Diário do Nordeste – Fortaleza, 12 de julho de 2015
Caderno: Polícia
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Crime no pré-carnaval
Justiça nega pedido de ex-PM
O Juízo da 2ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza negou o pedido para ouvir dois peritos da
Polícia Federal feito pela defesa do ex-policial militar Raimundo Vieira da Costa, acusado de ser
um dos autores do duplo homicídio que vitimou os jovens Ingrid Mayara Oliveira Lima, 18; e Igor
Andrade Lima, 16. Eles foram mortos durante festa de Pré-Carnaval, em janeiro de 2013, no bairro
Ellery, em Fortaleza. Além do ex-PM Raimundo Vieira, outro ex-militar, identificado como Raphael
Olegário França, são apontados como os autores dos disparos que resultaram na morte dos dois
jovens e no ferimento de outras duas pessoas.
A solicitação do advogado de Vieira alegou como base para o pedido de novos depoimentos
contradições nos laudos periciais da Perícia Forense do Ceará (Pefoce) e da Polícia Federal, bem
como das testemunhas. O representante do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) deu
parecer favorável ao pedido. No entanto, o Juízo da 2ª Vara do Júri indeferiu a solicitação da defesa.
Conforme a decisão publicada no último dia 26, "o momento processual correto para a apresentação
de testemunhas, oferecer documentos, aduzir o tipo de prova que pretenda produzir, é quando do
oferecimento da resposta à acusação, nos termos do § 3º do art. 406 do Códex Processual. In casu,
ocorreu à preclusão temporal, inviabilizando as ouvidas em comento", afirmou o magistrado. A
decisão acrescenta, ainda, "que nenhum fato novo ocorreu a justificar a oitiva dos peritos, bem
como não entendo ser imprescindível para o deslinde do feito".
Em setembro do ano passado, a Justiça também negou o pedido da defesa para exumar os corpos
dos dois jovens. A defesa havia alegado sobre a necessidade de confronto balístico e nova perícia. O
pedido foi indeferido pois o Juízo entendeu que os laudos de exame de corpo de delito eram
suficientes para se chegar a uma conclusão.
A defesa exigiu ainda, além da exumação, nova perícia balística, nova perícia no local e
reconstituição do crime. Todos os pedidos foram negados.
Os advogados alegam que exames residuográficos e de parafina dos réus foram negativos, o que
levantaria a dúvida de que os disparos teriam sido efetuados pelos réus.
O caso
No fim da noite do dia 26 de janeiro de 2013, uma patrulha do Ronda do Quarteirão foi chamada
para a esquina das ruas Doutor Almeida Filho e Doutor Atualpa. Na ocasião, populares reclamavam
do barulho gerado por paredões de som após uma festa de Pré-Carnaval.
Os PMs detiveram uma pessoa e a viatura foi apedrejada. Segundo a denúncia do Ministério
Público do Ceará (MPCE), para conter a confusão, os policiais Olegário e Vieira usaram suas armas
e efetuaram disparos que atingiram Ingrid e Igor.
Outras duas pessoas ficaram feridas. Inicialmente, uma policial feminina foi acusada de ter atirado e
causado a morte dos dois jovens, mas um novo laudo pericial inocentou a PM e incriminou os
outros dois ocupantes da patrulha. Os policiais foram denunciados pelo MP por dois homicídios
duplamente qualificados e duas tentativas.
Audiência
No último dia 3, ocorreu audiência de instrução sobre o caso e o processo entra na fase final de
memoriais, ou seja os argumentos finais de acusação e defesa. A data do júri deve ser marcada ainda
neste ano.
O Povo – Fortaleza, 12 de julho de 2015
Caderno: Reportagem
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REPORTAGEM.DOM
Justiça e impunidade. Precisa-se de defensor público
Especial: O Juizado Especial da Praia do Futuro "contrata" advogados dativos para atuar em
audiências. Há quatro anos, a unidade da Justiça pede um defensor público. Por conta da lacuna,
prescrevem 80% dos processos criminais que dão entrada lá
A má fama se espalhou. A 3ª Unidade do Juizado Especial Cível e Criminal, na Praia do Futuro, era
lugar de advogado nenhum querer atuar. A pouca eficiência, segundo o promotor Antônio Edvando
Elias, deixava vítimas e acusados submetidos a “uma espera sem fim”, a um “faz de conta de que ali
havia promoção de justiça”. De alguns meses pra cá, o cenário começou a dar sinais de mudança.
A pecha de ineficiência e de morosidade recaía, principalmente, sobre o fato já caduco. A 3ª
Unidade, a exemplo de 17 juizados dos 25 existentes em Fortaleza, não tem defensor público para
acompanhar audiências preliminares e de instrução. Pelas contas de Antônio Edvando, desde que a
defensora de lá tirou licença para tratamento de saúde, há quatro anos, o juizado da Praia do Futuro
ficou descoberto. Antes, já tinha ficado dez anos sem contar com a defensoria pública do Estado.
