROEJA. A mais evidente delas se manifesta na própria presença da modalidade
na instituição. Segundo Oliveira e Cesarino,
É possível [...] observar que a implementação do PROEJA, ao promover a
inclusão dos alunos do EMJAT, no acesso aos cursos técnicos integrados
ao ensino médio na modalidade EJA, tem produzido uma desordem na
lógica de organização da oferta. Essa desordem, como categoria conceitual
apropriada de Balandier por Santos (2006), no campo da EJA, pode ser
228
traduzida pela heterogeneidade e pelas condições de vida dos sujeitos que
a escola vem acolhendo e que desafiam os padrões de normalidade,
comumente observados na escola regular [...]. (2009, p. 08).
De fato, essa tensão mostrou-se evidente nos debates dos grupos das
comissões quando da necessidade de reconhecer o PROEJA como um curso
diferenciado dos demais, até então ofertado pelas coordenadorias. Foi preciso uma
postura vigilante, por parte de alguns dos membros das comissões, perante
tentativas de equalizar as propostas em discussão a outras realidades educativas
existentes na instituição e diferentes da modalidade EJA. A idéia subjacente a tais
tentativas era de que os alunos seriam todos iguais, não sendo consideradas, assim,
as especificidades dos sujeitos da EJA, desmerecendo a necessidade de um
tratamento didático-pedagógico diferenciado.
Tal tensão, geradora de embates ideológicos e de concepções de
educação, foi sentida de maneira diversa entre as comissões. Se para algumas a
experiência se deu com embates em proporção razoável, dentro do esperado, em
outras, os contatos foram marcados pela dificuldade de se chegar a uma coesão de
idéias. Inúmeras foram as vezes em que algumas decisões tomadas eram
retalhadas quando passadas por análise do grupo da área de Formação Técnica e
vice versa. Assim como um grande número de vezes foi defendida a justaposição
dos conhecimentos da área de Formação Técnica aos da área de Formação Básica,
sob a alegação de o curso ter caráter técnico. O difícil diálogo realizado em algumas
das comissões se refletiu no resultado apresentado ao grupo de professores, além
de ter impossibilitado o avanço da construção da proposta naquele momento.
Tal situação nos remete para outra tensão presente nas discussões.
Referimo-nos a proposta do PROEJA de promover uma
[...] formação humana, no sentido lato, com acesso ao universo de saberes
e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela
humanidade, integrada a uma formação profissional que permita
compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de
melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade
socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida
e para a vida e não apenas de qualificação do mercado ou para ele.
(BRASIL, 2006, p. 07).
Essa proposta vai de encontro ao que, historicamente, tem promovido a
rede federal em termos de Educação e Formação Profissional, uma vez que seu
229
foco primordial manteve-se na formação de profissionais e quadros técnicos
qualificados para o mercado de trabalho.
Nesse contexto, a implantação do PROEJA e a entrada do público ao qual
se destina o programa, suscitam questionamentos entre alguns profissionais sobre o
padrão de qualidade dos alunos que serão formados, evidenciando atributos
valorativos e depreciativos em relação aos aspectos cognitivos desses alunos.
Como parte dessa problemática, as comissões e suas respectivas propostas pouco
conseguiram se livrar das amarras estabelecidas pela lógica do mercado de
trabalho, tendo sido necessário, em um momento de aguda tensão, a presença de
um gestor educacional, de modo que fossem esclarecidos ao grupo os anseios da
instituição, em relação aos cursos do PROEJA. Sabemos que as tensões e os
embates fazem parte da elaboração dos PPC’s, visto que é um processo de
construção coletiva que reúne diferentes vozes. Tais tensões desvelam a amplitude
do processo formativo e possibilitam visualizar os desafios a serem enfrentados.
DESAFIOS
As tensões identificadas são um alerta para o fato de que muitos são os
desafios que a implementação do PROEJA, na rede federal, suscita. Aqui vamos
mencionar alguns.
Um dos desafios mais presentes na discussão dos Projetos Pedagógicos
dos cursos do PROEJA consiste na integração entre as áreas geral e técnica e entre
as disciplinas. Essa não foi, e não será uma, tarefa fácil de ser realizada. Sobre as
discussões em torno dos PPC’s é possível afirmar que se avançou muito pouco,
ficando a composição do curso muito semelhante a experiências já praticadas na
instituição. Nesse sentido, faz necessária uma reflexão mais aprofundada da
proposta construída para a Educação de Jovens e dultos enquanto modalidade
Integrada a Educação Profissional.
[...] a EJA têm desafiado todos os que trabalham nessa modalidade de
educação, pelos enormes questionamentos e enfrentamentos teóricomedológicos. O atendimento a essa demanda requer a formação constante
dos professores face à carência específica que dê conta das características
próprias dos sujeitos da EJA, contemplando o estudo de sua história, de
230
suas diversas formas de organização, que poderão contribuir com novos
sentidos para as práticas pedagógicas. (SAMPAIO e ALMEIDA, 2009, p.
14).
O entendimento da EJA, nas suas especificidades, pode contribuir para
iluminar os entraves existentes na aproximação das áreas de formação dos cursos
do PROEJA, sugerindo reflexões sobre a estrutura disciplinar dos cursos, os
objetivos de ensino estabelecidos pelas disciplinas nos seus campos de reflexão
didático-pedagógico-formativos e o papel dos conhecimentos técnicos em um curso
que se propõe integrar Formação Básica com Formação Profissional.
Acreditamos que o processo de elaboração dos PPC’s contribuiu para
aproximar os profissionais, dando um passo inicial em favor da construção de uma
proposta curricular que contemple as concepções e princípios que embasam o
PROEJA.
Outro desafio inadiável consiste em avançar nessas concepções e
princípios. Ao longo das discussões, percebemos ensaios de aprofundamento que
não se efetivaram plenamente nas propostas apresentadas, uma vez que
prevaleceu a tentativa de conciliar o que já existe com aquilo que propõe o
Documento Base do Proeja (2006). Avançar na perspectiva da integração curricular
é imprescindível para a plenitude do programa, de modo a superar a formação dual
presente na estrutura educacional brasileira. Neste sentido, Frigotto nos convida a
pensar que
Para os trabalhadores e educadores que atuam nos diferentes espaços da
sociedade e na escola e que têm uma visão crítica às relações sociais
capitalista compete lutar, no plano teórico e da prática, por uma educação
que desenvolva todas as dimensões do ser humano. A isso denominamos
uma educação omnilateral ou politécnica. Por isso, pensar de uma maneira
ou de outra faz uma diferença radical. Ou seja, de reproduzir e legitimar a
exploração e alienação ou de combatê-la e, de dentro desta sociedade,
buscar superá-las (Frigotto, 2007, s/p).
Ao longo dos debates, nas comissões e com o grupo de professores, muito
se discutiu sobre o papel do projeto integrador 11 como o grande articulador dessa
11
O projeto integrador é uma atividade desenvolvida pelos alunos dos cursos Proeja que consiste na pesquisa e
desenvolvimento de um tema a ser aplicado em uma realidade escolhida pela turma. Esse projeto é desenvolvido,
atualmente, na disciplina Metodologia e abrange três módulos da etapa de formação básica. Nas propostas, a
disciplina Metodologia mudou seu nome para Projeto Integrador.
231
integração curricular, mas pouco se avançou nessa discussão e o projeto assumiu
formas diferenciadas, segundo as características de cada curso.
Outro desafio é a revisão da forma de ingresso dos alunos nos cursos do
PROEJA. Atualmente, é feita apenas uma prova de conhecimentos, sendo a mesma
classificatória e eliminatória. A idéia de modificar essa forma de ingresso foi
apresentada pelo grupo de professores e propõe a diversificação do processo
seletivo, de modo a atingir o público-alvo ao qual se destina o programa. Esse
processo envolveria: palestra, aplicação de uma prova, análise de questionário
sócio-econômico e entrevista.
Acreditamos que a reformulação do curso e a diversificação do processo
seletivo podem contribuir para a redução da evasão nos cursos do PROEJA. A
evasão constitui-se no desafio que perpassa toda a movimentação dos profissionais
envolvidos com esse programa no IFES. Reduzi-la, e quem sabe superá-la,
representa uma vitória significativa para os sujeitos da EJA (profissionais e alunos),
pois fortalecerá a modalidade e consolidará o programa na instituição.
Aos profissionais, então, fica o desafio maior de manter-se envolvido nessa
luta, reconhecendo, assim, que não se pode fazer educação sem posicionamento
político, não se pode mudar uma realidade sem encará-la de frente.
232
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto n. 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o
Programa Nacional de Integração Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências.
Brasília, DF, 2006a.
BRASIL, Ministério da Educação. PROEJA - Documento Base. MEC, SETEC:
Brasília, 2006b.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
(Brasil). Parecer nº 11, de 05 de maio de 2000. Institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília, DF, 2000.
OLIVEIRA, Marta Kohl. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e
aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, nº 12, p. 59-73,
set./out./Nov./dez. 1999
OLIVEIRA, Edna Castro de; CESARINO, Karla Ribeiro de Assis. Os sentidos do
proeja: possibilidades e impasses na produção de um novo campo de conhecimento
na formação de professores. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 31, 2008, Caxambu.
