REPÚBLICA DE ANGOLA
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Tribunal Supremo
Recurso em matéria disciplinar – inexistência de justa causa para despedimento.
Data do acórdão:
Juíza Relator: Teresa Buta.
Juízes Adjuntos:
1. Ao direito de requerer judicialmente a acção de reintegração na empresa, aplica-se
o prazo previsto no art.º 301.º da LGT e que é de 180 dias a contar do dia seguinte
àquele em que se verificou o despedimento, e não o prazo da al. c) do nº 1 do art.º
63º da L.G.T;
2. Tendo em atenção a severidade da sanção, é o próprio n.º 2, do mencionado art.º
63º, que na al. c), do n. 1.), exclui o prazo de 30 dias para o recurso contra a
medida de despedimento imediato, aplicando-se os prazos referidos nos artigos
300º e 301º, do citado diploma legal, pelo que, o requerimento inicial não é
extemporâneo.
3. O despedimento é obrigatoriamente precedido de processo disciplinar. Não se
mostrando junto aos autos, não pode esta Instância Superior conhecer do pedido,
na medida em que não dispõe dos elementos necessários que lhe permitam proferir
uma decisão justa e fundamentada.
4. Na esteira da jurisprudência desta Câmara (vide processos 763/03 e 1248/08), nos
casos em que existe matéria controversa, há o dever de elaboração do despacho
saneador com especificação e questionário.
ACÓRDÃO
REC Nº08 (1484/9)
NA 1ª SECÇÃO DA CÂMARA DE TRABALHO DO TRIBUNAL SUPREMO,
ACORDAM OS JUIZES, EM CONFERÊNCIA, EM NOME DO POVO:
Na 1ª Secção da Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, Elsa Maria
Aleixo Simões, solteira, residente em Luanda, Rua 1º Congresso, nº 135, Aptº. 5º,
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no Bairro das Ingombotas, veio intentar o presente Recurso em Matéria Disciplinar
contra a Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola – Sonangol, com sede
na Rua 1º Congresso do MPLA, 8-16 em Luanda, pedindo:
1. A nulidade do despedimento e o seu enquadramento na função que sempre
exerceu;
2. O pagamento de todos os salários vencidos e vincendos, com juros de mora,
deixados de auferir desde a data de aplicação da medida disciplinar até ao
cumprimento integral da sentença.
Para fundamentar a sua petição invocou, em síntese, que:
Foi contratada, em 1998, para exercer as funções de técnica de radiologia,
na Direcção de Serviços Médicos da requerida, para trabalhar em regime de
turnos;
No dia 22 de Julho foi informada pela D.R.H do contencioso e laboral, que
tinha sido instaurado contra si um processo disciplinar, por se ter ausentado
do posto de trabalho e ter desviado medicamentos;
Na verdade, no dia 15 de Julho de 2005, estava de serviço, escalada no
turno das 19h/7h, quando, por volta das 20h, depois do início da sua jornada
laboral, foi abordada pela sua colega de nome Juliana Pegado sobre um
assunto de seu interesse;
No dia 16 de Julho de 2005, cerca das 15 h 40m, munida de um saco azul
com objectos de higiene pessoal, a sua colega Juliana Pegado aproveitou o
mesmo saco para nele colocar também o seu sabonete;
Foi acusada de se ter deslocado para um local não abrangido pelas
câmaras de vigilância e ter transportado no referido saco medicamentos,
factos estes que o requerido não provou;
Consultadas as imagens obtidas nas gravações do sistema de segurança
televisivo, facilmente se observou que a recorrente transportava consigo um
saco azul, mas, em nenhum momento, se visualizou o conteúdo do saco;
Também foi acusada de se ter ausentado do posto de trabalho
indevidamente, quando esse facto só se verificou por ter necessitado de um
conselho urgente de uma colega;
Nunca faltou ao serviço, nem deixou de cumprir o horário laboral, nem foi
repreendida pelos seus superiores hierárquicos;
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Trabalha para a recorrida há 8 (oito) anos e está admirada com a medida
severa aplicada;
Os factos de que foi acusada e desencadearam a instauração do processo
disciplinar, que posteriormente deram lugar a aplicação da medida
disciplinar de despedimento imediato, basearam-se nas imagens de
gravação das câmaras de vigilância, que estão completamente desprovidas
da verdade;
Citada regularmente, a recorrida contestou nos seguintes termos (fls. 19 a 21):
As irregularidades verificadas no stock, aquando dos inventários, provam o
desrespeito às normas internas e deram início à averiguação do
comportamento dos trabalhadores relativamente ao cabal cumprimento
dessas normas;
A funcionária agiu deliberadamente e de forma repetida contra as normas da
empresa e da L.G.T, pondo em risco o seu posto de trabalho;
Terminou pedindo que seja julgado improcedente o presente recurso e,
consequentemente, mantida a medida disciplinar aplicada;
Designada data para audiência de julgamento, (fls. 24), esta realizou-se conforme
(fls. 28).
Proferida a sentença, o Juiz da causa decidiu no sentido de julgar procedente a
excepção da caducidade do direito de recorrer da medida disciplinar aplicada.
Notificada da sentença, inconformada, a requerente interpôs o recurso de
apelação, que mereceu deferimento, a subir imediatamente nos próprios autos,
com efeito meramente devolutivo. (fls. 34 e 40).
