OS DESAFIOS DE UM PORTO ORGANIZADO PARA ATENDER A DEMANDA DOS TERMINAIS ARRENDADOS Adelaida Pallavicini Fonseca Milton Jonas Monteiro Paulo Cesar Coutinho André R. Oliveira OS DESAFIOS DE UM PORTO ORGANIZADO PARA ATENDER A DEMANDA DOS TERMINAIS ARRENDADOS Adelaida Pallavicini Fonseca Milton Jonas Monteiro Universidade de Brasília, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental Programa de Pós-Graduação em Transportes Paulo César Coutinho André Rossi de Oliveira Universidade de Brasília (UnB) Centro de Estudos em Regulação de Mercados (CERME) RESUMO Os portos organizados enfrentam o desafio de melhorar seus procedimentos logísticos e gerenciais para atender a demanda dos terminais arrendados. Os terminais arrendados são gerenciados por empresas privadas, muitas delas multinacionais, com uma estrutura organizacional, gerencial e operacional de alta qualidade e ótimo desempenho. No caso do Porto de Santo, administrado pela CODESP, tem 40 terminais arrendados, distribuídos ao longo das duas margens do canal aquaviário, conta com dois sistemas de transporte: rodoviário e ferroviário, os quais estão com sua capacidade esgotada e são os principais gargalos do sistema junto com as limitações físicas do canal de acesso aquaviário. A pesquisa baseia-se em entrevistas diretas com gestores de vários terminais, órgãos anuentes e diretivos da CODESP e revelou os problemas de investimentos em infraestrutura logística e de sistemas de informação eficientes que ajudem a planejar, gerenciar e operar o porto como um todo. Como estudo de caso, apresenta-se o caso do terminal da ADM. ABSTRACT Organized ports face the challenge of improving their logistical and managerial procedures to face the demand of leased terminals. These terminals are managed by private companies, many of them multinationals, with an organizational, managerial and operational structure of high quality and great performance. The port of Santos is administered by CODESP and it has 40 leased terminals distributed along both banks of the waterway channel. The port has two systems of transport: road and rail, which the capacity are overloaded and the major bottlenecks of system and with the physical limitations of the waterway access channel. The research was based on direct interviews with managers of various terminals, bodies consenting and managers of CODESP. The study revealed the problems of investments in logistics infrastructure and efficient information systems that help plan, manage and operate the port as a whole. As a case study, we present the case of terminal ADM. 1. INTRODUÇÃO O sistema institucional portuário brasileiro compreende uma série de atores responsáveis pelo planejamento, administração, regulação, construção e operação dos portos. Atualmente, os principais órgãos e entidades atuantes no setor portuário brasileiro são: Secretaria Especial de Portos - SEP/PR; Ministério dos Transportes – MT; Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ; Marinha do Brasil; Polícia Federal; Autoridade Aduaneira; Autoridade Portuária (Lei 12.815/2013); Operador Portuário (Lei 12.815/2013) e; Órgão de Mão-de-Obra Portuária (Lei 12.815/2013). Por meio da implementação do Projeto Porto Sem Papel o Governo procura harmonizar e integrar as ações de fiscalização, regulação e controle dos portos de seis órgãos públicos, estes: Polícia Federal, Receita Federal, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Autoridade portuária, Vigilância Agropecuária Internacional e Marinha do Brasil, de forma a evitar a duplicação de informações e de formulários. Embora o conjunto de atores institucionais não tenha mudado muito ao longo do tempo, o mesmo não se pode dizer da legislação portuária brasileira. As mudanças mais recentes foram introduzidas pela Lei 12.815, de 5 de junho de 2013. Apresenta-se a seguir as principais delas. Antes disso, no entanto, reproduz-se a definição de porto organizado encontrada na lei, importante por delimitar o local de prestação dos serviços portuários discutidos neste artigo. O porto organizado é definido como “bem público construído e aparelhado para atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária”, sendo a sua área delimitada “por ato do Poder Executivo que compreende as instalações portuárias e a infraestrutura de proteção e de acesso ao porto organizado” (Art. 2º, incisos I e II). A Constituição Federal estabelece que a exploração dos portos organizados seja uma atribuição