RAUL HENRIQUE RODRIGUES FERREIRA A UTILIZAÇÃO DO ANATOCISMO NOS CONTRATOS DE MÚTUO BANCÁRIO E SUA VEDAÇÃO LEGAL Monografia apresentada à Universidade Católica de Brasília – UCB, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Amaury Walquer Ramos de Moraes. Brasília 2010 Aos meus pais, Leopoldo e Salete, minha irmã Thays, minha namorada Joyce e meu anjo da guarda Mãeni, pelo incentivo valioso e a imensa capacidade de me fazer feliz. AGRADECIMENTO Agradeço primeiramente a Deus pela vida que me deu; aos meus pais Leopoldo e Salete, por terem me amado e cuidado de mim até mesmo nos momentos em que não merecia; à minha namorada, companheira e amiga Joyce, pelo apoio, dedicação e compreensão em todas as horas; à minha irmã Thays por me dar a oportunidade de crescer cada dia que fico em sua companhia; Ao meu anjo da guarda e segunda mãe, Eni, por sempre ter me orientado, apoiado e acreditado em meu potencial; agradeço também aos amigos verdadeiros, pois sei que em vocês sempre poderei confiar. À todos vocês, o meu amor eterno. Antes de assinar um contrato, leia-o minuciosamente. Lembra-se de que as letras grandes dão e as miúdas tomam. (Brown) RESUMO FERREIRA, Raul Henrique Rodrigues. A utilização do anatocismo nos contratos de mútuo bancário e sua vedação legal. 2010. 54 p. Trabalho de conclusão do curso de direito. Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2010. Trata-se de uma monografia para conclusão do curso de graduação em Direito, abordando o anatocismo nos contratos de mútuo bancário, analisando a evolução histórica do anatocismo, a legislação brasileira, o seu conceito, classificação, as peculiaridades existentes nesta relação. Analisar os princípios que regem os contratos de mútuo, verificando a sua importância e aplicabilidade, principalmente sobre o princípio da autonomia da vontade, da força obrigatórios dos contratos, da relativização dos efeitos dos contratos, da boa-fé e da função social dos contratos. Por fim, aborda como é praticado o anatocismo nos contratos de mútuo firmados com instituições financeiras, analisando sua legalidade, de acordo com a jurisprudência pátria e as leis que se aplicam ao tema. Palavra-Chave: anatocismo, mútuo bancário, limitação de juros, princípios e tabela price. ABSTRACT FERREIRA, Raul Henrique Rodrigues. Anatocism “The use of the bank loan agreement and its legal prohibition. 2010. 54 p. Work completion of Law school. Catholic University of Brasília. Taguatinga, 2010. This is a monograph for completion of the undergraduate course in Law, addressing the anatocism “in bank loan agreements, analyzing the historical evolution of anatocism, the Brazilian legislation, the concept, classification, peculiarities exist in the relationship. Examine the principles governing the loan agreements by cheking their importance and applicability, mainly on the principle of autonomy, the strength of binding contracts. Finally, it discusses how it is practiced in the anatocism “signed loan agreements with financial institutions, examining its legality, according to the ruling nation and the laws that apply to the subject. Keyword: anatocism”, mutual banking, limited interest, principles and price table. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE ANATOCISMO E CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO 1.1. Conceito de Anatocismo...............................................................................10 1.2. Evolução Histórica do Anatocismo................................................................11 1.3. Conceito de Contrato de Mútuo Bancário e sua natureza jurídica................19 1.4. Tabela Price – Definição e Função...............................................................21 2. DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS NO CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO 2.1. Da Aplicação dos Princípios nos Contratos..................................................24 2.2. Autonomia da Vontade..................................................................................26 2.3. Força Obrigatória dos Contratos...................................................................30 2.4. Relatividade dos Efeitos Contratuais............................................................32 2.5. Boa-fé............................................................................................................34 2.6. Função Social do Contrato............................................................................36 3. DA VEDAÇÃO LEGAL DO ANATOCISMO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 3.1. O Anatocismo nos contratos de Mútuo Bancário..........................................39 3.2. Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de mútuo bancário e sua vedação Legal..................................................................46 3.3. Da inconstitucionalidade do art. 5º. da Medida Provisória n° 2.170-36/01...48 3.4. ADIN Nº 2316/2000 E SEU JULGAMENTO NO STF...................................52 3.5. Posicionamento Jurisprudencial...................................................................54 CONCLUSÃO..........................................................................................................59 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.......................................................................61 INTRODUÇÃO A presente monografia tem como objetivo analisar a aplicação do anatocismo nos contratos de mútuo bancário, abordando o uso da Tabela Price nesta relação contratual, questionando se estariam os juros embutidos por ela, liberados ou limitados dentro do ordenamento jurídico brasileiro em especial no Código de Defesa do Consumidor. De acordo com a nossa legislação o anatocismo já foi proibido, como também já foi liberado, pois com o advento do Código de Defesa do Consumidor, está pratica passou a ser banida do nosso ordenamento jurídico, porém com a vigência da medida provisória nº 2.170-36 de agosto de 2001 a situação passou a ser controversa, pois esta MP deu nova vida a este tipo de capitalização de juros. Como o artigo 5º da MP 2.170-36, vem sendo questionada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.316/DF, o tema se torna bastante relevante, devido ao conflito de leis e a insegurança jurídica que isto trouxe ao nosso sistema financeiro. O capítulo primeiro aborda a evolução histórica do anatocismo, o seu conceito e sua natureza jurídica, bem como a sua classificação, também aborda a definição de tabela price, analisando o contrato de mútuo bancário e suas definições. O capítulo segundo trata dos princípios aplicáveis ao contrato de mútuo de uma maneira especifica, logo analisa a interpretação e as transformações dos mais importantes, quais sejam, princípio da autonomia da vontade, princípio da força obrigatória dos contratos, princípio da relatividade dos efeitos contratuais, princípio da boa-fé e o princípio da função social do contrato. O capítulo terceiro trata da aplicabilidade das normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor nos contratos bancários, da sua vedação legal em confronto com a MP autorizadora, das teses contrárias à vedação imposta pelo Código de Defesa do Consumidor, da jurisprudência atual, fazendo uma analise do que vem sendo decidido e sua conseqüência para a sociedade brasileira. A Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados os pontos conclusivos. CAPÍTULO 01 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE ANATOCISMO E CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO 1.1. Conceito de Anatocismo O anatocismo é o juro cobrado sobre juros vencidos e não pagos e que são tidos por incorporados ao capital desde o dia do vencimento de acordo com o dicionário MICHAELIS (2008). Podemos definir também, em uma analise jurídica, como o termo utilizado quando verificado a ocorrência da cobrança de juros sobre juros, ou seja, quando os juros devidos em um determinado período de tempo, são somados ao capital que foi utilizado como base de cálculo desses mesmos juros, o que forma, assim, nova base de cálculo para a cobrança de outra parcela de juros. Na linguagem matemática, essa ocorrência tem o nome de juros compostos. Percebe-se que na definição jurídica de anatocismo, os juros serão cobrados sobre o mesmo capital base e também serão cobrados juros sobre os juros que eram devidos e que deverão ser acrescentados sobre o capital base. Sobre a forma que se dá o anatocismo como sendo a capitalização de juros de forma composta e a sua diferença entre os juros simples, é de se ressaltar os ensinamentos do ilustre professor Pontes de Miranda que afirmava que: Dizem-se simples os juros que não produzem juros; juros compostos os que fluem dos juros. Se disse „com os juros compostos de seis por cento‟, entende-se que se estipulou que o principal daria juros de seis por cento e sobre esses se contariam os juros de seis por cento ao ano‟ 1 (= com capitalização anual). Já, Bruno Mattos e Silva define de forma objetiva a capitalização de forma simples e composta (anatocismo): O que são juros simples? Juros simples são aqueles que incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não incidem sobre os juros que se acrescente ao saldo devedor. Vale dizer, assim, que os juros não pagos não constituem a base de cálculo para a incidência posterior de novos juros simples. E o que são juros compostos? Juros compostos são aqueles que incidirão não apenas sobre o principal corrigido, mas também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Como se pode perceber, capitalização dos juros pode, matematicamente, ocorrer mês a mês, semestralmente, ano a ano, etc. 1.2. Evolução Histórica da Previsão Legal do Anatocismo Estudando normas antigas a respeito do tema, verifica-se que o Código Civil de 1916 não trazia nenhuma vedação quanto à prática do anatocismo, desde que fosse expressamente contratada, conforme redação do Art. 1.262 a seguir: Art. 1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis. Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização. Porém, essa prática passou a não ser mais admitida no direito brasileiro e a sua vedação legal data de 1933, com a publicação do Decreto n.º 22.626/33, 1 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, 3 ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 1984, v. 24, p. 32. conhecido como “Lei da Usura”. Mas nesse mesmo decreto já estavam previstos as exceções possíveis para uma futura definição. Art.4º. É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. (Decreto n.º 22.626, de 07/04/1933). O Supremo Tribunal Federal posicionou-se a respeito da possibilidade da cobrança de juros capitalizados, previsto no Código Civil de 1916, com interpretação favorável ao decreto de 1933, conforme enunciado da Súmula 121, de 13/12/19632: Súmula 121 - É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. (Aprovada na Sessão Plenária de 13/12/1963) Posteriormente a essa súmula, houve a edição da Lei n.