Organização Internacional do Trabalho (OIT) Guia de Estudos Amanda Sara Silva Vieira Deborah Cristina Rodrigues Ribeiro José Ladislau de Sousa Junior Pedro Henrique Bernardes Sathya de Camargo Andrade Gimenes 1. Apresentação Este material complementar de estudos tem como objetivo ampliar a preparação dos delegados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da SiNUS 2014. Junto ao artigo, esse guia online compõe as informações básicas para tornar as discussões no comitê mais frutíferas. Esse material foi organizado para enfocar as questões de trabalho forçado – tema que será abordado nos debates. As próximas seções se dividem da seguinte maneira: a primeira seção contém um breve histórico da Organização Internacional do Trabalho, apresentando como se deu sua atuação em sentido geral desde sua criação até os dias de hoje. Na seção seguinte, há o mandato da OIT; nele explica-se como essa organização internacional trabalha, como funcionam seus debates e votações e como ela produz resoluções e declarações – alguns dos documentos produzidos nas conferências da OIT. A terceira seção mostra a posição dos países participantes do comitê em relação ao tema do trabalho forçado. Em cada país, são abordadas as posições do governo, dos representantes dos trabalhadores e dos representantes dos empregadores. A última seção é composta por estudos de casos nos quais são apresentadas quatro situações de países diferentes em relação à escravidão. Além desse material complementar, há também cinco convenções da OIT disponíveis para consulta e que enriquecerão os debates no comitê. 2. Histórico do comitê A OIT foi originalmente criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO [OIT], n.d.a.). Na primeira Conferência Internacional do Trabalho, também realizada em 1919, a OIT adotou seis convenções principais, estabelecendo importantes garantias aos trabalhadores, como a limitação da jornada de trabalho, proteção a crianças, mulheres e à maternidade (OIT, n.d.a.). Nos primeiros quarenta anos de existência da OIT, a organização buscou desenvolver normas internacionais do trabalho e garantir sua aplicação. Entre 1919 e 1939, foram adotadas 67 convenções e 66 recomendações (OIT, n.d.a.). A eclosão da Segunda Guerra Mundial interrompeu temporariamente esse processo. Após a guerra, surge a Organização das Nações Unidas (ONU) e em 1946, a OIT se transforma em sua primeira agência especializada. Durante boa parte do século XX, a OIT desempenhou um papel importante na definição das legislações trabalhistas e na elaboração de políticas econômicas, sociais e trabalhistas para os países membros das Nações Unidas (OIT, n.d.a.). Em 1998, a Conferência Internacional do Trabalho adotou a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, os quais são o respeito à liberdade sindical e de associação, ao reconhecimento efetivo do direito de barganha coletiva, à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, à efetiva abolição do trabalho infantil e à eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação (OIT, n.d.a.). Associados a esses direitos e princípios, foram estabelecidas oito convenções fundamentais. Todos os Estados-membros da OIT, pelo simples fato de fazerem parte da organização e terem aderido à sua Constituição, são obrigados a respeitar esses direitos e princípios, havendo ou não ratificado as convenções a eles correspondentes. A Conferência de 1998 também estabeleceu a ratificação universal dessas convenções como um objetivo, propôs bases para um amplo programa de cooperação técnica da OIT com os seus Estados-membros e definiu um mecanismo de monitoramento dos avanços realizados (OIT, n.d.a.). A OIT tem valores e princípios básicos, a saber: o trabalho deve ser fonte de dignidade; o trabalho não é uma mercadoria; a pobreza, em qualquer lugar, é uma ameaça à prosperidade de todos; e todos os seres humanos têm o direito de perseguir o seu bem estar material em condições de liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades (OIT, n.d.a.). Tais ideias fundamentais estão na Declaração da Filadélfia (1944) e estão em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), reafirmando que a paz permanente só pode ser baseada na justiça social (OIT, n.d.a.). Em referência ao combate à escravidão, a Liga das Nações, precursora da ONU, adotou em 1926 a Convenção das Nações Unidas contra a Escravidão, Servidão, Trabalho Forçado e Instituições e Práticas Similares de modo a proibir todos os aspectos de venda de escravos (ROY & KAYE, 2002). Percebeu-se que o problema era ainda mais complexo e multifacetado, e tal convenção sozinha era insuficiente para lidar com todos os aspectos das práticas análogas à escravidão. Dessa forma, a OIT estabeleceu em 1930 a Convenção sobre Trabalho Forçado (No. 29), que foi reforçada por uma segunda convenção em 1957, a Convenção Relativa à Abolição do Trabalho Forçado (No. 105) (ROY & KAYE, 2002). Essas convenções, juntas, apresentam importantes ferramentas na luta para erradicar a prática do trabalho escravo. 3. Mandato do comitê A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência especializada da Organização das Nações Unidas que pauta sua atuação pelos objetivos principais de promoção da justiça social e reconhecimento internacional de direitos humanos e trabalhistas (OIT, n.d.b.). A OIT atua no âmbito da busca por uma globalização em níveis igualitários, pela redução da pobreza e pela melhoria das oportunidades de acesso a trabalho digno e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana, tanto para homens quanto para mulheres (OIT, n.d.b.). A OIT busca influenciar no estabelecimento de padrões internacionais de trabalho através de Convenções e Recomendações, mas há também Declarações e Resoluções, que são mais informais (ROY & KAYE, 2002). Desta maneira, são propostos níveis básicos de direitos trabalhistas, sendo eles a liberdade de associação, organização e barganha coletiva, abolição do trabalho forçado, igualdade de oportunidades e de tratamento laboral, como por exemplo a questão de gênero, e outros padrões de condições reguladoras relacionadas às questões trabalhistas (OIT, n.d.b.). Em relação à questão de emprego, a OIT busca promover, junto a seus membros, o trabalho através da criação de um ambiente institucional e econômico sustentável, buscando promover melhor qualidade de vida, progresso social e industrial (OIT, n.d.c.). No que se refere à proteção social, ou seja, segurança social e proteção dos trabalhadores, a OIT procura estabelecer condições de trabalho saudáveis e seguras e políticas relacionadas às questões de salário e rendimentos, duração e outras condições de trabalho (OIT, n.d.c.). A OIT também procura aplicar os princípios e direitos fundamentais do trabalho, estabelecidos na Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho (1998), buscando coibir a violação dos mesmos sob a justificativa de vantagem comparativa e o uso das normas trabalhistas para fins comerciais protecionistas (OIT, n.d.c.). A organização promove assistência em políticas de emprego, leis trabalhistas, condições laborais, cooperativas, segurança social e saúde, entre outras áreas. A OIT também incentiva o desenvolvimento de organizações independentes de empregadores e trabalhadores e promove serviços de treinamento e aconselhamento para essas organizações (OIT, n.d.b.). A OIT é a única organização no sistema ONU com estrutura tripartite. Nesta estrutura, trabalhadores e empregadores participam como parceiros igualitários em conjunto com os representantes dos governos dos países membros da organização (OIT, n.d.b.). Dessa maneira, a OIT consiste em um fórum único em que os três representantes do país membro podem debater abertamente e elaborar políticas e metas trabalhistas (OIT, n.d.d.). As organizações dos trabalhadores são instituições que buscam alcançar os interesses dos cidadãos e da população economicamente ativa (OIT, n.d.d.). Sindicatos são instituições fundamentais para a sociedade na maioria dos países democráticos, e em geral pautam suas ações pela defesa do emprego decente, das condições de trabalho seguras, da igualdade de gênero, da aplicação das leis trabalhistas internacionais, entre outras questões (OIT, n.d.d.). As organizações de empregadores são, por sua vez, instituições estabelecidas para organizar e avançar os interesses coletivos desse grupo. São cruciais para o progresso competitivo e sustentável de empresas e podem contribuir para o desenvolvimento econômico e social (OIT, n.d.d.). O princípio do “tripartismo” tem por objetivo fazer com que reuniões da OIT gerem algum tipo de resultado na formulação de políticas dos países membros. Em relação aos votos, cada país tem quatro votos: um dos empregadores, um dos trabalhadores e dois do governo, isto é, o governo tem mais peso nas votações (ROY & KAYE, 2002). A OIT promove o diálogo social e o tripartismo como um método de adequar a implementação de objetivos estratégicos às necessidades e circunstâncias de cada país, além de facilitar a formação de consensos sobre políticas nacionais e internacionais para emprego e trabalho dignos. Esse modelo também busca tornar as legislações trabalhistas e as instituições mais eficientes (OIT, n.d.c.). 3.1 Documento Final Durante a SiNUS 2014, os delegados discutirão sobre o trabalho forçado no mundo e seus desdobramentos. Deve-se, respeitando o mandato da Organização Internacional do Trabalho, buscar produzir uma Declaração da OIT que procure lançar meios para que o problema da escravidão moderna seja eliminado ou diminuído. Sendo assim, sugere-se que as perguntas abaixo sejam respondidas nesse documento final: • Quais as causas da escravidão moderna? • Quais práticas estão relacionadas com a escravidão moderna? • Como eliminar a escravidão moderna e as práticas relacionadas a elas? • Por que as medidas já tomadas tão tiveram efeito? • Como fazer com que essa Declaração (e outras passadas) se tornem medidas práticas nos países-membros? 4. Posicionamento de blocos 4.1 Brasil Em 2013, estudos realizados pela ONG Walk Free Foudation estimaram que existem, hoje, no Brasil, cerca de 200 mil pessoas vivendo em condições análogas ao trabalho escravo (WALK FREE FOUNDATION, 2013a). Tais indivíduos são sujeitos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes, restrições de locomoção em razão de dívida e situações similares (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO [MTE], 2012). O Brasil ratificou as principais convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre elas a Convenção número 29 assinada em 1957, em que o país se compromete a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório (OIT, n.d.e.). Entretanto, o Brasil somente passou a combater efetivamente o trabalho escravo, obtendo resultados relevantes e promissores, a partir de 2003, quando criou o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que tem a missão de por fim à prática (FIRME, 2005). Tal Plano provou-se eficaz na luta contra o trabalho escravo, sendo considerado pela OIT um exemplo no combate ao trabalho forçado (COSTA, 2009). Apesar de tal reconhecimento positivo, a Organização também enfatiza a lentidão em que se encontra o processo de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Trabalho Escravo1, uma das principais metas do Plano Nacional e considerada como um instrumento fundamental para a erradicação do trabalho escravo (COSTA, 2009). À parte do Plano Nacional, o setor empresarial passou a ter um papel mais relevante no combate ao trabalho escravo por meio do Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo, criado em 2005 (PACTO NACIONAL, 2005). O Pacto é responsável por fornecer meios para que as companhias signatárias possam garantir que seu processo de produção não envolva o trabalho escravo (PACTO NACIONAL, 2005). Apesar de fazer parte do Pacto Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, a mineradora Vale S.A. foi acusada, pelo Ministério Público e pelo IBAMA, de manter relações comerciais com empresas envolvidas com o trabalho escravo e infantil (ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE, 2012). Considerada a maior empresa do Brasil, a Vale foi eleita em 2012 como a pior corporação do mundo pelo Public Eye Awards2 (ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE, 2012). Isso porque a empresa soma impactos ambientais, sociais, trabalhistas e econômicos negativos (ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE, 2012). Entre as várias acusações, estão alegações de jornadas de trabalho exaustivas, assédio moral e dumping social 3 (ARTICULAÇÃO 1 Esta PEC prevê a expropriação e destinação à reforma agrária de terras onde for constatado o uso de trabalho escravo. 