da União e que ela pode se dar de forma direta ou indireta. A exploração indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas requer concessão e arrendamento do bem público. Nesse caso, tanto os serviços básicos quanto os acessórios, providos direta ou indiretamente por agentes privados, estão sujeitos às normas e regras do regime do serviço público e, no que couber ao Regulamento de Exploração do Porto, quando fizer uso da infraestrutura portuária. Cabe observar que o setor portuário brasileiro ainda não está completamente adaptado ao regramento atual, haja vista que a Lei 12.815 entrou em vigor apenas em 5 de junho de 2013. Além disso, a exploração dos portos em geral, e dos terminais portuários em particular, no Brasil está sujeita a um grande número de normas constitucionais, legais e infra legais, incluindo normas gerais e especiais, cujo campo de aplicação nem sempre está definido de forma clara. Comentou-se anteriormente que embora o conjunto de atores institucionais não tenha mudado muito ao longo do tempo, o mesmo não se pode dizer da legislação portuária brasileira. Dessa observação é que parte nossa análise, se a legislação foi mudada, dever-se-ia serem redesenhadas as novas relações institucionais e organizacionais entre os agentes que planejam, administram, operam e exploram os portos organizados, de forma a realizar mudanças estruturais nos modelos de gerenciamento, operação e controle que visem a eficiência e produtividade dos portos brasileiros, sem perder de vista que os portos devem formar parte do sistema logístico nacional do país e projetar-se como grandes complexos logísticos. Portanto, é importante pensar na infraestrutura logística do país que sustente as cadeias de suprimento aos portos, considerada desde várias décadas responsável pela falta de competitividade dos produtos no mercado internacional. Ressalta-se que os portos organizados que arrendam, em muitos casos, um número significativo de terminais gerenciados pelo setor privado, continuam mantendo o mesmo padrão de gestão de décadas, o que enrijeça a tomada de decisão e definição de políticas rápidas e ágeis que permitam dar fluidez à solução de problemas de forma imediata. A era da informática revolucionou completamente os novos relacionamentos organizacionais e a forma de gerenciar uma empresa. Informações em tempo real permitem a viabilização de soluções mais concreta e imediata de problemas, racionalizam e aperfeiçoam processos e, ajudam a mensurar os impactos de tais ações. Com essa visão analisou-se o Porto de Santos e de cinco terminais arrendados para mostrar como o modelo de gestão do Porto e dos agentes institucionais influencia na eficiência dos terminais. Como estudo de caso, neste trabalho somente é apresentado o terminal da ADM. A metodologia da pesquisa consistiu de três fases: seleção de um porto por meio de uma revisão bibliográfica; seleção de cinco terminais arrendados por meio de indicação de especialistas da ANTAQ; preparação e aplicação dos instrumentos de pesquisa, que neste caso foi realizada por meio de entrevista direta com os gestores do Porto de Santos, órgãos anuentes e gerentes dos cinco terminais selecionados; levantamento em campo das informações e; finalmente análise das informações. 2. ANÁLISE DOS PORTOS BRASILEIROS O estudo de Alvares da Silva (2006) mostra que o Porto de Santos é o principal porto brasileiro de comércio exterior, sendo classificado como o único porto de influência nacional, de grande porte, e tendo 13 estados pertencentes à sua hinterlândia (cinco na primária, cinco na secundária e três na terciária). Todas as 27 unidades da Federação operam no porto de Santos parte de seus comércios internacionais. O valor transacionado por Santos representou, em 2003, 37% do comércio exterior brasileiro realizado por via marítima, o que significou 6,32% do PIB. Também foi o único porto a registrar valores acima de US$ 100 milhões em todos os 14 setores de atividade industrial. Só não ocupou a primeira posição no critério de valor agregado médio dos produtos transacionados, com US$ 688,1 por tonelada. Outro estudo que se preocupou em fazer um ranking dos portos brasileiros foi o de Fritsch e da Silva e Souza (2007). Os portos brasileiros foram hierarquizados com base nas seguintes características: Oferta de infraestrutura, resultados operacionais, aspectos geoeconômicos e demanda operacional projetada para o ano de 2011. A metodologia utilizada pelos