º 4.595, de 31/12/1964, conhecida como a Lei da Reforma Bancária, que dispõe sobre o Sistema Financeiro Nacional - SFN e que delega ao Conselho Monetário Nacional CMN a competência para disciplinar o crédito em todas as suas modalidade e operações, até de limitar o a taxa de juros quando fosse necessário, conforme disposto em seu Art. 4º, incisos VI e IX3: Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: (Redação dada pela Lei nº. 6.045, de 15/05/74) 2 Brasil. Superior Tribunal Federal. Súmula nº 121 do Supremo Tribunal, aprovada na sessão plenária de 13/12/1963. <Disponível em www.stf.jus.br> Acesso: 10 de julho de 2010. 3 BRASIL. Lei 4.595/64, de 12 de Dezembro de 1964. Lei da Reforma Bancária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4595.htm>. Acesso em: 10 de julho de 2010. VI - Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras; IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover: Com a edição dessa lei, houve uma mudança no entendimento jurisprudencial, quanto à possibilidade da utilização dos juros capitalizados pelas instituições financeiras, o que resultou na edição da Súmula 5964 do STF: Súmula 596 - As disposições do decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional. Porém, com o advento da Constituição Federal de 1988, ocorreu outra “febre” de ações judiciais contra instituições financeiras, em decorrência do artigo 192, §3º, que limita a taxa dos juros a serem cobrados pelas instituições financeiras, em 12% a.a., conforme abaixo podemos ver o artigo em sua integra: Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: I - a autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas 4 Brasil. Superior Tribunal Federal. Súmula nº 596 do Supremo Tribunal, aprovada na sessão plenária de 13/12/1963. <Disponível em www.stf.jus.br> Acesso: 10 de julho de 2010. instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata este inciso; II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador; III - as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente: a) os interesses nacionais; b) os acordos internacionais IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do banco central e demais instituições financeiras públicas e privadas; V - os requisitos para a designação de membros da diretoria do banco central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo; VI - a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União; VII - os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento; VIII - o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras. § 1º - A autorização a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com o empreendimento. § 2º - Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados. § 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. Essas ações judiciais baseavam-se no fato de ter sido inserido pela nossa carta magna a seguinte expressão: nos termos que a lei determinar, o que de fato implicaria na recepção pela CF da Lei da Usura, o que teria como conseqüência imediata a perda da eficácia da Súmula 596 do STF, pois teria o comando constitucional aplicabilidade imediata. As petições iniciais encaminhadas ao judiciário tiveram como fundamento principal essa afirmação, apesar de que o “caput” do Art. 192 determinar que o Sistema Financeiro Nacional seja regido por lei complementar - LC, uma vez que a regulamentação a ser feita não poderia dispor de taxas de juros superiores a 12%, sob pena de ser declarada inconstitucional, pois não condiz com o disposto no §3º do Art. 192 da CF. Com a publicação do Código de Defesa do Consumidor - CDC, Lei 8.078 de 11/09/1990, veio uma ampliação dos dispositivos legais que validavam ainda mais as teses das ações judiciais, pois o Código de Defesa do Consumidor implementou uma série de artigos que vedaram os abusos nas relações entre o consumidor e fornecedor de produtos e serviços, o que abrangia, também, as relações entre os bancos e seus clientes. Na data de 25 de Abril de 1991, foi publicado o decreto sem número, que em seu Art. 4º revogou vários decretos, entre eles o de n.º 22.626/33 – Lei da Usura, que consta no Anexo do decreto em questão: Art. 4º - Declaram-se revogados os decretos relacionados no Anexo. (Decreto de 25 de abril de 1991) Anexo: ... 22.626, de 07 de abril de 1993; (Decreto de 25 de Abril de 1991) Contudo, em 1991, por meio de outro decreto sem número, houve a revogação de alguns decretos citados no Decreto publicado em 25 de abril de 1991, citado acima como por exemplo, o decreto 22.626/33: Art. 1º - Fica sem efeito a revogação dos Decretos nºs: ... IV - 22.626, de 7 de abril de 1933, 57.286, de 18 de novembro de 1965, 59.195, de 8 de setembro de 1966, e 65.268, de 3 de outubro de 1969, constantes do anexo ao Decreto de 25 de abril de 1991; ... (Decreto de 29 de Novembro de 1991) Um adendo se faz necessário, pois em nosso Direito Pátrio não há a repristinação ou revigoração da norma revogada em decorrência da perda da validade da norma revogadora, de acordo com o que determina o §3º do Art. 2º da Lei de introdução ao Código Civil: Art. 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. ... § 3º - Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. (Decreto-lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942). Percebe-se que o decreto publicado em 29 de Novembro de 1991, não aboliu todo o decreto anterior, mas apenas alguns decretos específicos, e ainda, no texto do decreto não consta determinação expressa para que os decretos citados voltem a ter validade. Assim, apesar da abolição do nosso ordenamento jurídico do decreto revogador, a validade do decreto 22.626/33 não foi renovada. Um dos objetos de estudo deste trabalho mais a frente, em 23 de agosto de 2001, fora editada a MP 2.170-36, em que é liberada o anatocismo (capitalização de juros), para períodos inferiores que um ano, nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, conforme Art. 5º a seguir: Art. 5º - Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Parágrafo único - Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais. Com a publicação do Código Civil de 2002, a capitalização dos juros para o mútuo com fins econômicos foi liberada, mas de forma anual, conforme Art. 561, o que reforça o entendimento da revogação do decreto 22.626/33, Lei da Usura: Art. 591 - Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual. Com o aumento absurdo da demanda judicial sobre o mesmo tema, em 29 de maio de 2003, foi publicada a EC n.º 40, que alterou o Art. 192 da CF/88, com a retirada da limitação constitucional dos juros reais em 12% a.a. e estabeleceu que o sistema financeiro nacional deverá ser regulado por leis complementares: Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 40, de 2003) I - (Revogado). II - (Revogado). III - (Revogado) a) (Revogado) b) (Revogado) IV - (Revogado) V -(Revogado) VI - (Revogado) VII - (Revogado) VIII - (Revogado) § 1°- (Revogado) § 2°- (Revogado) § 3°- (Revogado) Com isso, restou caracterizada a “desconstitucionalização” no que concerne ao Sistema Financeiro Nacional e, como conseqüência, a recepção com o status de lei complementar, da Lei 4.595/64 - Lei da Reforma Bancária, como a lei que regula o nosso SFN, o que não mais permite cogitar em base constitucional a limitação da cobrança de juros reais e deixa claro que a súmula nº 596 do STF não perdeu seu efeito. A própria Corte Suprema, diante de várias decisões diferentes a respeito da auto-aplicação da norma constante no §3º do Art. 192 da CF, aprovou o enunciado nº 6485, com a finalidade de unificar as decisões dos demais tribunais do país: Súmula 648 - A norma do $3º do Art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar. O enunciado acima descrito foi convertido em súmula vinculante em 20/06/2008 e recebeu o número º 76: Súmula Vinculante 7 - A norma do §3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional n.º 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar. (Fonte de Publicação DJe n.º 112/2008, de 20/6/2008) 1.3. Conceito de Contrato de Mútuo Bancário É o contrato bancário pelo qual a instituição financeira empresta certa quantia de dinheiro ao cliente, fracionando este débito em prestações que incidem juros, sendo esta a remuneração do dinheiro emprestado, diferentemente do mútuo civil que está previsto no Código Civil no Art. 586, abaixo descrito: 5 Brasil. Superior Tribunal Federal. Súmula nº 648 do Supremo Tribunal. <Disponível em www.stf.jus.br> Acesso: 18 de julho de 2010 6 Brasil. Superior Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 7 do Supremo Tribunal. <Disponível em www.stf.jus.br> Acesso: 18 de julho de 2010 Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Podemos classificar o mútuo bancário como contrato real, pois somente se efetiva com a entrega do dinheiro ao mutuário, sendo temporário, por prazo determinado ou indeterminando, podendo ser gratuito ou oneroso, no ultimo caso o mutuário assume a obrigação de devolver o valor emprestado, de uma só vez ou através de amortizações, bem como a pagar os juros e demais encargos devidos, tudo previsto em contrato. Quanto à natureza jurídica que possui o mútuo bancário, vejamos os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa7: Examinado o comodato, quanto ao mútuo, podemos afirmar que sua estrutura não se altera como contrato de empréstimo. Uma vez que seu objeto é construído de coisas fungíveis, seu regime jurídico exige variações. Sob tal prisma, diz-se que o mútuo é empréstimo de consumo, em paralelo ao comodato, empréstimo para uso. Ao mútuo bancário em que não há destinação final específica em contrato para o valor emprestado, dá-se a denominação de “empréstimo”. Já o mútuo bancário em que há uma determinação contratual ou uma destinação específica para o valor emprestado, denomina-se de “financiamento”. 