2 Votação popular que elege a empresa que mais causou impactos negativos sociais, trabalhistas e ambientais. 3 Prática realizada por empresas que se estabelecem em certo local onde os salários são mais baixos e/ou direitos dos trabalhadores mais precários. Isto reduz os custos da produção, aumentando o lucro. Esta prática é proibida pela legislação brasileira (AMAZON WATCH, 2012). INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE, 2012). Em 2010, diversos casos dessa jornada exaustiva foram relatados no Pará, em que trabalhadores eram obrigados a ficar cerca de 13 horas à disposição da empresa (devido ao tempo gasto na locomoção até a área de trabalho) sendo remunerados apenas por 6 horas, o que viola a Constituição Federal, a qual prevê que a jornada de trabalho não pode ultrapassar oito horas diárias 4 (ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE, 2012; OIT, n.d.f.). Em resposta a tais acusações, a Vale emitiu um comunicado admitindo as alegações como “sérias”, mas “infundadas” (VALE, 2012, tradução nossa). A empresa alega promover ações socioambientais, em seu relatório de sustentabilidade, divulgado em 2012 e a companhia revela ter investido cerca de 317 milhões de dólares na área social (VALE, 2012). Em critica à empresa, a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale5 publicou, no mesmo ano, o Relatório de Insustentabilidade da Vale. Nele, a organização argumenta que os programas de sustentabilidade promovidos pela empresa são usados para ocultar o fato real de que a empresa “ignora condições dignas, seguras e respeitosas de trabalhos” (ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE, 2012). A luta pela erradicação do trabalho escravo também se dá no âmbito das organizações sindicais. Responsável por defender os direitos dos trabalhadores, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) manifesta, em sua Declaração de Princípios, que luta pela erradicação do trabalho escravo ou análogo e pelo fim do trabalho infantil (UGT, 2007). Também defende a expropriação de terras nas quais os proprietários utilizavam trabalho escravo e, em casos que ocorrem em centros urbanos, a destinação destas à reforma urbana6 e, em casos rurais, a destinação à reforma agrária (UGT, 2007). Entre as iniciativas do sindicato no combate ao trabalho escravo estão: promoção e participação em seminários sobre exploração laboral, elaboração de documentos em conjunto com outros sindicatos e a OIT sobre o trabalho decente e representação e defesa dos direitos 4 A primeira Convenção da OIT prevê a mesma jornada. O Brasil não ratificou esta Convenção (OIT, n.d.e.). 5 Associação de pessoas que se declaram afetadas pela Vale 6 Destinação de terras abandonadas ou utilizadas precariamente dentro do espaço urbano para a construção de moradias ou espaços sociais públicos. dos trabalhadores em conferências tripartites sobre o trabalho escravo (UGT, 2012). 4.2 Camboja O Camboja ratificou duas convenções da OIT contra o trabalho escravo, sendo elas a Convenção de Trabalho Forçado (No. 29), ratificada em 1969, e a Convenção de Abolição de Trabalho Forçado (No. 105), ratificada em 1999 (OIT, n.d.g.). O trabalho escravo ou compulsório é proibido por lei no Camboja, mas há registros de casos de tais práticas em serviços domésticos e no setor informal (U.S. DEPARTMENT OF STATE, BUREAU OF DEMOCRACY, HUMAN RIGHTS AND LABOR [DRL], 2013a). Crianças de famílias mais pobres continuam em risco. Famílias ricas às vezes alegam intenção humanitária, como oferecer melhores condições de vida às crianças, para contratá-las como trabalhadores domésticos. Contudo, muitas vezes, elas têm a única intenção de abusar destas crianças e de explorá-las (DRL, 2013a). De cada sete crianças economicamente ativas, quatro são trabalhadores familiares e não recebem salário, ajudando os pais empregados autônomos, geralmente em negócios de família, segundo relatório da OIT (NATIONAL INSTITUTE OF STATISTIC, MINISTRY OF PLANING OF CAMBODIA AND INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2013). Também houve relatos de trabalho forçado nos setores de pesca, de construção e de agricultura. A verificação das condições de empregos e salários por oficiais do governo, tanto de empregados nesses setores quanto de trabalhadores domésticos, continuava difícil devido à natureza informal desses serviços (DRL, 2013a). Crianças também são forçadas a mendigar, limpar resíduos sólidos, trabalhar em pedreiras ou na produção e no processamento de itens como tijolos, borracha, sal e camarão (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2011). Um dos problemas relacionados à escravidão moderna que mais afeta o Camboja é o tráfico de pessoas. O país é fonte, trânsito e destino para homens, mulheres e crianças que são submetidos ao trabalho forçado e ao tráfico sexual (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2011). Cambojanos migram para Tailândia, Malásia e outros países em busca de trabalho, e muitos logo sofrem com o tráfico sexual ou o trabalho escravo nas indústrias de pesca e processamento de alimentos, em plantações, fábricas, trabalho doméstico, mendicância e venda nas ruas forçados (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2011). Dentro do país, mulheres e crianças cambojanas e vietnamitas são traficadas de áreas rurais para exploração sexual. O Camboja é o destino de mulheres e meninas submetidas à prostituição, sendo muitas delas também vítimas de escravidão por dívida (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2011). A venda de meninas virgens ainda é um problema sério no país. Homens cambojanos e estrangeiros (a maioria da Ásia) pagam milhões de dólares para ter relação sexual com uma delas, e um número significativo de homens migra para o país para se envolver com o turismo sexual infantil (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2011). A OIT estabeleceu o Programa Nacional de Trabalho Decente para o Camboja (2011-2015), que pretende ser implementado no Camboja, em Laos e na Tailândia, em colaboração com o Ministério do Trabalho e Treinamento Vocacional, com a Federação Cambojana de Empregadores e Associações Empresariais (CAMFEBA) e com sindicatos cambojanos (OIT, 2011). Esse programa promove a base para a contribuição da OIT para estratégias governamentais de crescimento, emprego e equidade, atingindo uma grande variedade de interesses trabalhistas e desenvolvimentistas, incluindo treinamentos e desenvolvimento de habilidades, geração de emprego, empreendedorismo e aperfeiçoamento empresarial, proteção social, melhoria econômica local, relações industriais, diálogo social e governança do mercado de trabalho (OIT, 2011). O programa foi resultado de diversas discussões entre a OIT e os constituintes tripartites cambojanos. Dessa forma, representa a vontade coletiva desses atores para direcionar desafios críticos para prover forma de trabalho decente a todos os cambojanos (OIT, 2011). A Federação Cambojana de Empregadores e Associações Empresariais (CAMFEBA) é a organização mais importante de representação de empregadores cambojanos (OIT, 2011). A OIT trabalha em conjunto com a CAMFEBA para fortalecer sua capacidade de servir e representar seus membros em fóruns e defender efetivamente seus objetivos. Os principais interesses da CAMFEBA são a melhoria das relações industriais, a reforma da lei trabalhista, o desenvolvimento da lei de sindicatos, a competitividade industrial nacional, o comércio internacional e as políticas de investimento (OIT, 2011). A CAMFEBA funciona como o principal constituinte da OIT nas negociações no setor privado (OIT, 2011). O movimento sindical no Camboja, apesar de estar amadurecendo, é muito novo e ainda está desenvolvendo habilidades e experiência tanto na gestão e negociação quanto na barganha coletiva (OIT, 2011). Os principais problemas que o movimento sindical encontra incluem a fragmentação e proliferação dos sindicatos, assim como rivalidades pessoais e políticas. Externamente, também há discriminação e não reconhecimento pelos empregadores, interferência política e imposição legal fraca ou inexistente por parte do governo (OIT, 2011). O principal representante dos trabalhadores cambojanos é o Sindicato Livre dos Trabalhadores do Reino do Camboja (FTUWKC). 4.3 Catar O Catar é um pequeno país localizado no Oriente Médio, com uma população de pouco mais de 2 milhões de pessoas, dentre as quais cerca de 4 mil encontram-se submetidas a condições de vida análogas à escravidão, de acordo com o Global Slavery Index (WALK FREE FOUNDATION, 2013g). O país é um emirado que se tornou independente do Reino Unido em 1971 e apresenta bons índices de empregabilidade – tem mais de 1,3 milhão de pessoas trabalhando, com uma taxa de desemprego de apenas 0,5% em estimativas de 2012 (CIA, 2013). A participação do Catar na Organização Internacional do Trabalho não é muito expressiva, sendo que apenas seis convenções da OIT foram ratificadas pelo país; dentre elas estão as No. 29, No. 105 e No. 182, as quais abordam aspectos do trabalho forçado (OIT, n.d.h.). Em termos de legislação trabalhista interna, o principal instrumento legal é a Labour Law, a qual lista uma série de tópicos que devem ser observados no trabalho para proteger os trabalhadores de perigos (OIT, n.d.i.). Quando se trata de tráfico de pessoas, o Catar é um destino mais comum para outros tipos de exploração trabalhista do que para a prostituição (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). No país, há casos de trabalho escravo de estrangeiros, principalmente no setor de construção civil. Em dezembro de 2013, por exemplo, foram encontrados mais de 80 trabalhadores estrangeiros que trabalhavam em uma construção na capital, Doha, sem receber pagamentos há mais de um ano (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013). As construções para a Copa mundial de futebol de 2022 também já foram acusadas de manterem trabalhadores em regimes laborais que afrontam os direitos humanos (ANTI-SLAVERY INTERNATIONAL, 2013). Dentre as obras para a Copa de 2022, há a construção de uma nova cidade, a Lusail City, na qual será jogada a partida final do campeonato. A construção dessa cidade está acontecendo sob acusações de maus tratos para com os trabalhadores (MANFRED, T., 2013). Para ilustrar, entre 4 de junho e 8 de agosto de 2013, foram confirmadas 44 mortes de trabalhadores originários do Nepal (BOOTH, R., 2013). As investigações apontaram para causas relacionadas a condições quase escravas de trabalho às quais eles eram submetidos (BOOTH, R., 2013). Alguns dos nepaleses que não morreram afirmaram que não recebiam salários há meses e que os tinham retidos para que evitassem fugas (BOOTH, R., 2013a). De acordo com estudos do Qatar University’s Social and Economic Survey Research Institute, cerca de 86% dos trabalhadores advindos de outros países entregam seus passaportes a seus empregadores do Catar (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). A empresa responsável pela construção da Lusial City é a Lusail Real Estate Development Company. Ela administra outras subempreiteiras que conduzem as obras da cidade e de outros empreendimentos (THE GUARDIAN, 2013). A empresa declarou que não tolera transgressões nas leis trabalhistas, de saúde ou de segurança e que tomará medidas contra quem quer que tenha violado a justiça e quebrado contratos – no caso, referindo-se a algumas dessas subempreiteiras (THE GUARDIAN, 2013). Em contraposição aos casos de abusos trabalhistas registrados no Catar, está a International Trade Union Confederation (ITUC), uma instituição internacional cuja principal luta é pelos direitos dos trabalhadores através da cooperação entre uniões de trabalhadores, sindicatos e outras organizações (ITUC, 2013a). No caso das obras para a Copa de 2022, a ITUC estima que, até a realização do evento no Catar, mais de 4 mil trabalhadores perderão suas vidas, a menos que sejam tomadas medidas no país para mudar a situação (ITUC, 2013b). Atualmente, no Catar, não há uniões nacionais de trabalhadores nem sindicatos; o que há são planos governamentais para a formação de um sindicato nacional próprio controlado pelo Estado (WORK DAY FOR FREE DECENT WORK 2013, n.d.a.). 