Anais
eletrônicos...
Disponível
em:
<http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/inicio.htm>. Acesso em: 11 nov. 2009.
PAIVA, Jane. Os sentidos do direto à educação de jovens e adultos. Petrópolis:
DP et al; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2009.
RIBEIRO, Vera Masagão. A formação de educadores e a constituição da educação
de jovens e adultos como campo pedagógico. Revista Educação e Sociedade.
Campinas, ano XX, nº 68, p. 184-202, dez. 1999.
233
SAMPAIO, Marisa Narcizo; ALMEIDA, Rosilene Souza (org). Práticas de Educação
de Jovens e Adultos: complexidades, desafios e propostas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2009.
WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2006.
234
Os Institutos Federais e os Arranjos Produtivos: um estudo de caso
do layout do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Santa Catarina (IFSC)
Professor Dr. Maurício Gariba Júnior
[email protected]
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina
Departamento Acadêmico de Eletrônica
Professor M. Eng. Luiz Alberto de Azevedo
[email protected]
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina
Departamento Acadêmico de Eletrônica
Professor Msc. Educação Marival Coan
[email protected]
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina
Departamento Acadêmico de Formação Geral
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, com base teórico-metodológica, descritivo-analítica,
realizada a partir de análise documental, numa perspectiva crítica ontológica,
objetiva apresentar e debater a expansão da Educação Profissional e Tecnológica
em curso em todos os estados da Federação e Distrito Federal, veiculada na
territorialidade do Estado brasileiro, como um possível instrumento orgânico que
oportunize a sociedade uma Educação Tecnológica para além das bases
mercadológicas.
Imbuídos desta visão, citamos Bastos (1997, p.305), o qual já informava que
“as questões que envolvem a educação profissional nos remetem a refletir sobre o
contexto maior e indissociável da educação maior, integrada a seus diversos níveis,
com vistas a construir um arcabouço lógico e coerente em benefício do cidadão” e,
ainda, que “as discussões mais recentes que giram em torno da educação
profissional nos conduzem à própria questão do ensino médio, como patamar
conclusivo do ensino básico” (Bastos, 1997, p. 305).
235
O citado autor já destacava, naquela oportunidade, que “o grande desafio
para educadores e pesquisadores é construir cientificamente um desenho do ensino
médio, em bases profundas de educação tecnológica” (Bastos, 1997, p. 306), e que
“não significa necessariamente educação profissionalizante” (Bastos, 1997, p. 306),
em face de compreender que “as dimensões da educação tecnológica serão os
fundamentos para se elevar o edifício da cidadania às esferas de uma sociedade em
mutação e como indicadores para futuras realizações profissionais” (Bastos, 1997, p.
306). Para imbricar o contexto, referenciamo-nos em um dos textos de Frigotto
(2008, p.2), o qual informa que “um balanço da literatura que busca caracterizar a
especificidade de nossa formação social de imediato nos conduz a perceber que o
projeto societário dominante da burguesia brasileira”, em sua compreensão ao longo
do século XX, “foi de forma reiterada pela construção de uma sociedade de
capitalismo dependente e associado”. (Frigotto, 2008, p. 2) 1 .
Assim, partindo de pressupostos como esses, com os quais estamos de
acordo, iniciamos o esboço deste desenho lembrando que a atual governança,
mediante coligação de partidos políticos, sob a liderança do Partido dos
Trabalhadores (PT), sancionou, recentemente, a Lei n.o 11.892/2008 que instituiu a
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETS). Pacheco e Rezende (2009,
p.8) informam que “o foco dos institutos federais é a promoção da justiça social, da
equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como a
busca de soluções técnicas e geração de novas tecnologias”, respondendo, “de
forma ágil e eficaz, às demandas crescentes por formação profissional, por difusão
1
Gustavo Ioschpe (2010) em matéria intitulada “Brasil: a primeira potência de semiletrados?”, publicada na revista Veja, faz
referência ao trabalho desenvolvido pelos economistas Gustav Ranis, Frances Stewart e Alejandro Ramirez sobre a
importância da educação para o desenvolvimento das nações, informando que eles “analisaram 76 países durante um período
de 32 anos. Dividiram-nos de acordo com dois critérios: crescimento econômico e desenvolvimento humano (nesse caso,
medido através de uma combinação de indicadores de educação e saúde). Usando essas duas dimensões, você pode ter duas
situações de equilíbrio (quando o lado humano e o econômico são igualmente altos ou baixos) e duas de desequilíbrio (quando
o humano é alto e o econômico baixo, e vice-versa). Surgem algumas conclusões interessantes desse estudo. A primeira é
que as situações de desequilíbrio duram pouco. Se um país tem muito crescimento econômico e pouco capital humano (CH),
ele tende a parar de crescer (caso, sim, do Brasil nas décadas de 60 e 70) ou a aumentar seu lado humano. A segunda: é
muito difícil sair de uma situação de equilíbrio negativo: mais da metade dos países que tinham baixo crescimento e baixo CH
em 1960 permanecia empacada na mesma posição na década de 90. A terceira é que o crescimento econômico, quando
desacompanhado de evolução do lado humano, dura pouco: de todos os países que tinham alto crescimento econômico e
baixo CH no início do período, nenhum conseguiu chegar ao equilíbrio em alto nível. Todos, sem exceção, terminaram o
período com baixo crescimento e baixo CH. A quarta, e mais importante, é que a estratégia de privilegiar o lado humano dá
frutos muito melhores do que aquela que enfatiza só o lado econômico: dos países que começaram o período com alto CH e
baixo crescimento econômico, um terço chegou ao nirvana da alta renda e alto nível humano; um terço continuou com um lado
mais desenvolvido que o outro, e apenas um terço regrediu para o fim trágico do baixo crescimento e baixo CH. O resumo da
ópera é o seguinte: é muito difícil passar de uma situação de subdesenvolvimento e chegar ao chamado Primeiro Mundo.
Mas, se o período 1960-92 servir de guia, das duas estratégias possíveis – privilegiar o crescimento econômico versus
privilegiar o crescimento humano –, a primeira se mostrou um fracasso total, e só através da segunda é que um terço dos
países chegou ao objetivo desejado.” (Destaques nosso).
236
de conhecimentos científicos e de suporte aos arranjos produtivos locais” (Pacheco
& Rezende, 2009, p. 8).
Destacamos, todavia, ser importante considerar que esse movimento da
governança é posterior à realização da I Conferência Nacional de Educação
Profissional e Tecnológica (CONFETEC), 2 cuja temática não esteve em sua pauta
de debates e apresentava como slogan a Educação profissional para o
desenvolvimento e a inclusão social. Como na análise que depreendemos dos
documentos da atual governança, não fica clara a questão das políticas a serem
adotadas para superar tal contexto, o da exclusão social, apropriamo-nos do
entendimento de Kuenzer (2005, p.14-15), ao argumentar que a lógica que “estamos
chamando de exclusão includente, corresponde outra lógica, equivalente e em
direção contrária, do ponto de vista da educação, ou seja, a ela dialeticamente
relacionada: a inclusão excludente” (grifos do autor), em sua compreensão porque
nos diversos níveis e modalidades da educação escolar aos quais não
correspondam os necessários padrões de qualidade que permitam a
formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes de
responder e superar as demandas do capitalismo. (Kuenzer, 2005, pp. 1415) 3
Quanto a esse contexto, Kuenzer (2005) apresenta o seguinte entendimento a
respeito da postura política assumida e executada pelos agentes do governo federal
na sociedade brasileira:
Estas estratégias têm sido várias, mas merecem destaque as que temos
chamado de ‘empurroterapia’, as quais têm decorrido de uma distorcida
2
O senhor Eliezer Moreira Pacheco, representando o governo federal, informa em “Anais e deliberações da I Conferência
Nacional de Educação Profissional e Tecnológica” (2006, p.7), que “a I Conferência Nacional de Educação Profissional e
Tecnológica, realizada em novembro de 2006, em Brasília, representa um marco na história da Educação Profissional e
Tecnológica (EPT) no Brasil”, e que “em quase cem anos de existência, esta é a primeira vez em que houve um amplo debate
para definir uma política nacional para o segmento”. Entendemos que o desvelar da essência da “educação profissional e
tecnológica”, está no seguinte trecho do discurso do senhor Fernando Haddad (Ibid., p.13, grifo nosso): “De uma coisa estou
absolutamente convicto: temos de dedicar boa parte da agenda da educação deste país ao tema educação profissional e
tecnológica. Tenho igual convicção de que o resgate de um considerável contingente da nossa juventude, hoje fora da escola –
refiro-me aos jovens de 15 a 17 anos que não estão matriculados nas escolas públicas do país; estamos falando de algo em
torno de 1m8 a dois milhões de jovens – é uma tarefa da educação profissional, a ser desenvolvida pelas redes de formação
inicial, de nível médio e de nível superior de todo o nosso sistema, o que vai exigir um grande esforço, tanto federal quanto
estadual, para, depois de atrair essa juventude, acolhê-la nos bancos escolares. Temos de reconquistá-la, encontrar uma
maneira de sensibilizá-la, apoiá-la, estimulá-la a voltar para a escola. Tenho certeza de que a educação profissional é o
maior atrativo que lhe podemos oferecer.”