7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Atlas, p. 241, 2004 1.4. TABELA PRICE – O QUE É? TABELA PRICE ou Tables of Compound Interest (Tabelas de Juro Composto), é o sistema francês de amortização criado por RICHARD PRICE, onde a forma de amortização da dívida se dá por meio de juros compostos ou exponenciais. Este sistema foi importado da França, e é utilizada pelas instituições financeiras brasileiras nos contratos de mútuo bancário como forma de praticar o ANATOCISMO e cobrar juros sobre juros. Sobre tal procedimento corriqueiro nos contratos de financiamento bancários, LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIOR8 esclarece: A Tabela Price, como é conhecido o sistema francês de amortização, há muito vem sendo ilegalmente utilizada neste país, principalmente pelos bancos, construtores e agentes financeiros. Mas o que é a Tabela Price? Segundo a lição do ilustre matemático JOSÉ DUTRA VIEIRA SOBRINHO, que cita trecho da obra do professor MARIO GERALDO PEREIRA, a denominação Tabela Price se deve ao matemático, filósofo e teólogo inglês Richard Price, que viveu no séc. XVIII e que incorporou a teoria dos juros compostos às amortizações de empréstimos (ou financiamentos). A denominação 'Sistema francês', de acordo com o autor citado, deve-se ao fato de o mesmo ter-se efetivamente desenvolvido na França, no Século XIX. Esse sistema consiste em um plano de amortização de uma divida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, dentro do conceito de termos vencidos, em que o valor de cada prestação, ou pagamento, é composto por duas parcelas distintas: uma de juros e uma de capital (chamada amortização). (...) Portanto,o que é evidente, e qualquer profissional da área sabe, até porque aprendeu nos bancos da faculdade, é que a Tabela Price é o sistema de amortização que incorpora, por excelência, os juros compostos (juros sobre juros, juros capitalizados de forma composta ou juros exponenciais). Se incorpora juros capitalizados de forma composta, a tabela Price abraça juros sobre juros e, portanto, é absolutamente ilegal a teor do que dispõe o art. 4º do Decreto 22.626/33 (Súmula 121 do STF), e isso parece que esses profissionais desconhecem. No que diz respeito à TABELA PRICE é ela quem determina o valor fixo das prestações, em todo o período de contratação do valor financiado, para tanto, utiliza 8 in Tabela Price: enfim os tribunais reconhecem a ileqalidade, Direito Bancário, São Paulo. Disponível em www.direitobancario.com.br/artiqos/direitobancario/1fev - 00 -19.htm. Acesso em 10/11/2010. Destacou-se. a forma antecipada dos juros e sua cumulação mensal, ao invés de anual como determina a Súmula 121 do STF, ocorrendo, destarte, a superposição de juros. Para demonstrar a caracterização do anatocismo pelo uso da Tabela Price, é importante trazer ao trabalho o julgado do douto MIN. JOSÉ DELGADO, no julgamento do REsp. 572210/RS9, achando-se assim resumida a fundamentação do acórdão, verbis: “RECURSO ESPECIAL CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE CRÉDITO EDUCATIVO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE JUROS CAPITALIZADOS. ANATOCISMO. CARACTERIZAÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: ARTIGOS 3º, § 2º, 6º, V, e 51, IV, § 1º, III. INCIDÊNCIA DE JUROS LEGAIS, NÃO CAPITALIZADOS. 1. O contrato de financiamento de crédito educativo, ajustado entre a Caixa Econômica Federal e o estudante, é de natureza bancária, pelo que recebe a tutela do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). 2. É indevida a utilização da tabela price na atualização monetária dos contratos de financiamento de crédito educativo, uma vez que, nesse sistema, os juros crescem em progressão geométrica, sobrepondo-se juros sobre juros, caracterizando-se o anatocismo. 3. A aplicação da tabela price, nos contratos em referência, encontra vedação na regra disposta nos artigos 6º, V, e 51, IV, § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor, em razão da excessiva onerosidade imposta ao consumidor, no caso, o estudante. 4. Na atualização do contrato de crédito educativo, deve-se aplicar os juros legais, ajustados de forma não capitalizada ou composta. 5. Recurso especial conhecido e provido.” No mesmo sentido é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal10, como se observa nos julgados abaixo transcrito, in verbis: 9 Brasil.Superior Tribunal de Justiça. REsp 572210/RS, Relator Min. José Delgado, DJU 07/06/04. Brasil. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. EMBARGOS INFRINGENTES CÍVEIS NA APELAÇÃO CÍVEL 20040110618628EIC, Relatora Des. VERA ANDRIGHI, 11/07/2006. 10 “CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR APÓS A AMORTIZAÇÃO. ADOÇÃO DA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE. (...). O sistema "price" de amortização mascara, na verdade, a capitalização de juros, vedada pelo direito pátrio, já que os juros, na aludida tabela, são compostos, configurando, assim, o anatocismo.( Destacou-se. 2ª T. Cível, APC 20030111140122, ac. 226.969, Rel. Desa. Carmelita Brasil, DJU 18/10/2005, p. 131) “EMBARGOS INFRINGENTES. CAPITALIZAÇÃO. TABELA PRICE. REVISÃO CONTRATUAL. I - A UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE ACARRETA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, VEDADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. II - EMBARGOS INFRINGENTES CONHECIDOS E IMPROVIDOS. UNÂNIME”. CAPÍTULO 02 2. DOS PRINCIPIOS APLICÁVEIS NO CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO 2.1. DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NOS CONTRATOS Não podemos deixar de observar o contrato não apenas sob a ótica de direito civil, deve ser levado em conta todo ordenamento jurídico, interpretando as normas presentes neste sistema de acordo com as normas da Constituição Federal. No Direito atual são muito observadas nos contratos as perspectivas do CDC, conforme Sílvio de Salvo Venosa11 “Não há conflito, mas harmonização em sua aplicação perante o Código Civil”. Tem o Direito que ser visto como um todo, interpretando este com as diretrizes da Constituição Federal. Sobre o tema, comenta Flávio Tartuce12: O que se recomenda, na verdade, é que seja feita uma interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico, para conhecer profundamente o contrato. O estudioso do direito deve saber trabalhar não só com o Código Civil, mas também com esses estatutos jurídicos importantes, não se esquecendo de uma analise sob o enfoque constitucional. O que deve ser lembrado na interpretação do contrato além do diferencial de cada um, ou seja, no contrato de locação deve levar em consideração as normas que tratam este contrato, assim como deve observar as especificidades do contrato de seguro ou de depósito, por exemplo, mas sim os princípios que regem todos os 11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, p. 402, 2007. 12 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do código de defesa do consumidor ao código civil de 2002. São Paulo: Método, p. 55, 2007. contratos, já que elas servem de limite da liberdade de contratar. Assim assevera, Flávio Tartuce13: Sendo o contrato categoria de negocio jurídico, não se pode olvidar a relevância da Parte Geral do Código Civil para a compreensão de sua existência, validade e eficácia. Vital é o estudo dos seus elementos essenciais, acidentais e naturais, por serem também os elementos formadores e orientadores do contrato. Os defeitos do negocio jurídico são de grande valia a matéria contratual, já que geram anulabilidade ou nulidade dos pactos em diversas situações. Por conseqüência, as situações de nulidade e de anulabilidade do negocio jurídico são plenamente aplicáveis aos contratos, hipóteses em que se tem a extinção dos contratos por invalidade contratual, dos contratos, já que esses constituem a principal fonte do Direito Obrigacional. No contrato, temse uma relação jurídica transitória entre credor e devedor, gerando obrigações de dar, fazer ou não fazer, solidariedade, indivisibilidade e divisibilidade. Os contratos tem extinção normal pelo cumprimento, pelo pagamento direto, mas também por consignação em pagamento, imputação do pagamento, pagamento em sub-rogação, dação em pagamento, novação, compensação, confusão, remissão de dividas, transação e compromisso. O estudo desses conceitos também nos leva ao cerne do contrato. Não se pode deixar de lembrar, ao analisar o contrato, os princípios dos contratos e os princípios constitucionais. A CF, em seu preâmbulo, assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, o bem estar, a igualdade, a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna na harmonia social, no artigo 1º, III a dignidade da pessoa humana, nos artigos 5º, 6º e 7º os direitos individuais, coletivos e sociais, no artigo 170º, V e VI a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, conforme os ditames da justiça social, a função social da propriedade, defesa do consumidor e defesa do meio ambiente, no artigo 170, §1º, I a função social da empresa pública, sociedade de economia mista e suas subsidiárias. Veja que ao interpretar o contrato deve o analista resguardar a função social a que se destina, devido ao enfoque que a Carta magna impôs ao Direito Privado. 13 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do código de defesa do consumidor ao Código civil de 2002. São Paulo: Método, p. 30-31, 2007 Com a promulgação da nossa carta magna em 1988, o contrato passou por uma transformação, adequando-se ao atual Direito Civil e aos princípios constitucionais, que veremos logo adiante. 2.2. AUTONOMIA DA VONTADE O Princípio da liberdade negocial vem garantindo os contratos em todos os ordenamentos jurídicos ocidentais, sendo que somente em casos especiais ele poderá ser restringido. No Brasil o contrato é formado por vontade de duas ou mais partes, sendo a vontade o objeto humano mais valorizado no contrato. O elemento característico do negócio jurídico é a vontade, importante demonstrar a diferença entre a liberdade para contratar, liberdade de contratar e a liberdade contratual, pois a primeira consiste na autonomia de querer ou não contratar, a segunda se trata à liberdade de escolha com quem contratar e a terceira consiste na livre forma de contratar, podendo ser chamada de autonomia da vontade, manifesta-se por essas formas, de liberdades dimensionadas. Assim dispõe Flávio Tartuce14: Inicialmente, percebe-se, no mundo negocial, uma plena liberdade para a celebração dos pactos e avenças, sendo o direito à contratação inerente à própria concepção humana, um direito da personalidade advindo do princípio da liberdade. Além desse conceito, há a liberdade de contratar relacionada com a escolha da pessoa ou das pessoas com quem o negocio será celebrado. E, outro plano, essa face da autonomia pode estar relacionada com o conteúdo do negócio jurídico, ponto em que residem limitações ainda maiores à liberdade do contratante. Surge aqui o conceito de liberdade contratual. Há muito tempo os sujeitos do direito vêm encontrando limitações ao seu modo de viver, inclusive para as disposições contratuais, já que o velho modelo individualista de contrato encontra-se superado. 