autores foi uma combinação de Análise Estatística Multivariada e Análise Envoltória de Dados. Os resultados evidenciam que o desempenho da entidade portuária, enquanto elo relevante da cadeia logística de transporte é fortemente condicionado pelo contexto econômico em que ela se insere, como se pode observar pela predominância, nas primeiras posições, dos portos localizados no sul-sudeste brasileiro, indiscutivelmente a região econômica mais desenvolvida do País. O Porto de Santos é o primeiro do ranking, o que confirma a sua preponderância no atual quadro portuário nacional. Ele destacou-se pelo número de berços especializados e pela grande movimentação de cargas, tanto atual quanto prevista, teve uma participação de 43,03% na corrente de comércio brasileira no ano base do estudo, e aparece na liderança da movimentação prevista de contêineres em 2011 (Estes dados podem ser encontrados em Fritsch e da Silva e Souza (2007)). Os dados utilizados nesses estudos são de 2002 a 20056 e poder-se-ia pensar, que talvez a importância desse porto tenha-se reduzido substancialmente nos últimos anos pelos diversos problemas que enfrenta. Não é esse o caso, como comprovam as estatísticas de ANTAQ e as pesquisas desenvolvidas pela CNT nesse setor nos últimos anos. Assim também, pesquisas realizadas pela equipe de estudo do CERME da Universidade de Brasília chegam a constatar a importância do Porto de Santos, no entanto, esses estudos ainda tem sua publicação restrita. Mas tem-se o trabalho desenvolvido pela AECOM, empresa especializada em serviços de engenharia e consultoria técnica, sobre demandas futuras advindas do setor portuário. A pesquisa tem mérito científico, embora haja sido publicada em uma revista não cientifica, como a Revista EXAME.com (edição 1027 de 30/10/2012). O trabalho da AECOM teve como objetivos traçar um panorama geral dos principais portos públicos brasileiros e analisar diversos aspectos econômicos, de infraestrutura e comerciais. Os critérios estabelecidos para essa análise foram: (i) diversos levantamentos nas áreas de economia de inserção, acesso e ativos portuários, (ii) interconectividade marítima, e (iii) disponibilidade de crescimento. As principais conclusões do estudo foram: O Porto de Santos consolidou sua posição de liderança. Além de possuir a melhor inserção econômica e hinterlândia (mesma definição proposta no estudo de Alvares da Silva), é o porto que possui a maior interconectividade marítima e acessos e ativos portuários, sendo que seu maior gargalo está no acesso terrestre, limitado pela falta de expansão das rodovias de acesso às suas duas margens. Ainda que outros portos tais como Suape e Pecém possuam maiores áreas de expansão, o potencial do porto de Santos no cenário de 10 a 15 anos para as suas áreas de expansão existentes tende a ser maior. O porto de Itaguaí possui um grande potencial de expansão aliado a uma razoável inserção econômica e infraestrutura de acessos e ativos portuários. Os portos de Paranaguá, Itajaí, Vitória, Rio de Janeiro, Rio Grande, Suape e São Francisco do Sul apresentam avaliações muito próximas, mas bem inferiores à do porto de Santos. Os portos de Pecém, Salvador e Manaus têm também avaliações próximas. Uma classificação de portos muito importante para o entendimento dos desafios de logística a serem enfrentados pelos portos brasileiros é a da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD). A partir de uma série de características socioeconômicas, organizacionais e de produção de serviços, a UNCTAD identificou distinções muito claras entre três gerações de portos (Figura 1). Tomando como paradigma o Porto de Santos, que foi estudado em detalhes arriscamo-nos a afirmar que a maioria dos portos brasileiros ainda se encontra em um estágio localizado entre a primeira e a segunda gerações. Por exemplo, no que se refere ao item 3, “Atitude e Estratégia de Desenvolvimento do Porto”, resta evidente que a concepção original dos portos brasileiros não atendeu a um plano estratégico de desenvolvimento do comércio exterior do país como um todo. Ou seja, os portos não foram pensados como uma rede logística de terminais integrados aos principais centros de produção do país por meio de uma rede de transporte sustentável e eficiente, o que permitiria otimizar os fluxos de carga e reduzir o tempo de permanência dos navios nos portos. A falta de integração com outros sistemas de transporte é um problema particularmente sério, chegando