3
Sposati (2006) informa que “A banalização do conceito exclusão/inclusão social vem, em primeiro plano, de seu uso
substituto aos conceitos de opressão, dominação, exploração, subordinação entre outros tantos que derivam do exame crítico
da luta de classes da sociedade salarial, como mera modernização da definição de pobre, carente, necessitado, oprimido. A
relação entre exclusão/inclusão identifica a iniquidade da desigualdade. Confrontar a exclusão na sua relação com a inclusão é
colocar a análise no patamar ético-político, como questão de justiça social, possibilitando a descoberta de novas identidades e
dinâmicas sociais. Ninguém é plenamente excluído. Não se trata de uma condição de permanência mas da identificação da
potência do movimento de indignação e inconformismo. A exclusão social é a apartação de uma inclusão pela presença da
discriminação e do estigma.”
237
apropriação de processos desenvolvidos no campo da esquerda para
minimizar os efeitos da precarização cultural decorrente da precarização
econômica, com a única preocupação de melhorar as estatísticas
educacionais: ciclagem, aceleração de fluxo, progressão automática,
classes de aceleração, e assim por diante. É importante destacar que estas
estratégias,
se
adequadamente
implementadas,
favorecem
a
democratização das oportunidades educacionais. (KUENZER, 2005, p.15
grifos do autor).
Outra questão que consideramos ser importante relacionar, para revelar a
essência que fundamenta o esboço do desenho deste artigo, refere-se à Lei n.o
11.184/2005, que transformou o Centro Federal de Educação Tecnológica do
Paraná (CEFETPR) em Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR),em
face de que no interior dessa Rede havia um movimento pela implantação da
Universidade Tecnológica Federal (UTF) 4 nos moldes estabelecidos pela atual
governança para o CEFETPR. Entendemos que todo o movimento dessas
comunidades, no transcorrer da linha do tempo, em nossa perspectiva, é decorrente
de uma ação de suas comunidades que buscaram o desenvolvimento dessas
autarquias, até então, compreendidas na época da edição da Lei n.o 11.892/2008,
como Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), as quais tinham por
premissa “verticalizar de forma singular as universais e indissociáveis atividades de
ensino, pesquisa e extensão”.
Em nossa compreensão, essa verticalização está precariamente formalizada
no primeiro inciso do artigo 3.o da Lei n.o 11.184/2005:
desenvolver a educação tecnológica, entendida como uma dimensão
essencial que ultrapassa as aplicações técnicas, interpretando a tecnologia
como processo educativo e investigativo para gerá-la e adaptá-la às
peculiaridades regionais.
4
O documento de credenciamento do CEFETSC junto ao MEC, como Universidade Tecnológica Federal de Santa Catarina
(UTFSC) (2006, p.28), apresenta as seguintes conclusões sobre a justificativa relativa ao pleito: “Em suma, uma vez
estabelecida a verticalização institucional, isso trará como benefícios: uma condição de capacitação e atualização permanente
dos professores, o acesso a laboratórios avançados, os recursos para bolsas de estágio e pós- graduação, uma formação
complementar para os alunos, uma integração multidisciplinar e entre diferentes níveis de formação escolar, os recursos em
bolsas para atividades de pesquisa, os recursos para atualização e manutenção de laboratórios. A nova e futura Instituição não
necessita encerrar nenhuma das atividades com as quais vem atuando. Ensino médio, ensino técnico e ensino tecnológico,
portanto, irão manter suas atuais funções. O que se permite na nova organização é a possibilidade de estender ou ampliar o
que já vem fazendo, especialmente com novos cursos de graduação, cursos de pós-graduação e pesquisa tecnológica.
Também não se deve ter o receio de que os recursos já escassos deverão ser repartidos em maior número de fatias entre as
partes interessadas. Pelo contrário, a ampliação do leque proposto de novas atribuições possibilita não só angariar mais
recursos financeiros do próprio Ministério da Educação, mas principalmente de outras agências de fomento, como CNPq,
CAPES e FAPESC.”
238
Para aprofundar a visão, resgatamos o seguinte entendimento de Linsingen
(2006) a respeito do imbricamento da Ciência, Tecnologia e Sociedade na
modalidade Educação Tecnológica:
Atualmente, apesar de delimitações relativamente rígidas dessas fronteiras
nas áreas técnicas, evidencia-se a inadequação dessa separação e das
fragmentações que são simultaneamente suas causas e efeitos,
principalmente no que diz respeito à relação entre ciência e tecnologia. A
cisão entre conhecimentos científicos e artefatos tecnológicos não é muito
adequada, já que fica cada vez mais evidente que para a configuração
daqueles é muitas vezes necessário contar com estes. A relação inversa, do
conhecimento científico que configura a tecnologia, é ainda mais evidente e
cada vez mais intensiva assumida por engenheiros e tecnólogos.
Entretanto, o conhecimento científico da realidade e sua transformação
tecnológica não são processos independentes e sucessivos, senão que se
acham entrelaçados em uma trama na qual constantemente se juntam
teorias e dados empíricos com procedimentos técnicos e artefatos, e estes,
por sua vez, são tecidos em redes sociotécnicas. (LINSINGEN, 2006, p.3)
O contexto apresentado se refere à modalidade Educação Tecnológica
compreendida, em nossa avaliação, por uma educação centrada nos conceitos de
omnilateralidade e de politecnia (Marx 1977, Marx e Engels, 1971, 1986, Manacorda
1991), e para além das determinações do mercado sob a lógica do capital, conforme
Mészáros, 2005. Entendemos como relevante sempre colocarmos esta discussão
acerca de que educação, que homem e que sociedade temos e queremos?
Tampouco julgamos suficiente dizer que queremos uma educação que forme
para o mundo do trabalho em oposição à educação que forma para o mercado, para
a empregabilidade. Sob a materialidade e determinações do capital, precisamos
discernir muito bem o que estamos a fazer: se reforçando a lógica perversa da
produção da mais-valia para poucos, ou construindo a contra-hegemonia para a
superação da lógica do capital na perspectiva da verdadeira emancipação humana.
Frigotto (2007, p. 243) discursando na I CONFETEC informa que “um dos
equívocos mais frequentes e recorrentes nas análises da educação no Brasil, em
todos os seus níveis e modalidades, tem sido o de tratá-la em si mesma e não como
constituída e constituinte de um projeto dentro de uma sociedade”. Na compreensão
do autor (2007, p. 243), “cindida em classes, frações de classes e grupos sociais
desiguais e com marcas históricas específicas”, sendo que “esse equívoco se
explica tanto nas visões iluministas, quanto nas economicistas e reprodutivistas”
(Frigotto, 2007, p. 243), em face de que “no primeiro caso, a educação é concebida
239
como o elemento libertador da ignorância e constitutiva da cidadania” (Frigotto,
2007, p. 243), e “no segundo, sob os auspícios do economicismo, a educação é
propalada como capital humano e produtora de competências” (Frigotto, 2007, p.
243), ou seja, “uma espécie de galinha dos ovos de ouro, capaz de nos tirar do
atraso e nos colocar entre os países desenvolvidos e de facultar mobilidade social”
(Frigotto, 2007, p. 243).
A instituição da UTF na Rede, todavia, parece não ter sido compreendida pela
governança como um estágio de desenvolvimento dos CEFETs, mas sim como uma
fuga de Cursos Técnicos e da Educação de Jovens e Adultos, conforme declarado
pelo secretário Eliezer Pacheco (SETEC), em entrevista concedida à jornalista
Tupinambás (2009), no decorrer do Fórum Mundial de Educação: “Não vamos criar
novas universidades tecnológicas porque elas não oferecem cursos técnicos, ensino
médio profissionalizante e educação de jovens e adultos voltadas para a formação
técnica”, e, ainda, porque “temos a certeza de que os CEFETs que se tornarem
universidades logo irão seguir o caminho acadêmico e do bacharelado, sendo que o
Brasil tem uma carência absurda de técnicos qualificados” (Pacheco apud
Tupinambás, 2009). A jornalista (2009), discorrendo sobre a matéria, ainda informa
que “a resistência do governo federal em permitir a criação das universidades
tecnológicas é justificada pela implantação, em 2008, de um novo modelo de escola
no país, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnológica (IFETS)”.
Constata-se, todavia, a contradição da equipe ministerial do MEC que, ao
mesmo tempo em que enaltece os Cursos Técnicos e alude sobre a importância de
as autarquias desenvolverem suas atividades tendo como horizonte o compromisso
e a responsabilidade social, acaba destruindo os Cursos Superiores de Tecnologia,
argumentando que esses estão calcados numa perspectiva behaviorista e
funcionalista, e ainda desenvolve um movimento na Rede em favor dos Cursos de
Engenharia, replicando o fazer das universidades federais, conforme pode ser
constatado nas duas edições (2008 e 2009) do documento intitulado Princípios
Norteadores das Engenharias nos Institutos Federais.
