III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA AUTOR DO TEXTO: Robério Pereira Barreto Moto táxi: Subemprego e degradação do homem RESUMO: Este trabalho se inscreve como comunicação, visando mostrar e discutir no âmbito da academia, o modo como acontece a atividade de moto táxi, em Irecê–BA, destacando o processo degradante pelo qual vem passando os profissionais que atuam como transportadores de passageiros e pequenas mercadorias. Para tanto, se fez interlocuções coma teoria da Política, buscando entender como se constrói o perfil social, econômico e educacional dos mototaxistas que atuam no município de Irecê. Estes elementos estão mostrados por meio de depoimentos e dados estatísticos expressos por meio de gráficos na sessão de análise dos dados. Palavras-chave: Mototaxistas, Subemprego, Transporte, Política pública Introdução Este artigo apresenta-se como resultado de pesquisa de caráter etnográfico, com abordagem quali-quanti, realizada a partir de janeiro de 2010, quando se iniciaram as observações e mapeamento das ações dos mototaxistas na cidade de Irecê–BA, de onde se selecionou três, dentre as mais de 20 empresas do gênero, como lócus de pesquisa, as quais têm aproximadamente 30 colaboradores com idades de 20 e 60 anos. Nesse processo, escolheu-se como instrumento para a coleta de dados por meio de observações, conversas informais e aplicação de questionários, posto que, na dinâmica do ambiente, os entrevistados não podiam ficar muito tempo parados. Foram convidados 3 sujeitos de cada uma das empresas para participarem da pesquisa. Assim classificados por idade: três com idade entre 20 a 30 anos, iniciantes no trabalho de mototaxista de – 1 a 2 anos –, 3 com idade entre 31 a 40 anos, de – 3 a 5 anos – no serviço e, 3 com idade entre 41 a 60, com mais de – 10 anos – no transporte alternativo, estes foram considerados pelos colegas como os “pioneiros” no moto táxi. A questão problematizadora dessa pesquisa nasceu a partir de observações realizadas no Território de Irecê, quando se percebeu que não há transporte coletivo de massa e, nas cidades que o compõe, o transporte de pessoas é realizado por profissionais autônomos, através do serviço de moto táxi no perímetro urbano e táxi lotação entre povoados e a sede dos municípios. Então se perguntou: Quem são esses sujeitos que fazem a movimentação de pequenas mercadorias e o transporte de pessoas no perímetro urbano nas cidades do Território de Irecê, especialmente, em Irecê? Quais são e se há políticas públicas e sociais, no sentido de orientar tais sujeitos quanto aos seus direitos individuais e coletivos, bem como de seus passageiros? Para compreender estas questões e, por conseguinte, orientar as discussões teórico-metodológicas, se fez incursões de pesquisa em algumas cidades próximas a Irecê, constatando que a maioria delas dispõe do serviço de moto táxi. Diante dessas questões, far-se-á interlocuções com, Bonetti (2005), Hetkowski (2009), Sennet (2008), Arendt (2008) e Sanchez (2008), tendo-os como aportes teóricos para fundamentar a tese central dessa discussão. O serviço de moto táxi pode ser considerado o reflexo da falta e da falência dos empregos formais? O que torna a atividade de moto táxi um subemprego que degrada os sujeitos que dele dependem para sobreviver? Ou, seria sua expansão fruto da inoperância do poder público em instituir programas governamentais que garantissem a colocação e recolocação dessa massa em postos de trabalho com direitos previdenciários e trabalhistas? Quando tudo iniciou? Orgulham-se os nordestinos pela sua capacidade criativa em superar as intempéries da vida, de modo que faz mais de um século que Euclides da Cunha disse: “o sertanejo é antes de tudo um forte”. É nessa perspectiva da reinvenção contínua que o moto táxi1 nasceu; e não por acaso esse sistema de transporte alternativo nasceu em Crateús-CE e teve seu modelo espalhado por todo o país. De acordo com Gomes (2009), tudo