4.4 China De acordo com o “Global Slavery Index”, - relatório divulgado pela Fundação Walk Free - a República Popular da China possui hoje 3 milhões de habitantes em regime análogo ao de escravidão (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Acusa-se o intenso movimento migratório de saída do campo para a cidade, associado ao sistema de registro chinês “hukou”7, como facilitador das práticas escravistas no país (WALK FREE FOUDATION, 2013). O sistema “hukou” é um sistema de registro que permite a identificação do local de origem, residência, emprego, entre outros dados dos habitantes chineses de cada cidade. Ao saírem da zona rural ou da cidade natal para a zona urbana ou para outra localidade, os migrantes passam a perder os direitos concedidos pelo “hukou” e tornam-se ilegais, fato que acaba por viabilizar sua escravização (OURIQUES & ANDRADE, 2009). O trabalho compulsório, a exploração sexual e o tráfico de pessoas são hoje as principais formas de escravidão moderna praticadas no país (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Apesar de ter reconhecido a maioria dos tratados importantes elaborados pela Organização Mundial do Trabalho acerca da abolição da escravidão, até hoje, a China não ratificou acordos de suma relevância como a Convenção Sobre a Escravatura de 1926 e sua Convenção Suplementar de 1956, além do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). No geral, existem quatro principais leis penais direcionadas para lidar com a escravidão moderna na China, a saber: o artigo 7 O Sistema de Registro Hukou corresponde a uma licença de residência para o cidadão chinês, dada pelo governo a cada cidade, onde se é documentado os dados dos membros da família, endereço, entre outras informações. O Sistema é considerado de grande importância uma vez que viabiliza a concessão de direitos aos seus membros, incluindo o direito ao contrato de trabalho (SCHACHNIK, s.d.). 358 sobre a prostituição forçada, Seção 240 sobre o Tráfico de Mulheres e Crianças, Seção 241 sobre compra de Mulheres e Crianças, e Seção 244 sobre trabalho forçado (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Além disso, existem leis específicas contra o trabalho infantil (menores de 16 anos) e contra a exploração e a prostituição destes. Por sua vez, o tráfico humano, porta de entrada para outras formas de exploração, é combatido principalmente pelo Ministério Público do Trabalho (DRL, 2013b; WALK FREE FOUNDATION, 2013b). É válido ressaltar que, embora tenha leis contra o trabalho forçado, a China possui um regime próprio de punição que envia indivíduos a campos de trabalho forçado sendo estes obrigados a cumprir pena de até 4 anos (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Alvo de muitas críticas, no final de 2013, o país anunciou o fim do programa de reeducação pelo trabalho forçado nesses campos. Ademais, outra medida notória do governo chinês contra a exploração diz respeito à modificação e à implementação das leis trabalhistas, conseguindo reduzir e auxiliar as vítimas de exploração (DRL, 2013b). A Federação dos Sindicatos Chineses (All-China Federation of Trade Unions) é a organização oficial dos trabalhadores chineses, uma vez que a China proíbe a formação de outros sindicatos independentes, sendo essa federação a única autorizada a funcionar pelo governo (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Entre os principais objetivos da organização, estão o auxílio à coordenação das relações de trabalho e a proteção dos direitos e interesses legítimos dos trabalhadores. Os sindicatos participam ativamente nas atividades das comissões nacionais da organização do trabalho em setores importantes elaborando, inclusive, várias leis (CHINA THROUGH A LENS, 2002). Por isso, conseguem representar efetivamente os interesses gerais das grandes massas de trabalhadores, ainda estando subordinados ao governo chinês (CHINA THROUGH A LENS, 2002). Além dessas medidas, a Federação dos Sindicatos Chineses participa de investigações junto a outros órgãos, como a empreendida em conjunto com o Ministério do Trabalho e Segurança Social e com o Ministério da Segurança Pública, de suma importância, que resultou na prisão de 160 pessoas que estavam ligadas à exploração do trabalho infantil na província chinesa Shanxi (CHINA DAILY, 2007). Além disso, a Federação teve um papel importante nas reformas da Lei do Contrato de Trabalho, que é destinado principalmente à proteção dos trabalhadores (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Em defesa das empresas, dos empresários e das indústrias chinesas, a Confederação das Empresas Chinesas (CEC) é a maior organização empresarial privada da China. A Confederação foi fundada no ano de 1979 no período de reforma e abertura chinesa com o intuito principal de organização econômica e social, servindo de ponte entre as empresas e o governo, assim como entre as empresas e os trabalhadores (CHINA ENTERPRISE CONFEDERATION). A CEC tem grande importância nos assuntos que envolvem o trabalho na China, sendo participante ativo de acordos e mantendo parecerias multilaterais que envolvem órgãos como a Organização Internacional do Trabalho, a Organização Internacional de Empregados e a Cúpula Asiática de Negócios (CHINA ENTERPRISE CONFEDERATION). Além disso, a Confederação mantém relações inclusive com a Federação dos Sindicatos Chineses, como, por exemplo, na conferência sobre a promoção de relações de trabalho harmoniosas entra a sociedade e o setor industrial em Beijing, onde ambos participaram em parceria também com o Ministério do Trabalho e Segurança Social chinês (CHINA SCR MAP). 4.5 Espanha O Reino da Espanha ratificou todas as oito convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho. Dentre elas, a Convenção 29 sobre o Trabalho Forçado e a Convenção 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado, ratificadas em 1932 e 1967, respectivamente (OIT, n.d.j.). O Global Slavery Index, produzido pela ONG Walk Free Foundation, posicionou a Espanha entre os 20 países onde o trabalho escravo é menos expressivo 8 (WALK FREE FOUNDATION, 2013c). Apesar de o país apresentar leis que proíbem o trabalho forçado ou compulsório, estima-se que cerca de seis mil pessoas são vítimas dessa prática na Espanha (DRL, 2013g; WALK FREE FOUNDATION, 2013c). Estas são forçadas a trabalhar em serviços domésticos, na agricultura, na construção civil, em 8 O ranking posicionou 162 países baseando-se em índices de escravidão moderna, níveis de casamento infantil e níveis de tráfico humano (WALK FREE FOUNDATION, 2013c). serviços industriais ou na prostituição (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). O tráfico humano é a principal causa a sustentar o trabalho escravo no país (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). Em 2010 foram denunciadas 822 situações de trabalho forçado, em que 458 envolviam o tráfico de pessoas (OIT, 2013a). Contribuindo para o agravamento do trabalho escravo no mundo, empresas transnacionais muitas vezes utilizam esse tipo de exploração em países onde as leis não são tão eficazes. Entre essas empresas, está a Indústria de Desenho Textil S.A. (Inditex). O conglomerado de empresas que constitui o maior grupo de confecção de roupas do mundo foi denunciado por utilizar trabalho forçado em 12 países, entre eles Espanha e Brasil (SHAERER, L., 2013). Sua maior empresa, Zara, foi acusada em 2007 por ter escravizado 15 estrangeiros – 14 bolivianos e uma peruana - no Brasil. Os trabalhadores, que viviam no local de trabalho, eram obrigados a trabalhar por 12 horas em condições perigosas e insalubres (THE GUARDIAN, 2011). Em resposta à acusação, o conglomerado alegou que não é responsável pela utilização de trabalho escravo em suas fábricas contratadas e disse ter tomado medidas para a remuneração das vitimas (THE GUARDIAN, 2011). Para a Offset Warehouse, agência ética de fornecimento e fabricação de moda, justificativas como essa são frequentes entre grandes corporações, que não fiscalizam suas fabricas por não conseguirem ou simplesmente por não se importarem (MOORE, M., 2011). Lutando pelos direitos dos trabalhadores na Espanha está a Confederação Sindical de Comissões Operárias (CC.OO.). O sindicado é responsável por diversas negociações entre operários e empresas, inclusive com a Inditex (CONFEDERACIÓN SINDICAL DE COMISIONES OBRERAS [CC.OO.], n.d.a.). Dentre as associações representantes dos trabalhadores espanhóis, a CC.OO. foi a que mais fez observações sobre as convenções ratificadas pelo país no âmbito da OIT (OIT, n.d.j.). Além de lutar por melhores condições laborais, o sindicato também defende a supressão de toda forma de opressão e exploração dos trabalhadores (CC.OO., n.d.a.). 4.6 Estados Unidos A despeito de a escravidão ter sido abolida nos Estados Unidos da América (EUA) em 1865, formas de trabalho análogas à escravidão continuam existindo no território desse país, vitimando, atualmente, 60.000 indivíduos entre homens, mulheres e crianças (NATIONAL ARCHIVES; WALK FREE FOUNDATION, 2013k). Atividades como a exploração sexual, o trabalho forçado – que tem crescido inclusive no setor agrícola e de alimentação –, a servidão involuntária, a servidão por dívida e o tráfico de pessoas são até hoje recorrentes. (WALK FREE FOUNDATION, 2013k). A entrada de imigrantes ilegais, a vulnerabilidade das crianças inseridas em alguns programas sociais e a existência de redes e grupos criminosos que participam do processo de tráfico e exploração, são alguns dos motivos que aumentam a incidência de casos de exploração trabalhista. De tais casos, meninas e mulheres são consideradas público alvo, uma vez que a prostituição é um negócio em crescimento (WALK FREE FOUNDATION, 2013k). Além de ter reconhecido algumas das principais legislações propostas acerca da escravidão, os EUA ratificaram ainda acordos como o Protocolo de Palermo e a Convenção sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação (WALK FREE FOUNDATION, 2013k). No que diz respeito ao governo, as três esferas de poder (Federal, Estadual e Local) participam ativamente no combate a crimes como o tráfico de pessoas. Leis como a Trafficking Victims Protection Act 2000 (TVPA), que proíbe o tráfico de pessoas, têm servido de suporte para o desenvolvimento de estratégias e coordenação de projetos para a eliminação desse tipo de atividade através de leis criminais avançadas, disposições de proteção de vítima e programas de conscientização pública (U.S DEPARTMENT OF JUSTICE; WALK FREE FOUNDATION, 2013k). Por outro lado, é válido ressaltar que o TVPA não oferece apoio completo às vítimas. As principais críticas ao sistema são dadas pelo fato de que, na maior parte das vezes, as vítimas são deportadas de volta ao país de origem sem nenhum apoio, o que acaba por levá-las de volta às mesmas condições das quais saíram. Outras medidas, como a necessidade da certificação de “Severy Trafficking” das vítimas, também acabam por deixá-las em situação de risco, já que podem passar meses até que seja comprovada a real situação do traficado (RIEGER, 2007). Diversas entidades estadunidenses como o Departamento do Trabalho, o Departamento de Segurança e o Departamento da Justiça junto a órgãos como o Federal Boreau of Investigation (FBI), também auxiliam na investigação de casos de tráfico e a ligação desses com criminosos (WALK FREE FOUNDATION, 2013k). Organizações não-governamentais também assumem um papel importante no combate à escravidão, como o Projeto Polaris – um dos maiores no combate ao tráfico e escravidão moderna no Japão e nos Estados Unidos – que opera em nível internacional abrangendo todas as áreas, que vão desde a investigação até a assistência à vítima, o que evita a volta dessas ao trabalho escravo (END SLAVERY NOW). Outro exemplo de medida adotada pelo governo estadunidense nos últimos anos é a obrigação aos empresários de respeitar as regras acerca das condições laborais, o que tem gerado resultados positivos e sido elogiada até mesmo por organizações como a OIT (OIT, 2012a). Apesar do discurso favorável aos direitos humanos, a multinacional Nike INC é alvo de diversas críticas e acusações de violação dos direitos de seus funcionários. No ano de 1998, foi publicado o primeiro relatório que denunciava as condições abusivas com que eram tratados os trabalhadores em fábricas da Nike, principalmente em países da Ásia (LICHTIG, S. & WILSEY, M., s.d.). Na ocasião, a empresa acatou as denúncias e sanou parte dos problemas, assumindo uma política de reforma. Entretanto, mais de dez anos após a primeira crise gerada por esse problema, a empresa prossegue como uma indústria perpetradora de atos que violam os direitos humanos (LICHTIG, S. & WILSEY, M., s.d.). Entre as principais acusações feitas à empresa, encontra-se a de não cumprimento de pagamentos dos salários mínimos, más condições de trabalho, além de exploração de mulheres e crianças (MICHIGAN UNIVERSITY, s.d.; LICHTIG, S. & WILSEY, M., s.d.). Na Indonésia, trabalhadores da multinacional alegam até mesmo o uso de militares contratados para promover ameaça e constrangimento de funcionários que se neguem a trabalhar pelo salário estabelecido (ROBERTS, G, 2013). No ano de 2013, a empresa se envolveu em mais um escândalo ao negar-se a romper relações com a empresa Daewoo Internacional, que é acusada de manter milhares de pessoas sob regime de trabalho forçado em colheitas de algodão no Uzbequistão (LABOR RIGHTS, 2013). A Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO) é uma corporação que serve como base para os sindicatos norte-americanos. A corporação tem como objetivo principal representar e assegurar o direito dos trabalhadores desde o aspecto econômico até o social (AFL-CIO). A AFL-CIO defende, inclusive, a questão dos direitos humanos relacionados ao trabalho, assim como o direito trabalhista de imigrantes, o que contribui para a diminuição da vulnerabilidade destes ao trabalho escravo (AFL-CIO). A organização constantemente participa de campanhas relacionadas ao combate ao trabalho escravo, como, por exemplo, na campanha contra o fim do trabalho infantil nos campos de algodão no Uzbequistão (HUMANS RIGHTS WATCH, 2013). 