14 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do código de defesa do consumidor ao código civil de 2002. São Paulo: Método, p. 173, 2007. Ciente dessa liberdade, o Código Civil prevê em seu artigo 425, a possibilidade de celebração de contratos atípicos, admitindo contratos não regidos por lei, fruto da vontade humana, porém a própria codificação traz limitação a essa liberdade, o próprio artigo 425 remete os contratos atípicos a observarem as normas gerais previstas no próprio Código Civil. Conforme, Maria Helena Diniz15: Contratos atípicos ou inominados. São os não disciplinados expressamente pelo Código Civil ou por lei extravagante, porém admitidos juridicamente, ante o princípio da autonomia da vontade e a doutrina do número apertus, em que se desenvolvem as relações contratuais, desde que observem as normas gerais estabelecidas pelo Código Civil e não contrariem a rodem pública, os bons costumes e os princípios gerais do direito, como o da função social do contrato (CC, art. 2.035, parágrafo único). Os particulares, dentro dos limites legais, poderão criar as figuras contratuais de que necessitarem no mundo dos negócios. A autonomia da vontade, que representa direito da própria personalidade, posto que assegura a assunção de vínculos sem a necessária aprovação do Estado ou de quem quer que seja, traça, nos contratos, os deveres fundamentais das partes que, em geral, refletem a causa do negocio jurídico. No entanto, para que o adimplemento seja alcançado, mister faz-se que também outras condutas que não constam explicitamente no contrato sejam observadas como forma de auxiliar a prestação do alter e garantia de resultado útil do processo obrigacional. Sobre o assunto, o ilustre doutrinador Carlos Alberto de Arruda Silveira 16, comenta: Segundo o princípio da autonomia da vontade os indivíduos são livres para escolher com quem contratam, e para determinar o conteúdo dos contratos a que se sujeitam. O princípio da liberdade contratual consiste no poder conferido às partes de livremente disciplinar, seus interesses, mas sempre suscitando à tutela da ordem jurídica. Podemos dizer que a autonomia da 15 16 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, p. 366, 2008. SILVEIRA, Carlos Roberto de Arruda. Contratos. São Paulo: Mundo Jurídico, p. 15-16, 2003. vontade é limitada pelas normas de ordem pública, que visam estabelecer a premissa de que as partes contratantes se encontram em pé de igualdade. A liberdade de contratar pressupõe: a) a liberdade de contratar ou não; b) a liberdade de escolher com quem se pretende contratar; c) a liberdade de fixar o conteúdo do contrato. A liberdade de contratar não pode ser interpretada de forma absoluta. Limitam-na as normas de ordem pública e os bons costumes. O Estado intervém na autonomia da vontade através da revisão judicial dos contratos, alterando-os ou extinguindo-os, com fundamento no princípio da boafé e na supremacia do interesse coletivo. Não restam mais dúvidas que a vontade da pessoa humana perdeu a importância que exercia nos contratos do passado. Na concepção liberal a vontade não podia ser modificada, por ser fruto do desejo livre e consciente entre as partes, estas não poderiam se posicionar contra ela, exceto se algum vício escondesse a vontade, haja vista que, pelas limitações impostas pela legislação, a realidade hoje é outra. Portanto, é inevitável que o Estado intervenha em certos casos, restringido a autonomia individual. Nesse sentido, Eliseu Jusefovicz17: Na concepção liberal, a tese voluntarista define o contrato acentuado como aspecto fundamental a vontade, que não pode ser modificada porque é autônoma, Uma vez aperfeiçoado o contrato, por ser fruto da vontade livre, as partes não podem mais se rebelar contra ela, exceto se algum vício macule a vontade. Em conseqüência, vale a máxima pacta sunt servanda e a vinculação do juiz às determinações contratuais. De acordo com esse posicionamento, o contrato é visto como causa de obrigações, um fenômeno de auto-regulação, um ato jurídico bilateral de efeito relativo. No entanto, o pressuposto na concepção moderna do Direito dos Contratos é o contrário: a autonomia privada diz muito pouco sobre o contrato nos tempos modernos. Também, não há dúvidas de que a autonomia da vontade representa um dos componentes primordiais para o contrato. Essa liberdade tendo como matriz a 17 JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. Curitiba: Juruá Editora, p. 61, 2005. concepção do ser humano como agente moral, dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, e que deve se guiar de acordo com essas escolhas. Entretanto, essa liberdade não é mais absoluta, prepondera na atualidade a convicção de que a vontade, esta infiltrada de regulamentações que lhe dão um sentido. As obrigações que tem origem nessa dita “vontade comum”, na maioria das vezes, advém de cláusulas predispostas unilateralmente ou da própria lei, fala-se no “livre consentimento”, porém se os contratos são padronizados a situação de “pegar ou largar” em que se encontram os aderentes e porque não dizer também os locatários e os contratos firmados com a administração pública, conduzem a um consentimento com caráter quase coercitivo para a parte em situação 18 desproporcional. Também, a análise de Jusefovicz : Na atualidade prepondera a convicção de que a vontade, desde seu surgimento ou formação até a concretização, esta infiltrada de regulamentações que lhe dão um sentido. O próprio contrato é uma abstração jurídica. As obrigações podem ter origem na “vontade comum”, mas, na maioria das vezes, advêm das cláusulas predispostas unilateralmente, ou da lei. Nem sempre quem emite voluntariamente a oferta e a aceitação são os sujeitos responsáveis pelo contrato; por exemplo, as implicações da representação, da “aparência”, da responsabilidade por produtos etc. Frequentemente, ainda que as partes decidam a entrada e saída do contrato, poderão sofrer restrições sobre responsabilidade pré-contratual e póscontratual, decorrentes da boa-fé. Em conseqüência dessas transformações passou-se a falar em substituição do termo que proclamou esse princípio “autonomia da vontade” pelo termo “autonomia privada”. Nesse sentido, explica Flávio Tartuce19: Dentro da idéia de personalização de Direito Privado, de valorização da pessoa como centro do Direito Privado, o conceito de autonomia privada é também o mais correto, pois a autonomia não é da vontade, mas da 18 JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. Curitiba: Juruá Editora, p. 61- 62, 2005. 19 TARTUCE, op. cit. p. 177. pessoa. Entre os autores nacionais, quem observou muito bem o significado do principio da autonomia privada foi Francisco Amaral. Suas construções em relação ao conceito de autonomia privada e confrontação desta em relação à autonomia da vontade são brilhantes e devem ser utilizadas para a concepção da substituição titulo dessa seção. Por tudo isso, a autonomia das partes sucumbe pelas normas de ordem pública e pelos fins sociais que cercam o contrato. 2.3. FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS Esse princípio vem da deliberação disposta pela autonomia das partes, qual seja, pacta sunt servanda, que é concebida através da idéia de que o contrato faz lei entre as partes. Abaixo podemos entender melhor esta relação nelas palavras do festejado doutrinador Silvio Rodrigues20: O princípio da força vinculante das convenções consagra a idéia de que o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não se podem desligar senão por outra avença, em tal sentido. Isto é, o contrato vai constituir uma espécie de lei privada entre as partes, adquirindo força vinculante igual à do preceito legislativo, pois vem munido de uma sanção que decorre da norma legal, representada pela possibilidade de execução patrimonial do devedor. Pacta sunt servanda! O liberalismo do século XIX justifica o princípio na idéia de que, se as partes alienarem livremente sua liberdade, devem cumprir o prometido, ainda que daí lhes advenha considerável prejuízo. Pois, quem diz contratual, diz justo. Esse princípio, em sua interpretação primária, mantém o caráter individual, que reinou nos séculos anteriores não permitindo no contrato intervenção de terceiros, devendo ser cumprido o que se acordou, tendo a mesma força de uma lei. No entanto, com a evolução contratual, este princípio foi sendo superado, pois foi 20 RODRIGUES, Silvio.Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 30 ed. São Paulo: Saraiva, p. 17-18, 2004. sendo reconhecido a função social que o contrato representa. Com maestria Maria Eugênia Finkelstein21 comenta o assunto: O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado um contrato com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. Em face da evolução das relações contratuais, aliada ao fenômeno do desenvolvimento do Capitalismo, levou a um total desequilíbrio das partes contratantes, de modo que uma só parte passou a ter condições de estabelecer a lex contractus. Assim, o princípio da força obrigatória passou a possibilitar relações e obrigações destorcidas. Ora, tendo-se em vista que somente uma das partes podia impor obrigações à outra, sem negociação, não seria justo obrigar ainda essa parte mais fraca a cumprir o que fora estabelecido sem a sua participação. Isso ocasionaria injustiças! Dessa forma, foi obrigação que coube a doutrina e à jurisprudência amenizar o principio da força obrigatória. Com isso visou-se a favorecer a parte mais fraca. Em face do desvirtuamento do princípio da força obrigatória, a doutrina foi ressaltando cada vez mais a importância da igualdade entre as partes, pressuposto relevante para que uma relação contratual se aperfeiçoe. Não é difícil perceber que esse princípio não esta mais sendo considerado em sua idéia originária em todos os casos no nosso ordenamento, pois caso pensássemos em utilizar este princípio, nos colocaríamos em situações claramente injustas, onde o maior afetado seria os contratantes das relações de consumo, pois a maioria destes contratos é de adesão. O Código Civil de 2002 já vêm com algumas relativizações desse princípio, pois permite a revisão de contratos, que forem concebidos com lesão (art. 157, §2º) ou que em seu cumprimento gerarem alguma onerosidade excessiva para as partes22. 21 FINKELSTEIN, Maria Eugênia. O princípio da autonomia da vontade e as cláusulas abusivas. Revista de Direito Internacional e Econômico: Porto Alegre, Síntese, v.11, p. 12-13, 2005. 22 O artigo 478 do Código Civil sofre criticas em razão desse principio, pois deveria o dispositivo conduzir a revisão judicial e não a resolução do contrato, neste sentido Maria Helena Diniz: Para dirimir tal questão o Projeto de Lei 6.960/2002 (arts. 472, §§1º a 3º, 473 e 475) pretende modificar o Código Civil, dispondo que, nos contratos de execução sucessiva, havendo onerosidade excessiva das prestações, oriunda de acontecimento extraordinário e alheio aos contratantes à época da celebração contratual, o lesado poderá pedir revisão contratual, se aquela desproporção exceder os riscos normais do contrato. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23. ed. São Paulo: Saraiva, p. 30, 2000. Existe a possibilidade até de alteração de sua nomenclatura como explica Flávio Tartuce23: Dentro dessa realidade, o principio da força obrigatória, da obrigatoriedade das convenções e ou do consensualismo previsto em nosso ordenamento jurídico. Entretanto, pode-se dizer que esse princípio não é mais a regra geral, como antes era concebido. A força obrigatória constitui, desse modo, exceção à regra geral da socialidade, secundário aos princípios sociais contratuais, à função social dos contratos e à boa-fé objetiva. Certo é, portanto, que o princípio da força obrigatória não tem mais encontrado a predominância e prevalência que exercia no passado. A par de tudo isso, entretanto, não se pode concordar com eventual posicionamento que possa surgir, no sentido de que o princípio da força obrigatória do contrato foi definitivamente extinto pela codificação emergente. Ora, isso afasta o mínimo de segurança e certeza que se espera do ordenamento jurídico, ícones tão importantes como a própria justiça, objetivo maior buscando pelo Direito e pela ciência que o estuda. A partir desses argumentos, é até melhor dizer que o princípio a força obrigatória recebeu uma nova nomenclatura, tendo sido rebatizado como princípio da conservação contratual. Esse ultimo regramento preocupa-se com a manutenção da autonomia privada manifestada nos pactos, justamente porque eles têm uma grande importância social. Com base nesses argumentos é que este princípio já está sucumbindo pelo fim social que todo contrato deve ter. 2.4. RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS Em regra, os efeitos do contrato apenas podem alcançar as pessoas que assinarem o contrato, ou seja, o negócio jurídico é feito para alcançar apenas os contratantes sendo que nada aproveitaria ou prejudicaria outros não inclusos na relação contratual. Sobre o assunto, os comentários de Thaissa Garcia24: 23 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do código de defesa do consumidor ao código civil de 2002. São Paulo: Método, p. 187-188, 2007. 