http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 MARKETING VERDE: ALGUMAS CONTRADIÇÕES DO DISCURSO AMBIENTAL Patrícia Ponte de Freitas Professora do Curso de Licenciatura em Geografia do Instituto Federal da Bahia [email protected] INTRODUÇÃO Meio ambiente, sustentabilidade, preservação ambiental, consciência ecológica etc. são hoje termos amplamente difundidos e que fazem cada vez mais parte do cotidiano da população – há mais tempo nos países desenvolvidos e, mais recentemente, em países como o Brasil. Independente do maior ou menor alcance da temática ambiental nos diferentes países do mundo, o mais importante é notar sua difusão fora dos círculos acadêmicos e dos movimentos sociais nas últimas duas décadas, tornando-se um tema presente nas discussões e nos direcionamentos das ações das pessoas em geral. Este processo, apesar de estabelecido e com perspectivas de ampliação cada vez maiores, levou décadas para acontecer, tendo sido originado, nas décadas de 1960 e, principalmente, de 1970, a partir de acontecimentos que serão detalhados ao longo deste trabalho. É certo que o temário ambiental chega à população de uma forma diferente daquela que assume no meio acadêmico e nos movimentos ambientalistas; o tema chega desprovido, muitas vezes, de questionamentos ou oposições, como se fosse um tema alheio a contradições e pontos de vistas ou argumentos científicos discordantes. O meio ambiente passa a ser entendido sob uma única ótica: a da preocupação e da necessidade de preservação a partir de ações sustentáveis. Nesse objetivo maior, diversos pontos importantes se perdem, não sendo nem mesmo pensados, além de ocorrer também uma grande confusão de escala dos fenômenos. Não é incomum a surpresa das pessoas ao se depararem com a hipótese de que não existe um aquecimento global em curso ou de que a substituição de sacolas plásticas por sacolas retornáveis não contribuiria para a redução do mesmo. 4693 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 O que parece é que a vontade de contribuir para um “mundo melhor”, de “fazer sua parte”, de ser “ecologicamente correto” é a principal motivação que direciona o comportamento e a assimilação da população quanto à problemática ambiental. E isso se deve, em boa parte, à forma como esta questão tão central nos dias hoje é veiculada e chega às pessoas – através de noticiários e da propaganda. Sim, porque a propaganda é um mecanismo fundamental para o funcionamento da economia capitalista, tendo se mostrado uma ferramenta com papel importante para a estruturação da questão ambiental no modelo atual. Se antes era crise para o capital, a preocupação com o meio ambiente passa a se configurar como mais um nicho de mercado e deve, para tanto, ser vendida e consumida de forma a fortalecer interesses econômicos. Mas para que se compreenda este estágio de apropriação econômica da causa ambiental pela lógica capitalista, é necessário fazer um retrospecto das diferentes formas como as sociedades compreenderam e trataram a relação homem-natureza e de como essas interpretações repercutiram nas ciências e no senso comum ao longo dos séculos. ANTES DO MEIO AMBIENTE, JÁ EXISTIA A NATUREZA A compreensão que se tem hoje de meio ambiente (ou ambiente, como preferem alguns autores) é bastante recente e deriva de uma mudança no entendimento e no papel da natureza para a sociedade, um processo que ganhou força na segunda metade do século XX. Analisando a cultura ocidental ao longo dos séculos, percebe-se quão mutável é a compreensão da natureza e sua relação para com os homens, sendo essas permanentemente influenciadas pelas conjunturas econômica, política e social de cada momento histórico. De acordo com Montibeller Filho (2001), a primeira forma de concepção da natureza foi a de uma perspectiva includente, característica das sociedades arcaicas, para as quais o homem é parte da natureza, de uma totalidade maior. Considerando, no entanto, o pensamento ocidental hegemônico, é possível afirmar que vigorou a compreensão de natureza e sociedade como opostos, seja por fundamentos filosóficos, religiosos ou científicos. Com o pensamento ocidental clássico, representado por Platão e Aristóteles, começa a ser observada uma valorização das ideias e do homem em detrimento dos elementos naturais e sagrados englobados pela physis, associados a um pensamento mítico, de valor inferior. Já a partir da influência do cristianismo, a oposição homem-natureza ganha maior dimensão, juntamente com a ideia da separação espírito-matéria. De acordo com 4694 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Gonçalves (2001), os cristãos vão afirmar o homem como a imagem e semelhança de Deus, isto é, o homem dotado desse privilégio passa a ocupar uma posição diferenciada da dos demais elementos mundanos. Todavia, será com Descartes e com o aprofundamento da visão científica antropocêntrica que uma divisão mais marcante entre homem e natureza ocorrerá. O método cartesiano é constituído por princípios que marcam a modernidade, como a divisão sujeito-objeto, o caráter pragmático do conhecimento e o antropocentrismo. Todos estes elementos conduzem para uma concepção de que a natureza (objeto) deve ser dominada pelo homem (sujeito, instrumentalizado pela ciência), constituindo-se em um recurso. Diferente da visão teológica cristã, a matéria, agora, passa a ser entendida de uma forma positiva, pois estaria a serviço do homem e das suas novas necessidades de expansão e conquista - características do momento histórico que associava a ascensão da burguesia, o mercantilismo e o colonialismo. Esse movimento de predomínio do homem sobre a natureza a partir da técnica se amplia com a instituição do capitalismo, a partir do século XVIII. Para Gonçalves (2001, p. 34), a Revolução Industrial evidencia a força dessas ideias ao mesmo tempo em que é base para as mesmas. A partir de então, passa a vigorar um pensamento que tem como cerne o pragmatismo e a divisão social e técnica do trabalho, no qual “a ideia de uma natureza objetiva e exterior ao homem, o que pressupõe uma ideia de homem não natural e fora da natureza, cristaliza-se [...]” (GONÇALVES, p.35). Faz-se importante ressaltar que esta dicotomia impacta também em uma separação cada vez maior entre as ciências humanas e naturais, inclusive para a Geografia, que, em sua ideia inicial, deveria superar tal divisão, mas, ao contrário, tornou-se uma ciência marcada pela dicotomia física/humana. Esboços de mudança em relação ao pensamento até então vigente começam a surgir nas primeiras décadas do século XX, com a consolidação da ideia de sistema, na qual o todo passa a ser mais importante que as partes. Essa compressão holística vai impactar a concepção de natureza, sobretudo a partir da solidificação de conceitos como o de ecossistema na Biologia. No entanto, será apenas na segunda metade do século que se darão as condições necessárias ao surgimento de uma nova forma hegemônica de se compreender a natureza. 4695 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 A EMERGÊNCIA DO NOVO PARADIGMA AMBIENTAL Pode-se dizer que o fator que faltava para impulsionar uma revisão na concepção antagônica sociedade-natureza era a maior dimensão e alcance dos problemas ambientais resultantes da exploração dos recursos naturais, agora observados em escala mundial, assim como as bases da economia capitalista (produção, circulação e consumo) após a 2ª Guerra mundial. A preocupação com o futuro do planeta e da humanidade frente ao ritmo de consumo dos recursos naturais passa a ser uma preocupação dos governos, das universidades e da sociedade, da qual emergem os primeiros movimentos sociais dedicados à questão da preservação da natureza. Neste contexto, não cabe mais a separação homem-natureza, visto que as ações do primeiro sobre a segunda têm consequências para ambos, e agora o que passa a ser valorizado nessa discussão são as interrelações entre os mesmos ou, em outras palavras, a compreensão de que a sociedade não estaria acima da natureza, e sim de que fazem parte de um todo. É daí que se solidifica o conceito de meio ambiente. Como já foi anteriormente mencionado neste trabalho, o termo meio ambiente não é uma unanimidade, visto que alguns estudiosos consideram redundante a utilização da palavra 'meio', na qual estaria implícita a ideia de ambiente – ambas teriam conotação espacial, de estar “no meio”, “estar cercado”. Mas essa possível repetição seria, por outro lado, uma forma de caracterizar este “meio” como diferente dos demais e de ressaltar sua entidade natural, que o distinguira de outros meios e outros ambientes (COIMBRA, 1985, p. 24). Sendo assim, o que seria o meio ambiente? Segundo Coimbra (1985, p.29), meio ambiente é o locus da organização da vida humana, havendo, assim, uma aproximação deste conceito com o de espaço geográfico. A diferença estaria no fato de que, para o primeiro, cabe aos elementos naturais a relação essencial com a vida e a parte preponderante para a compreensão do todo. Desta forma, o meio ambiente seria: o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro dos padrões de qualidade definidos. (1985, p. 29) 4696 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Segue abaixo uma tentativa de sistematizar o caminho percorrido pela temática ambiental a partir da segunda metade do século passado, baseado no trabalho de Montibeller Filho (2001): • Década de 1950: “ambientalismo dos cientistas”; é pela via da ciência, nas universidades, que emerge a preocupação ecológica em âmbito mundial. • Década de 1960: período de emergência das organizações não governamentais e dos movimentos ambientais. • Década de 1970: Institucionalização do ambientalismo; realização das primeiras conferências internacionais sobre a temática; participação ativa dos governos, dos partidos políticos e até da igreja católica. • Década de 1980: proeminência dos partidos verdes; surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável (Relatório de Brundtland). • Década de 1990: entrada do setor empresarial, constituição de um mercado verde. Pode-se afirmar que é a partir da década de 1970 que a temática ambiental ganha proporções mundiais, permeando do ambiente acadêmico aos governos de países do centro e da periferia do capitalismo e à sociedade civil. Nos anos de 1980 e 1990, a preservação ambiental passa a ser parte de uma política internacional, o que se evidencia com a elaboração do relatório de Brundtland pela ONU, de que se deriva o conceito atualmente tão popular de desenvolvimento sustentável. Com a inserção do setor empresarial e da criação da chamada economia verde, a ideia de sustentabilidade passa a ocupar o centro das discussões, norteando as estratégias relacionadas à problemática ambiental. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, O MITO A década de 1980 foi um período muito importante na construção do novo paradigma ambiental, visto que, na década anterior, as discussões acerca dos problemas ambientais originados do conflito crescimento econômico versus degradação dos recursos naturais ganham espaço internacional. Após a realização das primeiras conferências sobre o tema envolvendo diversos países e com o processo de reestruturação da economia capitalista, advindo de sucessivas crises que se estendem pelos anos de 1980, novas estratégias de crescimento são construídas, baseada nos mecanismos liberais e, pela primeira vez, no próprio temário ambiental. Isto significa que, de um dos fatores da crise, o 4697 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 meio ambiente passa a ser considerado como uma das alternativas de reestruturação do sistema capitalista. Isso foi possível com a elaboração de um conceito que visava superar a discussão desenvolvimentista baseada apenas no crescimento econômico, incluindo, agora, sociedade e meio ambiente no entendimento de desenvolvimento. Este conceito pretendia fazer uma crítica à visão antropocêntrica que vigorava ate então e que direcionava a compressão da natureza como simples recurso às necessidades da produção humana. Seu objetivo agora era fundamentar uma nova compreensão de preservação da natureza aliada ao crescimento econômico e, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento social. A este conceito, que, para além disso, se configurou como paradigma da questão ambiental, foi atribuída a denominação de desenvolvimento sustentável. De acordo com o Relatório de Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, o desenvolvimento sustentável seria “o desenvolvimento que corresponde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades.” Para Montibeller Filho (2001, p. 53-54), a noção de desenvolvimento sustentável é mais complexa que as interpretações anteriores acerca do desenvolvimento, visto que se caracteriza por uma visão holística, considerando aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais e ecológicos e a forma como os mesmos se interpenetram e se interdependem. Nesta perspectiva, é pensado um conjunto de sustentabilidades – eficiência econômica, eficácia social e ambiental – que proporcionariam o ideal almejado. Ainda segundo o autor, “sustentável” é um rótulo que, acrescentado ao conceito tradicional de desenvolvimento, torna-se universalmente aceito, pois abrangeria as reivindicações de praticamente todos os setores da sociedade: empresários, governos e movimento ambiental. Isso porque o discurso do desenvolvimento sustentável tem em seu cerne a aniquilação da contradição crescimento econômico versus preservação ambiental. Leff (1996 apud MONTIBELLER FILHO, 2001, p. 55) expressa bem esta situação: [...] a retórica do desenvolvimento sustentável reconverteu o sentido crítico do conceito de ambiente em um discurso voluntarista, proclamando que, as políticas neoliberais haverão de conduzir-nos aos objetivos do equilíbrio ecológico e da justiça social pela via mais eficaz: o crescimento econômico guiado pelo mercado. 4698 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Nesta mesma perspectiva, Redclift (2006, p. 51) afirma que a sustentabilidade “foi usada como um sufixo para quase qualquer coisa que julgada desejável”. Seu apelo se apoiava na aceitabilidade política internacional e na possibilidade de coalizações entre setores de interesses múltiplos, permitindo “aproximar capitalistas e socialistas, […] antropocêntricos e biocêntricos, empresários e ambientalistas, ONGs, movimentos sociais e agências governamentais” (LIMA, 2003, p. 104). Mas é importante destacar que essa aceitabilidade entre setores antagônicos só foi possível porque o discurso sustentável mostrou-se viável para a promoção do crescimento dos negócios e da economia neoliberal. Desta forma, o setor empresarial passa a se apropriar cada vez mais da sustentabilidade, que se configura como uma “sustentabilidade de mercado” (LIMA, 2003, p.106), o que significa dizer que o enfrentamento da crise ambiental, dentro dos pressupostos capitalistas orientados pelo mercado, desconfigura os objetivos iniciais do ambientalismo, sendo este, hoje em dia, apropriado pelos próprios mecanismos a que diziam, em discurso, se opor. Para os setores mais críticos, esta sustentabilidade, que teve grande parte da sua condução a cargo do mercado, se insere unicamente no campo discursivo, sendo impossível sua construção prática. E quais serão os motivos desta inviabilidade? De acordo com Lima (2003, p.106), seriam três as principais razões: 1) o mercado não atende plenamente os objetivos de preservação ambiental, devido às diferenças entre os tempos biofísico e econômico e ao conflito de interesses entre os dois objetivos; 2) a dificuldade na definição de metas e compromissos ambientais que representem alguma restrição econômica, sobretudo nos países desenvolvidos; e 3) a incapacidade de responder à crise social, já que a racionalidade de mercado se orienta e tem como resultado a concentração de riquezas, aprofundando as desigualdades sociais. A partir dos anos de 1990, se processa a incorporação efetiva da ideia de sustentabilidade pelos setores empresariais, através da economia verde, que consiste no pressuposto de que o dinamismo econômico não somente seria capaz de se adaptar às novas demandas ambientais, mas também pode transformá-las em estímulos para maior competitividade e produtividade. O meio ambiente, além de recurso, passa a ser produto, um produto simbólico que agrega valor às empresas à medida que as mesmas demonstrem sua preocupação com a preservação ambiental. Como os produtos são consumidos e devem ser vendidos, um setor importante da economia verde vem se destacando neste atual contexto, o marketing verde ou marketing ambiental, que será mais detalhado a seguir. 4699 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 O MARKETING VERDE Existem diferentes definições para marketing ambiental, mas, adotando a definição de Prakash (apud DIAS, 2007), pode-se afirmar que esse é “um conceito de marketing no qual a redução de impactos sobre o meio ambiente tem um papel relevante durante a satisfação das necessidades dos consumidores e na realização das empresas”. O marketing ambiental insere-se na perceptiva da ampliação da consciência ecológica e representa uma ferramenta que visa à promoção do consumo de produtos ecológicos ou sustentáveis, além de promover e difundir uma imagem “verde” das empresas e de suas ações. Inserido na lógica da sustentabilidade de mercado, o marketing verde não está isento de contradições, que se revelam por trás do discurso ecologicamente correto. Os números demonstram que a utilização do marketing ambiental dá resultados. Em 2010, a proporção de brasileiros que premiou empresas em função do seu bom comportamento diante da sociedade e do meio ambiente subiu de 17% para 22% (MARKETING ANALYSIS, 2010). Esse fenômeno se estende a outros países do mundo: o número de propagandas ecologicamente corretas triplicou nos EUA entre 2007 e 2009 (TERRACHOICE, 2009). Esses dados podem ser explicados pelos benefícios às empresas com o uso do marketing verde, como, por exemplo, maior valor agregado ao seu produto, vantagens na captação de recursos junto a entidades financiadoras, melhora na comunicação com o mercado – incluindo governo, ONGs, mídias, consumidores e opinião pública – e aumento de geração de mídia espontânea. Todos estes fatores contribuiriam para a redução dos gastos das empresas, de acordo com o relatório Talk the Walk, elaborado pelo Pacto Global, ONU (DIAS, 2012). No entanto, nem sempre os resultados obtidos com o marketing verde são os esperados, e, por vezes, a tentativa de algumas empresas de promover hábitos mais sustentáveis e/ou de alavancar a venda de determinados produtos verdes não é bem sucedida. De acordo com Palhares (2003, p. 42), os motivos para isso seriam: restrições financeiras, que impediriam até mesmo o consumidor “consciente” de optar por um produto ambientalmente melhor devido ao preço desse ser mais elevado; o desconhecimento por parte dos consumidores em geral quanto aos verdadeiros impactos de suas ações sobre o meio ambiente; as diferenças entre intenção e ação por parte dos consumidores, que mesmo estando propensos a comprar produtos verdes nem sempre o fazem caso isto gere alguma inconveniência pessoal; e a indefinição do que seria de fato “verde”, visto que 4700 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 empresas que assim se definem, na verdade, optam apenas por práticas “ecologicamente melhores”, e não “ecologicamente adequadas”. Esse último motivo pode ser considerado um dos mais importantes, visto que as indefinições acerca do tema impactam tanto a credibilidade das empresas quanto o marketing ambiental. Para ser considerada verde, uma empresa não poderia se basear apenas em ações pontuais ou, como dito anteriormente, apenas na fabricação de produtos “menos nocivos” quando comparados aos demais. Criar um produto e uma imagem verdadeiramente ecológicos passaria por ações mais amplas, considerando-se todo o ciclo de vida dos produtos, como não repassar o custo disso para o consumidor, coletar ou providenciar um destino final e adequado ao que se distribuiu, envolver as comunidades locais no processo de produção, dentre outras. De acordo com Silva e Prochnow (2013, p. 58), quando uma empresa pública ou privada propaga ao grande público práticas ambientais positivas, tendo, no entanto, atuações contrárias aos interesses socioambientais que divulga, ocorre uma “lavagem” ou “maquiagem verde”, o chamado greenwashing. Este termo é aplicado quando conceitos ambientais utilizados para a construção de uma imagem pública responsável de uma empresa não condizem com a sua real gestão, algumas vezes negativa e causadora de problemas e degradação do meio ambiente, em diferentes graus. Para Palhares (2003, p. 42), comunicar ao mercado um posicionamento com apelos ambientais sem adotar uma postura efetivamente verde pode levar as empresas a serem “punidas” pelos consumidores e pela mídia, contribuindo para um quadro de descrença geral em relação às práticas sustentáveis. Segundo dados do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), 85% dos consumidores brasileiros não acreditam no discurso sustentável das empresas (MARTINS, 2011). Em reportagem da revista EXAME, afirma-se que, na tentativa de parecerem verdes, as marcas entram na corrida por selos, como o Despoluir e a Norma ISSO 26000, se esquecendo, porém, de que esses indicadores fazem parte das obrigações ambientais e por si só não provam que a empresa é sustentável. Além disso, na opinião de Giles Gibbons, cofundador e CEO da britânica Good Business, uma das consultorias líderes em responsabilidade empresarial, é necessária uma comunicação mais sofisticada, que “converse com as necessidades do consumidor”. Para Gibbons, programas de sustentabilidade são usados como ferramentas de comunicação, quando, na verdade, deveriam ser ferramentas de gerenciamento que ajudassem as organizações a reduzir seu impacto social e ambiental. 4701 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Gibbons completa afirmando que nem toda iniciativa verde deve ser comunicada aos consumidores, visto que, em sua opinião, a sustentabilidade “não é um fim em si, é um continuum.” (BARBOSA, 2012). No Brasil não há obrigatoriedade de lei para que autodeclarações ecológicas constem nos rótulos dos produtos. Entretanto a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT possui um programa de rotulagem ambiental baseado nas normas ISO 14.020. Em 2011, o Conar acrescentou ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária normas detalhadas sobre o tema, e, desta forma, a publicidade veiculada no Brasil não poderia mais enaltecer características de sustentabilidade de determinado produto, serviço ou marca se a empresa responsável não comprovar tais qualidades. Na prática, o novo texto do código exige que as publicidades com apelo ambiental veiculem informações verdadeiras e que os respectivos benefícios ambientais salientados sejam comprováveis. Além disso, os impactos ambientais positivos dos produtos e serviços devem ser significativos e considerar todo seu ciclo de vida, ou seja, desde a fase da extração da matéria-prima e produção, passando pela de uso e, finalmente, a de descarte (FERRO, 2011). Tavares e Ferrreira (2012, p. 30) citam como exemplo de prática de greenwashing a campanha “Bombril dá de 1001 a zero nos inimigos da natureza", alvo de intervenção do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR: A Bombril foi acusada de propagar falsa mensagem quando afirmava que a lã de aço do produto anunciado era ecologicamente correta e a dos concorrentes não […]. A estratégia de marketing reposicionou o produto como sendo ecológico desde a sua criação, atributo posicionado como exclusivo frente aos concorrentes. Carlos Moreno, garoto propaganda da Bombril, utiliza, num dos vídeos, a frase que visa atrelar definitivamente o produto à sólida imagem de confiança e credibilidade: “Bombril já nasceu ecológico, é feito de aço e é muito mais higiênico. Depois que a senhora usa, ele enferruja, vira pó e some”. No caso específico da Bombril, é provável que tenha havido a tentativa de criar uma falsa imagem frente aos consumidores de que o produto simplesmente desaparece na natureza. A Bombril pode ser um bom exemplo de prática explícita de maquiagem verde na tentativa de fortalecimento de imagem. A Bombril sustentou a veracidade da sua afirmação alegando que, pelo fato de ter o minério de ferro como matéria-prima, pode garantir que o produto se degrada de forma natural no meio ambiente, sem deixar resíduos. No entanto, o argumento não convenceu o Conselho de Ética do orgão e se deliberou pela retirada do claim "100% 4702 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 ecológico", por ser difícil a sua comprovação. Já o conceito “Bombril Eco” pôde continuar sendo usado. O anunciante recorreu da decisão, mas ela foi confirmada por unanimidade pela câmara revisora (CONAR, 2014). Outro caso de greenwashing julgado pelo conselho foi o do achocolatado Orgânico Native, que continha em sua embalagem a menção “Aço – Reciclável – Ecológico”. O relator da ação considerou que, embora a lata seja reciclável, o aço não é ecológico, o que induziria o consumidor ao erro, recomendando a retirada do termo “ecológico” das embalagens (CONAR, 2013). Além das embalagens, o CONAR também recomenda alterações nos sites das empresas e em anúncios na internet, como foi o caso da Organique, fabricante de cosméticos que divulgava usar ingredientes naturais