4.7 Haiti De acordo com estimativas do Global Slavery Index, em 2013, o Haiti era o segundo país do mundo com mais escravos per capita, tendo entre 200 e 220 mil trabalhadores escravizados - outros dados indicam que só de crianças exploradas o número podia chegar a 300 mil (WALK FREE FOUNDATION, 2013e). O Haiti é um dos países com piores índices sociais do mundo, apresentando um IDH de 0,456 (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO [PNUD], 2012) e níveis educacionais precários: no país, cerca de 50% das crianças com idade escolar não estão estudando e menos da metade da população sabe ler e escrever (HOPE FOR HAITI, n.d.a.). Esse contexto de pobreza e falta de acesso a serviços básicos e à informação faz com que a escravidão e o tráfico de pessoas sejam facilitados no Haiti (WALK FREE FOUNDATION, 2013e). O país é um bom exemplo de que a falta de justiça social é fator da exploração. Apesar de haver muitos adultos explorados no Haiti, as crianças são as mais vulneráveis ao trabalho escravo no país, em função do sistema de trabalho infantil conhecido como “restavek” (WALK FREE FOUNDATION, 2013e). Esse sistema consiste na ida de crianças de áreas rurais para centros urbanos a fim de realizarem trabalhos domésticos (WALK FREE FOUNDATION, 2013e). Além disso, essas crianças ficam sujeitas a abusos sexuais e à violência física nos locais de trabalho. Após o terremoto de 2010 que arrasou o país, muitos desabrigados passaram a viver em residências ou ONGs patrocinadas, muitas delas desonestas, nas quais – sem proteção governamental – as pessoas ficam sujeitas ao tráfico e ao trabalho forçado (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013b). Também são comuns casos de tráfico de pessoas para trabalho forçado ou para serviços sexuais entre o Haiti e a República Dominicana (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013b). O que se observa é que o Haiti é um centro de origem e de destino de pessoas traficadas para trabalhos compulsórios (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013b). Em tentativa de frear isso – mesmo que apenas no plano legal – e como resposta ao Protocolo de Palermo (do qual o Haiti é signatário), o governo haitiano submeteu ao parlamento um projeto de lei que torna o tráfico de crianças uma “ofensa criminal”, conferindo poder às autoridades para investigar os traficantes (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS – CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS [AGNU-CDH], 2013). Nesse sentido, o governo mostra certo nível de ação contra o tráfico de pessoas, inclusive tentando conscientizar a população dos malefícios que ele traz. Estas iniciativas, contudo, são ainda bem incipientes (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013b). Em relação às convenções internacionais da OIT sobre trabalho forçado, o Haiti ratificou algumas, dentre elas as de números 29, 105 e 182 (OIT, n.d.k.). Uma das mais importantes representações de trabalhadores no Haiti é a Confederação de Trabalhadores Haitianos (CTH), a qual se opõe ao governo do país em muitas questões; como no caso de privatizações de empresas estatais que poderiam afetar os trabalhadores haitianos (PIERRE, W. & SPRAGUE, J., 2007). Essa confederação, além de atuar no Haiti, exerce influência em movimentos sindicais de outros países da América e é a representante haitiana oficial na International Trade Union Confederation, a qual reúne grandes federações de trabalhadores do mundo todo (SPRAGUE, J. & ST FORT, N., 2007). Um dos principais objetivos do CTH é melhorar as condições de trabalho de haitianos que vivem no país vizinho, a República Dominicana (OIT, 2008a). A Associação de Indústrias do Haiti (ADIH) é uma organização formada por empresas do setor manufatureiro industrial, cuja missão é buscar formas de desenvolver a indústria haitiana (ADIH, n.d.a). A associação tem representação em alguns fóruns de discussão, sendo que, em 1998, participou da revisão do Código Trabalhista do Haiti (ADIH, n.d.b). 4.8 Índia De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a República da Índia ratificou quatro das oito convenções consideradas pela organização como fundamentais para a proteção dos direitos dos trabalhadores. Entre estas convenções, estão as de números 29 e 105, assinadas em 1954 e 2000, respectivamente, e que tratam do trabalho escravo e da sua abolição (OIT, n.d.l.). Em 1976, foi proibido o trabalho escravo na Índia pelo Ato de Abolição do Sistema de Trabalho Forçado (DRL, 2013c). A lei prevê o fim do trabalho escravo e a suspensão da obrigatoriedade do pagamento de dívidas através do trabalho forçado (WALK FREE FOUDATION, 2013). No entanto, a servidão por dívida ainda é comum no país. Na Índia, esse tipo de escravidão caracteriza-se por obrigar homens, mulheres e crianças a trabalhar em fábricas de tijolos, engenhos de arroz e na agricultura (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013b). Apesar de diversas denúncias de violação da lei, são raros os processos judiciais referentes a crimes de trabalho escravo que são bem sucedidos. Isso se deve, principalmente, a um sistema judiciário lento, que resulta, diversas vezes, em absolvições dos culpados (DRL, 2013c). O país também enfrenta problemas como tráfico de pessoas, prostituição de crianças, prostituição forçada de adultos e exploração infantil (DRL, 2013c). O trabalho infantil, frequente em todo o território indiano, submete crianças a serviços forçados como operárias, empregadas domésticas, trabalhadoras agrícolas, mendigas e prostitutas (DRL, 2013c). Apesar de o país apresentar leis que proíbem a exploração do trabalho infantil, como o Ato de Proibição e Regulação do Trabalho Infantil, a fiscalização ainda é fraca (DRL, 2013c). A Índia ainda não ratificou a Convenção fundamental número 182, relativa à proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação (OIT, n.d.l.). Em 2010, o Congresso Nacional dos Sindicatos Indianos (INTUC), com o apoio da OIT e da ACTRAV9, organizou uma conferência nacional, envolvendo outras associações de trabalhadores 10 , para discutir a ratificação das Convenções Fundamentais da OIT (OIT, 2010a). Como resultado das discussões, o governo se comprometeu a ratificar rapidamente as Convenções de números 13811 e 182 e a direcionar-se para a ratificação das convenções 8712 e 9813 (OIT, 2010a). Mais de três anos após a conferência, a Índia ainda não cumpriu o que foi acordado (OIT, n.d.l.). Entre as associações que representam os trabalhadores indianos na OIT está a INTUC. Responsável por proteger os direitos dos trabalhadores, o sindicato compromete-se a defender empregos e salários decentes, a assegurar condições melhores de trabalho e a lutar contra a exploração e contra a arbitrariedade, assegurando igualdade e justiça (INTUC, n.d.a.). A organização chegou a fazer uma observação junto à OIT em relação à convenção 144, relativa às Consultas Tripartites Destinadas a Promover a Execução das Normas Internacionais do Trabalho (OIT, n.d.l.). Representando empresas de diversos setores, o Grupo Tata, maior conglomerado empresarial da Índia, se posiciona contra o uso de trabalho escravo (TATA, 2013a). Empregando cerca de 550 mil pessoas em todo o mundo, o grupo segue um código de conduta que prevê que “todo empregado de alguma companhia Tata deve preservar os direitos humanos de cada individuo e da comunidade” (TATA, 2013b, tradução nossa). Porém, o comprometimento da empresa em relação ao respeito dos direitos humanos foi posto em dúvida quando denúncias alegaram que uma das empresas controladas pelo grupo, a North Delhi Power Limited, mantinha péssimas condições de trabalho (OIT, 2010a). 4.9 Laos 9 Escritório de Atividades para Trabalhadores da Organização Internacional do Trabalho AITUC (Congresso de Sindicatos de Toda a Índia), BMS (Bristol-Myers Squibb), CITU (Central Sindical da Índia) e HMS (Hind Mazdoor Sabha). 11 Convenção sobre Idade Mínima para Admissão, 1973. 12 Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito de Sindicalização, 1974. 13 Convenção sobre Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, 1949. 10 Laos é um país localizado no continente asiático que conta com pouco mais de 6,6 milhões de habitantes (BANCO MUNDIAL, 2012) e apresenta um IDH de 0,543 (PNUD, 2012b). O país é um dos mais pobres do mundo e a pouca infraestrutura social e econômica que existia foi devastada com a Guerra do Vietnã, da qual Laos participou (OIT, n.d.u.). Em relação ao trabalho forçado, o país ratificou duas convenções da OIT: as de números 29 e 182 (OIT, n.d.v.). O Global Slavery Index (WALK FREE FOUNDATION, 2013l) aponta que há entre 48 mil e 53 mil pessoas em situações de trabalho análogo à escravidão, o que coloca Laos na 30ª posição da lista de países com maior percentual de escravos no mundo (WALK FREE FOUNDATION, 2013l). Em se tratando de tráfico humano, Laos não apresenta um fluxo muito grande internamente, mas muitas pessoas traficadas internacionalmente provêm de seu território. Os trabalhadores de Laos são traficados para serem explorados em países próximos, como Tailândia, no ramo da prostituição, dos serviços domésticos e da agroindústria (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013c). O país também é ponto de trânsito de pessoas traficadas de outras nacionalidades, como chineses e vietnamitas (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013c). O tráfico de pessoas é um problema nessa região da Ásia devido, principalmente, às disparidades econômicas existentes entre os países (OIT, 2005b). A Organização Internacional do Trabalho – da qual Laos é Estado membro desde 1965 – mantém ações de assistência ao país em busca da promoção dos princípios básicos de trabalho digno. O Ministério do Trabalho foi criado em 1993 com apoio da OIT; além disso, esta Organização apresenta, para o período de 2011 a 2015, um Programa de Trabalho Decente para Laos, o qual busca fornecer as bases para ações de melhoria no âmbito trabalhista, tanto para trabalhadores quanto para empregadores e governo (OIT, n.d.u.). Os principais representantes dos empregadores e dos trabalhadores que mantêm parcerias com a OIT são a Câmara Nacional de Comércio e Indústria de Laos e a Federação Sindical de Laos (OIT, n.d.u.). A Câmara Nacional de Comércio e Indústria de Laos (LNCCI) é a maior representante dos empregadores no país e busca os interesses deles através de atuação junto ao governo, promovendo a exportação, definindo interesses comuns dos seus associados e estimulando o investimento interno (OIT, n.d.u.). A Câmara foi estabelecida em 1989 e, hoje, apresenta mais de mil membros. Sua função principal é voltada para essa ação de representação dos interesses de empregadores frente ao governo e a organismos internacionais (LNCCI, n.d.a.). A Federação Sindical de Laos (LFTU) é a única organização de trabalhadores do país e tem foco em tentativas de barganha de melhorias para os trabalhadores no plano da elaboração de políticas públicas. A Federação busca, também, promover a capacitação dos trabalhadores e o crescimento da sua rede. Essa federação e a Câmara Nacional de Comércio e Indústria trabalham juntas em projetos da OIT (OIT, n.d.u.). 