24 GOMES, Thaissa Garcia. Princípios contratuais. Revista dos Tribunais: São Paulo, v.838, Editora Revista dos Tribunais, p. 731, 2005. O princípio em questão determina que os efeitos dos contratos devem abranger somente a esfera jurídica das partes contratantes, todavia se constatou que a premissa “contrato somente gera efeito entre as partes” não é perfeita, pois, a própria legislação civil prevê que terceiro possa ser beneficiado em contrato no qual não é parte – estipulação em favor de terceiro. Na modalidade contratual citada, é necessária a aceitação do beneficiário, mas tal ação não o inclui como parte no contrato. Esse é um típico contrato que produz efeito perante terceiro, ou seja, aquele que não é parte, logo, não pode utilizar os remédios contratuais, apenas executar o contrato. A questão torna-se efetivamente polêmica quando existe um terceiro prejudicado. Quando há beneficiamento de terceiro, que aceita a eficácia do contrato em sua esfera jurídica, não há qualquer confronto de interesses, mas, quando um contrato afeta negativamente a esfera de terceiro, aparecem os interesses divergentes. Porém, há de se lembrar algumas exceções a regra como o artigo 436 do Código Civil que admite a estipulação em favor de terceiro. Sobre o assunto podemos destacar as ilustres palavras do advogado Daniel Ustárroz25 que comenta: Na sociedade atual, ninguém duvida da utilidade do contrato de seguro, o qual, em vezes não raras é elaborado justamente para garantir que terceiros usufruam do beneficio em caso de sinistro. Vide a mãe de família que, precavida, pactua um valor a ser pago para seus filhos em caso de falecimento ou comprometimento de sua renda. Também existe a promessa de fato de terceiro na qual aquele que prometer fato de terceiro e este não cumprir, responde quem prometeu por perdas e danos e o contrato com pessoa a declarar. Pelo que foi estudado não há como negar que realmente o contrato não é um elemento que envolve somente os contratantes e que poderá sim dispor sobre terceiros alheios à relação contratual, desde que respeite os devidos limites. 25 Ustárroz, Daniel. A Responsabilidade contratual no novo código civil. AIDE editora, 1ª Ed., 2003, p. 63. 2.5. BOA-FÉ OBJETIVA No direito romano os contratos se caracterizavam por serem contratos de direito estrito e de boa-fé, os primeiros eram formais, já nos segundos admitia-se que o juiz pesquisasse livremente a intenção das partes26. De fato, em matéria de relação contratual, deve ser observada não só a intenção das partes, mas também a conduta do contratante, a parte deve agir dentro da ética e da razão, já que não se pode aceitar que um dos contratantes tenha firmado o pacto visando o enriquecimento ilícito à custa do prejuízo de outrem, certo que a conduta deve ser de lealdade, de confiança recíproca e de colaboração entre as partes. Assim, comenta Olney Queiroz Assis27: Boa-fé significa, portanto, ação refletida que visa não apenas o próprio bem, mas o bem do parceiro contratual. A ação deve ser conduzida pela virtude; significa respeitar as expectativas razoáveis do parceiro, agir com lealdade, não causar lesão ou desvantagem e cooperar para atingir o bem das obrigações. É nesse sentido que o princípio da boa-fé se revela como fonte de novos deveres ou obrigações especiais, os denominados deveres de conduta, tais como: os deveres de esclarecimentos (incide sobre a obrigação de prestar todas as informações que se façam necessárias), deveres de lealdade (incide sobre a obrigação de evitar danos), deveres de 26 Humberto Theodoro Júnior comenta esse principio no direito romano: “Historicamente, o direito contratual romano se caracterizava pela dicotomia entre contratos de direito estrito e contratos de “boa fé”. Os primeiros eram os “formais” (do direito civil, ou quiritário), e os de “boa fé” os que não dependiam e forma ou solenidade para produzir sua eficácia. Para os de “direito estrito”, só se admitia a interpretação rigorosa, segundo as solenidades traçadas pelas formulas da lei. Já para os não solenes, admitia-se que o juiz pesquisasse livremente a intenção das partes, sem se preocupar com as palavras utilizadas pelos contratantes. A interpretação deixava de ser “literal ou formalista”.” (JÚNIOR, Humberto Theodoro. O contrato e seus princípios. 3. ed. AIDE Editora, p. 33, 2001.). 27 ASSIS, Olney Queiroz. Princípio da autonomia da vontade x princípio da boa-fé (objetiva): uma investigação filosófica com repercussão na teoria dos contratos. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil: Porto Alegre, Magister, v.5, p. 56, 2005. transparência (incide sobre a obrigação de, na publicidade e marketing, prestar boa, clara e correta informação), além de outros. Sobre a divisão entre boa-fé subjetiva e a boa- fé objetiva, a análise de Edilson Pereira Nobre Júnior28: O ponto de partida para a compreensão da boa-fé reside nos dois sentidos que lhe são habituais. Um deles visa regular a ação daquele que atua movido por uma crença, errônea e escusável, acerca de determinada situação jurídica. Denomina-se boa-fé subjetiva, ou também boa-fé crença. Tem incidência mas freqüentemente no campo dos direitos reais, disciplinando as conseqüências relacionadas quanto à posse ad interdicta, à posse no alheio, aplicando-se igualmente no que concerne ao matrimônio putativo, ao credor e ao herdeiro aparente, entre outras situações. Noutro pórtico, a boa-fé é encarada objetivamente, consistente na conduta leal e honesta, esperada de um homem normal em determinadas circunstancias. É conhecida também como boa-fé conduta. Para melhor entendimento sobre esse princípio, podemos citar três exemplos, de condutas que ferem o princípio da boa-fé: A primeira é a supressão por renúncia tácita de um direito, pelo não exercício dele. A segunda diz que ninguém pode fazer contra o outro o que não faria contra si mesmo. A terceira veda determinada pessoa de um direito próprio, que contrariando um comportamento anterior, fere a confiança e o dever de lealdade, depositados quando da formação do contrato. Sobre o assunto, Flávio Tartuce29: Assim, caso tenha sido previsto no instrumento obrigacional o beneficio da obrigação portável (cujo pagamento deve ser efetuado no domicílio do credor) e tendo este o costume de ir receber no domicílio do devedor, a obrigação passará a ser considerada quesível, aquela cujo pagamento deve ocorrer no domicílio do sujeito passivo da relação obrigacional. Em outras palavras, ocorrerá a perda do direito por parte do credor pelo seu não exercício no tempo. 28 JÚNIOR, Edilson Pereira Nobre. O princípio da boa-fé e o novo código civil. Revista ESMAFE – Escola da Magistratura Federal da 5º Região: Recife, nº. 5, p. 166, 2003. 29 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do código de defesa do consumidor ao código civil de 2002. São Paulo: Método, p. 204, 205 e 207, 2007. Assim, está vedado que alguém faça contra o outro o que não faria contra si mesmo. Para Antonio Junqueira de Azevedo uma aplicação do tu quoque a ser invocada refere-se à exceção de contrato não cumprido, prevista no art. 476 do atual Código Civil, pelo qual uma parte de um contrato bilateral ou sinalagmático não pode exigir que a outra cumpra com a sua obrigação, se não cumprir com a própria. A mais conhecida decisão envolvendo a venire, proferida pelo supremo Tribunal de Justiça, envolvendo um caso de contrato de compromisso de compra e venda. O marido celebrou o referido negócio sem a outorga uxória, sem a anuência de sua esposa, o que, na vigência do Código Civil de 1916, era motivo de sua nulidade absoluta do contrato. A sua esposa, entretanto, informou em uma ação que concordou tacitamente com a venda. Dezessete anos após a sua celebração pretendeu a nulidade, o que foi afastada justamente pela presença de comportamentos contraditórios entre si. Assim, observa-se, a mitigação do que as partes fizeram constar no contrato, devendo se analisado, com auxílio dessa ferramenta, o princípio da boa-fé, o espírito da convenção, e não necessariamente o que escreveram no contrato e a conduta das partes contratantes. 2.6. DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO Esse princípio procura analisar o contrato a partir do meio social que o circunda. Está previsto expressamente no artigo 421 do Código Civil, na qual a liberdade de contratar terá como limite esse princípio que o cerca. Nesse sentido, comenta Thaissa Garcia Gomes30: A função social do contrato apresenta-se de duas formas: inter e ultra partes. Na primeira, observa-se a relação entre as partes, analisando se há equilíbrio contratual e se as intenções das partes são livres de vício e na outra, existe a preocupação quanto aos efeitos gerados perante terceiros, visa proteger o bem-estar social. O contrato sob a ótica interna deve ser respeitado, desde que as partes tenham realmente negociado o contrato; a 30 GOMES, Thaissa Garcia. Princípios contratuais. Revista dos Tribunais: São Paulo, v.838, Editora Revista dos Tribunais, p. 740-741, 2005. intervenção do Estado ocorre para que as partes tenham a sua autonomia privada respeitada. A art. 421 do CC/2002 prescreve que a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Tal dispositivo tem por fim propiciar liberdade a ambas as partes, observando-se o princípio da igualdade. A função social do contrato é um retrato da sociedade solidária vigente na qual o centro é o direito de todos a vida digna. Isso posto, os contratos devem ser criados e executados, respeitando-se o interesse negativo coletivo de não ser prejudicado. Os contratos são instrumentos para realização das relações econômicas, mas a função social do contrato veio para reafirmar a coexistência de princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. O princípio da função social do contrato esta intercalado com os princípios da autonomia da vontade, força obrigatória dos contratos, relatividade dos contratos e o princípio da boa-fé. Nesse sentido, os estudos da I Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, com a promulgação dos enunciados nº. (s) 21, 22 e 2331: Enunciado nº. 21: “A função social do contrato, prevista no art. 421, do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relativização dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito. Enunciado de nº. 22: A função social do contrato, prevista no artigo 421, do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas. Enunciado nº. 23: A função social do contrato, prevista no artigo 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. Não resta dúvida da importância desse princípio como cláusula geral dos contratos, de fato, é no caso concreto que o intérprete buscará a ajuda dessa ferramenta, utilizando o princípio da função social dos contratos, de forma a analisar 31 BRASIL. Portal da Justiça Federal. Enunciados Aprovados – I Jornada de Direito Civil. Disponível em <http://www.justicafederal,jus.br.