A consequência, revela o promotor de Justiça, é traduzida pelo número injustificável de prescrição
de processos criminais. Dos 1.200 casos que dão entrada, por ano, no Juizado da Praia do Futuro,
80% ficam pelo meio do caminho sem solução. Prescrevem por causa dos seguidos adiamentos das
audiências. Por lei, é obrigatória a participação de um defensor público.
“Tenho vergonha de pedir o arquivamento de um processo por causa de prescrição. São centenas.
Eu, o juiz e o defensor público ganhamos bem demais. Não justifica a prescrição porque o juizado
não tem defensor público. O dano social só cresce. Um conflito de pequena monta, como uma briga
entre vizinhos, pode se transformar em um homicídio porque a justiça não atuou com prevenção
ainda no juizado”, desabafa Antônio Edvando.
Cansado da situação e de pedir providências e não ser atendido pela Defensoria Pública, Tribunal de
Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil e pela Procuradoria Geral da Justiça do Ceará, o promotor
propôs ao juiz da 3ª Unidade, Michel Pinheiro, a convocação remunerada de advogados dativos.
Única saída para que as audiências aconteçam.
E assim foi feito. Há quatro meses, o juiz Michel Pinheiro determinou a criação de um cadastro
voluntário de advogados que quisessem trabalhar nas audiências no juizado. Dez se inscreveram. E
conforme a portaria 01/2015, publicada no Diário da Justiça, foram estabelecidos os honorários.
A remuneração do advogado dativo, fixada pelo juiz Michel Pinheiro, é baseada no salário mínimo.
O profissional é pago pelo governo do Estado: meio salário por participação nas audiências de
instrução; um terço do mínimo para acompanhar as transações penais, e um quarto do salário
quando for convocado e, por motivos de ausência de alguma parte, a audiência não acontecer.
Desde então, o Juizado da Praia do Futuro começou a sair de uma “paralisia funcional” e mudar o
histórico de adiamento das audiências. A convocação dos advogados dativos segue uma ordem
cronológica de inscrição no cadastro para que não haja privilégio e a escolha não dependa da
preferência do juiz, promotor ou secretaria da 3ª Unidade. “Na falta do defensor público e, por
causa da omissão do Estado, é a maneira legal que encontramos para tentar fazer justiça”, afirma o
promotor Antônio Edvando.
“Tenho vergonha de pedir arquivamento de um processo por causa de prescrição. São centenas. Eu,
o juiz e o defensor público ganhamos bem demais. ”
Antônio Edvando, promotor de Justiça
Saiba mais
Segundo a portaria 01/2015, do Juizado da Praia do Futuro, publicada em 2 de março de 2015, a
nomeação do advogado dativo se dá obedecendo ao cadastro feito pela secretaria do órgão. A
convocação será feita previamente e na ordem cronológica. Uma vez esgotada a listagem, as
nomeações recomeçam a partir do inscrito mais antigo.
O advogado dativo (ou voluntário), cadastrado no Juizado da Praia do Futuro, recebe os honorários
do Governo do Estado. Após o trânsito em julgado da decisão, a secretaria fornece uma certidão
para que ele possa requerer o pagamento no juizado da Fazenda Pública.
É proibido o advogado dativo cobrar qualquer honorário da parte que está defendendo no Juizado
da Praia do Futuro.
Ponto de vista
Há três anos estive no Juizado Especial da Praia do Futuro e fiz a matéria “Como nasce a
impunidade” (http://migre.me/qAPnM).
Naquela época, literalmente, nada funcionava na 3ª Unidade. O caos detalhado pelos promotores
Antônio Edvando e Francisco Xavier Barbosa dava conta de processos prescritos, secretaria
inoperante e um mar de reclamações de advogados e partes.
A situação, agora, ainda não é a ideal, mas esboça uma perspectiva a quem pena para ter acesso à
Justiça. Por causa da obstinação do promotor Antônio Edvando, e a chegada do juiz Michel
Pinheiro, as audiências voltaram a acontecer com começo. É o básico.
O drama é que 17 dos 25 juizados especiais, lugares onde a celeridade se transformou em lenda, não
têm defensor público. Quem necessita de Justiça não aguenta mais esperar por promessas ou
omissões. Afinal, nega-se um direito elementar ao cidadão, garantido pela Constituição.
O quadro é grave. A saída adotada no 3º Juizado, de nomear advogado dativo, pode não ser a
melhor. Tem custo alto para todos. Mas pelo menos vem tirando a Justiça da inércia.
Por Demitri Túlio Jornalista
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Diário do Nordeste – Fortaleza, 12 de julho de 2015