isso em meados de 1990, em Crateús – CE, nascedouro da idéia de moto táxi como serviço de transporte urbano. Entretanto, a primeira cidade brasileira a regulamentar o serviço de mototaxistas no país foi o município de Sobral – CE. O registro de autoria dessa façanha, conforme consta no relato de Gomes (2009) a partir da obra Siebra Coelho2 (1997), é atribuído ao ex-bancário Antônio Edílson Mourão. Esse modelo de transporte acessível aqueles cuja renda não permitia a movimentação por meio convencional, táxi. À época, inaugura uma nova ordem no serviço de transporte de passageiro e, consequentemente, a economia sofre alterações significativas nas relações entre as pessoas de modo que A população que antes do sistema moto táxi se locomovia a pé ou de bicicleta, pois andar de táxi em 1996 constituía um luxo em função do custo da corrida, passa a contar com sistema de transporte barato e eficiente. Por apenas um real era possível cruzar a cidade de um lado para o outro (GOMES, 2009, p. 2). Nesse processo de historicização do moto táxi, é importante trazer a baila questões estruturais enfrentadas pelos mototaxistas pioneiros da iniciativa, conforme relata Gomes. O sistema moto táxi em Sobral se estruturou inicialmente sob a atuação de empresas autorizadas pela prefeitura a explorar o sistema de transporte urbano. Os mototaxistas eram vinculados às empresas apenas por sua força de trabalho; sem vínculo empregatício esses trabalhadores não tinham garantias trabalhistas como FGTS, INSS, décimo terceiro salário nem férias remuneradas (GOMES, 2009, p.3). Este modelo de gestão do serviço de moto táxi ainda é referência para a maioria das cidades brasileiras, onde há esse tipo de transporte, em Irecê não é diferente. Durante a coleta de dados foi relatado o modo degradante como os profissionais do moto táxi do município de Irecê trabalham. Além de estarem desprotegidos pelos direitos previdenciários e trabalhistas, ainda pagam uma espécie de taxa de administração para as empresas que detêm o registro e alvará de funcionamento legalizados pela Prefeitura. 1 A palavra mototáxi é um neologismo que foi cunhado no Brasil pela justaposição do sufixo moto (redução de "motocicleta") e da palavra táxi. http://pt.wikipedia.org/wiki/Moto-t%C3%A1xi, acesso em 09 de julho 2010. 2 COELHO, Modesto Siebra. A nova onda no transporte urbano: moto táxi / Modesto Siebra Coelho. - Gráfica e Editora LCR: Sobral, CE: Edições UVA, 1997 (Coleção novos tempos: 2). Dessa maneira, visualizou-se durante o processo que as mesmas condições degradantes inicialmente apresentadas aos mototaxistas de Sobral – CE na década de noventa, até hoje são praticadas em Irecê – BA. Entretanto, está havendo aos poucos, por parte dos mototaxistas pesquisados, uma luta pela libertação das correntes achacantes das empresas de moto táxi. Na realidade já há duas associações3 de mototaxistas, embora ambas funcionem na mesma perspectiva das empresas. Os mototaxistas dessas associações dizem ter consigo algumas vantagens que antes não tinham. Exemplo disso é a redução da taxa diariamente paga por cada membro. Nas empresas particulares são pagos R$ 5,00 por indivíduo os quais tem direito a usar o colete com a marca das empresas. Nas associações, cada associado paga R$ 4,00, dinheiro este que é destinado ao pagamento das despesas de aluguel, funcionárias, material de expediente e telefone. Uma saída possível seria a criação de sindicatos, porém ao tocar nesse assunto, viu-se que os mototaxistas se mostraram receosos em entrar no mérito da questão, admitindo que da maneira que está é precária, porém é “possível de se tirar o sustento”, pondera um mototaxista. Precarização do mundo do trabalho Há um quarto de século, o mundo vem passando por transformações em todos os ramos sociais, políticos, culturais e, sobretudo no mundo do trabalho. As conseqüências disso têm sido as embrutecidas desagregações do espírito humano pela ação excludente e