4.10 Mauritânia A República Islâmica da Mauritânia ratificou todas as convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como a Convenção 29 sobre Trabalho Forçado (1961) e a Convenção 105 sobre Abolição de Trabalho Forçado em 1997 (OIT, n.d.m.). O país apresenta legislação de proteção aos seus cidadãos contra exploração trabalhista, apesar de ter sido o último Estado a abolir a escravidão, somente em 1981 (AFP, 2009). A despeito da falta de precisão das estimativas quanto à proporção do trabalho escravo na Mauritânia, alguns partidos políticos creem que há em torno de 600 mil pessoas escravizadas, o que corresponde a 18% da população de 3,5 milhões (ANTISLAVERY, s.d.). Para muitos, a escravidão na Mauritânia ocorre em moldes muito semelhantes à escravidão antiga, em contraposição à "escravidão moderna" (BALES, 1999). Nesse país, escravos são propriedades de seus senhores, não recebem remuneração pelo trabalho, são excluídos da educação e da política e não são autorizados a possuir terras e nem a herdar propriedades (ANTISLAVERY, s.d). Ademais, ainda há um grupo de pessoas, os "Haratines", que são majoritariamente vistos como "casta" inferiorizada e alvo de fortes preconceitos por parte do resto da população (WALK FREE FOUNDATION, 2013f). Muitos escravos nem sequer têm conhecimento de sua condição, não conseguindo, muitas vezes, cogitar a possibilidade de ver sua vida fora da exploração (ANTISLAVERY, s.d). Acredita-se, ainda, que outros fatores determinantes na perpetuação da exploração escravista da Mauritânia são a geografia e as características climáticas do país - em grande parte formado por deserto - que dificulta a fuga dos escravos, que são extremamente dependentes dos senhores em termos de abrigo e alimentação (ANTISLAVERY, s.d). Também é relevante mencionar que a religião afeta a escravidão na Mauritânia, à medida que o Islã preconiza a ideia de o servo se submeter ao seu senhor a fim de que possa obter a vida eterna no paraíso futuramente (OIT, 2010b). Em outras palavras, apesar de a escravidão ter sido tornada ilegal em 1981, perspectivas de que antigos escravos e seus descentes possam lograr melhores condições de vida são ínfimas em grande parte devido ao fator severo de discriminação (OIT, 2010b). Ideias de preconceito estão enraizadas no imaginário popular mauritano e colaboram para dificultar a abolição da utilização de escravos no país (ANTISLAVERY, s.d). A aceitação de graves explorações trabalhistas por parte de significativa parcela da população mauritana é refletida, por exemplo, no fato de que esse país só criminalizou a posse de escravos no ano de 2007 (AFP, 2009); e, apesar, das rigorosas penas prescritas na lei, indivíduos detentores de escravos ainda não foram condenados (AFP, 2009). Uma importante organização local de combate ao trabalho escravo é a SOS Esclaves (ANTISLAVERY, s.d.). A Mauritânia também possui confederações e grupos sindicais organizados que atuam em prol da defesa da dignidade humana no trabalho. Um exemplo é uma de suas principais centrais sindicais, a Confederação Geral de Trabalhadores da Mauritânia (CGTM) (2010). Um dos pleitos mais recentes por parte dos sindicatos de trabalhadores do referido país é a dignidade dos trabalhadores migrantes, tendo em vista a grande proporção de saída de pessoas da Mauritânia em busca de melhores condições de vida em outros lugares (OIT, 2013b). Em declarações oficiais, a CGTM acusa o governo de haver, repetidas vezes, violado convenções internacionais que preveem respeito à liberdade sindical e a legislação nacional no que se refere à representatividade de organizações profissionais (CGTM, 2013). A Confederação alega também que o governo a exclui com frequência do processo decisório, privando-a de compor a delegação oficial mauritana que participaria da Conferência Internacional do Trabalho (CGTM, 2013). Empregadores também possuem sua representação, como na Confederação Geral de Empregadores Mauritanos (CGEM), que é composta por associações profissionais setoriais (EIF, 2001). Há perspectivas de que a CGEM, em conjunto com o Ministério de Educação, seria responsável por auxiliar na direção e preparação de, por exemplo, cursos de capacitação em práticas e técnicas de negócios internacionais da Universidade de Nouakchott para fornecer conhecimento especializado ao setor privado e ao governo mauritano (EIF, 2001). Tal confederação estaria também encarregada de dar suporte institucional para auxiliar a base de recursos humanos da administração pública e do setor privado para promover as exportações do país, atuando inclusive na facilitação de processos em questões alfandegárias de importação/exportação, dentre outras funções (EIF, 2001). 4.11Paquistão O Paquistão ratificou as Convenções No. 29 e No. 105 da OIT, em 1957 e 1960, respectivamente (OIT, n.d.n.). A lei paquistanesa proíbe todas as formas de trabalho compulsório ou forçado, cancela todos os débitos nos casos de escravidão por dívida, proíbe processos legais para restituição de tais despesas e estabelece o sistema de vigilância para implementar tais leis. Contudo, as leis federais não desfrutam de aplicabilidade por parte do governo, principalmente por dificuldades técnicas, mudanças estruturais governamentais locais e federais, bem como a falta de verba (DRL, 2013d). Ademais, a OIT noticiou a existência de leis federais e provinciais que proíbem trabalhadores de deixar seus empregos sem o consentimento do patrão, submetendo-os a penalidades de prisão que pode envolver trabalho compulsório (DRL, 2013d). A utilização de trabalho forçado, assim como práticas de escravidão por dívida, é comum e bastante difundida em muitas indústrias pelo país. Organizações não governamentais estimam que aproximadamente dois milhões de pessoas eram escravizadas em sistema de dívida em 2012, principalmente nas províncias de Sindh e Punjab (DRL, 2013d). Grande parte desses trabalhadores eram hindus de castas inferiores, assim como cristãos e muçulmanos com níveis socioeconômicos baixos (DRL, 2013d). Escravidão por dívida também era comum no setor agrícola, incluindo em plantações de algodão, cana de açúcar e trigo, assim como em indústrias de tijolos, carvão, vidro e tapetes (DRL, 2013d). Os trabalhadores, nesses sistemas, são incapazes de determinar quando suas despesas são totalmente pagas, em parte porque a existência de contratos é rara e empregadores podem se aproveitar do analfabetismo dos empregados para alterar as quantias de dívidas (DRL, 2013d). Alguns trabalhadores, mesmo depois de libertos da escravidão por dívida, retornam ao status anterior devido à falta de opções alternativas de emprego. Laços de corrupção entre proprietários de terra, de indústrias e políticos importantes dificultam a eliminação efetiva do problema (DRL, 2013d). A OIT articulou dois Programas Nacionais de Trabalho Decente, em parceria com os constituintes tripartites paquistaneses. O mais recente foi elaborado pelo Ministério de Desenvolvimento de Recursos Humanos (MoHRD), pela Federação de Empregadores do Paquistão (EFP) e pela Federação de Trabalhadores do Paquistão (PWF), e teve início em 2010 e terá vigência até 2015. Esse programa procura abordar os desafios trabalhistas que foram encontrados em consulta com os representantes do governo, dos empregadores e dos trabalhadores (OIT, 2010c). Um dos compromissos do programa é a eliminação do trabalho forçado e da escravidão por dívida, através de atividades conduzidas pelas organizações representantes constituintes tripartites. O programa propõe estratégias como assistência técnica a governos provinciais e a representantes tripartites para desenvolver programas para a eliminação da escravidão no Paquistão, baseando-se em intervenções existentes e em boas práticas do país e do resto do mundo (OIT, 2010c). O programa também promove o apoio para aumentar a colaboração entre os constituintes tripartites e as principais partes interessadas em combater o trabalho forçado. A EFP foi estabelecida em 1950 para proteger e promover os interesses dos empregadores através de participação efetiva a nível nacional e internacional (FEDERAÇÃO DE EMPREGADORES DO PAQUISTÃO [EFP]). Outros objetivos são: ajudar e guiar seus membros na criação e manutenção de paz e harmonia industrial e desenvolver recursos humanos para melhor administração e crescimento, através de treinamentos e disseminação de informação. Já a PWF, que procura promover e proteger os direitos dos trabalhadores paquistaneses, surgiu a partir da união da Federação Paquistanesa de Sindicatos (APFTU) com a Federação Paquistanesa de Trabalho (APFOL) e com a Federação Nacional Paquistanesa de Sindicatos (PNFTU) (FEDERAÇÃO DE TRABALHADORES DO PAQUISTÃO [PWF]). A PWF busca manter-se como uma organização nacional em defesa dos sindicatos e do trabalhador, buscando a dignidade laboral, a liberdade de associação e de expressão, o direito à barganha coletiva, o direito de pedir demissão, os direitos iguais no emprego, independentemente de raça, cor, credo ou sexo, entre outros. A PWF também busca eliminar o trabalho infantil e todas as formas de trabalho análogas à escravidão. 4.12 Portugal A República Portuguesa ratificou todas as oito convenções fundamentais da OIT, assim como as principais convenções relacionadas ao trabalho escravo (OIT, 2010d). A Convenção 29 sobre Trabalho Forçado foi ratificada por Portugal em 1956, a Convenção 105 sobre Abolição de Trabalho Forçado em 1959 e a Convenção 182 sobre Piores Formas de Trabalho Infantil foi ratificada mais recentemente, em 2000 (OIT, n.d.o.). Portugal, membro da União Europeia, é um Estado democrático e possuidor de legislação protetora aos trabalhadores, mas que luta contra diferentes questões relacionadas ao tráfico de pessoas e à escravidão moderna em seu território (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). A legislação interna portuguesa prevê proteções aos cidadãos do país contra trabalho forçado, mas há diversas denúncias de violações desses direitos (DRL, 2013e). Mulheres, homens e crianças sofrem com tráfico de seres humanos, e homens da Europa oriental (principalmente da Ucrânia, Moldávia, Rússia e Romênia), bem como de países africanos lusófonos, têm sido sujeitos a condições análogas à escravidão em fazendas e indústrias de construção em território português em função de fraudes, coerção e servidão por dívida (DRL, 2013e). O governo declara que o número de meninas portuguesas sendo forçadas às práticas de prostituição no país é crescente; há também crianças ciganas mendigando nas ruas portuguesas e tendo seus direitos humanos violados (DRL, 2013e). O recente caos econômico europeu, decorrente da crise econômica de 2008, tem agravado fortemente as condições de emprego em Portugal (OIT, 2013c). Receando as consequências do crítico quadro socioeconômico e do declínio na captação de investimentos do país, a OIT instou o país a tomar medidas para sanar essa crise de empregos que o assola (OIT, 2013c). De acordo com a organização, perdeu-se um em cada sete empregos em Portugal desde o início da crise de 2008 e processos migratórios têm sido cada vez mais intensos (OIT, 2013c). A fuga de cérebros no país, a necessidade de condições melhores de vida e a falta de esperança por parte da população criam um ambiente mais propício para o agravamento da atual crise econômica (OIT, 2013c). Tal conjuntura tem resultado em políticas governamentais de restrição a programas de bem-estar social e de reduções salariais, assim como no aumento dos impostos e na dificuldade de obtenção de crédito por parte de empresas de pequeno e médio porte de obter crédito, o que dificulta também o fomento da produção e, consequentemente, a criação de empregos (OIT, 2013c). Segundo a OIT (2013c), Portugal possui pontos positivos a seu favor, como a tradição de diálogo entre os membros da sociedade portuguesa (OIT, 2013c). O governo português também realiza políticas em prol do combate ao trabalho infantil e à exploração, como o Programa Integrado de Educação e Treinamento Profissional, apoiado e financiado pela Autoridade de Condições de Trabalho (ACT), e que objetiva fazer com que crianças vítimas e sob risco de trabalho infantil retornem à escola (DRL, 2013e). Em Portugal, cerca de 90 sindicatos, 22 Uniões Sindicais Distritais e 12 Federações setoriais são representados pela Central Sindical da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN), a mais antiga central do país, bem como a maior organização social de massas do país (CITE, n.d.a.). A CGTP-IN, dentre diversos sindicatos, delegações, federações e uniões sindicais, engloba quase todos os setores da economia e regiões do território nacional (CITE, n.d.a.). Nesse sentido, a Central intervém em questões relacionadas à formação profissional, saúde, segurança social, economia, finanças, cultura e recreio, migrações e combate ao racismo e xenofobia, igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no mundo do trabalho, entre outras (CITE, n.d.a.). As empresas portuguesas, por sua vez, são representadas pela Confederação de Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a maior confederação empresarial do país, criada em 1976, que adota o princípio da filiação direta das associações (CCP, desenvolvimento n.d.a). de Suas Portugal, missões ao principais dinamizar são o a busca pelo associativismo e empreendedorismo no comércio e no setor de serviços, e a interlocução entre "o mundo empresarial e os sistemas político, social e fiscal, nomeadamente junto do Governo e da Administração Pública, Cúpulas Associativas, Escolas e Universidades, e Comunidade financeira e empresarial" (CCP, n.d.a). Seus órgãos sociais são a Assembleia Geral, a Direção, o Conselho de Presidentes, o Conselho Fiscal e o Conselho Empresarial (CCP, n.d.a). 