No que tange à visão governamental sobre os Institutos, Pacheco e Rezende
(2009, p.8), esboçando esse horizonte vislumbrado pela equipe do MEC, declaram
que “o foco dos institutos federais é a promoção da justiça social, da equidade, do
desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como a busca de
soluções técnicas e gerações de novas tecnologias”, sendo que “essas instituições
240
devem responder, de forma ágil e eficaz, às demandas crescentes por formação
profissional, por difusão de conhecimentos científicos e de suporte aos arranjos
produtivos locais” (Pacheco & Resende, 2009, p. 8). Os autores (2009, p.8) ainda
informam que:
os institutos federais podem atuar em todos os níveis e modalidades da
educação profissional, com estreito compromisso com o desenvolvimento
integral do cidadão trabalhador, devendo articular, em experiência
institucional inovadora, todos os princípios fundamentais do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE).
Entretanto, se faz necessário que os Institutos Federais sejam compreendidos
como: “visão sistêmica da educação; enlace da educação com o ordenamento e o
desenvolvimento territorial; aprofundamento do regime de cooperação entre os entes
federados em busca da qualidade e da equidade” (Pacheco & Resende, 2009, p, 8).
Para fechar toda essa imagem sobre o instituto, Pacheco e Rezende (2009,
p.8-9) informam que “esse arranjo educacional abre novas perspectivas para o
ensino médio-técnico, por meio de uma combinação do ensino de ciências,
humanidades e educação profissional e tecnológica”.
A IMPLEMENTAÇÃO DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA DE SANTA CATARINA NO CONTEXTO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
Os Institutos despontam, no entendimento da governança atual, como uma
nova institucionalidade centrada na oferta de Cursos Técnicos, devendo garantir o
mínimo de 50% de suas vagas, inciso I do caput do artigo 7.o da Lei n.o 11.892/2008,
e, no mínimo, 20% de suas vagas para atender aos Cursos de Licenciatura, alínea b
do inciso VI do caput do mesmo artigo citado. Destacamos que os restantes, 30% de
suas vagas, na visão da governança, podem ser destinados aos Cursos Superiores
de Tecnologia, aos Cursos de Bacharelado e Engenharia, aos Cursos de Pósgraduação lato sensu de Aperfeiçoamento e Especialização e, ainda, aos Cursos de
Pós-graduação stricto sensu de Mestrado e Doutorado. Todo esse cenário se
projeta, no entendimento da equipe do MEC em “Institutos Federais” (2009, p.17), a
241
um
contexto
de
desenvolvimento
científico
e
tecnológico,
“associado
ao
desenvolvimento econômico, político e social numa perspectiva progressista” (2009,
p. 17), na visão desses, “basta lembrar que o desenvolvimento tecnológico está
associado ao processo de nascimento e expansão do sistema capitalista” (2009, p.
17).
A perspectiva de atuação dos institutos está, portanto, no atendimento dos
arranjos produtivos locais, cuja medida governamental relaciona-se a uma
distribuição dos campi fundada numa dinâmica que possibilite, conforme entende o
MEC em “Institutos Federais” (2009, p. 36), “ouvir e articular as demandas do
território nos quais essas instituições estão inseridas, com suas possibilidades
científicas e tecnológicas, tendo como foco a melhoria da qualidade de vida, a
inclusão social e a construção da cidadania” (2009, p. 36), em sua compreensão, “é
imprescindível” (2009, p. 36). A dinâmica instituída pela equipe ministerial com
relação à implantação dos Institutos, portanto, está completamente esboçada, ou
seja, sua arquitetura organizacional a ser inserida num determinado espaço da
territorialidade do Estado brasileiro deve estar voltada para essa visão apresentada
e justificada.
Em se tratando do estado de Santa Catarina, compreendemos que
antecedendo uma abordagem sobre como o corpo diretivo da autarquia desenvolve
o desenho da arquitetura organizacional do IFSC nessa territorialidade, faz-se
necessário anteceder uma apresentação sobre os contornos desse estado. Assim,
dentre os documentos pesquisados, extraímos do documento Santa Catarina em
Dados 2009 algumas informações que explicitam em nosso entendimento os
contornos dessa territorialidade, como:
- Situa-se na América do Sul, mais precisamente na região Sul do Brasil. Ao
norte faz fronteira com o estado do Paraná, ao sul com o estado do Rio
Grande do Sul, a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com a República
Argentina. Está localizada em uma posição estratégica no Mercosul. A
capital, Florianópolis, está a 1.850 km de Buenos Aires (Argentina), a 1.350
km de Assunção (Paraguai), 1.360 km de Montevidéu (Uruguai), a 705 km
de São Paulo, a 1.144 km do Rio de Janeiro e a 1.673 km de Brasília.
[...]
- O índice de desenvolvimento de Santa Catarina é o quarto melhor do país,
sendo superado por São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. [...] Santa
Catarina é o terceiro em Educação, o quarto em Saúde e o quinto em
Emprego & Renda. A cidade com melhor índice de desenvolvimento no
estado, segundo o estudo, é Jaraguá do Sul. Na sequência vem Brusque,
Tubarão e Blumenau.
[...]
242
- A indústria de transformação catarinense é a quarta do país em
quantidade de empresas e a quinta em número de trabalhadores. O
segmento alimentar é o maior empregador, seguindo-se o de artigos do
vestuário e o de produtos têxteis. O PIB catarinense é o sétimo do Brasil,
registrando, em 2006, R$ 93,2 bilhões. [...] O setor secundário participa com
34,4%, o setor terciário com 58,7% e o primário com 6,9%. Dentro do setor
secundário, a participação da indústria de transformação é de 24,4%, de
acordo com a nova metodologia de cálculo do IBGE.
[...]
- No estado estão situadas importantes indústrias, algumas com destaque
na América Latina e outras no mundo. Santa Catarina é líder na América
Latina em produção de cerâmica e porcelanas de mesa, copos e taças de
cristais, elementos de fixação (parafusos, porcas), blocos e cabeçotes para
motor, máquinas para desdobramento de madeira; impulsores de partida,
mancais e polias para veículos, matrizes e pulsões para indústria cerâmica,
compressores de pistão, fitas elásticas e fitas rígidas; motores, geradores e
transformadores elétricos, portas de madeira e camisetas de malha.
[...]
- Santa Catarina ocupa primeira posição no Brasil na fabricação de
cerâmica para revestimento; eletroferragens galvanizadas a fogo para
distribuição de energia elétrica, telefonia e tv a cabo; centrais telefônicas e
telefones (convencionais e sem fio); softwares para o segmento de projetos
prediais, gestão (ERP), soluções para o setor têxtil, soluções para
gerenciamento de filas em bancos; embalagens para adubo, fertilizante,
cal/calcário e argamassa, e chapéus femininos linha praia, dentre outros. É
o maior produtor de suínos, pescados e industrializados de carnes
(derivados de frango, suínos e bovinos) do Brasil.
[...]
- O estado de Santa Catarina está entre os maiores exportadores do país.
Em 2008 as vendas para o mercado internacional foram de US$ 8,3 bilhões,
4,2% do total exportado pelo Brasil, o que lhe possibilitou a nona posição
em nível nacional e permitiu um saldo positivo de US$ 305 milhões na
balança comercial. Os principais mercados de destino dos produtos
catarinenses em 2008 foram Estados Unidos (13,5%), Japão (6,8%),
Argentina (6,7%) e Países Baixos-Holanda (6,6%). A indústria possui uma
participação de 61% nas exportações do estado. (SISTEMA FEDERAÇÃO
DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2009, p.10-18)
Assim, partimos da premissa de que as informações apresentadas são
suficientes para se esboçar o perfil do estado de Santa Catarina, quanto as suas
questões de maior abrangência, ou seja, características e potencialidades.
Compreendemos, todavia, que o processo em curso caracteriza-se pela expansão
de um projeto pedagógico da autarquia que interage com uma realidade
educacional já presente na territorialidade do estado de Santa Catarina. Imbuídos
dessa premissa, julgamos ser necessário que seja revelada a essência dessa
realidade, a qual está perpassada neste momento, analisada por meio da oferta dos
cursos de Ensino Médio e de Educação Profissional Técnica de Nível Médio no
estado.
243
No caso dos Cursos de Ensino Médio, resultados do Censo Escolar de 2009
(Tabela 1) realizado pelo Ministério da Educação, por intermédio do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a pesquisa,
mediante informações apontadas, revela que em Santa Catarina a matrícula inicial
em Instituições estaduais e municipais foi de 248.723 estudantes.
TABELA 1: Matrícula inicial no Ensino Médio (no Ensino Regular e na Educação de
Jovens e Adultos)
Dependência
administrativa
Estadual Urbana
Estadual Rural
Municipal Urbana
Municipal Rural
Estadual e Municipal
Ensino Médio
Educação de Jovens
Regular
e Adultos (EJA)
Parcia
Parcial
Integral
Integral
l
198.466
571
39.81
0
4
5.277
337
358
0
861
3
2.735
0
77
185
39
0
204.681
1.096
42.94
0
6
Fonte: MEC/INEP – Censo Escolar 2009
Segundo, ainda, os dados do MEC/INEP, verificamos que o Ensino Médio
dessas Instituições foi ofertado, na forma regular, para 205.777 (82,73%) matrículas
e, na forma Educação de Jovens e Adultos, para 42.946 (17,27%) estudantes. Além
disso, o aluno, quando da matrícula para Ensino Médio regular, pode optar pela
modalidade parcial ou integral, enquanto que no Ensino Médio EJA, somente parcial.