avassaladora do “espírito do novo capitalismo” que vislumbra de forma rápida o acúmulo de capital, sem que sejam levados em conta o caráter e as necessidades do homem. Sabe-se que as grandes movimentações do sistema capitalista têm levado à emergência dos deslocamentos dos sujeitos. Nesse contexto, está à desagregação daqueles que ao longo do tempo, por deficiência na formação educacional e profissional perderam seus antigos postos de trabalho. Para Sennett (2008) isso é resultado de uma ação deliberada do “novo capitalismo” o qual não suportando mais as velhas tradições no modo de produção, promoveu o fim da lealdade entre empresa e empregados. O que vale nesse contexto é a chamada flexibilidade, nem todos podem e devem se movimentar em busca de melhorias. “É a dimensão do tempo do novo capitalismo, e não a transmissão de dados high-tech, os mercados de ação globais ou livre comércio, que mais diretamente afeta a vida emocional das pessoas fora do local de trabalho fixo” (SENNETT, 2008, p. 25). A maioria destes cidadãos teve que reformular sua maneira de ser no mundo do trabalho. Uma delas foi buscar nas atividades alternativas mecanismos que viriam a preencher as lacunas e deficiências deixadas pelo o Estado e, com isso, garantir a renda para assegurar o sustento da família. O serviço de moto táxi foi uma saída encontrada por trabalhadores afastados do trabalho formal, e que tiveram que retornar as suas cidades de origem, normalmente no interior do país, onde o serviço de transporte urbano é precarizado ou negligenciado pelos municípios. Nesse contexto, está a maioria dos municípios de pequeno porte do Brasil, sobretudo, no nordeste. 3 Os membros dessas associações são dissidentes das empresas que detém o alvará de funcionamento. Estes indivíduos gerem as empresas por meio de contratos orais estabelecidos entre si. Entretanto, continuam sem qualquer garantia social ou trabalhista em virtude de não terem tido tempo em documentar associação. Em outras palavras, os mototaxistas continuam desprotegidos pelos aparatos do Estado. É, portanto, com base nessa realidade que este trabalho vai ao encontro de explicações que possam levar à compreensão do perfil socioeconômico e educacional dos mototaxistas que atuam no transporte de passageiros e pequenas mercadorias, no Território de Irecê, tendo como centro de observação as empresas do gênero sediadas em Irecê –BA. A condição (In) humana no mototaxismo Apresenta-se aqui, os posicionamentos filosóficos que corroboram com a condição do homem em sua práxis, porque cada sujeito atua nos seus universos sociais, políticos e econômicos, visando assim, melhorias na qualidade de vida de si e dos demais que o rodeiam. Entretanto, esta pesquisa demonstra através de uma série de questionamentos que o trabalho de mototaxista em Irecê–Ba, constitui-se em ação que degrada os indivíduos em virtude das precariedades da profissão, sobretudo, no diz respeito aos direitos previdenciários e trabalhistas conforme a lei. É interessante que nessa esteira, ver-se que a prática humana pode revelar ações mentais de síntese, e previsão, O agente modifica suas ações para alcançar o trânsito cabal entre o subjetivo ou teórico, e o objetivo ou atividade: seu obrar revela que a realização atualiza o pensamento, ou potencial-concreto-pensado. Nessa esteira conceitual, Hannah Arendt em obra A condição humana, alerta: condição humana não é a mesma coisa que natureza humana. A condição humana diz respeito às formas de vida que o homem impõe a si mesmo para sobreviver. São condições que tendem a suprir a existência do homem. As condições variam de acordo com o lugar e o momento histórico do qual o homem é parte. Assim sendo, todos os homens são condicionados, até mesmo aqueles que condicionam o comportamento de outros tornam-se condicionados pelo próprio movimento de condicionar. O “labor” é processo biológico necessário para a sobrevivência do indivíduo e da espécie humana. O “trabalho” é atividade de transformar coisas naturais em coisas artificias, por exemplo, retiramos madeira da árvore para construir casas, camas, armários, objetos em geral. É pertinente dizer,- ainda que sedo-, para a autora, o trabalho não é intrínseco, constitutivo, da espécie humana, em outras palavras, o trabalho não é a essência do homem. O trabalho é uma atividade que o homem impôs à sua própria espécie, ou seja, é o resultado de um processo cultural. Tanto ação, labor e trabalho estão relacionados com o conceito de Vita Activa. A qual pode-se afirmar que os mototaxistas, sujeitos dessa pesquisa têm em demasia. Para os antigos, a Vita Activa é ocupação, inquietude, desassossego. O homem, no sentido dado pelos gregos antigos, só é capaz de tornar-se homem quando se distancia da vida activa e se aproxima da vida reflexiva, contemplativa. Ao se transpor essa ideia grega da realidade aos pesquisados, certamente, se conclui que eles não podem ser classificados no conceito grego de homem, uma vez que estes sujeitos trabalham até 16 horas diárias. (ver gráficos com dados quantitativos na página de análise). A força de trabalho é aquilo que o homem possui por natureza, só cessa com a morte. Diferente do produto, a força de trabalho não acaba quando o produto termina de ser produzido. Portanto, a força de trabalho é aquilo que Hannah Arendt entende por “labor”. “O labor não deixa atrás de si vestígio permanente”. O trabalho é força gasta para produzir a mesa. O labor é a força dispendida para produzir o pão. Mesa: objeto material produzido para o uso cotidiano e ocupa lugar no espaço. Pão: elemento material produzido para à sobrevivência de seres vivos e não ocupa lugar no espaço, visto que durante a digestão o pão é transformado em energia do corpo. Em suma, o homem se torna dependente daquilo que produz. E para a autora, torna-se dependente é torna-se condicionado. Daí encontramos a justificativa do nome do livro: “A condição humana”. Quais são as condições que o homem se impõe e se submete para permanecer em sociedade, para viver em coletividade? Se fôssemos analisar essa questão mais pormenorizadamente ter-se-ia como referência os motaxistas. Mas não podemos esquecer que o fim neste trabalho é perscrutar alguns aspectos sociais, políticos econômicos e educacionais aos quais estão submetidos os sujeitos da pesquisa ao trabalho de mototaxista. Assim nos explica Hannah Arendt: “Num mundo estritamente utilitário, todos os fins tendem a ser de curta duração e a transformar-se em meios para outros fins.”(Arendt, 2008. p. 167) Nesse sentido, trabalho, para o mototaxismo é uma ação política porque se realiza na perspcetiva Arendteana de ação, posto que todo a atividade de mototaxi é realizada no contato direto entre os homens. Neste caso, profissional e passageiros inteagem contidianamente numa relação de dependência um para com o outro. A Coleta dos dados Foram feitas várias visitas às empresas do gênero visando à confiança dos sujeitos daqueles espaços, embora a recepção tenha sido amistosa, a maioria dos envolvidos na atividade de mototaxista, se recusou a participar da entrevista. Os questionários que foram deixados com estes profissionais para serem respondidos e, em seguida devolvidos apenas uma pequena parcela foram entregues com as devidas respostas, a maioria ficou em branco. Mediante esta constatação, mudou-se a estratégia e passou-se aplicar a entrevista semi-estruturada, tendo como base o questionário. Para isso, fez se um recorte para três empresas do ramo no universo de aproximadamente 20 “moto táxi”. Nesse procedimento se obteve maior êxito, embora algumas anotações ficaram incompletas, visto que, às vezes o entrevistado precisava atender à “chamada” do cliente que era feita pelo colega mais próximo ao telefone, ou da secretária que encaminhava a chamada ao mototaxista no topo da lista – “moto da vez”. Em virtude dessa vivência no espaço do mototaxismo em Irecê, observou-se