>. Acesso em: 15 de setembro de 2010. o contrato com o meio social que o cerca, inclusive sobrepondo a autonomia das partes, ao princípio do pacta sunt servanda e reconhecendo seus efeitos para fora da relação contratual. CAPÍTULO 03 3. DA VEDAÇÃO LEGAL DO ANATOCISMO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 3.1 O Anatocismo nos contratos de Mútuo Bancário Normalmente, os contratos de mútuo elaborados pelas instituições são elaborados da seguinte forma: A parte contratante solicita um determinado valor a ser pago em X prestações, por sua vez a instituição financeira concorda em emprestar a quantia, porém com a incidência de uma quantia X de juro mensal aplicada sobre o valor que fora emprestado, resultando assim uma prestação fixa ao mês a ser paga pelo cliente. Ocorre que se multiplicássemos a taxa mensal de juros prevista no contrato pelos 12 (doze) meses do ano resulta sempre em uma taxa anual diversa daquela pactuada no contrato. Sendo assim, por meio de simples operação aritmética entre a diferença da taxa anual de juros disposta no contrato e a soma das taxas mensais, evidencia-se a existência de capitalização mensal de juros na modalidade composta, ou seja, a prática do anatocismo, o qual não é admitido em nosso ordenamento jurídico, consoante se verifica do art. 4° do Decreto n° 22.626/33 e da Súmula 121 do Colendo Supremo Tribunal Federal, nos termos seguintes: “Art. 4°: É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano". “Súmula 121. É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. Para entendermos melhor esse tipo de operação financeira, o economista Leandro Hurtado Dias32 CORECON/DF nº 6176, elaborou laudo detalhado sobre um contrato pactuado entre instituição financeira e uma mutuaria, demonstrando como se dá o anatocismo em um contrato de mútuo bancário, como podemos ver abaixo seu relatório: 1. Dados do Financiamento De acordo com o contrato da referência se tem as seguintes informações: Valor Solicitado / Financiado R$ 10.780,56 Valor total cobrado pelo banco R$ 17.934,72 Total dos encargos cobrados R$ 7.154,16 Prestação calculada pelo Banco Taxa de juro mensal 2,3051% Taxa de juro anual 31,45% Prazo do financiamento em meses IOF cobrado na operação R$ 373,64 48 R$ 150,56 TAC – Tarifa de Atualização Cadastral R$ 450,00 32 Leandro Hurtado Dias é economista formado pela UNB/DF e especialista em analise de contratos para verificar possíveis irregularidades em seu conteúdo. 2. Taxa de Juros Consta da operação a taxa de 2,3051% ao mês e taxa efetiva 31,45% ao ano. Multiplicando-se a taxa mensal (2,3051%) por 12 obtém-se a taxa anual de 27,66% e 31,45%, comprovando-se que houve a capitalização mensal dos juros. A capitalização pode ser comprovada pela aplicação da seguinte fórmula: J = (1 + i )n , onde: J = Taxa de Juro Anual i = Taxa de Juro Mensal = 2,3051% n = Prazo em meses = 12 J = (1 + 0,023051)12 ; J =31,45% a.a. Está comprovado, portanto, que o banco cobrou juro composto na operação. I. Cálculo da taxa de juros pela calculadora HP. Realizando-se o procedimento a seguir, com a utilização da calculadora HP 12c, para o cálculo da taxa de juros da operação se obtém o seguinte resultado: f CLX para limpar toda a memória da calculadora. 10.780,56 CHS PV 373,64 PMT 48 n para inserir o valor presente financiado. para inserir o valor da prestação cobrada pelo banco. para inserir o prazo da operação de financiamento. i para encontrar a taxa de juro da operação (resultado 2,3051). 3. Valor das Prestações O cálculo da prestação pode ser efetuado na calculadora HP 12c. Vamos demonstrar abaixo como calcular utilizando a primeira opção. f-CLX para limpar toda a memória da calculadora. 10.780,56 CHS PV para inserir o valor presente financiado. 48 n para inserir o prazo da operação. 2,3051 i para inserir a taxa de juro PMT para calcular o valor da prestação. Será mostrado o valor de 373,64. 4. Planilha de Cálculo das Prestações. Elaborou-se planilha de cálculo (documento anexo) onde são demonstrados os valores cobrados pelo banco, com a capitalização composta de juros pela utilização da TABELA PRICE, e os valores devidos com base em juros simples. 5. Resumo do Crédito do Cliente Na tabela abaixo estão demonstrados os valores cobrados pelo banco com juros compostos e a diferença considerando juro simples, em todo o período do financiamento. Nº Demonstrativo do Cliente R$ 1 Juros Cobrado a maior R$ 1.867,18 com correção 2 Amortização cobrada maior pelo banco a R$ 0,00 3 Comissão de R$ 0,00 permanência cumulada com e juros multa (corrigida) 4 Sub-Total R$ 1.867,18 5 Repetição do Indébito R$ 1.867,18 6 Total do Crédito do R$ 3.734,36 Cliente (4+5) 7 Saldo devedor do contrato R$ 7.411,64 8 Saldo credor do cliente (6- R$ -3.677,28 7) 9 Saldo credor do cliente R$ 5.544,46 sem Repetição do Indébito (8-5) O crédito total do cliente é de R$ 3.734,36 que abatido do saldo devedor do contrato com juros simples no valor de R$ 7.411,64 resta um saldo devedor a amortizar de R$ 3.677,28 a ser pago nas 33 (Trinta e Três) prestações restantes no valor de R$ 157,68 conforme demonstrado na planilha anexa. Caso se desconsidere a Repetição do Indébito, o crédito do cliente passa a ser de R$ 1.867,18 que abatido do saldo devedor do contrato com juros simples no valor de R$ 7.411,64 resta um saldo devedor a amortizar de R$ 5.544,46 a ser pago nas 33 (Trinta e Três) prestações restantes no valor de R$ 237,75 conforme demonstrado na planilha anexa. 6. Diferença de Juros Compostos x Juros Simples. A diferença de juros se deve ao fato do banco ter utilizado a capitalização mensal composta (exponencial), pela utilização da Tabela PRICE, o que eleva o encargo financeiro do financiamento. Abaixo se demonstra o efeito da capitalização mensal dos juros nos financiamentos bancários, considerando-se as taxas do empréstimo acima no prazo total do financiamento (48 meses): a) Cálculo da taxa de juros simples no período de forma linear. • Taxa Mensal • Prazo / Meses • Taxa de juro no período=48 x 2,3051% = 110,65% b) Cálculo da taxa de juros compostos (TABELA PRICE). • Taxa Mensal • Prazo / Meses • J = (1 + i)n • J = (1 + 0,023051)48 • Taxa de Juro no período = 198,59% 2,3051% 48 2,3051% 48 Verifica-se que há uma elevação muito grande dos encargos financeiros em decorrência da capitalização composta dos juros. No caso em análise a taxa de juros do período passa de 110,65% (juros simples) para 198,59% (juro composto) com a capitalização mensal. 7. Sistema de Amortização PRICE x Juros Simples. Na tabela abaixo, faz-se comparação entre o encargo financeiro entre sistema de amortização da Tabela PRICE e amortização com juros simples. Descrição Tabela PRICE Capital Financiado Juro Simples 10.780,56 10.780,56 Total cobrado pelo agente 17.934,72 Juros cobrados 3.580,37 7.154,16 14.360,93 Verifica-se que o sistema PRICE é mais oneroso para o cliente, gerando um encargo a maior da ordem de R$ 3.573,79. No contrato em analise o banco adotou o sistema PRICE de amortização. Diante desta análise é possível entender melhor como as instituições financeiras aplicam o anatocismo nos contratos de mútuo bancário. Vale repisar que somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível, dentre elas nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial. Nos demais casos, como este objeto de estudo, é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei 4.595/64 o art. 4º do Decreto 22.626/33. 3.2. Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de mútuo bancário Os contratos bancários se encontram sob a tutela do Código de Defesa do Consumidor, eis que não há qualquer dúvida acerca da aplicabilidade das disposições consumeristas a estes tipos de contratos, pois a partir da edição da Súmula nº. 297, in fine, do Superior Tribunal de Justiça, onde consagra entendimento jurisprudencial já dominante nesta Corte de Justiça e nos Tribunais Superiores: Súmula nº. 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. É importante ressaltar que o Egrégio Supremo Tribunal Federal, julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.591, referendando a utilização do Código de Defesa do Consumidor nas relações bancárias, cujos arts. 6º, V e 51, IV, permitem ao Estado-Juiz proceder ao controle das cláusulas contratuais, bem como a exclusão das abusividades constatadas. Sobre o assunto, o ilustre doutrinador Nelson Nery Júnior33 afirmou que: “Dizer que os bancos estão fora dos sistemas de proteção do consumidor é remar contra a maré, é andar na contramão da história e da economia mundial”. Para corroborar o entendimento, mister os ensinamentos da jurista Maria Helena Diniz34: 33 Nelson Nery Jr. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do anteprojeto, p. 311, nº 11. 34 Maria Helena Diniz. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, p 210. Esses contratos ficam, portanto ao arbítrio exclusivo de uma das partes, o policitante, pois o oblato não pode discutir ou modificar o teor dos contratos ou as suas cláusulas. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor a intervenção estatal está autorizada pelo princípio da função social do contrato, pela hipossuficiência do consumidor e pela intolerância com as práticas abusivas, que o coloquem em exagerada desvantagem ou sejam incompatíveis com a boa-fé objetiva. Nesse sentido, confira-se: “CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO CUMULADA COM REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. PACTA SUNT SERVANDA. LIMITAÇÃO DE JUROS A 12% AO ANO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. 01. Omissis 02. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a rígida observância às cláusulas contratuais (pacta sunt servanda) tem sido abrandada. A referida Lei deu ao Estado a prerrogativa de intervir nas relações contratuais quando existirem, como no caso dos autos, cláusulas abusivas capazes de provocar desequilíbrio entre as partes. 03. Omissis. ... 04. A revisão contratual ora efetivada, serviu para tornar o processo menos oneroso ao autor/apelado, sem retirar da instituição bancária as compensações financeiras oriundas do financiamento do veículo. Na verdade, ao invés da não observância da boa-fé objetiva, houve, outrossim, a adequação do contrato entabulado entre as partes ao referido princípio. 05. Omissis. 09.Recurso conhecido e parcialmente provido.”(Destacou-se. 2005.03.1.000824-9, Relatora Des. NÍDIA CORRÊA LIMA, 17/08/2006). APC DJU: Com intuito de solidificar o entendimento, segue abaixo o voto do respeitado Desembargador Milton Fernandes de Souza em seu voto na Apelação Cível 199900120998: Ap n.º 199900120998; TJRJ; Rel. Des. MILTON FERNANDES DE SOUZA; j. 13.06.2000; un.Aplicação do CDC aos contratos bancários. "O consumidor, conforme a definição legal, é a pessoa física ou jurídica que, independente da qualidade de hipossuficiente, usa o serviço como destinatário final (Lei n.