Conforme os dados apresentados, a grande maioria desses estudantes, 247.627
(99,56%) optaram pela modalidade parcial.
Percebemos também, nos dados divulgados pelo MEC/INEP de 2009, que há
uma concentração maior de estudantes, 242.450 (97,48%), matriculados nos centros
urbanos, e 6.273 (2,52%), nos centros rurais. E do total de alunos, 244.823 (98,43%)
representam as matrículas em Cursos de Ensino Médio nas instituições estaduais,
enquanto 3.900 (1,57%), nas escolas municipais.
Já a respeito da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, em Santa
Catarina, os dados utilizados do MEC/INEP são de 2005 e, conforme Tabela 2,
constatamos que dos 87 estabelecimentos que oferecem estes cursos, 62 (71,26%),
244
são instituições privadas, distribuídas por categoria, conforme dados do MEC/INEP
(2009) da seguinte forma: duas comunitárias, uma confessional, 12 filantrópicas e 50
particulares.
Estas instituições privadas são responsáveis por 18.363 (55,57%) matrículas
no estado, contra 14.680 (44,43%) vagas das escolas públicas, sendo que deste
total, 10.063 (68,55%) são oriundas de instituições estaduais, 4.336 (29,54%)
federais e 281 (1,91%) municipais.
TABELA 2: Estabelecimentos e matrículas dos Cursos de Educação Profissional por
Dependência Administrativa
Dependência
Total
Federal
Estadual
Municipal
Privada
Estabelecimentos
87
8
16
1
62
Matriculas
33.043
4.336
10.063
281
18.363
Administrativa
Fonte: MEC/INEP/DEEB – Censo Escolar 2005
Destacamos que em relação às 25 (28,74%) instituições públicas, os 16
estabelecimentos estaduais representam um percentual de 30,45% das matrículas
dos Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio no estado catarinense;
as oito instituições federais atendem 13,12%, e apenas um estabelecimento
municipal 0,85%.
Na Tabela 3, podemos verificar que a maior oferta de Cursos Técnicos é do
tipo subsequente, com 55,88%, seguido do concomitante, com 36,27%, e o
integrado, com 7,85%. Enquanto nas instituições privadas o número maior de
Cursos Técnicos é do tipo subsequente (66,67%), nas públicas, essa maioria é dos
Cursos Técnicos concomitantes com 44,44%.
A exemplo dos cursos de Ensino Médio, conforme a Tabela 3, os Cursos
Técnicos, na sua maioria, estão concentrados nas regiões urbanas do estado de
Santa Catarina, sendo que nas instituições públicas essa relação é menor do que as
privadas.
245
TABELA 3: Estabelecimentos que oferecem Cursos de Educação Profissional por
Localização, Modalidade de Oferta e Dependência Administrativa
Dependência Administrativa
Federal
Estadual
Municipal
Privada
Tota Rur Urban Tota Rur Urban Tota Rur Urban Tota Rur Urban
l
al
a
l
al
a
l
al
a
l
al
a
8
3
5
13
4
9
1
1
62
1
61
Federal
Estadual
Municipal
Privada
Tota Rur Urban Tota Rur Urban Tota Rur Urban Tota Rur Urban
l
al
a
l
al
a
l
al
a
l
al
a
C
S
I
C
S
I
C
S
I
C
S
I
5
8
1
10
5
6
1
21
44
1
Fonte: MEC/INEP/DEEB - Censo Escolar 2005
Nota 1: O mesmo estabelecimento pode oferecer mais de uma modalidade de oferta.
Nota 2: C – Concomitante; S – Subsequente; I – Integrado.
Fica faltando, todavia, uma visão mais alargada com relação aos complexos
industriais (produtivos) do estado, mesmo porque estamos abordando uma autarquia
que tem larga tradição na formação de técnicos, como interpreta a governança atual,
destinada ao atendimento dos arranjos produtivos locais. Então, partindo da
premissa de que essa governança mudou a Razão Social da autarquia, que era de
CEFETSC para IFSC, compreendendo que agora ela desponta como uma nova
institucionalidade e desenvolve movimento de expansão nessa territorialidade,
imbuída de um compromisso assumido frente ao MEC, apresentamos no Quadro 1,
os Complexos Industriais do estado (2009, p.19).
QUADRO 1: Complexos Industriais do Estado de Santa Catarina
Alimentação e
Bebidas
Máquinas e
Equipamentos
Têxtil e
Vestuário
Metalurgia e
Produtos de
Metal
246
Santa Catarina possui uma indústria alimentar bastante forte, sendo o maior produtor de
suínos do Brasil e o segundo de frangos. O estado também se destaca na pesca, ocupando
nacionalmente liderança na produção de pescados. A produção de vinho e cerveja também
deve ser citada, tendo presença marcante no segmento de Bebidas do estado.
O segmento produtor de máquinas e equipamentos do estado se destaca na fabricação de
compressores e eletrodomésticos (linha branca). As principais indústrias se localizam na
região Norte do estado, principalmente em Joinville.
O estado catarinense é o segundo pólo têxtil e do vestuário do Brasil. No estado está
estabelecida a maior empresa brasileira fabricante de camisas de malha e segunda maior do
mundo. Também é o maior produtor de fitas elásticas da América Latina e destaca-se na
produção de artigos de cama, mesa e banho. No comércio internacional, o estado é o maior
exportador do Brasil de roupas de toucador/cozinha, de tecidos atoalhados de algodão e de
camisetas T-Shirt de malha.
Em Santa Catarina está situada a maior fundição independente da América Latina,
destacando-se na fabricação de produtos fundidos para a indústria automotiva e conexões em
ferro para redes hidráulicas e de gás. O estado é líder nacional em eletroferragens
galvanizadas a fogo para distribuição de energia elétrica, telefonia e TV a cabo, além de
Tecnologia/
Informática
Cerâmica
Mobiliário
Madeira
Produtos de
Plástico
Máquinas,
Aparelhos e
Materiais
Elétricos
Veículos
automotores/
autopeças
Celulose e
Papel
Indústria
Naval
elementos de fixação (parafusos, porcas etc.).
O estado é líder nacional em softwares para o segmento de projetos prediais, gestão (ERP),
soluções para o setor têxtil, soluções para gerenciamento de filas em bancos e destaca-se na
fabricação de telefones, centrais telefônicas, aparelhos de segurança, conversores de energia,
reguladores de tensão e equipamentos de comunicação de dados.
Santa Catarina possui importante pólo cerâmico, sendo que a maior concentração de
indústrias está na região Sul e em Tijucas, na Grande Florianópolis. É o maior exportador do
Brasil de cerâmica para revestimento e líder na América Latina em produção de cerâmica de
mesa. A cerâmica vermelha também se destaca dentro desse segmento de atividade.
O estado catarinense destaca-se nacionalmente na produção de móveis com predominância
de madeira, sendo o maior exportador do Brasil. São Bento do Sul e Rio Negrinho são as
cidades com a maior concentração de empresas do setor moveleiro, enquanto que o Oeste
catarinense se destaca como o segundo maior pólo fabricante de móveis do estado.
A indústria madeireira de Santa Catarina destaca-se nacionalmente, tendo uma participação
de 14,2% sobre igual setor nacional. O estado é o maior fabricante de portas de pínus e
batentes do país e líder em exportação.
A indústria de produtos plásticos catarinense destaca-se nacionalmente na produção de tubos
e conexões de PVC, embalagens, descartáveis plásticos (copos, pratos etc.), utilidades
domésticas, cordas e fios de PET reciclado e produtos de EPS (isopor). Este último ocupa
liderança no mercado latino-americano, assim como embalagens plásticas para fertilizantes. O
estado é o segundo pólo produtor de artigos de matérias plásticas do país.
O segmento produtor de máquinas, aparelhos e materiais elétricos de Santa Catarina possui
uma participação de 11,7% sobre igual setor nacional. Destaca-se com maior grau de
importância a fabricação de geradores, transformadores e motores elétricos, cujo peso é de
37,8% sobre igual segmento brasileiro. Santa Catarina é o maior exportador de motores
elétricos do Brasil.
O estado destaca-se na produção de carrocerias para ônibus e caminhões, bem como na
produção de autopeças. É líder na América Latina na produção de impulsores de partida,
mancais e polias para veículos automotores, compressores de pistão e blocos e cabeçotes
para motor.
A indústria de celulose e papel de Santa Catarina possui uma participação de 7,6% sobre
igual setor nacional. Destaca-se como maior produtor de embalagens de papelão ondulado do
Brasil.
A indústria naval catarinense é a segunda do país em número de trabalhadores e a previsão é
de que esse número aumente em curto prazo. É um segmento industrial com boas
perspectivas de crescimento, sendo que em Navegantes e Itajaí se concentram o maior
número de empresas construtoras de embarcações.
Fonte: SISTEMA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA,
2009, p.19.
Em seguida, na premissa de evoluir a imagem esboçada, apresentamos na
Figura 1 o mapa do estado de Santa Catarina que apresenta as mesorregiões
definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), objetivando
evidenciar como essas proporcionam padrões de desenvolvimento equilibrado,
considerando os arranjos produtivos locais. E, para relacionar a mesorregião com a
produção
industrial
do
estado,
considerando
sua
concentração
nessas
mesorregiões, extraímos do documento Santa Catarina em Dados 2009, do Sistema
FIESC, (2009, p.18), o seguinte cenário:
1) Oeste Catarinense: alimentar e móveis.