que dentre as mais de 20 empresas que oferecem o serviço de moto táxi no lócus pesquisado – Irecê – Ba, há apenas uma que dispõe de secretárias para atender ao telefone e encaminhar as chamadas dos clientes para os mototaxistas que prontamente se dirigem ao local. Esta empresa é também a única gerida sob a idéia de cooperativismo, de maneira que todos colaboram com taxa diária (4,00) sem que haja a especulação do dono dos coletes. Análise quali-quanti dos dados Os pesquisados responderam a um questionário composto por dez questões, sendo sete fechadas e três abertas, nas quais puderam informar idade, escolaridade, profissão anterior, carga horária de trabalho. Assim sendo, estabeleceu-se como critério de análise, a interpretação qualitativa das informações e a quantificação estatística de dados por meio de gráficos. Quanto à escolaridade dos mototaxistas atuantes na cidade de Irecê, pôde-se constatar que do universo pesquisado, conforme exposto abaixo, metade tem apenas o ensino fundamental. E trinta por cento diz ter concluído o ensino médio e outro dez por cento disse ter feito um ou mais semestre de curso universitário. IDADES DO MOTOTAXISTAS DE IRECÊ ESCOLARIDADE MÉDIA DO MOTOTAXISTAS DE IRECÊ 9% 10% 10% 20 a 30 1a5 27% 46% 6a9 30% 50% 31 a 40 41 a 50 10 a 12 51 a 60 13 a 15 18% Gráfico: 1 Escolarização Gráfico 2: Idade/serie Este fato esta relacionado à questão da idade, isto é, quanto maior a idade menor a escolarização do profissional. Ver-se, pois, a seguir a relação entre anos de escolaridade e a idade dos sujeitos. O cruzamento das informações relativas à escolarização dos mototaxistas de Irecê e a idade destes, levou à compreensão quanto maior a idade menor a escolarização. Este fator segundo relataram os entrevistados é em virtude de que na sua juventude tiveram que abandonar a escola para trabalhar em outras profissões, inclusive na agricultura. No que diz respeito ao que dispõe a Lei 12009/09, de julho de 2009, artigo 2°, incisos de I a IV, onde se estabelecem os qualificadores para o exercício da profissão de moto táxi, verificou-se que os mototaxistas atuantes no Território de Irecê, especialmente na cidade Irecê, em sua maioria atende aos incisos I e II, todavia não atendem ao que dispõe o inciso III do referido artigo, em virtude de não terem recebido qualquer orientação dos órgãos responsáveis. Já no que no se refere ao cumprimento do inciso IV deste mesmo artigo, não há cumprimento, uma vez que o dispositivo legal diz: “estar vestido com colete de segurança dotado de dispositivos retrorrefletivos, nos termos da regulamentação do Contran.”(Diário Oficial da União, jul./2009, p. 22). ATIVIDADE COM CARTEIRA ASSINADA PROFISSÃO ANTERIOR AO MOTOTÁXI 10% 40% Sim sim Não não 60% 90% Gráfico 3: Atividade remunerada Gráfico 4: Profissionalização Em se tratando de profissionalização, a maioria afirma já ter trabalho em empregos formais, todavia, ao salário não era condizente com suas necessidades: Eu trabalhei vários anos numa firma e ganhava apenas um salário mínino e trabalha no pesado mais de dez horas por dia e não tinha carteira assinada. Aqui, também não tenho, mas ganho mais. Como tenho minha clientela, faço mais de um salário e meio. (M., moto táxi). E-se levado a partir da fala do pesquisado, inferir que os empregos formais não oferecem condições de permanência para estes profissionais, uma vez que tanto a remuneração quanto a carga horária eram insatisfatório. É justamente nessa visão de mundo grega que os escravos não são considerados homens. O escravo ao ocupar a maior parte de seu tempo em tarefas que visam somente à sobrevivência de si e de outros, é destituído do conceito grego de homem, mas por outro lado ele não deixa de ser humano. Portanto, dentro dessa lógica só é homem aquele que tem tempo para pensar, refletir, contemplar. Seria o mototaxista que trabalha mais dezesseis horas por dia, ter tempo para a reflexão? PROFISSÕES REGISTRADAS NA