º 8.078/90, art. 2º). E as atividades bancárias, financeiras e de crédito, também por expressa disposição legal (art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90), subordina-se à lei de defesa do consumidor. Essa lei não contraria as disposições que regulam o sistema financeiro nacional e com elas harmoniza-se, complementando-as sem revogá-las, substituí-las ou modificá-las. Desta maneira, a norma - art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90 - que submete as atividades bancárias, financeiras e de crédito à lei do consumidor não contraria qualquer comando constitucional e tem plena validade e eficácia. E considerando essas circunstâncias, as relações jurídicas estabelecidas pelas partes também subordinam-se ao comando do código de defesa do consumidor”. Diante disto, resta claro a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de mútuo bancário, podendo assim ser analisado com base nas suas diretrizes e princípios, sendo que não mais é aceitável a corrente que defendia que o pacta sunt servanda tenha que ser seguido à risca. 3.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 5º DA MEDIDA PROVISORIA Nº 2.170-36 de 2001 A corrente doutrinária que defende que a liberação da pratica do anatocismo se apóia na Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, onde autorizada a capitalização de juros sem distinção a qualquer contrato bancário com periodicidade inferior a um ano. Sobre a questão, o E. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, assim se manifestou, em voto proferido no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 609379/RS, in verbis: Existem considerações de duas ordens a serem feitas com relação à MP 2.170-36, no que se refere à questão da capitalização. Referida medida provisória destinou-se a fixar regras sobre a administração dos recursos do Tesouro Nacional, não sendo razoável, portanto, a interpretação de que o Artigo 5.º tem aplicação em qualquer operação financeira. Por outro lado, deve-se ter em conta que a Constituição Federal, no Art. 192, dispõe que o sistema financeiro nacional será regulado por leis complementares, e, no § 1.º, do Art. 62, veda a edição de medidas provisórias sobre matéria reservada a lei complementar (inc. III). Sendo, portanto, descabida a extensão que a agravante pretende dar ao dispositivo da referida medida provisória. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Sistema Financeiro Nacional ficou disciplinado no artigo 192 da Carta Magna e seus parágrafos, que dispõe em seus caput e parágrafo 3º: Art. 192 - O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento e equilíbrio do país e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em Lei Complementar, que disporá, inclusive, sobre: Parágrafo 3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituadas como crime de usura, punido, em Todas as suas modalidades nos termos em que a lei determinar. É óbvio que, se a Constituição reservou determinadas matérias para a regulamentação por Lei Complementar, estas não podem ser reguladas por Medidas Provisórias. Neste sentido leciona o eminente professor Michel Temer35: 35 TEMER, Michel, Elementos de Direito Constitucional. 14ª, Ed. Malheiros, São Paulo, 1998 "Por isso, tenho salientado que a medida provisória pouco difere do decretolei, previsto na Constituição anterior. E com um agravante: O decreto-lei somente poderia versar sobre matérias determinadas: segurança nacional, criação de cargos públicos, inclusive fixação de vencimentos, finanças públicas e normas tributárias. Para as medidas provisórias não há essa limitação. Podem versar, portanto, sobre todos os temas que forem objeto de Lei, à exceção naturalmente, das seguintes matérias: a.) aquelas entregues à Lei Complementar; b.) as que não podem ser objeto de delegação legislativa; c.) a legislação em matéria penal; d.) a legislação em matéria tributária. No primeiro caso porque não tem sentido autorizar medida provisória onde o constituinte exigiu quorum especial – maioria absoluta – para sua aprovação". (grifo nosso) Do exposto, vê-se que não há como uma Medida Provisória regular o assunto reservado à Lei Complementar, pois Medida Provisória não é lei, é tão somente medida com força de lei, e que, pode ou não ter seu texto aprovado pelo poder legislativo. Se aprovado seu texto pelo Congresso Nacional, entra para o ordenamento jurídico como lei ordinária, e nunca como lei complementar. O Legislador reservou determinadas matérias e deu-lhes maior relevância, devendo estas serem reguladas mediante Lei Complementar. Diz Michel Temer 36 que: “Sendo essas matérias relevantíssimas (ao modo de ver do constituinte), estabeleceu fórmula que exige uma aprovação especial, manifestação mais significativa". E continua ainda: "Não há hierarquia alguma entre a lei complementar e a lei ordinária. O que há são âmbitos materiais diversos atribuídos pela Constituição a cada qual destas espécies normativas". Desta forma, resta manifesta a inconstitucionalidade do artigo 5° da Medida Provisória n° 2.170-36/2001, por ofensa ao princípio constitucional da reserva legal 36 Temer, Michel. op. cit. p.148 inserido no art. 192 da Constituição Federal, cumpre salientar que continua a vigorar a determinação normativa do artigo 4°, Decreto 22.626/33, que teve sua aplicação recepcionada pela nova ordem constitucional, e que, como já ressaltado, proíbe a capitalização de juros. Na esteira deste raciocínio, imprescindível destacar que o Conselho Especial deste Eg. Tribunal de Justiça, na assentada de 04 de julho de 2006, na Argüição de Inconstitucionalidade n° 2006.00.2.001774-7, por unanimidade, de votos decidiu DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM DO ART. 5º DA M.P 2.170-36/01, norma permissiva do anatocismo, por ser incompatível com os artigos 62, §1º, III e 192, ambos da Constituição Federal, em acórdão que restou assim sintetizado, confira-se: “ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36. OPERAÇÕES REALIZADAS PELAS INSTITUIÇÕES INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. MATÉRIA PREVISTA EM LEI COMPLEMENTAR. ART. 192, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 40. A matéria inserida em Medida Provisória que dispõe sobre “a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional”, consolidando e atualizando a legislação pertinente, não pode dispor sobre matéria completamente diversa, cuja regulamentação prescinde de Lei Complementar. Declarada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do art. 5º da MP 2170-36. Antes mesmo da declaração de inconstitucionalidade acima mencionada, esta Corte já entendia pela inaplicabilidade da Medida Provisória n°. 2.170-36/2001, consoante se verifica das Apelações Cíveis nº´s 20050110356893, Relator MARIOZAM BELMIRO, 3ª Turma Cível, julgado em 10/04/2006, DJ 23/05/2006 e 20030111163010APC, Relator GETÚLIO MORAES OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, julgado em 20/03/2006, DJ 11/04/2006 p. 166. Ademais, o art. 5º e o parágrafo único, ambos da MP 2.170-36/01, que tratam da capitalização de juros por período inferior ao anual, são objetos da ADIN 2.316/DF, cujo pedido de suspensão cautelar já foi deferido pelos votos dos I. Relator Min. Sydney Sanches e pelo Min. Carlos Veloso, sob o fundamento de que inexiste o requisito urgência para a edição de Medida Provisória e de ocorrência de perigo de demora inverso. 3.4. ADI Nº 2316/2000 E SEU JULGAMENTO NO STF A Ação direta de inconstitucionalidade 2316, impetrada pelo então Partido Liberal, hoje Partido da República, alega inconstitucionalidade deste dispositivo (Medida Provisória 2170/01) por ofensa ao ordenamento jurídico, bem como por inconstitucionalidade formal, uma vez que a matéria deveria ser regulada por lei complementar, nos termos dos artigos 62, §1°, III e 192 da CF. Assim, o PR alega que a Capitalização de Juros, além de gerar encarecimento do crédito e onerosidade excessiva, gerando imensa injustiça, exemplificando37: [...] utilizando-se uma máquina financeira ou resolvendo-se complexas fórmulas matemáticas tem -se que a mesma taxa de Juros de 10 % ao mês, quando capitalizada mensalmente, corresponde a 213, 84% ao ano", além do que "cobrar juros de juros representa cobrar juros de um montante que a instituição financeira não emprestou […] A Min. Cármen Lúcia, em voto-vista, abriu divergência e indeferiu a cautelar. Considerou o fato de essa medida provisória ter sido expedida junto com outras medidas adotadas pelo Ministério da Fazenda, na época, exatamente na tentativa de recompor o sistema no que concernia especificamente à captação de Juros. Levou 37 BRASIL, Superior Tribunal Federal. Op. Cit. em conta, ainda, o alongado prazo, desde a expedição dessa medida até hoje, com sua aplicação. Citando trechos da exposição de motivos apresentada pelo então Ministro da Fazenda, destacou a afirmação de ser pública a intenção do governo federal de buscar diminuição do spread e sua convergência com os padrões mundiais, de forma a incentivar o decréscimo do valor total da taxa de Juros suportado pelas pessoas físicas e jurídicas, a fim de criar um panorama mais propício ao desenvolvimento econômico do Brasil. Acrescentou que, de acordo com essa exposição de motivos, a Capitalização de Juros, sob o ponto de vista econômico, seria benéfica ao devedor que, não podendo pagar ao credor na data originalmente pactuada, poderia renegociar sua dívida junto à mesma instituição financeira, o que não se daria se vedada a capitalização, pois o montante de Juros devidos teria de ser imediatamente liquidado, forçando o devedor a captar recursos perante diversa instituição para adimplir com a primeira, situação que permitiria a ocorrência do chamado "Anatocismo indireto". E, ainda, que o parágrafo único do art. 5º da MP tornaria obrigatória a transparência do negócio em favor do devedor, garantindo a lisura das operações e minimizando as dificuldades dos cidadãos na compreensão dos cálculos aplicáveis aos Contratos. Por sua vez, o Min. Marco Aurélio acompanhou o voto do relator para deferir a cautelar. Esclareceu, inicialmente, que a medida provisória sob análise teria sido apanhada com várias outras pela nova regência da matéria decorrente da EC 32/2001, a qual prevê, em seu art. 2º, que as medidas provisórias editadas em data anterior a da sua publicação continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. Asseverou ser necessário interpretar teleologicamente esse dispositivo, presente a regência pretérita? Em que as medidas provisórias estavam sujeitas à vigência de 30 dias? E a atual? Em que as medidas provisórias vigem por 60 dias, podendo ser prorrogadas por igual período. Diante disso, entendeu além da problemática alusiva à falta de urgência, ante o tema tratado, não ser possível haver uma interpretação que agasalhe a vigência indeterminada de uma medida provisória, e conceber que um ato precário e efêmero? Que antes era editado para vigorar por apenas 30 dias, e, agora, por 60 dias, com prorrogação de prazo igual? Persista no cenário normativo, sem a suspensão pelo Supremo, passados 8 anos. Por fim, após o voto do Min. Menezes Direito, que acompanhou o voto da Min. Cármen Lúcia, e do voto do Min. Carlos Britto, que acompanhou o voto do Min. Marco Aurélio, o julgamento foi suspenso para retomada com quorum completo, e até apresente data não há previsão para retomada do julgamento. Infelizmente, com a demora do judiciário em julgar esta ADI não é possível vislumbrar qual será o desfecho deste tema, porém há de ressaltar que ambos os lados clamam por uma decisão final. Com base neste estudo, espera-se que o Supremo Tribunal Federal julgue inconstitucional a MP 2170-36/01, pois o contrato tem que respeitar todos os princípios citados acima, e com a prática do anatocismo isto não vem sendo observado. 