4.13 Reino Unido Classificado como um país de baixo índice de incidência de escravidão, o Reino Unido possui atualmente cerca de 4.200 indivíduos nessa situação (WALK FREE FOUNDATION, 2013j). Apesar de proibida no país há muito tempo, a escravidão permanece em sua forma moderna vitimando não só britânicos como também, em grande parte, pessoas provenientes de outras partes do mundo, incluindo asilados e refugiados que se encontram, na sua maioria, em situação de vulnerabilidade (WALK FREE FOUNDATION, 2013j). Atividades como o tráfico de pessoas, o trabalho forçado em diversos tipos de estabelecimentos e a exploração sexual, inclusive infantil, são algumas das principais práticas escravistas modernas realizadas no país (WALK FREE FOUNDATION, 2013j). No que diz respeito ao posicionamento do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte com relação às explorações trabalhistas análogas à escravidão, o país ratificou praticamente todos os tratados fundamentais da OIT. Atualmente, a maioria das formas de trabalho forçado ou compulsório são devidamente proibidas por leis que as criminalizam (WALK FREE FOUNDATION, 2013j). Além disso, o Reino Unido possui legislação específica contra o trabalho infantil, assim como legislação trabalhista (WALK FREE FOUNDATION, 2013j; DRL, 2013i). O tráfico de pessoas é considerado como uma das principais práticas relacionadas à escravidão perpetradas no país, já que, na maioria das vezes, os “traficados” executam trabalhos em que não é necessário nenhum tipo de registro legal. O principal responsável por cuidar dos casos de tráfico humano é o Ministro da Imigração, que juntamente à Unidade de Crime Organizado e Financeiro (OFCU), estabeleceu um Conselho Estratégico que monitora e acompanha o trabalho de subdepartamentos relacionados ao assunto (CENTER FOR SOCIAL JUSTICE, 2013). Outros órgãos e mecanismos, como o Crown Prosecution Service, responsável por julgar casos criminais investigados pela polícia, e o National Referral Mechanism (NRM), mecanismo de identificação e encaminhamento de vítimas, ainda que secundários, assumem importante papel no combate ao tráfico humano no Reino Unido (CROWN PROSECUTION SERVICE; ECPAT UK). A multinacional de origem anglo-holandesa UNILEVER é uma das maiores empresas de bens de consumo do mundo atualmente e uma das empresas mais antigas e importantes do Reino Unido. A empresa posiciona-se claramente contra qualquer tipo de exploração ao trabalhador, sendo adepta inclusive de ações como as lançadas pelas Nações Unidas, que relacionam empresas e trabalhadores; dos termos fixados na Carta Internacional dos Direitos Humanos; e das medidas relativas aos direitos fundamentais estabelecidos na Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Entretanto, casos antigos como o escândalo envolvendo o uso de mão de obra escrava infantil por um fornecedor da Unilever na Índia, ainda colocam em dúvida a questão de total integridade e conformidade com condições de trabalho dignas por parte empresa (FRASER, S., 2003; SMEDLEY, T., 2013;). Na outra vertente, dos trabalhadores britânicos, tem-se o Trade Union Congress (TUC) como representante dos sindicatos do Reino Unido cujas principais propostas estão relacionadas à construção de acordos que beneficiem a vida no trabalho dos indivíduos britânicos frente ao governo, a partidos, a empresas, dentre outros (TRADE UNION CONGRESS). Atualmente, o Trade Union Congress dispõe de diversas cláusulas que estabelecem os direitos trabalhistas e ajudam na conscientização dos membros do sindicato e da sociedade em geral, lançando, inclusive, informativos, como o documento educativo sobre “A Escravidão e o Trabalho Forçado no século XXI”, relembrando as causas e consequências da escravidão nos dias de hoje. O Sindicato também tem como foco as questões sociais relacionadas à pobreza, que acaba por tornar os trabalhadores vulneráveis à escravidão (TRADE UNION CONGRESS). Atualmente o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte mantém uma relação de respeito e aceitação com relação aos sindicatos britânicos e seus direitos de negociação coletiva. Além disso, é permitida a participação ativa dos sindicatos e de ONGs em processos acerca da firmação das condições de trabalho, o que faz sindicatos e governo agirem em acordo (DRL, 2013i). 4.14 Rússia Segundo o Global Slavery Index (2013), relatório da Walk Free Foundation, a Rússia, em números absolutos, é o sexto país do mundo com a maior quantidade de pessoas em situações de vida análogas à escravidão, sendo cerca de meio milhão de indivíduos submetidos a esse tipo de exploração trabalhista (WALK FREE FOUNDATION, 2013h). Todavia, quando se analisa a questão em comparação com o tamanho da população, a Rússia cai para a 49ª posição (WALK FREE FOUNDATION, 2013h). Os casos de trabalho escravo relatados na Rússia são em diversos setores da economia, mas, em 2012, houve um número expressivo de casos no setor têxtil (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). Em um deles, trabalhadores estrangeiros morreram presos em fábricas; em outro, os trabalhadores eram mantidos prisioneiros em uma fábrica no subúrbio de Moscou, onde eram agredidos, mal pagos e tinham o acesso a serviços médicos negado pelos empregadores (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). Além do setor privado, há relatos de condições análogas à escravidão nas prisões mantidas pelo governo (THE ECONOMIST, 2013). Dentre as convenções da OIT ratificadas pela Rússia, incluem-se as de números 29, 105 e 182, as quais tratam do trabalho forçado (OIT, n.d.p.). A nível de legislação interna, o Código de Trabalho da Rússia prevê a liberdade no trabalho como um de seus princípios básicos. O Artigo 4º desse código é voltado todo apenas para a proibição do trabalho forçado em suas diversas formas, mas não lança nenhum mecanismo mais prático para sua eliminação. Esse artigo permite, no entanto, tipos de trabalho forçado em situações em que a justiça ou o serviço militar exijam (CÓDIGO DE TRABALHO DA FEDERAÇÃO RUSSA, 2001). O tráfico de pessoas é outro problema que também está muito presente na Rússia, que é tanto ponto de origem de pessoas traficadas, quanto destino (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). O tráfico para exploração é novo na atenção dos governantes do mundo, mas, no caso da Rússia, essa é a forma predominante do problema. Dados da Rússia e de outros países da antiga União Soviética mostram um aumento constante no número de pessoas identificadas como traficadas (INTERNATIONAL LABOUR CONFERENCE, 2009). Em relação a isso, o governo russo não tem tomado decisões muito acertadas (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013a). Uma medida tomada no plano legal foi a alteração por meio de emenda do artigo 127 do Código Criminal Russo para proibir o tráfico, tanto para exploração sexual, quanto para outras formas de trabalho forçado (INTERNATIONAL LABOUR CONFERENCE, 2009). Apesar de alguns avanços na luta contra o tráfico de pessoas, o problema central na Rússia é a falta de um plano nacional de combate a essa prática e de apoio às vitimas (MUKOMEL, 2013). A União Russa de Industriais e Empresários (RSPP) é uma associação de empresários com mais de 328 mil membros de diversos setores da economia (RSPP, n.d.a.). Seu trabalho é conseguir, junto ao governo, melhorias legais para as empresas e diminuir a burocracia de funcionamento delas, além de fazer acordos com outras instituições, tanto russas quanto internacionais. A organização participa de comitês em diversos âmbitos a fim de desenvolver as empresas associadas e diminuir as barreiras para seu crescimento (RSPP, n.d.a). Em 2004, a RSPP adotou a “Social Charter of Russian Business”, que contém princípios básicos de responsabilidade sócio-empresarial (MIZOBATA, 2011). A Federação dos Sindicatos Independentes da Rússia (FNPR) foi criada em 1990, caracterizando-se como politicamente independente do governo russo. A federação representa cerca de 22 milhões de membros. Seu trabalho consiste em lutar por salários decentes, saúde no trabalho, segurança, enfim, direitos dos trabalhadores em sentido amplo (FNPR, 2013). O atual presidente da FNPR é membro do Governing Body14 da OIT. Além disso, a federação tem status de observador em outros fóruns internacionais, como o “UN Economic and Social Council” e a “UN Commission on the Status of Women” (FNPR, 2013). 4.15 Tailândia Em 1969, a Tailândia ratificou as duas convenções principais da OIT contra o trabalho forçado, sendo elas as Convenções No. 29 e No. 105 (OIT, n.d.r.). A lei tailandesa proíbe o trabalho forçado ou compulsório, exceto no caso de emergência nacional, guerra ou calamidade pública iminente (DRL, 2013h). Apesar dos esforços do governo para garantir a aplicação da lei, situações de condições análogas à escravidão entre homens, mulheres e crianças persistem, especialmente nos setores nos quais o trabalho de imigrantes é comum. Houve denúncias de exploração e tratamento abusivo de pessoas em navios de pesca, fábricas de vestuário e instalações de processamento de camarão e frutos do mar (DRL, 2013h). O grande número de imigrantes de Myanmar, Camboja e Laos em busca de trabalho cria oportunidades de abuso por parte dos empregadores, que muitas vezes mantêm posse das carteiras de trabalho e passaportes dos trabalhadores, restringindo o movimento deles além do local de trabalho, infringindo leis que proíbem essa prática (DRL, 2013h). Deve-se destacar também a vulnerabilidade dos pescadores, que são predominantemente do Camboja e de Myanmar, no território tailandês. A regulamentação do emprego desses imigrantes nas frotas de pesca mostra-se muito difícil para o governo tailandês (OIT, 2013d). Casos de trabalho forçado e tráfico de pessoas foram noticiados na mídia e impuseram pressão internacional para aumentar a regulamentação no setor de pesca. Contudo, tem 14 Governing Body é o grupo que prepara a agenda da organização, acerta os rumos políticos dela e escolhe o diretor geral (OIT, n.d.q.). sido difícil medir a dimensão do problema em função das dificuldades de se conduzir pesquisas nessa área, as quais incluem a natureza do trabalho da pesca, e, em alguns casos, os meios clandestinos utilizados para explorar os pescadores (OIT, 2013d). A OIT identificou diversas práticas que são comuns no setor de pesca tailandês, como trabalho sob condições de restrição de liberdade de movimento, retenção de documentos de identidade, violência física ou psicológica, escravidão por dívida, entre outras (OIT, 2013d). A OIT também noticiou a existência do tráfico e da exploração de crianças na Tailândia. Segundo a organização, a combinação das oportunidades de emprego existentes no país e os problemas econômicos e políticos nos países vizinhos tornam a Tailândia o principal destino para crianças traficadas para exploração trabalhista, incluindo prostituição, na sub-região do rio Mekong (WILLE, 2001). Há evidência de que haja um número significativo de crianças estrangeiras trabalhando ilegalmente na Tailândia e que é mais provável que elas sejam submetidas a condições de trabalho ainda mais perigosas e exploradoras do que as crianças tailandesas que são forçadas a trabalhar (WILLE, 2001). De forma a representar os interesses dos empregadores e dos trabalhadores, as principais organizações tailandesas na OIT são, respectivamente, a Confederação dos Empregadores do Comércio e Indústria Tailandesa (ECONTHAI) e o Congresso Nacional do Trabalho Tailandês (NCTL). O principal objetivo da ECONTHAI é promover uma boa relação entre empregadores e trabalhadores, através de mecanismos envolvendo o comércio e a indústria e visando à participação e ao apoio a atividades ligadas a relações de trabalho (EMPLOYERS' CONFEDERATION OF THAI TRADE AND INDUSTRY [ECONTHAI]). A principal federação trabalhista é a NCTL. Contudo, o movimento sindicalista ainda é incipiente. Segundo a OIT, apenas 1% dos 38 milhões de trabalhadores na Tailândia são sindicalizados, o que leva a uma limitação da cobertura dos acordos de barganha coletiva (OIT, 2013e). Os direitos trabalhistas ligados à liberdade de associação e de barganha coletiva são cruciais para tornar concretos os direitos trabalhistas e para assegurar a proteção adequada a trabalhadores jovens ou migrantes (OIT, 2013e). Crê-se, então, que as questões de trabalho infantil, trabalho forçado e proteção de trabalhadores migrantes na Tailândia só podem ser efetivamente solucionadas quando empregados lograrem de voz coletiva e poder de barganha (OIT, 2013e). 