2) Norte Catarinense: metalurgia, máquinas e equipamentos, material elétrico,
autopeças, plástico, confecções e mobiliário.
247
3) Serrana: madeireiro.
4) Vale do Itajaí: têxtil, vestuário e cristal.
5) Grande Florianópolis: tecnológico.
6) Sul Catarinense: cerâmico, carvão, vestuário e descartáveis plásticos.
FIGURA 1 - Mesorregiões Homogêneas do IBGE
Fonte: IBGE (2010)
Pelas informações disponibilizadas, percebemos a existência de uma certa
vocação natural desses municípios que compõem as mesorregiões, mesmo tendo a
compreensão de que o processo desenvolvimentista é dinâmico e tende a alterar os
tradicionais contornos produtivos locais para uma outra composição. Também é de
se esperar que esse cenário inicial seja fortalecido, em face dos investimentos já
realizados e de uma certa cultura empresarial/industrial estar instituída, inclusive de
forma a potencializá-lo. Feito esse destaque, passamos a apresentar, então, no
Quadro 2, o movimento do corpo diretivo do IFSC, com relação à expansão da
autarquia e sua consolidação como uma nova institucionalidade.
248
QUADRO 2: Expansão do IFSC: campus implantados
Situação
Campus
Florianópolis
São José
Jaraguá do Sul
Implantado
Continente
Araranguá
Joinville
Chapecó
Fonte: Website do IFSC (2010).
Área de Concentração/Tipos de Ofertas
Acadêmicas
Tecnologia, Especialização, Mestrado e Serviço
Tecnologia, Licenciatura e Serviço
Tecnologia, Licenciatura e Serviço
Especialização e Serviço
Tecnologia, Licenciatura e Serviço
Tecnologia, Licenciatura e Serviço
Tecnologia, Especialização e Serviço
Com relação ao Quadro 2, entendido pelo corpo da Reitoria como campi
implantados, destacamos que os campi de Florianópolis, São José, Jaraguá do Sul,
e mesmo Joinville, não podem ser interpretados como elementos do processo de
expansão da atual governança, em face de que esses já estavam presentes desde
quando a autarquia passou por um processo desenvolvimentista, quando a
comunidade da anterior Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETFSC) decidiu
participar do Programa de Expansão da Educação Profissional e Tecnológica
(PROEP). (Re)lembramos que esta decisão estava na época perpassada pela
busca/viabilização de instrumentalização com vistas a potencializar a autarquia,
tendo também como horizonte a elaboração do seu projeto de transformação em
Centro Federal de Educação Tecnológica e, assim, ofertar a modalidade Educação
Tecnológica em Nível Superior, compreendido como Cursos Superiores de
Tecnologia (CST).
Tratava-se, portanto, não de uma opção, mas sim de uma questão de
desenvolvimento, em face de a comunidade, a partir da infraestrutura disponível
realimentada, buscar atingir outro estágio de ação acadêmica, tendo por horizonte
as premissas da sociedade catarinense, porém sempre imbuída da perspectiva da
necessidade de construir pontes didático-pedagógicas entre os níveis das ofertas
acadêmicas e não de optar/refutar.
Outro destaque que necessita ser prestado trata do fato de que o campus
Continente não é fruto desse processo de expansão porque a instituição educacional
já existia desde a época do PROEP, fruto, naquela época, de uma parceria entre
governo
federal
e
instituição
privada,
as
então
denominadas
instituições
249
comunitárias, recentemente incorporadas ao patrimônio do Estado brasileiro
mediante ação do ministério público. 5
Compreendemos que a questão técnica é preocupante, todavia, não se trata
aqui da apuração de uma possível fidelidade da informação, e sim dos elementos
epistemológicos que dão sustentação a todo esse processo. Partimos da premissa
de que o processo de expansão, dessa autarquia, deve ser compreendido para além
dos números, que nada mais representam do que uma parcela do aspecto
qualitativo. Para aprofundar a questão temática, se fizermos uma relação entre os
campi de Florianópolis e Continente, constataremos que a distância física entre
estes é de aproximadamente 7,2 km (10 minutos), o que não justificaria a
composição de dois campi diferenciados, em face de promover duplicação
desnecessária de infraestruturas, tanto material em seu aspecto generalístico, como
de recursos humanos, o que caracterizaria aplicação inadequada de recursos
públicos.
Se fizermos, ainda, uma triangulação entre os três campi de Florianópolis,
Continente e São José, verificaremos que a distância entre os dois campi extremos
é de apenas 14,3 km (20 minutos), sendo que para ir-se de um para o outro, passase pelos limites do campus de Continente, o que em tese aprofunda a questão no
que tange à utilização ilibada de recursos públicos, mesmo porque existe forte
identidade entre as ofertas acadêmicas dos dois campi e, ainda, destacamos que as
fronteiras entre os dois municípios desapareceram por completo.
Assim, questionamentos no desenvolvimento desse processo são lançados:
por que não integrar infraestruturas, como acontece com as experiências de sucesso
desenvolvidas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no estado?
5 O Website da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010) apresenta o seguinte entendimento sobre o Programa de
Expansão da Educação Profissional (PROEP): “é uma iniciativa do Ministério da Educação em parceria com o Ministério do
Trabalho e Emprego e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que pretende ser o principal agente de
implantação do Sistema de Educação Profissional no País, através de um conjunto de ações a serem desenvolvidas em
articulação com diversos segmentos da sociedade. O Ministério da Educação, através da SEMTEC/PROEP, de acordo com a
nova legislação sobre educação, visa à expansão, modernização, melhoria de qualidade educacional e a permanente
atualização profissional no País, através da ampliação e diversificação da oferta de vagas; da adequação de currículos e
cursos às necessidades do mundo do trabalho; da qualificação, reciclagem e reprofissionalização de trabalhadores,
independente do nível de escolaridade e da formação e habilitação de jovens e adultos nos níveis médio (técnico) e superior
(tecnológico). As ações do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) têm como objetivos primordiais: 1. A
ampliação e diversificação da oferta de cursos, nos níveis básico, técnico e tecnológico. 2. A separação formal entre o ensino
médio e a Educação Profissional. 3. O desenvolvimento de estudos de mercado para a construção de currículos sintonizados
com o mundo do trabalho e com os avanços tecnológicos. 4. O ordenamento de currículos sob forma de módulos. 5. O
acompanhamento do desempenho dos(as) formandos(as) no mercado de trabalho, como fonte contínua de renovação
curricular. 6. O reconhecimento e certificação de competências adquiridas dentro e fora do ambiente escolar. 7. A criação de
um modelo de gestão institucional inteiramente aberto.”
250
Para que se tenha noção sobre como se interpreta essa reprodução
desnecessária, em se tratando de recursos públicos, apresentamos, no Quadro 3, a
estrutura organizacional extraída do documento intitulado Regimento da Unidade
Florianópolis, aprovado pelo Conselho Diretor em 2 de julho de 2008, Resolução n.o
11/2008/CD, considerando a estrutura de cargos e funções para esse campus,
assim estruturada:
QUADRO 3: Estrutura Organizacional do campus de Florianópolis
Estrutura
Direção da unidade
Vice-Diretor Geral
Assessoria de Gabinete
Assessoria de Comunicação, Marketing e
Ouvidoria
Coordenação de Ingresso
Coordenação de Relações Externas
Coordenação do Serviço de Integração
Escola/Empresa
Coordenação de Eventos
Departamento de Ensino
Coordenação do Núcleo Pedagógico
Coordenação de Mídia e Biblioteca
Coordenação de Registro Geral
Coordenação de Apoio ao Ensino
Departamento de Infraestrutura
Coordenação de Gestão de Pessoas
Coordenação de Tecnologia da Informação e
Comunicação
Coordenação de Engenharia
Coordenação de Materiais e Patrimônio
Coordenação de Serviços Gerais
Coordenação de Manutenção
Coordenação do Setor de Saúde
Departamento Acadêmico
Coordenação de Curso
Coordenação de Infraestrutura
Coordenação de Registros Acadêmicos
Coordenação de Educação Física e Desporto
Coordenação de Atividades Artísticas
Cargo/Função
Diretor
Vice
Assessor
Assessor
Código
CD-3
CD-4
FG-1
FG-1
Valor em R$
5.833,75
4.236,41
763,99
763,99
Coordenador
Coordenador
Coordenador
------FG-4
0,00
0,00
218,15
Coordenador
Chefe
Coordenador
Coordenador
Coordenador
Coordenador
Chefe
Coordenador
Coordenador
FG-4
CD-4
FG-4
FG-4
FG-4
FG-2
CD-4
FG-1
FG-2
218,15
4.236,41
218,15
218,15
218,15
513,97
4.236,41
763,99
513,97
Coordenador
Coordenador
Coordenador
Coordenador
Coordenador
Chefe
Coordenador
Coordenador
Coordenador
Coordenador
Coordenador
---FG-4
FG-4
FG-4
---CD-4
FG-2
FG-4
FG-4
FG-4
FG-4
TOTAL:
0,00
218,15
218,15
218,15
0,00
4.236,41
513,97
218,15
218,15
218,15
218,15
30.828,41
Fonte: Website do IFSC e do campus de Florianópolis (2010).