No Tribunal a quo foram oferecidas alegações com as seguintes conclusões:
1. “Os juízes a quo acordaram em não conhecer, nem julgar, o presente
recurso em observação ao descrito na al. c) do nº 1 do art.º63º da L.G.T;
2. Os juízes do Tribunal a quo, incorreram em erro na determinação da norma
jurídica aplicável e decidiram manifestamente contra a lei;
3. O direito de requerer judicialmente a acção de reintegração na empresa
caduca findos 180 dias a contar do dia seguinte àquele em que se verificou o
despedimento, e está previsto no art.º301º da L.G.T;
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4. A requerente fê-lo no prazo legal, e entende-se que o dispositivo a ser
aplicado não seja a al. c) do nº 1 do art.º 63º da L.G.T;
5. Em suma, a requerente interpôs a acção dentro do prazo de prescrição e
caducidade prevista na lei gozando, assim, do seu direito potestativo.
Cumpridas as formalidades legais, foram os autos remetidos para esta instância.
Proferido o despacho preliminar positivo, o processo seguiu com vista para o M.
Público, que pugna pela procedência da acção, (fls.70v).
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. DECIDINDO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas razões de conhecimento oficioso e de
direito, bem como pelas conclusões das alegações, (nº2 dos art.ºs 660º, 664º, nº3
do art.º 684º todos do C.P.C), no âmbito do presente recurso importa sabermos se:
1. O direito de requerer judicialmente a acção de reintegração na empresa
caduca findos 180 (cento e oitenta) dias a contar do dia seguinte àquele em
que se verificou o despedimento.
2. A acção de reintegração interposta pela requerente foi apresentada no prazo
legalmente estabelecido.
3. Os juízes a quo acordaram em não conhecer, nem julgar, o presente recurso,
em observação ao descrito na al. c) do nº 1 do art.º63º da L.G.T;
4. Os juízes do Tribunal a quo, incorreram em erro na determinação da norma
jurídica aplicável e decidiram manifestamente contra a lei.
Da sentença recorrida resulta provado que:
1. A ora apelante foi contratada pela empresa Sonangol em 1998 para exercer as
funções de técnica de radiologia na DSM Direcção de Serviços Médicos.
2. A mesma celebrou o contrato de trabalho por tempo indeterminado em 2003 e
trabalhou em regime de turnos;
3. A apelante foi convocada para entrevista e no final da mesma, a requerida
ordenou a instauração de um processo disciplinar em 22 de Julho de 2005;
Apreciando:
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Quanto à extemporaneidade do pedido de reintegração da apelante, estamos em
crer que a apelante tem a razão do seu lado.
Dos autos está patente que o Tribunal recorrido, com recurso ao disposto no art.º
63º da L.G.T, concluiu não conhecer do recurso, com o fundamento da apelante não
ter intentado a acção no prazo de 30 dias, contado desde o momento da notificação
da medida.
Porém, há aqui uma clara confusão ou até mesmo desatenção por parte do julgador
da 1.ª Instância.
Sublinhe-se que estamos perante um caso de despedimento, isto é, o da aplicação
da sanção mais gravosa e, por isso, rodeada de maiores cautelas e exigências,
dentro do espírito de protecção do trabalhador, que é o elo mais fraco na relação
jurídico-laboral.
Nestas situações, determina o art.º 301º da L.G.T que: “O direito a requerer
judicialmente a reintegração na empresa, nos casos de despedimento individual e
colectivo, caduca no prazo de 180 dias, contados do dia seguinte àquele em que se
verificou o despedimento”.
Referindo expressamente o n.º 2, do mencionado art.º 63º, que se exceptua do
disposto na al. c), do n. 1.) o prazo de 30 dias, o recurso contra a medida de
despedimento imediato, ao qual se aplicam os prazos dos artigos 300º e 301º.
Assim, verificamos que a apelante apresentou o recurso no prazo legal, devendo a
decisão recorrida ser revogada por outra que conheça do peticionado.
Mal andou o Tribunal a quo a decidir como decidiu.
Quanto às demais questões objecto do presente recurso, tendo em atenção o
desfecho da 1ª questão, mostra-se despiciendo o conhecimento das demais.
Em face do desfecho do objecto do recurso, nos termos do art.º 715º do C. P. Civil,
conjugado com a alínea a) do nº1 do art.º 34 da LOTS, vamos conhecer da
apelação.
No caso temos como questões a decidir sabermos se:
1. O despedimento deve ser declarado nulo e, em consequência, a
requerente deve ser enquadrada na função que sempre exerceu.
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2. Devem ser pagos todos os salários vencidos e vincendos, com juros de
mora, deixados de auferir desde a data de aplicação da medida disciplinar
até o cumprimento integral da sentença.
No caso, está patente dos autos, (fls. 15-64), que o requerido remeteu o processo
disciplinar para o Tribunal a quo (fls.21-31), porém o mesmo não foi remetido para o
Tribunal ad quem.
Emitidos despachos no sentido de ser remetido para esta Instância o processo
disciplinar, lamentavelmente, não se verificou.
Em face da inexistência do processo disciplinar, por facto não imputável ao
recorrido, e porque o Tribunal está obrigado a pronunciar-se sobre todas as
questões suscitadas, (alínea d) do art.º 668º do CPC), no caso em apreço, os autos
não nos permitem decidir com segurança, porque os factos pertinentes para o
conhecimento do mérito da causa são controvertidos, daí que existem incertezas
sobre as questões invocadas.
É jurisprudência assente nesta Câmara que, apesar de se tratar de recurso em
matéria disciplinar, deve proceder-se nestes casos, à elaboração do despacho
saneador com especificação e questionário.
A este propósito vide jurisprudência tirada do processo nº 736/03 e 1245/08, nesta
Câmara.
Decisão:
Nestes termos e fundamentos acordam os Juízes desta Câmara em:
1. Julgar procedente o recurso e, em consequência, ordenar a remessa dos autos à
primeira Instância para que seja elaborado despacho saneador com especificação e
questionário.
Custas pela apelada.
Notifique-se.
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Nº_08_1484_09 - Republica de Angola Tribunal Supremo