4.16 Vietnã O Vietnã é um Estado autoritário governado por um partido único, o Partido Comunista do Vietnã (CPV) (DRL, 2013j). De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a República Socialista do Vietnã ratificou cinco das oito convenções fundamentais do trabalho (OIT, n.d.s.). Em 2007, ratificou também a Convenção 29 da OIT sobre Trabalho Forçado (OIT, n.d.s.). A República Socialista do Vietnã possui legislação proibitiva com relação ao trabalho forçado e compulsório; no entanto, o admite como forma de penas administrativas ou criminais (DRL, 2013j). O governo vietnamita, contudo, sofre acusações de estar explorando mão-de-obra escrava para produzir itens para empresas privadas (INTERNATIONAL LABOR RIGHTS FORUM [ILRF], n.d.a). Tal trabalho forçado estaria sendo realizado em centros de detenção para usuários de drogas, nos quais cerca de 309 mil pessoas foram detidas entre 2000 e 2010 (ILRF, n.d.a). A triagem de indivíduos levados a esses centros é tida como arbitrária; pessoas são condenadas sem serem ouvidas e nem sequer julgadas pelo sistema de justiça criminal (ILRF, n.d.a). Muitas vezes, as condenações ocorrem sem prévia avaliação médica, ou mesmo por indicações de oficiais de polícia, de membros da família ou de indivíduos que sejam pontos focais da comunidade (UNODC Report on Vietnam, 2009 apud ILRF, n.d.a). Os detidos são forçados a trabalhar por dois a cinco anos, recebendo pouca ou nenhuma remuneração e sendo coagidos fisicamente e isolados caso não consigam atingir as cotas diárias de produção estabelecidas (ILRF, n.d.a). Outras formas de coerção envolvem privação do uso de serviços de higiene básica e de alimentação, bem como espancamento e obrigação de ajoelhar-se em pedras pontiagudas (ILRF, n.d.a). Além disso, os índices de retorno ao uso de heroína por parte dos indivíduos que viveram nestes campos, ao serem liberados, é de 90% (ILRF, n.d.a). Ademais, é importante também ressaltar que o governo estaria lucrando com os centros de trabalho forçado, pois faz parcerias com empresas privadas, que consomem o que é produzido nestes campos (ILRF, n.d.a). O resultado disto é que a mão-de-obra escrava do Vietnã gera produtos que são consumidos no continente europeu e em países como Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelândia, frequentemente com o desconhecimento por parte do consumidor final (ILRF, n.d.a). Todavia, trabalho forçado por parte do Estado não é a única forma de exploração escravista presente no Estado do Vietnã. Este possui casos de exploração trabalhista em outros setores da economia e da cadeia de produção, principalmente na agricultura (DRL, 2013j). Há também índices crescentes de trabalhos análogos à escravidão em pedreiras, olarias, moinhos de arroz, construções, fábricas de bordados e beedi (cigarros enrolados à mão) (DRL, 2013j). A legislação do país impede que trabalhadores se organizem para formar sindicatos independentes (DRL, 2013j). Todos os sindicatos locais e provinciais estão submetidos à Confederação de Trabalho Geral do Vietnã (VGCL). Esta consiste em uma organização controlada pelo Partido Comunista do Vietnã que aprova e administra os demais sindicatos, que são organizados de acordo com a localização das indústrias (DRL, 2013j). A função da VGCL é cuidar e salvaguardar direitos e interesses de trabalhadores e empregados; participar da administração estatal e social, no controle e na supervisão de agências estatais e entidades econômicas e sociais; educar trabalhadores para usarem todos os seus esforços para defesa e construção nacional (VGCF, n.d.a, tradução nossa). Há também, no Vietnã, a Câmara Vietnamita de Comércio e Indústria (VCCI), que é uma organização nacional que agrega e representa a comunidade de negócios, apoiando e protegendo empresas, buscando contribuir para o desenvolvimento econômico do país e promovendo investimentos em cooperação econômica, negócios e ciência e tecnologia (VCCI, n.d.a.). Institucionalmente, a câmara de comércio se intitula como independente, nãogovernamental, não-lucrativa, com personalidade legal e autonomia financeira (VCCI, n.d.a). Suas funções englobam a promoção dos direitos legais e da comunidade de negócios (VCCI, n.d.a.), bem como o apoio e desenvolvimento de inciativas e conexão entre negócios e associações; geração e apoio também às trocas comerciais e investimento e cooperação científica, auxiliando empresas em operações no Vietnã e no exterior (VCCI, n.d.a.). 5. Estudos de casos 5.1 Brasil: Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo Até 2003, o Brasil mostrava um quadro alarmante com relação à questão do trabalho escravo, devido às diversas tentativas mal sucedidas de combate à exploração. A acusação e condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso José Pereira15, referente a crime de trabalho escravo, e o fato de o país ter assumido responsabilidade em resposta a tal sentença foram fatores fundamentais para a alteração deste quadro. A partir desse momento, o governo brasileiro buscou mais ativamente adotar medidas de combate a esta prática, suas ações desenvolveram-se e serviram como base para a formulação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (FIRME, 2005). O projeto foi lançado em 11 de março de 2003 e ganhou uma versão complementar em 2008, o 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (OIT, 2008b; SENADO, 2009). Ele compõe-se ao todo de 138 metas de curto, médio e longo prazos, tendo por intuito colocar fim à prática do trabalho escravo (OIT, n.d.t.; SENADO, 2009). O Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo contém metas de prevenção, repressão às práticas e divulgação de informações sobre a escravidão moderna, punição econômica dos exploradores e a reinserção das vítimas no mercado de trabalho (SENADO, 2009; PORTAL BRASIL, 2012). Para isso, algumas medidas foram elaboradas: criaram-se operações de fiscalização de estabelecimentos, passou-se a repreender os exploradores através de 15 O caso José Pereira foi a primeira acusação de trabalho escravo contra o Estado brasileiro levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos. O caso diz respeito à José Pereira, brasileiro que foi escravizado aos 17 anos, ele e mais 60 outros trabalhadores viviam em condições análogas à escravidão e tinham sua liberdade impedida por capangas. Em 1994 o Brasil foi condenado pelo caso, pois não cumpriu sua obrigação de proteger sua população da exploração laboral e permitiu sua existência por omissão ou cumplicidade (FIRME, 2005). julgamentos e punições por multa e surgiu a “lista suja” que divulga as empresas que utilizam trabalho escravo (SENADO, 2009). Para acompanhar o Plano no âmbito privado, a OIT, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e a ONG Repórter Brasil desenvolveram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (PACTO NACIONAL, 2005). O Pacto tem a missão de fornecer meios - como a “lista suja” - para que o setor empresarial e a sociedade civil não comercializem produtos oriundos do trabalho escravo (PACTO NACIONAL, 2005). Hoje, cerca de 220 empresas, associações comerciais e entidades da sociedade civil são signatárias do Pacto, representando cerca de 20% do PIB nacional (PACTO NACIONAL, 2005). Entre suas ações estão a fiscalização de sua cadeia de produção para evitar o comércio com empresas que utilizam o trabalho escravo e introdução, em seus contratos, de cláusulas de restrição comercial contra quem utilizou trabalho forçado (PACTO NACIONAL, 2005). O monitoramento da execução de tais ações é responsabilidade da Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), que é composta por representantes do governo, como o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e por observadores e representantes da sociedade civil, como a Repórter Brasil que divulga informações sobre o trabalho escravo no país (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, n.d.a.). Estudos realizados pela Repórter Brasil e apoiados pela OIT indicam que 68,4% das metas estipuladas pelo primeiro Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo foram total ou parcialmente cumpridas (PYL, B., 2008). Também se constatou que o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, sediado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, foi responsável, entre 2003 e 2007, pela libertação de quase 20 mil trabalhadores vivendo em condições análogas à escravidão, um número três vezes maior do que o dos sete anos anteriores (PYL, B., 2008). Tais avanços apresentados pelo Plano foram elogiados por pesquisadores do tema e por organismos internacionais (SYDOW, E., 2005). No relatório “Uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado”, divulgado em 2005, a Organização Internacional do Trabalho reconhece o Brasil como referência mundial no combate ao trabalho escravo (OIT, 2005). Apesar de congratular o país pelos avanços realizados através do Plano, a OIT critica a lentidão na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 57-A, também conhecida como PEC 438 e apelidada de PEC do Trabalho Escravo (COSTA, 2009). Esta PEC foi lançada em 1999 pelo senador Ademir Andrade e prevê a expropriação e destinação para a reforma agrária das terras nas quais foi realizado trabalho escravo (SENADO, 1999). Sendo uma ferramenta importante no combate à prática, a aprovação dessa PEC é considerada uma meta fundamental do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e a lentidão do processo é tido como o principal entrave para um maior sucesso do Plano (REPÓRTER BRASIL, COMISSÃO PASTORAL DA TERRA & WALK FREE, 2014). O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo prova ter um grande potencial na batalha pela liberdade, mas, apesar das medidas aplicadas no país, calcula-se que ainda existam cerca de 200 mil trabalhadores vivendo em condições análogas à escravidão (OIT, 2013f; WALK FREE FOUNDATION, 2013a). Instrumentos mais eficazes, como a PEC do Trabalho Escravo, são considerados de suma importância para a erradicação definitiva dessa prática no país (OIT, 2013f). 5.2 China: Trabalho forçado em prisões legalizadas Ocupando a 84ª posição no ranking mundial do Índice do Trabalho Escravo da Walk Free Foundation, a China atualmente conta com cerca 2,8 milhões de habitantes em situação análoga à escravidão (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Um dos agravantes para esta estimativa é a vigência do trabalho forçado praticado de forma legal e patrocinada pelo Estado dentro do território chinês (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Entretanto, é válido ressaltar que no fim do ano de 2013 foi anunciado o fim desse sistema (PARK, M., 2013). Em vigor desde a década de 1950, o Programa de Reeducação pelo Trabalho é uma medida adotada pelo governo chinês como forma de punição para criminosos considerados “insignificantes”, ou seja, que não representam grande ameaça à sociedade, indo estes desde criminosos de baixa periculosidade até inimigos do governo (GOUVÊA, 2013). A medida consiste em enviar os prisioneiros para confinamento de até quatro anos em fazendas e fábricas, sendo estes obrigados ao trabalho compulsório como forma de reeducação (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Nesse sistema de punição, o procedimento que leva o indivíduo ao campo de trabalho forçado prescinde de qualquer processo legal, uma vez que as decisões relacionadas ao envio de prisioneiros aos campos são feitas pelo Comitê de Gestão, não sendo necessária nenhuma autorização judicial para a determinação da sentença (GOUVÊA, 2013). O que comprova o caráter escravista dos campos de trabalho forçado são as condições em que são mantidos os prisioneiros. Além de executarem pesados trabalhos manuais, os indivíduos confinados nos campos de reeducação são submetidos a longas jornadas de pelo menos 15 horas diárias e privados de folga ainda que em finais de semana ou feriados, recebendo apenas 10 ryan (U$ 1,61) por um mês de trabalho, ou, muitas vezes, sem remuneração (GOUVÊA, 2013; DRL, 2013b). Os alojamentos onde criminosos são mantidos se encontram, na maioria das vezes, em situação análoga às das prisões. Problemas como a superlotação, as péssimas condições de saneamento, a alimentação precária e por vezes