No Quadro 4 apresentamos as últimas ações dos profissionais da autarquia
ocupantes dos cargos da Reitoria, com vistas à expansão da instituição,
compreendendo-se como um processo de implantação de novos campi no estado de
251
Santa Catarina, imbuídos das premissas estabelecidas pela governança atual.
Destacamos que as informações disponibilizadas são decorrentes de pesquisa no
próprio Website da autarquia e da análise de documentos institucionais,
caracterizando, portanto, um contexto de síntese, em face dos alargados horizontes
projetados por essa equipe.
Neste quadro, procuramos relacionar a localização do campus com a
projeção de suas ofertas acadêmicas e sua respectiva situação de atendimento às
premissas estabelecidas pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
(SETEC), e também, na possibilidade de que seja possível imbricá-las com o
contexto relativo aos arranjos produtivos locais, e assim, conjecturar quanto ao
planejado pela equipe da reitoria do IFSC, em relação ao estabelecido pela equipe
do MEC.
QUADRO 4: Expansão do IFSC: campus em implantação
Campus
São Miguel do
Oeste
Situação
Canoinhas
Criciúma
Gaspar
Em implantação
Lages
Itajaí
Palhoça-Bilínbue
Xanxerê
Fonte: Website do IFSC (2010).
252
Ofertas Acadêmicas
Para o primeiro semestre de 2010 estão previstos os
cursos de: Processamento de Produtos e Instalações
Produtivas, Gestão de Águas e Energia, Reciclagem de
Materiais, Legislação Sanitária, Gestão e Legislação de
Recursos Naturais, Gestão de Propriedades Rurais,
Manutenção de Veículos, Produção de Móveis,
Processos de Costura Industrial.
Irá oferecer cursos nas áreas de: Agroecologia,
Agroindústria, Edificações, Mecatrônica, Vestuário e
Móveis.
Os cursos que foram definidos como prioritários para o
município são: Mecatrônica, Eletrotécnica, Design de
Móveis, Edificações, Plástico e Vigilância em Saúde.
Os cursos oferecidos serão nas áreas de: Modelagem
do Vestuário, Meio Ambiente, Plástico, Qualidade,
Química, Vestuário e Análise e Desenvolvimento de
Processos.
Os cursos apontados para região são de: Agroecologia,
Biotecnologia, Eletroeletrônica, Mecânica, Móveis,
Vestuário, Edificações.
Os cursos definidos como prioridade para a região são
os de: Pesca, Construção Naval, Mecânica,
Mecatrônica, Cozinha e Petróleo e Gás.
Os cursos previstos para este campus vão ser abranger
dois eixos: Produção Cultural e Design e Formação de
Profissionais de Educação.
Os cursos definidos como prioridade para a implantação
são nas áreas de: Agroindústria, Meio Ambiente,
Fabricação Mecânica e Segurança do Trabalho.
Para propiciar visibilidade espacial sobre a localização desses campi na
territorialidade do estado de Santa Catarina, e uma possível relação entre os
mesmos, apresentamos a Figura 2, extraída do Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI), do IFSC (2009, p.18), que explicita a localidade de cada um
desses, e uma possível relação física entre eles.
Figura 2 – Distribuição geográfica dos campi e Núcleos Avançados do IFSC
Fonte: Website do IFSC (2010).
Imbricando-se informações disponibilizadas na Figura 1, Quadro 4 e Figura 2,
chegamos às seguintes reflexões:
− Os campi de Araranguá e Criciúma estão inseridos na mesorregião 6, Sul
Catarinense, o que em tese não justificaria a existência de mais de um
campus, e sim a estruturação de alguns núcleos avançados, inclusive para
potencializar o próprio campus e seus respectivos núcleos. Idêntico raciocínio
se estende aos demais campi que estão inseridos numa mesma mesorregião,
como as mesorregiões da Grande Florianópolis, do Vale do Itajaí, do Norte
Catarinense, e também do Oeste Catarinense, em face de cada mesorregião
estar configurada mediante um complexo de arranjo produtivo local,
previamente estabelecido por aquele segmento social. Esclarecemos que
esse raciocínio não está perpassado pela manutenção de um contexto
situacional, mas sim, pela perspectiva de um contexto que possibilite o seu
253
pleno
desenvolvimento,
e
não
o
estabelecimento
de
uma
disputa
desnecessária entre esses campi.
− A lógica instituída pela atual equipe da Reitoria, a princípio, em nossa
avaliação, não se funda nas premissas estabelecidas pela governança atual,
em face de alocar recursos públicos na implantação de mais de um campus
dentro
de
uma
mesma
mesorregião
reproduzindo
infraestruturas
e
dificultando, inclusive, sua potencialização atual e futura e, ainda, leva esses
a um contexto de competição desnecessária pelo preenchimento de ofertas
acadêmicas, das mais variadas matizes, incutindo naquelas comunidades um
estado de confusão, a princípio, desnecessário.
(Re)lembramos que a SETEC compreende que o processo em curso parte da
premissa de que se trata da expansão de projeto pedagógico da autarquia. A
reprodução de infraestruturas não seria, portanto, um dos princípios da nova
institucionalidade, afinal a governança atual não agregou institucionalidades para
uma outra ação educacional do Estado brasileiro?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partimos da premissa de que existe uma necessidade premente de explicar, à
comunidade catarinense, assim como para os profissionais da educação da
autarquia, sobre como se estrutura e quais são os indicadores que norteiam o
processo de expansão do IFSC, em face de se constatar que esse não tem os
devidos fundamentos necessários a sua execução. Entendemos que é preciso que a
Reitoria do IFSC publique os pressupostos teórico-metodológicos e técnicos que
norteiam o projeto de expansão da autarquia, no cenário catarinense, assim como a
metodologia que orienta a sua execução.
Argumentar que ele tem acontecido mediante reuniões com comunidades não
seria simplesmente justificar o óbvio? Haveria alguma comunidade catarinense que,
de pronto, negaria a instalação de um campus do IFSC em sua territorialidade e
assim optar por negar certa condição de empregabilidade aos seus munícipes? E a
classe político-partidária fecharia os olhos à oportunidade de conquistar mais
adeptos?
254
São questões pontuais, porém, que determinam o fluxo do processo que, por
se tratar de uma instituição educacional pública, deve estar perpassada pela mais
completa lisura. Enfatizamos, portanto, a necessidade de revelar os pressupostos
que sustentam o processo de expansão e explicitar quais são os indicadores
técnicos que norteiam esse diálogo e a partir de que premissas eles foram definidos,
mesmo porque estamos agindo em nome de uma instituição do Estado brasileiro,
mantida mediante coleta de impostos, ou seja, gestando recurso público, e não
pessoal. Propalar e justificar a ação mediante a existência farta de recurso público
para o processo de expansão como uma fonte inesgotável (política de governo) é
ainda mais preocupante, principalmente quando a comunidade internacional declara
que no Brasil se desenvolve uma Educação de quarto mundo, pela qual somos
diretamente responsáveis. 6
Para precisar a questão financeira que geralmente acompanha as políticas de
partidos políticos no âmbito da educação, para além do seu exclusivo financiamento,
apresentamos, no Quadro 5, um movimento do corpo diretivo do campus de
Florianópolis, transmutando recursos destinado ao Funcionamento da Educação
Profissional para viabilização da contratação de efetivo de recursos humanos,
negado pela atual governança. Assim, verificamos que se por um lado o MEC
constrói prédios em nome da expansão da Educação Profissional e Tecnológica, por
outro, esvazia o IFSC do ponto de vista dos recursos humanos necessários a sua
ação educacional, promovendo a privatização dessa instituição por dentro e à custa
dos recursos públicos. Seria esse o modelo que norteia a expansão? Teriam esses
profissionais temporários a devida sintonia entre formação técnica e requisitos
necessários a atuação em uma autarquia de Educação Profissional e Tecnológica?
Por que não investir na contratação definitiva desses quadros, inclusive com vista a
tornar o serviço público mais efetivo, considerando sua ação social? Ou a política
dos oito anos de FHC, com vista à construção do Estado mínimo, foi incorporada
pela atual coalizão partidária e está em curso?
6
O parágrafo primeiro do inciso XXI, do artigo 37, da Constituição da República Federativa do Brasil 1998 (p.38) estabelece
que: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo,
informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos.”
255
Quadro 5: Aprofundamento da privatização da autarquia.
Natureza da despesa
Valor em R$
Contratação de profissionais para exercer a função de Zeladoria
110.000,00
Contratação de profissionais para atuar como Recepcionistas
96.030,00
Contratação de profissionais para atuar como Inspetor de alunos
80.000,00
Contratação de empresa para prestação de Serviços de Limpeza e
456.000,00
Conservação
Contratação de profissionais para prestação de serviços em
177.519,00
Portaria
Contratação de profissionais para realização de serviços de
43.213,00
Jardinagem
Contratação de empresa para prestação de Serviços de Vigilância
345.000,00
Contratação de profissionais para serviços de Copeiragem
38.710,00
Total parcial
1.346.472,00
Fonte: Planilha orçamentária do campus de Florianópolis do IFSC (2010).