3.5. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL A seguir, veremos alguns julgados importantes ao assunto: “RECURSO ESPECIAL CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE CRÉDITO EDUCATIVO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE JUROS CAPITALIZADOS. ANATOCISMO. CARACTERIZAÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: ARTIGOS 3º, § 2º, 6º, V, e 51, IV, § 1º, III. INCIDÊNCIA DE JUROS LEGAIS, NÃO CAPITALIZADOS. 1. O contrato de financiamento de crédito educativo, ajustado entre a Caixa Econômica Federal e o estudante, é de natureza bancária, pelo que recebe a tutela do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). 2. É indevida a utilização da tabela price na atualização monetária dos contratos de financiamento de crédito educativo, uma vez que, nesse sistema, os juros crescem em progressão geométrica, sobrepondo-se juros sobre juros, caracterizando-se o anatocismo. 3. A aplicação da tabela price, nos contratos em referência, encontra vedação na regra disposta nos artigos 6º, V, e 51, IV, § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor, em razão da excessiva onerosidade imposta ao consumidor, no caso, o estudante. 4. Na atualização do contrato de crédito educativo, deve-se aplicar os juros legais, ajustados de forma não capitalizada ou composta. 5. Recurso especial conhecido e provido.” (Destacou-se. REsp 572210/RS, Relator Min. José Delgado, DJU 07/06/04) Vejamos a orientação deste E. TJDFT, como se observa dos seguintes precedentes, in verbis: “CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR APÓS A AMORTIZAÇÃO. ADOÇÃO DA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE. (...). O sistema "price" de amortização mascara, na verdade, a capitalização de juros, vedada pelo direito pátrio, já que os juros, na aludida tabela, são compostos, configurando, assim, o anatocismo.( Destacou-se. 2ª T. Cível, APC 20030111140122, ac. 226.969, Rel. Desa. Carmelita Brasil, DJU 18/10/2005, p. 131) “EMBARGOS INFRINGENTES. CAPITALIZAÇÃO. TABELA PRICE. REVISÃO CONTRATUAL. I - A UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE ACARRETA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, VEDADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. II - EMBARGOS INFRINGENTES CONHECIDOS E IMPROVIDOS. UNÂNIME”.( Destacou-se. EMBARGOS INFRINGENTES CÍVEIS NA APELAÇÃO CÍVEL 20040110618628EIC, Relatora Des. VERA ANDRIGHI, 11/07/2006) Na mesma esteira, tem-se inúmeros outros precedentes, tais como as Apelações n´s. 20030110181228, AC.218.403, Rel. Des. Vasquez Cruxên, DJU 28/06/2005 p. 118, 20000110864668, Ac. 217.507, Rel. Desa. Vera Andrighi, DJU 21/06/2005 p. 112 e 20040110184644APC, Relator Des. FERNANDO HABIBE, DJU: 01/06/2006. Neste sentido, já se pronunciou o C. STJ e o Eg. TJDFT, in verbis: - Em ação revisional de contrato bancário, é cabível o pedido de antecipação de tutela para permitir o depósito, em juízo, do valor das prestações. Recurso especial provido. (STJ, 2ª Seção, RESP 569008/RS, Rel. Min. Nancy Andrigui, DJ 16.11.2004)” “AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. AGRAVO RETIDO. PROVIMENTO. SENTENÇA INFRA PETITA. NULIDADE. 1. Agravo retido provido para autorizar o depósito judicial da parte incontroversa da dívida e coibir a execução extrajudicial do débito oriundo do contrato em tela, até o final julgamento da ação revisional. 2. A sentença é infra petita, pois não se pronunciou sobre todos os pedidos, acarretando nulidade absoluta. 3. Agravo retido provido. 4. Apelo dos autores provido. Sentença cassada”.( Destacou-se. 2003.01.1.093070-. Des. Re. SÉRGIO ROCRA. DJ 17/08/2006) “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CRÉDITO - DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO - PRETENSÃO DE DEPÓSITO EM JUÍZO DO VALOR CORRESPONDENTE À PARTE INCONTROVERSA DO DÉBITO - POSSIBILIDADE. 01. Ajuizada a ação de revisão de contrato, onde há discussão sobre cláusulas e débitos, viável se mostra a concessão de tutela antecipada para evitar ou retirar a inscrição do nome do devedor dos sistemas de proteção ao crédito. 02. No que se refere às prestações, há que se possibilitar o depósito de parcelas incontroversas, sendo que, ao final, caso se decida pela improcedência do pedido, parte do débito já estará à disposição do juízo. 03. Recurso provido. Unânime.” (Destacou-se. AG 2005 00 2 003816-2. Des. Rel. ROMEU GONZAGA NEIVA. DJ 06/10/2005 É o entendimento de nossos tribunais: “Não é pelo simples fato de haver a aderência de uma das partes ao contrato de adesão que se admite como plenamente verdadeira a existência do ajuste de vontades sobre todas as cláusulas contratuais. A regra geral contida na máxima “pacta sunt servanda”, que norteia as avenças perde sua força diante do contrato de adesão, notadamente quando a cláusula é altamente lesiva a parte aderente.” (TJGO, 3ª Cam. Cível, Rel, Des. Gercino Carlos Alves da Costa, apel. Cível em 63148-9/188, ac. Unân, em 14/05/2002) “I – O princípio “pacta sunt servanda” não é absoluto nos chamados contratos de adesão, nos quais inexiste liberdade de contratar. Sob esse prisma, admite-se a liberdade de revisão das cláusulas contratuais, como exceção consubstanciada na teoria da imprevisão. 2 – O art. 192, § 3º da Constituição Federal é auto-aplicável. Qualquer complemento legislativo, se editado, deverá moldar-se à vedação constitucional (TJGO, 1ª Câm. Cível, Rel. Des. Leobino Valente Chaves, ac. unân. em 16/10/2001, apel. Cível n.º 59544-0/188) No mesmo diapasão, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento recente da ADI 2591, publicado no Diário Oficial, dia 29 de setembro de 2006, afirma: EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. “Consumidor”, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em Supremo Tribunal Federal cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa - a chamada capacidade normativa de conjuntura - no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade. (Publicado no Diário da Justiça de 29/09/2006 - ADI 2.591 / DF Ministro redator do acórdão - EROS GRAU) CONCLUSÃO Em frente ao que foi pesquisado e exposto acima, conclui-se que se buscou abordar da melhor forma possível o tema sobre o anatocismo nos contratos de mútuo bancário. Foram explanados aspectos jurídicos importantes ao anatocismo, especialmente aqueles relativos à incidência nos contratos de mútuo bancário. No primeiro capítulo, foi apresentado os aspectos históricos do anatocismo analisando sua evolução no contexto brasileiro em todos os seus principais passos, até se tornar esta celeuma que se encontra em nossos tribunais. Também buscou apresentar o conceito e a natureza jurídica do contrato de mútuo bancário, para posteriormente explicar o que é a tabela price e sua relação com a expressão capitalização de juros e a forma como é usada. No segundo capítulo tratou-se dos princípios, inicialmente demonstrando a interação entre vários ramos do direito para interpretar o mesmo contrato e a aplicação dos princípios válidos para aquele tipo de contrato, para falar em seguida sobre os princípios aplicáveis ao contrato de mútuo bancário e suas importâncias. No terceiro capítulo, tratou-se de como é aplicado o anatocismo nesses contratos, sua legislação atual, a aplicabilidade do CDC e as vedações impostas a esta prática, bem como diversas jurisprudências acerca do tema. A questão central da presente monografia foi discutida no item 3.2 do 3º capítulo. O anatocismo no Brasil e seu desenvolvimento legal e jurisprudencial, algo que vem causando uma grande discussão entre os juristas e doutrinadores, com a indefinição diante da espera do julgamento da ADI n. 2316/2000, por parte do Supremo Tribunal Federal, que decidirá pela legalidade ou não da Medida Provisória nº 2170 de 2000 . Em relação ao conteúdo desenvolvido neste estudo monográfico, e tendo em vista o que foi abordado no desenvolvimento da pesquisa, espera-se de alguma forma, ter contribuindo para o desenvolvimento jurídico, uma vez esse tema sempre foi presente no âmbito jurídico pátrio, no entanto, começaram infinitas discussões e grandes avanços em relação a legislação, a doutrina e a jurisprudência. De outro vértice, pôde-se verificar que o Código de Defesa do Consumidor é totalmente aplicável às instituições financeiras, possibilitando assim a revisão das cláusulas contratuais que possam ser consideradas abusivas, declarando a sua nulidade e restaurando a equidade ao contrato. Constata-se, ainda, que a liberação da capitalização dos Juros, defendida pelas instituições financeiras, não encontra amparo em nossa Constituição, que estabelece que a competência legislativa para regular a questão dos Juros é conferida ao Congresso Nacional e não ao Conselho Monetário Nacional. Evidente que a presente monografia não esgota o estudo sobre a aplicabilidade do Anatocismo nos contratos de mútuo bancário em face da legislação pertinente ao assunto, pois são inúmeras as inclinações e modificações, até que seja julgada definitivamente a ação declaratória de inconstitucionalidade proposta pelo PL (Partido Liberal), hoje atual PR (Partido da República) em face da legalidade da medida provisória 2170 de 2000. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSIS, Olney Queiroz. Princípio da autonomia da vontade x princípio da boa-fé (objetiva): uma investigação filosófica com repercussão na teoria dos contratos. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil: Porto Alegre, Magister, v.5, p. 56, 2005. BRASIL. Lei 3.071, de 01 de Janeiro de 1916. Código Civil 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/LEIS/L3071.htm>. Acesso em 05 agosto 2010. BRASIL. Decreto 22.626/33, 07 de Abril de 1933. Lei da Usura. 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As disposições do decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagin a=sumula_501_600>. Acesso em: 05 de Outubro de 2010. COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 13º Ed., Rev. e Atual. São Paulo: Saraiva. 2002. FARIA JUNIOR, Obed de. Da inocorrência do anatocismo na Tabela Price: uma análise técnico-jurídica. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8241>. Acesso em: 22 Agosto 2010. FINKELSTEIN, Maria Eugênia. O princípio da autonomia da vontade e as cláusulas abusivas. Revista de Direito Internacional e Econômico: Porto Alegre, Síntese, v.11, p. 12-13, 2005 GRINOVER, Ada Pellegrini. ET alli. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 7ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. 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