CTPS 9% 27% CARGA HORÁRIA DE TRABALHO 10% Agricultor Mecânico 6 a 10 Segurança 9% 46% 10 a 16 Autônomo Ajudante Geral 9% 90% Gráfico 5: profissões anteriores ao moto táxi trabalho Gráfico 6: Turno de Nietzsche afirma em seu “Humano, desmasiado humano”que, aquele que não reserva, pelo menos, ¾ do dia para si é um escravo. A base disso encontramos em Sócrates: se é apenas para comer, dormir, fazer sexo, que o homem existe, então, ele não é homem, é um animal. Pois assim era visto o escravo: um animal. Um animal necessário para à formação de “homens”. É muito importante salientar que a escravidão da Grécia antiga é bem diferente da escravidão dos tempos modernos. Salienta-se que na contemporaneidade a escravidão é um meio de baratear a mão-de-obra, e assim, conseguir maior lucro. PRINCIPAL MOTIVO PARA SER MOTOTAXISTA CONHECIMENTO DA LEI 12009/2009 5% 9% Desemprego 37% 27% Falta recolocação Sim Baixa escolaridade Não Remuneração 9% 18% Liberdade de horário 95% Gráfico 7: Incentivos ao exercício da profissão de legal da profissão Gráfico 8: Aspecto Quando questionados sobre a legislação que reconhece e regulamenta a atividade de moto táxi, Lei 12009 de julho de 2009, sancionada pela Presidência da República, em 30 de julho de 2009, quase na totalidade afirmou ter apenas ouvido falar, mas nunca tinha ido saber conhecer. Quanto aos motivos para tal está vinculada a questões preocupantes: a) a baixa escolarização dos mototaxistas impede a leitura e a compreensão de textos densos. Isso ocorre por faltar-lhes práticas de leitura; b) a dinâmica do local de trabalho impede qualquer processo que exija maior concentração; c) a insalubridade do espaço de trabalho é altíssima (há dois pontos de moto táxi que ficam a céu aberto, ou melhor, embaixo de árvores numa praça da cidade). RENDA MÉDIA DO MOTOTAXISTA DE IRECÊ 10% 10% ESTADO CIVIL DO MOTOTAXISTA 20% 1 salário Casado 1,5 salarios 30% Solteiro 2 salarios acima de 3 50% Gráfico 9: Economia e renda 80% Gráfico 10: Questões de família Conforme já mencionado em depoimento, a renda dos mototaxistas é uma dos motivos pelos quais eles se submetem ao trabalho exaustivo. Além disso, tem a questão do desemprego estrutural que assola a região. IDADE DOS FILHOS DOS M OTOTAXISTAS QUANTIDADE DE FILHOS 7% 6% 13% 12% 0 a 5 anos anos 24% 0 a 1 FILHO 6 a 10 anos 2 a 3 FILHOS 11 a 16 anos 58% 3 a 5 FILHOS 17 a 21 anos 80% Gráfico 11: Questões de familiares familiares Gráfico 12: Questões de Conforme representado nos gráficos acima, ver-se que os mototaxistas em estudos têm famílias típicas dos brasileiros com escolaridade e renda mínimas. Por isso, aqueles que têm filhos em idade escolar fazem escolhas e sacrifícios visando para o futuro dos filhos uma educação de qualidade que possa oferecer a estes, uma profissão adequada. Tenho dois filhos, um menino de dez anos e uma menina de seis anos. Os dois estudam em escolas particulares, porque quero que eles consigam se formar e ter uma profissão. Até quando agüentar pagar, vou deixando eles por lá. Porque estudei em escola pública e não consegui aprender muita coisa, falta muito professor. (Ei, espere ai preciso sair. É minha vez de ir na corrida e de lá vou buscar minha filha). J. mototaxista. Nesta situação existem outros profissionais do moto táxi, de acordo com que apresentam a seguir, os gráficos abaixo. Nestes é possível compreender a fala acima citada. Além disso, há um senso crítico muito forte no que se refere à escola pública, uma vez que o entrevistado carrega na memória as lembranças da escola onde estudou. LOCAL ONDE ESTUDAM OS FILHOS DO M OTOTAXISTAS FILHOS EM IDADE ESCOLAR 17% 33% sim Escola particula não Escola pública 67% 83% Gráfico 13: Educação e família familiares Gráfico 14: Questões de Ver-se conforme exposto no gráfico que a maioria dos mototaxistas tem filhos em idade escolar. E, alguns têm filhos estudando em escola particular. O QUE MAIS PREOCUPA NA PROFISSÃO TEMPO DE SERVIÇO NO MOTO TÁXI 10% 10% 20% 1 a 2 anos 40% 3 a 5 anos 30% Assalto Acidente 5 a 10 Briga no trânsito 10 a 12 50% 40% Gráfico 15: Dedicação ao exercício profissional exercício profissional Gráfico 16: Dedicação ao Estes dados demonstram que há certa dedicação no trabalho, esta por sua vez é fruto da necessidade em se ter renda. Diz-se renda em virtude da categoria emprego ser totalmente desconfigurada em virtude das informalidades existentes. CURSOS DE ATUALIZAÇÃO OFERTADOS PELO PODER PÚBLICO DESEJA TROCAR DE ATIVIDADE 10% 0% Sim Sim Não Não 90% 100% Gráfico 17: relação com o poder público Gráfico 18: Saída da profissional É interessante afirmar que, no que se refere à ação pública no sentido de promover políticas públicas nas quais estejam orientações sobre o exercício da profissão e possibilidades de formação continuada e, até mecanismos de acesso a programas financeiros e sociais, o poder público é inerte, conforme responde um entrevistado ao ser perguntado. O senhor teve alguma orientação ou fez curso de primeiro socorros, direção defensiva ou treinamento para o transporte passageiro, oferecido por alguma instituição pública? “Imagina, Senhor! Estou nesse serviço tem mais de cinco anos e nunca tive nada disso. O que acontece e da fiscalização pega a gente... VBi esses cursos quando tirei a carteira, mas foi pago. Então a gente só paga e não tem nada.” Aqui todo mundo é habilitado e tirou a carteira no maior sacrifício, tirando da boca. Seria bom ter uma autoescola pública. Vocês poderiam ter uma auto-escola, tem tanta gente sabida, doutor4. (C mototaxista, 2010). PERÍODO HABILITADO NA CATEGORIA "A" 20% 30% 1a 2 anos 3 a 5 5 a 10 anos 50% De acordo com gráfico abaixo, a maioria dos entrevistados tem Carteira Nacional de Habilitação – CHN, conforme determina a lei 12009/2009. Ver-se o quantitativo no gráfico abaixo. Considerações Viu-se ao longo da pesquisa e das vivências com os pesquisados, quão é complexa a relação do Estado com aqueles que foram colocados à margem do processo produtivo instituído pelo sistema capitalista. Em outras palavras, os mototaxistas de Irecê-BA são, de certa maneira vítimas de suas incapacidades, isto é, em virtude de não ter tido acesso à escolarização adequada em idade apropriada, profissionalização suficiente para se manterem nos empregos, tampouco formação continuada, foram submetidos ao subemprego. Observou-se ainda que, há total ausência das instituições do Estado no sentido de promover melhorias na qualidade de vida destes profissionais, bem como inércia política dos poderes públicos no sentido de garantir à coletividade transporte público de qualidade. Por outro lado, está instalado o paradoxo contemporâneo; se vier a ter 4 O pesquisado fez menção à Universidade. transporte coletivo na cidade, certamente essa concessão estará nas mãos de uma empresa que empregará poucos ou nenhum desses profissionais. Com isso terá uma massa de desempregados. A atividade de moto táxi no Território de Irecê, sobretudo, na cidade é uma realidade política, social, econômica e cultural, posto que estes profissionais já estejam incorporados à cultural de transporte da região. Independentemente de estarem no subemprego, tendo que trabalhar de forma insalubre, estes profissionais vêem na atividade a única maneira de sobrevivência, visto que a maioria deles está excluída do mercado formal de trabalho em virtude de terem baixa escolaridade e as profissões que até assumiram não correspondem mais as suas necessidades de sobrevivência em virtude da baixa remuneração. Bibliografias consultadas: ANTUNES, Ricardo. Século XXI: Nova era da precarização estrutural do trabalho?. In.: BRAGA, Ruy; ANTUNES, Ricardo [e.t al]. Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009,, p. 231. ARENDT, Hannah. A condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro, 2008. BONETTI, Wessler Lindomar. Políticas públicas por dentro. 2 . ed. Ijuí. 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