insuficiente compõem esse problema, além de relatos de violência para com os detentos e ausência de cuidados médicos (DRL, 2013b). Cada vez mais, os campos de reeducação têm sido condenados como locais de práticas de escravidão. Existem até mesmo relatos de associação do trabalho forçado nos campos com empresas particulares, onde os presos estariam, na verdade, trabalhando para estas, sem remuneração adequada nem reconhecimento prévio, e sendo por muitas vezes torturados e espancados por não alcançarem a produção esperada (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). Apesar das discussões que este fato suscita, em momento algum se impede a exportação e comercialização de tais bens, ainda que estes sejam produzidos sob esse tipo de regime, permanecendo as reais informações acerca disso controladas pelo governo (WALK FREE FOUNDATION, 2013b; DRL, 2013b). É válido ressaltar, que, com relação à escravidão, além da polêmica dos campos de trabalho forçado, a China possui ainda problemas como o tráfico de pessoas atrelado ao trabalho escravo em diversos estabelecimentos do país (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). O alto índice de migração do campo para a cidade, ligada à ausência de proteção do governo aos imigrantes, acaba por contribuir para a permanência do problema (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). A política do hukou instituída no país é uma das medidas que acaba por negar aos migrantes as mesmas condições e direitos de quem vive na área urbana, gerando uma segregação e facilitando a exploração de mão de obra vinda da zona rural, o que auxilia na perpetração de práticas análogas à escravidão (OURIQUES & ANDRADE, 2009). Quanto às medidas adotadas pelo governo chinês, no fim do ano de 2013, foi anunciado o provável fim dos campos de Reeducação pelo Trabalho e a substituição destes por “campos de reeducação legais”, assim como reformas judiciárias e mudanças na política do filho único (PARK, M., 2013). O fim do sistema pode ser visto como consequência principalmente do fato de que este viola profundamente os direitos humanos e vai contra as liberdades individuais, o que burla a própria Constituição chinesa (CRI, 2013). Pode-se citar também que o momento de intensas reformas políticas e econômicas no país é um fator que pode ter contribuído a decisão de abolir os campos de trabalho forçado. (BUCKLEY, C., 2013). Apesar de participar de tratados importantes, até o momento a China permanece sem ratificar as principais convenções relativas à abolição da escravidão. Convenções consideradas chave, como as de números 29 e 105 (a Convenção sobre a Escravatura de 1926 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956, respectivamente), ainda não foram devidamente reconhecidas pelo país, o que dificulta a efetivação eliminação dos mais variados tipos de trabalho escravo presentes no país (WALK FREE FOUNDATION, 2013b). 5.3 Índia: ineficiência estatal e más condições de vida A República da Índia é o segundo país mais populoso do mundo, com cerca de 1,2 bilhão de habitantes, e sendo uma economia representativa a nível internacional (WALK FREE FOUNDATION, 2013i). Relatório recente elaborado pela organização Walk Free Foundation (2013i), estimou a existência de trinta milhões de pessoas submetidas à escravidão moderna no mundo atualmente, dentre as quais cerca de catorze milhões estariam no território indiano. A Índia é uma república com livre imprensa, detentora de um parlamento e um judiciário independente (MISHRA, 2014). A Constituição indiana proíbe o trabalho forçado e servidão no artigo 23 e há também outros artigos que reforçam este ponto, prevendo exceções somente em casos de sentença da Suprema Corte, de estado de emergência e de sítio (MISHRA, 2014; U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013b). Apesar de o Estado indiano ser um dos fundadores da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2010e), é um dos poucos países que ainda não assinaram a Convenção 182, sobre piores formas de trabalho infantil (WALK FREE FOUNDATION, 2013i). A exploração da mão de obra infantil é prática comum no país. Províncias como Nova Dehli, por exemplo, proíbem que crianças exerçam atividades somente em indústrias de materiais perigosos (DOMÍNGUEZ, 2013). A pobreza extrema e a falta de acesso a terras e a mercados formais de créditos por grande parte da população são algumas das principais razões vistas como impedimentos à superação do trabalho escravo na Índia (DOMÍNGUEZ, 2013). A questão cultural de séculos de sistema hierárquico de castas é também um dos fatores cruciais que explicam porque a Índia permanece com tão acentuadas segregações e injustiça sociais e, consequentemente, com ampla difusão de trabalho forçado (DOMÍNGUEZ, 2013). No sistema de castas, dezenas de milhões de pessoas são tidas como naturalmente inferiores, sejam “Dalits” ou indígenas, chamados de “Adivasis” (DOMÍNGUEZ, 2013). A incidência de trabalho escravo na Índia não é homogênea e o risco de escravização varia profundamente nas diferentes províncias do país (HUME, 2013). Outra grande variedade é a forma como é realizada a exploração, que vai desde a servidão por dívida intergeracional e casamento servil, até as piores formas de trabalho infantil e exploração sexual (WALK FREE FOUNDATION, 2013i). Com relação ao tráfico de crianças, por exemplo, os fatores que o ocasionam são econômicos e oriundos de desigualdades estruturais, de questões sociais, como disfunção familiar e de variáveis culturais (MISHRA, 2001). Apesar de a Índia receber muitos trabalhadores de outros lugares, como Bangladesh e Nepal, grande parte do tráfico ocorre dentro das próprias fronteiras do país e, por consequência, os indianos são em sua maioria escravizados dentro do seu próprio território (MISHRA, 2001; WALK FREE FOUNDATION, 2013i). A servidão por dívida, por sua vez, foi abolida pelo governo há cerca de quatro décadas, mas continua sendo uma prática recorrente, principalmente em setores como agricultura, trabalho doméstico, construção, manufaturas e entretenimento (DOMÍNGUEZ, 2013). Crê-se que seja necessário, no combate a tal forma de escravidão, o enfrentamento de questões sociais endêmicas, como o analfabetismo (OIT, 2012b). Indivíduos sem noções básicas de matemática, por exemplo, estão mais vulneráveis à exploração, não conseguindo contabilizar sua própria dívida ou qualquer pagamento que recebam (PBS NEWSHOUR, 2013). Há também relação direta entre a comunidade de vítimas pobres escravizadas por dívida e o fato de ela ser composta em quase sua totalidade por trabalhadores do setor agrícola sem terras (MISHRA, 2001). Com efeito, estudiosos reforçam que a única forma de abolir a prática de servidão por dívida na Índia seria por meio da realização de uma reforma agrária e da universalização da educação de qualidade para as crianças (DOMÍNGUEZ, 2013). O governo indiano tem formulado políticas de incentivo à educação, ao desenvolvimento de habilidades, ao emprego e à proteção social, mas há necessidade de melhorias na implementação prática de leis trabalhistas e de aumento no índice de criação de empregos na economia formal (OIT, 2013g). É preciso também difundir os padrões internacionais de trabalho, a fim de que os trabalhadores saibam da legislação e sejam capazes de exercer seus direitos legais (OIT, 2013g). Políticas governamentais e crescimento econômico têm reduzido taxas de pobreza, mas a desigualdade de renda cresceu (OIT, 2013g). Crê-se, nesse sentido, que é necessário tornar mais eficaz a coordenação entre vários ministérios do governo para melhor execução das leis de combate à escravidão moderna na Índia (DOMÍNGUEZ, 2013; OIT, 2013g). Alguns autores defendem também que leis ainda mais agressivas devem ser aprovadas e implementadas para enfrentar este problema de grande escala (DOMÍNGUEZ, 2013). 5.4 Mauritânia: escravidão concentrada De 1905 até hoje, a escravidão foi legalmente abolida três vezes na Mauritânia: primeiramente por meio de um decreto colonial de proibição francesa de haver escravos em suas colônias; posteriormente com a Constituição de independência da Mauritânia; e por fim, em 1980, com decreto presidencial abolindo a escravidão (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS – CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS [AGNU-CDH], 2010). Esse último é considerado como o ponto que marca a Mauritânia como o último país do mundo a abolir legalmente a escravidão (SUTTER, J., 2012). Além da legislação interna, o país é signatário dos mais importantes tratados internacionais de direitos humanos que condenam o trabalho forçado (AGNUCDH, 2010). Apesar das legislações vigentes, o governo mauritano não dá prioridade a políticas públicas de aplicação dessas leis, de forma que normas internacionais não se tornam medidas eficazes de combate ao trabalho escravo (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013c). Alguns ativistas e estudiosos da escravidão na Mauritânia acreditam que, na verdade, o governo do país não está engajado em combater essa exploração (NOSSITER, A., 2013). No passado, o governo até negou a presença da escravidão na Mauritânia, mas, agora, assume sua existência e começa a tomar alguns passos, ainda muito incipientes, de combate à exploração (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013c). De acordo com o relatório Global Slavery Index (2013), a Mauritânia é o país com a maior porcentagem de pessoas em situações análogas à escravidão: a população é de cerca de 3,8 milhões de habitantes e estima-se que haja entre 140 e 160 mil trabalhadores forçados no país, apesar do número verdadeiro ser desconhecido (WALK FREE FOUNDATION, 2013f). A escravidão na Mauritânia apresenta um longo histórico e é muito associada à estrutura social do país (AGNU-CDH, 2010). Na Mauritânia, a situação escravagista é agravada pelo racismo (assim como o era na escravidão colonial na América Latina) existente entre as partes branca e negra da população (BALES, 1999). O fator discriminatório também é importante: na Mauritânia é comum a discriminação de famílias de antigos escravos como se eles fossem inferiores (AGNU-CDH, 2010). Essa discriminação persiste mesmo após os indivíduos não estarem mais sujeitos à condição de escravidão: encontrar emprego digno, ter acesso à educação, à justiça e a outros serviços básicos é muito mais difícil para a “classe de escravos” (AGNU-CDH, 2010). Dentre características da escravidão que persistem na Mauritânia, é destacada a forma como os escravos são propriedade do “dono”, estando, inclusive, seus descendentes também submetidos à posse daquele (WALK FREE FOUNDATION, 2013f). A escravidão no país, contudo, também se expressa de outras maneiras: casamentos forçados, trabalho infantil, tráfico de pessoas e servidão doméstica são alguns exemplos (AGNU-CDH, 2010). Outro aspecto relevante na configuração do trabalho escravo na Mauritânia é o fator religioso, que muitas vezes é utilizado como forma de controle sobre os escravos; é comum dizer a eles que se obedecerem a seus “senhores” irão ao paraíso, enquanto que se não o fizerem, não irão (AGNUCDH, 2010). Além disso, alguns líderes religiosos utilizam trechos de livros sagrados para justificar a escravidão e a sua perpetuação (AGNU-CDH, 2010). A pobreza extrema e a falta de educação, às quais grande parte da sociedade mauritana é submetida, também são apontados como fatores que contribuem para o trabalho escravo (SUTTER, J., 2012). É comum que, nessa situação, muitos trabalhadores forçados não tenham consciência de sua própria situação, ou seja, muitos deles nem mesmo sabem que são escravos (SUTTER, J., 2012). Há casos em que ativistas tentaram libertar pessoas, mas elas próprias se recusam (SUTTER, J., 2012). De acordo com Kevin Bales (1999), a escravidão presente na Mauritânia é “escravidão antiga transportada para o presente” (BALES, 1999, p. 117, tradução nossa). Com isso o autor aponta para uma configuração que mescla características de escravidão antiga com moderna (BALES, 1999). Isso coloca a Mauritânia como um lugar singular no mundo no que tange ao trabalho forçado. 6. Referências bibliográficas ANTI-SLAVERY INTERNATIONAL. Quatar Fifa Worldo Cup Slavery continues Despite New Evidence And Growing Pressure. 2013. Disponível em: <http://www.antislavery.org/english/press_and_news/news_and_press_releases_20 09/qatar_slavery_continues.aspx>. Acesso em 20 de jan. 2014. ANISTIA INTERNACIONAL. Qatar: Unpaid migrant construction workers left to go hungry. 2013. Disponível em: <http://www.amnesty.org/en/news/qatar-unpaidmigrant-construction-workers-left-go-hungry-2013-12-18>. 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