Nossa argumentação decorre do fato, numa primeira avaliação, de a atual
equipe da Reitoria do IFSC não atentar para a organização natural do estado e suas
características construídas e estabelecidas ao longo da temporalidade, conforme
manifestação técnica do IBGE (Figura 1). Não pretendemos entrar no debate
orgasmático e polissêmico, mas sim técnico. Para exemplificar, informamos que no
caso do município de Criciúma, o qual se caracteriza por ser pólo produtor de
cerâmica, inclusive com destaque nacional e internacional, a equipe atual da Reitoria
implanta um campus do IFSC sem oferecer à comunidade uma única oferta gratuita
nesse nicho de atividade produtiva, assumindo postura contrária ao estabelecido
pela equipe atual do MEC, bem como desconsidera a potencialidade da região. O
natural não seria instrumentalizar com vistas a potencializar e desenvolver, e não
desconsiderar?
Outra questão constatada é a falta de conceitos, pelos menos explicitados de
forma pública. A equipe da Reitoria do IFSC não deixa claro quais os indicadores
que definem a implantação de campus e quais os indicadores que norteiam a
definição de Núcleo Avançado de um determinado campus. Será que as
comunidades têm conhecimento e clareza sobre tais conceitos? O que caracterizaria
a necessidade de implantação de, por exemplo, um campus? Será que conseguem
abstrair contextos situacionais na definição de um ou outro, quando das
denominadas audiências públicas? Porque, segundo o nosso entendimento, nas
256
situações arroladas relativas à expansão do IFSC evidenciam-se casos de campi
que talvez pudessem ser apenas Núcleos Avançados.
Considerando que a atual equipe da Reitoria se caracteriza, frente ao MEC,
como um braço responsável no estado pela Educação Profissional e Tecnológica,
essa não deveria ter o compromisso, ainda frente ao Estado e ao povo brasileiro, de
apresentar seus estudos e indicadores técnicos relativos a essas definições, assim
como para as futuras projeções?
Para uma transparência pública, não seria pertinente que a equipe do MEC
definisse indicadores para nortear o processo de implantação de campi, assim como
para
acompanhar
e
desenvolver
processo
de
avaliação
dessas
ações,
responsabilizando aqueles que empregam os recursos públicos? Afinal, o MEC
também tem a responsabilidade sobre a regulação dos processos encaminhados
pelas autarquias. Compreendemos que legislação e instrumentos não lhe faltam.
Não se trata, de forma alguma, do estabelecimento de implicâncias, muito
pelo contrário, temos verificado que no discurso e na ação de membros da
governança atual, envolvidos com educação, postura similar ocorreu durante os oito
anos do governo anterior (FHC), também com vistas a encurtar, cada vez mais, a
presença do Estado no sistema educacional brasileiro. Não estariam, por exemplo,
as autarquias federais trocando Cursos de Tecnologia por Cursos de Bacharelado, e
transferindo-os para a iniciativa privada?
Temos convicção de que o processo de expansão da Educação Profissional e
Tecnológica, como entende a atual equipe do MEC, é de relevância para a
sociedade brasileira, porém deve acontecer numa perspectiva pautada apenas pelos
argumentos técnicos e fundado no projeto societário do Estado brasileiro.
Afinal, o que estamos expandindo? Pura materialidade?
257
REFERÊNCIAS
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______. Senado Federal. Legislação Federal. Lei n.o 11.892, de 29 de dezembro
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cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. O Programa de Expansão
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Disponível
em:
<http://www.ufrgs.br/forumlic/_Estatisticas/proep.html>. Acesso em: 6 fev. 2010.
260
A DIFÍCIL ARTE DE SER PROFESSOR, HOJE
Maria Ana Possoli Beltram
Professora de Língua Portuguesa e Literatura do IFRS – campus de Bento
Gonçalves
E-mail: [email protected]
Parafraseando o verso de Camões, em um de seus sonetos memoráveis,
mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, inicio esta reflexão sobre as
mudanças ocorridas no ensino fundamental e médio, especificamente na área de
currículos e na construção do conhecimento.
A escola traz, em sua natureza ideológica, o reflexo da sociedade de sua
época, do seu tempo histórico, social, econômico e político. E nesse curso ou
percurso, fez-se necessária uma constante reavaliação dos conteúdos e dos
métodos de ensino e, também, das teorias da aprendizagem. Essa adaptação ao
tempo presente sempre foi o grande desafio da Escola. Ao longo da história do
ensino, no Brasil, surgiram teorias educacionais que formularam conceitos sobre
aprendizagem, com propostas de grades curriculares, no afã de atender as
necessidades e os objetivos das novas gerações.
Em sala de aula, cabe ao professor conhecer o aluno em seu contexto
social e cultural, com o propósito de conduzi-lo à construção do seu conhecimento e
à formação do cidadão integrado ao seu meio e ao seu tempo histórico. Para que
isso ocorra é necessário que o professor construa conceitos apoiados na pedagogia,
na sociologia, na história, na cultura, além de possuir o domínio de sua área de
conhecimento; e, mais, é preciso que ele tenha o olhar voltado para um horizonte
sempre novo.
Nos anos 50, após a conclusão do curso primário, o aluno ingressava no
curso ginasial através do exame de admissão que averiguava o conhecimento nas
disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, com ênfase nos cálculos das quatro
operações, raciocínio, leitura e redação. Até hoje me são valiosas, e úteis, aquelas
habilidades nas quatro operações, juros, regra de três, noções de geometria e
cálculos de área e perímetro. Livros? Apenas dois: a seleta literária e o de
261
matemática. Lembro que resolvia os cálculos em papel de embrulhar o pão para
poupar as linhas do caderno. Poucos eram os livros; e caros, os cadernos.
Entretanto, tínhamos a Biblioteca da Escola e a Biblioteca Pública repleta de livros –
e dispúnhamos de tempo para ler.
Nas quatro séries do curso ginasial, a grade curricular apresentava as
atuais ciências exatas e humanísticas, além do francês, do inglês e do latim – este
foi essencial para compreender a formação e a compreensão das palavras. Naquela
época, a frequência às aulas, o estudo, a leitura e a pesquisa em livros da biblioteca
compreendiam a ascensão ao conhecimento. Ao professor, cabia a tarefa de abrir os
caminhos do cognitivo; ao aluno, o interesse em construir a sua aprendizagem. Ser
bom professor ou bom aluno compreendia ser, consequentemente, um bom leitor. A
sala de aula e a biblioteca eram os espaços de construção do conhecimento.
O Ensino Médio era oferecido em três modalidades: clássico, com ênfase
na área das disciplinas humanas; científico, com ênfase na área das disciplinas
humanas; científico, com ênfase na área das disciplinas exatas; e magistério, com
ênfase nas disciplinas de didática e teorias pedagógicas.
A Língua Portuguesa era ensinada pelas normas da linguagem padrão.
Trechos da epopéia “Os Lusíadas” frequentemente eram utilizados para análise da
composição frasal e do vocabulário. A leitura constante das obras clássicas era
recomendada pela excelência da linguagem e pelo aprofundamento dos temas. A
leitura ocupava nosso maior tempo – que na época parecia quase infinito.
Lia-se muito, e sem pressa: para apreciar o ritmo das palavras; para poder
associar o significado de cada palavra ao conjunto da frase; para compor – frase a
frase – a idéia do conjunto. E relíamos, porque a releitura serve para descobrir o fio
condutor que une as idéias em núcleos temáticos. Lia-se sem pressa, para entender
bem o sentido das coisas.
Hoje, como professora de Língua e Literatura, percebo a dificuldade em
introduzir um texto relativamente longo nas aulas, porque o aluno não tem paciência
de ler e reler; mais difícil ainda é conduzi-lo ao aprofundamento do sentido do texto e
à reflexão. A apresentação oral ou escrita, das leituras dos livros de Literatura, está
sendo substituída por resenhas superficiais, ou resumos copiados da internet. Esta
oferece de forma fácil, rápida e sem esforço, o que lhe interessa saber e as
informações que deseja obter; e, pior, ocupa grande parte do tempo do aluno.
262
Difícil é a tarefa do professor de Literatura nos dias atuais: ele precisa
mostrar ao aluno que só a leitura de um bom livro contém a magnitude da
experiência humana, vivida em um tempo e um espaço único. Difícil é, dia após dia,
conduzir o aluno à descoberta de que a história de cada um, em particular, torna-se
a história de todo o ser humano, porque o amor, a dor, os sonhos e a morte são
universais e pertencem à nossa dimensão do vivido.
Não me causa só estranhamento, mas uma quase tristeza, perceber o
desinteresse do aluno, de hoje, na busca do conhecimento através da leitura dos
grandes escritores; o livro se tornou menos atraente que o computador, e a
produção escrita virou uma colcha de retalhos, com trechos copiados da internet. É
preciso dar-se conta de que a construção da linguagem é sempre um ato de
descoberta; que na palavra existe a relação de significante e de significado; e de que
cada pensamento, ou cada construção frasal, se nos dá como algo novo e, algumas
vezes, como o ainda não dito.
263
Download

Revista de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE