MULHERES NÃO CHORAM Ela é considerada uma das 50 mulheres mais influentes do planeta. Sob sua tutela, um império de revistas e jornais espalhados pelo mundo. Aqui, a americana Cathie Black conta sua história, explica porque foi tão longe e desvenda alguns dos caminhos que podem levar ao sucesso. Por Milly Lacombe e Lucy Kaylin. Apenas quando está sozinha em sua sala, no 42° andar do mais ecologicamente correto arranha-céu de Manhattan, um novíssimo prédio de 2 milhões de dólares e arquitetura moderna e imponente, é que ela se dá conta de tudo o que aconteceu. O momento em que a sensação bate mais forte é no fim da tarde, quando vê os barcos cruzando lentamente o rio Hudson, em direção a Nova Jersey, o sol ao fundo da ilha. Nessa hora, se o dia não exigiu demais, a todo-poderosa da Hearst magazines, um conglomerado de revistas e jornais (“Harper’s Bazaar”, “Esquire”, “Cosmopolian”, Marie Claire”, “O” entre outras), consegue relaxar e cravar os olhos no horizonte. Aos 62, casadahá 25, dois filhos adolescentes e eleita uma das 50 mulheres mais poderosas do mundo pela “Fortune”, Cathie Black reclina a cadeira, respira e rebobina o filme de sua vida. Carthleen, ou apenas Cathie, nasceu no sul de Chicago, em família de classe média e numa época na qual mulheres não se formavam para exercer cargos executivos. Nos anos 70, enquanto estabelecia sua personalidade profissional, não havia uma mulher no senado americano – hoje, existem 16, e uma tem chances reais de chegar à presidência do país. Aos 22 anos, perdeu o pai. Aos 35, a mãe. Por essa época, já como alta funcionária do departamento de publicidade de uma editora, havia decolado para a fama. Aos 33, foi a primeira mulher a ser nomeada Publisher de uma semanal americana, a “New York”. Aos 37, indicada à presidência do “USA Today”, um dos maiores jornais do mundo. Aos 56, convidada para assumir a presidência da Hearst Magazines. Sua saga serviria para vitaminar qualquer jovem aspirante a uma carreira de sucesso. Mas ela escolheu contá-la especialmente para mulheres em “Rumo ao Topo” (Ed. Globo), que chega às livrarias este mês. Entre histórias de cunho altamente pessoal e curiosamente engraçadas, dicas fundamentais e outras que esbarram no trivial, a obra tem a capacidade de representar para cada uma de nós o que representou, nos anos 80, a autobiografia do industrial do setor automotivo Lee Iacocca, contada, com enorme barulho, para os jovens empresários da época. Navegar pela vida profissional de Cathie Black é uma viagem de auto-conhecimento, mesmo para aquelas de nós que não sonhamos em liderar um império de mais de cinco mil funcionários e 1,5 bilhão de dólares. Um porque ninguém chega ao cume deste planeta impunemente. Depois, porque, além de ser uma das pessoas mais influentes do mundo nessa amostra de 6 bilhões de almas, Cathie Black é, antes de tudo, uma mulher. Ele me disse apenas: ‘Seja bem-vinda. Mas gostaria de avisar que não vou me subordinar e você’. E saiu MC - Uma das melhores histórias do livro é a que conta sua experiência ao ser apresentada como presidente do “USA Today”. CB – Pois é, virou uma anedota. Eu tinha sido contratada como presidente do jornal, que passava por um período difícil e lutava sobreviver. Era o dia da minha apresentação formal, viajei de Nova York até Washington para grande encontro e entrei numa sala repleta de executivos, jornalistas, editores. Eu era o terceiro presidente em um período de três anos, era mulher e nunca havia trabalhado em jornal antes. Olhei em volta e percebi as expressões receosas. O ambiente já era relativamente hostil, mais piorou quando um dos executivos do jornal, Joe Welty, pelo menos dez anos mais velho do que eu, apertou minha mão e disse: “Bem-vinda ao USA Today, Cathie. Apenas gostaria de informar que não responderei a você”. Foram momentos de apreensão. Ao final da reunião, devíamos voltar a Nova York e Welty voltaria comigo. Quando estávamos saindo, um outro executivo se aproximou e disse: “Cathie, você volta no avião particular do jornal. Welty, você vai no ônibus”. Achei engraçado. Algum tempo depois, transferi Welty para uma empresa-irmã. MC – Você acha que o comportamento dele teve a ver com o fato de você ser mulher? CB - Não sei, mas imagino que o fato de eu ser mulher tenha sido um componente. Tive um problema semelhante quando estava indo trabalhar na “New York”, mas não estava na sala quando aconteceu. Quando meu chefe, o CEO ( Chief Executive Officer), contou à equipe que eu estava indo para lá em um cargo de comando, um cara gritou: “Cathie Black? Mas ela trabalhava para mim!, o que, para começar, não era verdade. Então acho que existe sim o incômodo de ser mulher. Não leve nada para o lado pessoal, e saiba distinguir a provocação profissional daquele que é pessoal. MC – Ainda existe aquele imaginário coletivo: homem que é autoritário é um cara de pulso, mulher que se comporta de forma dura é uma histérica? CB – Acho que essa percepção sempre existirá em algum nível. Mas, quando amadurecemos, aprendemos a não levar as coisas para o lado pessoal e fica mais fácil se adaptar e entender o tipo de estilo que funciona aqui e ali. Eu acho sim que, muitas vezes, a frase dita por uma mulher pode ser entendido de um jeito, enquanto a mesma frase, dita por um homem, vai ter interpretação completamente diferente. MC – Verdade que foi “acusada” pela mídia americana por contratar muitas mulheres e demitir muitos homens? CB – É uma crítica que recebo há anos. Eu, de fato, contrato mulheres para cargos executivos. Mas quanto é muito? Especialmente se elas são ultraqualificadas para a função? Em 1985, uma revista publicou a declaração de alguém que dizia que eu, ao assumir a “New York”, mandei embora todos os homens e contratei mulheres para seus lugares. Não era verdade. De fato, encorajei muitos a sair, mas não porque eram homens. Apenas porque não estavam suficientemente motivados para a nova fase. Eu simplesmente contratei mais mulheres do que a gestão anterior havia contratado. Mas a “acusação” de que estava contratando mulheres demais me soou absurda. Quando já ouvimos alguém dizer que tal empresa está contratando homens demais? Não existe isso. Uma vez, já na Hearst, resolvi colocar um ponto final nessa história que me perseguia. Foi no almoço anual para executivos da empresa. Nessas ocasiões, normalmente faço discursos leves e bem-humorados para uma centena de pessoas. Mas, dessa vez, levantei e disse: “Existe a reclamação de que contrato mulheres demais. Quero apenas que vocês saibam que estou ciente dela. Por isso, pensei em fazer uma pequena pesquisa. Por favor, as mulheres executivas podem se levantar?”. Elas se levantaram e, enquanto todos se voltavam para observá-las, ficou claro que não eram mais do que um terço do grupo. Não seria o caso de me acusarem de contratar mulheres de menos? “Obrigada”, disse. “Agora, poderiam os executivos do sexo masculino ficar em pé?” Nessa hora, tudo ficou muito claro para quem estava ali. De pé, dois terços do salão. Pude ouvir aquele burburinho e alguns risos. Com meu ponto de vista estabelecidos, sentei e continuei a comer. MC – Como vê a noção de que devemos ser tudo ao mesmo tempo: casadas, mães, profissionais bem-sucedidas e, de preferência, em forma? CB – Soa ridículo hoje, mas sou de um tempo em que, se você fizesse 25 anos e não estivesse casada, era considerada um fracasso. Eu caí nessa e casei rapidamente, o que se mostrou um equívoco e resultou em divórcio. Quando comecei a trabalhar, percebi que queria outras coisas da visa, que queria ser profissional bem-sucedida, que queria me dividir um pouco mais antes de montar acampamento e formar uma família. Hoje, sou vista como uma mulher que conquistou tudo: casamento, carreira, filhos. Mas odeio essa noção. Porque, quando você diz que alguém conquistou tudo, indica que todas nós queremos as mesmas coisas da visa, o que é absolutamente falso. Você não precisa casar com um advogado, vencer o US Open de tênis e se tornar CEO de uma empresa para encontrar sucesso e felicidade. Ter o que chamo de “uma vida 360°” não é chegar ao topo de tudo o que você faz, é simplesmente encontrar equilíbrio. Ninguém pode definir o que é sucesso e satisfação pessoal para você a não ser você. Então, a vida 360° é viável: basta que saibamos qual o nosso ideal. E saber que, às vezes, vamos conseguir uma coisa de cada vez. Ninguém pode definir o que é sucesso a não ser você. Então, vá em busca do seu equilíbrios na vida. MC – Como seus pais preparam você para essa vida? CB – Eles deram asas, me deixaram ser eu mesma, fazer as coisas que eu achava que devia fazer. Um belo dia, por exemplo, quando eu tinha uns 10 anos, cismei que queria aprender a montar cavalos, sendo que não tínhamos a menos intimidade com esporte. E eles me deram força. Imagino que não tenha sido fácil me deixar livre. Naquela época, a validação feminina vinha do fato de a mulher ser casada, criar uma boa família, manter a casa sempre em ordem, cozinhar com competência. Então, as mulheres da geração da minha mãe tiveram que lidar com suas filhas aos 20 e poucos anos, dizendo: “Eu gostaria de ter uma vida mais excitante do que a sua, não gostaria de fazer a mesma coisa todos os dias, como você”, que foi o que eu disse a minha mãe. Ela ficou muito ofendida, e eu entendo, claro, porque eu estava desqualificando sua vida. Meu pai não pôde ver a carreira que fiz, mas acho que ele teria ficado menos surpreso porque perceberia que herdei o gene dos negócios dele. Mas acho que as coisas estão mudando depressa. Há alguns anos, lembro de estar dentro de um avião, voltando de alguma conferência, e o executivo que estava do meu lado disse: “sabe, estamos começando a promover mulheres na corporação, mas não sei de verdade como elas encararão essa coisa de viajar muito”. Eu disse: “O que?” Olhe para mim. Estou sentada neste avião. E isso é um grande acontecimento, sabe? Não tome decisões por nós apenas porque somos, casadas, ou temos filhos, ou somos solteiras. Deixe-nos decidir se queremos a função, se estamos prontas pra ela.” Acho que esse tipo de coisa aconteceu muito na década passada. Esses caras simplesmente decidiram que não gostaríamos de ter aquelas funções, por isso ou por aquilo, e nos excluíram. Hellooo! Perguntem-nos o que queremos e depois deixem que tentemos. MC – Você acha que as mulheres são menos autoconfiantes no ambiente de trabalho do que os homens? CB – Você já participou de uma reunião na qual uma mulher dá uma idéia de forma tímida, é ignorada, e, quando um homem joga a mesma idéia na mesa, considerado um gênio? Acontece todos os dias. Uma vez, ainda no começo da carreira, tive uma reunião com um cliente que foi muito boa. No final, perguntei a ele: “E então, qual a possibilidade de poder contar com seu anúncio em nossa revista? E ele respondeu: “Deixe-me dar a você um conselho: nunca pergunte qual a possibilidade, porque, afinal, tudo é possível nesse mundo. Pergunte ‘qual a probabilidade’”. E então eu perguntei: “ É provável que possamos contar com seu anúncio na revista?”, e ele respondeu: “Não”. Mas pelo menos eu saí de lá com uma lição, que era: é importante expressar idéias de maneira muito clara, porque assim a chance de elas serem levadas a sério é bem maior. Nunca chore no trabalho. As mulheres usaram o choro como uma arma durante muito tempo. E isso não é bom MC – Uma certa tensão no ambiente de trabalho é sempre necessária? CB – Eu diria que é inevitável. E pode ser útil, aumentando a energia e a competitividade. A verdade é que, se você está produzindo os resultados esperados para a sua função, o que quer que aconteça nesse ínterim é apenas barulho. Agora, você sempre conseguirá resultados melhores de sua equipe se deixar claro que está do lado dela. Por exemplo: quando era presidente do “USA Today”, cheguei um dia para trabalhar e encontrei um bilhete em minha mesa. Era de uma funcionária muito boa, reclamando do bônus anual que havia recebido. Ela havia trabalhado duro naquele ano, viajado demais, e se sentia frustrada pelo o valor do bônus. Não tem nada pior do que se sentir depreciado no trabalho. Eu mandei um bilhete para o CEO da empresa, dizendo que ela merecia um bônus maior. Ele respondeu que sentia muito, mas estava apenas seguindo as regras, e que ela valiam para todos. Eu poderia ter aceitado aquele argumento e explicado a ela que essas são as regras. Ou poderia insistir. Insistir: “ Ainda acho que ela merece um bônus melhor. Ela tem trabalhado bastante e produzido excelentes resultados”. E ele respondeu: “OK. Vamos dar a ela dois bilhetes de primeira-classe para qualquer lugar a que ela queira ir”. Quando ela ouvia s notícia, ficou em êxtase. Os bilhetes não custaram Pa empresa mais do que 5 mil dólares, um valor alto, mas nem de perto similar a um bônus verdadeiro. Mas ela ficou feliz por ver seu trabalho reconhecido, e renovou o ânimo para o ano que começaria. MC – Mulheres tendem a levar as coisas para o lado pessoal? CB – Acho que sim. Há alguns anos, uma executiva da Hearst entrou em minha sala com uma reclamação: “Cathie, acabo de saber que haverá uma reunião hoje da qual eu deveria participar e ninguém me avisou. Estou sendo excluída, mas deveria ser incluída”. E eu disse: “Então vá à reunião”. Ela foi e percebeu que não havia sido excluída propositalmente, tratava-se apenas de um engano. Não podemos levar para o lado pessoal coisas que não são pessoais. Se fazemos a escolha de encarar um conflito no escritório como meramente profissional e não pessoal, eliminamos a chance de reagir de forma excessiva. E, mais importante: escolha desarma qualquer conflito pessoal que possa estar atrelado à queixa. Existe um ganho muito pequeno quando entramos em duelo pessoal no trabalho. Mas existe um ganho substancial quando nos reunimos a, movidas por razões pessoais, cair na armadilha de entrar em uma batalha. Gostaria de ver pessoas mais ferozes no trabalho, querendo sempre ir mais longe. MC – Como você vê a mulher hoje no mercado de trabalho? CB – Acho que existem dois tipos: a impaciente, que sabe que pode chegar longe e quer fazer isso imediatamente, e aquela que viu sua mãe correr de um lado para o outro, equilibrando trabalho, casa, filhos como uma maluca, e agira está dizendo: “Sabe o quê? Eu não preciso chegar tão longe. Posso simplesmente ter um trabalho mediano, que não me exija tanto, e assim cuidar do resto da minha vida”. MC – Isso não é bom? CB – Eu gostaria de ver as pessoas mais ferozes por trabalho, querendo mais, querendo chegar mais longe. MC – Estamos vendo mulheres escalarem as mais altas pirâmides profissionais e também liderando países como Finlândia, Argentina, Chile, Nova Zelândia e, quem sabe, até Estados Unidos. O mundo terá que se preparar para essa mudança de poder? CB – Acho que homens e mulheres terão que se ajustar a essa mudança. Meu marido, por exemplo, nunca foi movido pelo dinheiro. Ele escolheu exercer a advocacia em Washington, mesmo sabendo que lá ganharia menos. E ele sempre ficou extasiado com meu sucesso. Ele, claro, gosta do estilo de vida que vem junto com esse sucesso, mas nunca sentiu inveja. Nem de mim, nem de outros homens ou outras mulheres. Mas imagino que muitas mulheres tenham que lidar com ciúmes e inveja dentro de casa. E eu acho que hoje é cada dia mais difícil uma mesma família ter dois grandes executivos. Quer dizer, alguém vai ter que abrir mão de alguma coisa em algum ponto, não há como não se adaptar. Nunca chore no trabalho. As mulheres usaram o choro como uma arma durante muito tempo. E isso não é bom MC – Você é especialmente crítica em relação a mulheres que choram no Trabalho. Por quê? CB – Chorar no trabalho nunca pega bem. Nunca. Eu diria a qualquer mulher que sinta compelida a chorar em sua mesa: “Vá para o banheiro”. Você não entra na sala de alguém e começa a chorar, entende? Idealmente, não se faz isso. Claro que não quero dizer que devemos esconder emoções. Não é isso. O que não é recomendável é se despedaçar em lágrimas na frente de alguém. Um motivo justo como doença, diagnósticos, filhos doente, isso é outra história. Mas a frustração do trabalho não pode permitir que choremos na mesa. Se a vontade for forte, o ideal é sair andando, ir ao banheiro, pedir para ir embora. É mais produtivo. As mulheres usaram, por muito tempo, o choro como uma arma. Se você quer alguma coisa e começa a chorar, o cara pensa: “Ai, meu Deus, ela está chorando. O que eu faço?”. O choro usado como ferramenta é muito ruim. MC – O que move você? CB – Sou muito autoconfiante. E sempre tive vontade e fazer alguma coisa na vida que me divertisse. Muita gente não se diverte no trabalho, e isso eu nunca quis. Até hoje, me divirto com o que faço. CATHIE EM CÁPSULAS Conheça todas as regras. Assim você saberá quais quebrar; É mais fácil pedir desculpas do que pedir permissão; Concentre-se em ser respeitada em vez de querer apenas que as pessoas gostem de você; Não duele com seus erros: deixe-os ir embora; Encontre um mentor ; Não leve para o lado pessoal coisas que não são pessoais; Não leve para o lado pessoal coisas que parecem ser pessoais: você só tem a perder; Não tenha medo de críticas ; Saiba diferenciar a provocação profissional da pessoal; Defina-se por suas aspirações, não por suas limitações; Fique com o crédito quando ele for seu ; Não se leve tão a sério; Seja criativo: você não terá novas idéias se não tiver saído com amigos, ido ao cinema, viajando, lido livros, ido para um spa; “Ninguém pode fazer você se sentir inferior sem seu consentimento”, disse Eleanor Roosevelt. Eu digo: no trabalho, ninguém pode fazer com que você sinta medo sem seu consentimento. Livro: A jornada de Cathie Black: Rumo ao Topo – Ed. Globo, 326 páginas.