em seus produtos. A denúncia afirmava que, à medida que vários componentes químicos faziam parte das fórmulas dos produtos da empresa, estaria havendo greenwashing. Mesmo com a alegação da empresa de que comercializava três linhas de produtos e de que em uma dessas não eram empregados conservantes, matérias-primas de origem animal e petróleo, considerou-se que as alegações de cuidados com o meio ambiente frisados em seu site não estavam devidamente provadas. "O site deixa muitas dúvidas em aberto e foi isso o que causou a queixa da consumidora", escreveu a relatora do processo. Ela recomendou a alteração, de forma a esclarecer que a empresa também comercializa linhas de produto que não se enquadram na apresentação geral do site, além de comprovar as ações que a empresa diz promover em benefício do meio ambiente (CONAR, 2013). Alvo de grande polêmica, a campanha “Homenagem da Monsanto do Brasil ao pioneirismo do agricultor gaúcho” também foi atuada pelo órgão. Na peça para televisão, um pai afirma para o filho que sente orgulho de saber que os agricultores estão utilizando menos herbicidas e agrotóxicos, o que ajuda a proteger o meio ambiente. Segundo a denúncia, as afirmações dão a entender que o cultivo de soja transgênica está preservando o meio ambiente (CONAR, 2005). Esta mesma campanha foi alvo de investigação do Ministério Público Federal, que ajuizou a ação civil, considerando o comercial como enganoso. Segundo o MPF, o objetivo era preparar o mercado para a aquisição de sementes geneticamente modificadas, o que, na época, ainda era ilegal no país, já que a Lei de Biossegurança só foi promulgada em 2005 (TRF-4..., 2012). Mesmo não envolvendo uma campanha publicitária específica, acredita-se ser questionável a promoção de uma imagem ambientalmente responsável por parte de empresas como Coca Cola e a Nestlé, em seus respectivos sites. Envolvidas recentemente 4703 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 em casos de degradação e poluição de fontes de água para a fabricação dos seus produtos, a divulgação dos programas Cuidar, da Nestlé, “com foco na preservação da água”, de acordo com seu site; e do Programa Água Limpa, do Instituto Coca-Cola Brasil, parece ser, no mínimo, incoerente, considerando a amplitude dos danos à água no mundo gerados por estas duas grandes corporações. Em 2010, a Coca-Cola foi acusada pelo governo do estado indiano de Kerala de ser responsável pela poluição da água e do meio ambiente em virtude da manutenção de uma fábrica engarrafadora no sul do país. A fábrica foi fechada devido a constantes protestos em 2005 contra a poluição das águas subterrâneas (COCA-COLA..., 2012). Já a Nestlé, desde o início da década passada vem sendo acusada de explorar excessivamente fontes em diversas partes do mundo (EUDES, 2008), como na região dos Grandes Lagos, nos Estados Unidos, e, mais recentemente, no Estado de Minas Gerais. Em São Lourenço, os moradores acreditam que a exploração das águas para engarrafamento está afetando a qualidade do líquido e a vazão nas fontes. Em 2001 o Ministério Público Estadual moveu uma ação contra a Empresa de Águas São Lourenço, explorada pela Perrier Vitell do Brasil, subsidiaria da multinacional Nestlé, depois de protestos da população devido a alterações no sabor e na vazão das águas do parque. Na ocasião, foram encontradas irregularidades na exploração de um poço, o Primavera – aberto sem autorização e cuja água passava por um processo de desmineralização, proibido pela legislação brasileira (ALMEIDA, 2014). PARA NÃO CONCLUIR Os exemplos de marketing verde (em sua forma de greenwashing) citados neste trabalho buscam evidenciar contradições presentes no discurso da sustentabilidade, apropriada pelo mercado. Estas contradições são a base do próprio paradigma do desenvolvimento sustentável, que se mostra irrealizável à medida que busca conciliar interesses antagônicos. Não é possível pensar em uma efetiva preservação ambiental e melhoria das condições sociais mantendo como alicerce um conceito fundamentado no consumo. Independente de promoverem um consumo responsável, as empresas se adaptam às novas exigências da atual conjuntura ambiental, sem assim reduzirem sua produção e estimulo ao consumo (o que seria contra a lógica do mercado), passando apenas a cumprir as legislações ambientais e promovendo suas ações na área como forma de agregar valor aos seus produtos. Não se altera a fórmula de funcionamento do sistema em 4704 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 que estamos inseridos, não se pensa seriamente em um novo sistema a partir de práticas inseridas na lógica da sustentabilidade. Infelizmente, observa-se que, de forma geral, é isso que a população acredita estar acontecendo ao “fazer a sua parte”, consumindo produtos verdes. É o forte apelo da consciência ecológica que distorce o real contexto do atual ambientalismo, quando o mesmo chega às casas das pessoas, através das propagandas. Estas promovem imagens de empresas e produtos verdes que, muitas vezes, são fictícias; o consumidor, na tentativa de ser ele também “sustentável”, acaba optando por estes produtos – comumente mais caros que os “não verdes” –, as empresas lucram com suas empreitadas na lógica ambiental e todos saem satisfeitos. Não se pode desconsiderar o importante papel assumido pela publicidade no presente momento do capitalismo. Para Milton Santos, a forma com a informação é oferecida à humanidade está entre um dos fatores constitutivos da globalização e pode ser considerada “alicerce do sistema ideológico que justifica as ações hegemônicas e leva ao império de fabulações, a percepções fragmentadas e ao discurso único do mundo [...]” (2011, p. 28). E, dentro da lógica ambientalista, a propaganda vira verde usando de diversos argumentos no intuito de manter e até mesmo aumentar o consumo, mesmo quando o apelo ambiental é tão forte. Mas o marketing verde é apenas a ponta do iceberg. Ele está inserido em uma problemática e em uma disputa de interesses muito maiores, em que o capitalismo se apodera da preservação do meio ambiente como mercadoria. Neste contexto, acredita-se que tanto as ciências naturais quanto as humanas têm muitas possibilidades na discussão da temática ambiental, devendo contribuir para o aprofundamento e para os questionamentos pertinentes a uma lógica que foi construída para agradar a todos. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Marina. Em guerra contra a Nestlé. Carta Capital, São Paulo, mai. 2014. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/em -guerra-contra-a-nestle-3372.html>. Acesso em: 14 jul. 2014. BARBOSA, Vanessa. Por que o marketing verde não convence. EXAME, São Paulo, jan. 2012. 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ISBN: 978-85-7506-232-6 MARKETING VERDE: ALGUMAS CONTRADIÇÕES DO DISCURSO AMBIENTAL EIXO 5 – Meio ambiente, recursos e ordenamento territorial RESUMO A questão ambiental é, atualmente, uma das mais difundidas e presentes não só no ambiente acadêmico, mas em toda a sociedade, sendo centro de um amplo debate, que ora é dominado pelo censo comum, ora evidencia interesses diversos. Algumas das contradições do discurso ambiental podem ser percebidas quando se analisa com mais detalhes o marketing verde, suas estratégias de comunicação e as reais práticas e ações das empresas que o utilizam. O marketing ambiental, assim como a economia verde em geral, tem o desenvolvimento sustentável como seu principal paradigma e a sustentabilidade como conceito norteador. Ressalta-se que, a partir da década de 1980 e principalmente a partir dos anos 1990, as ações ambientais passaram a focar a eficiência econômica, tendo o discurso do desenvolvimento sustentável adquirido cada vez mais apelo junto ao setor empresarial, em uma tentativa de enfrentar a crise ambiental dentro dos pressupostos capitalistas orientados pelo mercado e tentar também demonstrar a compatibilidade entre proteção ambiental e crescimento econômico. O objetivo deste trabalho é identificar algumas das contradições presentes no marketing verde através da análise de exemplos de propagandas e anúncios veiculados em diferentes meios de comunicação. Para além disso, busca-se também analisar os caminhos percorridos pela temática ambiental ao longo da história e seus significados para a sociedade, para setores hegemônicos, como o Estado e as grandes corporações, e para a ciência - em especial, para a Geografia. Palavras-chave: marketing verde; sustentabilidade; contradições. 4708