a ser crítico em alguns casos. Outro problema, pertinente ao quesito 5, “Características da Organização”, é o de que muitas das atividades realizadas no porto são pouco integradas, principalmente aquelas que envolvem os operadores dos terminais portuários, a autoridade portuária e outros órgãos governamentais. Vale ressaltar que, se considerados separadamente dos portos onde atuam, alguns operadores privados de terminais podem ser considerados de terceira geração, já que possuem tecnologia e know-how adequados. Como foi constatado em visita ao porto de Santos, no entanto, os sistemas de informação desses terminais não estão integrados aos dos órgãos governamentais e aos de outras entidades que participam do processo portuário. Uma premissa importante para o bom funcionamento de um porto é o estabelecimento de uma linguagem comum entre os diversos especialistas, com ênfase na necessidade de interação e avaliação permanente, assim como a preocupação com as interfaces entre suas diversas partes (Kawamoto, 1994). A discussão acima traz evidências de essa premissa ainda é muito incipiente no meio portuário brasileiro. Além disso, portos de terceira geração devem ter tecnologia e know–how avançados e os agentes econômicos devem ver o porto como um ponto nodal no complexo sistema de distribuição e produção internacional, o que implica participar mais ativamente do comércio internacional. Os portos brasileiros ainda estão bastante distantes dessa situação. Figura 1: Etapas de Evolução dos Portos 1ª Geração 2ª Geração 3ª Geração Período de Desenvolvimento Principais Cargas Antes dos Anos 60 Após os Anos 60 Após os Anos 80 Carga geral e granéis Carga geral e granéis Cargas conteinerizadas, unitizadas e granéis 3 Atitude e Estratégia de Desenvolvimento do Porto Conservadora Expansionista Centro de transporte, comercial e industrial 4 Atividades Carga, descarga, armazenagem, serviço de navegação Caís para atracação das embarcações Abastecimento dos navios Carga, descarga, armazenagem, serviço de navegação Caís para atracação das embarcações Abastecimento dos navios Transformação da carga, serviços comerciais e industriais vinculados aos navios 5 Características da Organização Atividades independentes dentro do Porto Relação informal entre o Porto e os seus usuários Relação próxima entre Porto e Usuário Relações pouco integradas entre as atividades realizadas no Porto Relacionamento próximo com a Municipalidade 6 Características da Produção de Serviços Concentrada no fluxo de carga Serviços relativamente simples Baixo valor agregado Fluxo de carga Transformação da carga Serviços integrados Valor agregado médio 7 Fatores Decisivos Trabalho e capital Capital Orientado para o comércio Centro de transporte integrado e Plataforma Logística para o comércio internacional Carga, descarga, armazenagem, serviço de navegação Caís para atracação das embarcações Abastecimento dos navios Transformação da carga, serviços comerciais e industriais vinculados aos navios Distribuição de informações e carga, atividades logísticas, terminais e distribuição doméstica Comunidade portuária integrada Integração do Porto com a rede de comércio e transporte Relação próxima entre o Porto e a Municipalidade Organização portuária ampliada Fluxo de carga e informações Distribuição de carga e informações Pacote de serviços múltiplos Tecnologia e Know-How 1 2 Fonte: Unctad (1994). 3. TERMINAL DA ADM O terminal da ADM (Archer Daniels Midland) do Brasil Ltda localiza-se no portão 22 do chamado Corredor de Exportação, sendo o primeiro no sentido da entrada dos navios no porto. Do ponto de vista estratégico, isso é muito importante para a empresa, já que, caso haja algum problema dentro do porto, o terminal se encontra em um lugar privilegiado. O tipo de concessão do Terminal da ADM para a prestação de serviço portuário é o arrendamento. O contrato atual da empresa vai até 2017, havendo a possiblidade de renovação até 2037. O Porto de Santos responde por 40% da balança comercial do agronegócio. Desse volume, 50% é movimentado pelo Terminal da ADM, que é o quinto maior exportador do país quando considerados todos os produtos da pauta de exportação. Hoje o terminal movimenta exclusivamente granéis sólidos, tendo como produtos de exportação: milho, soja, hipro e açúcar. Em termos de concorrência e eficiência dos terminais brasileiros, a ADM aparece em posição de destaque. Segundo estatísticas da ADM, um terminal no Brasil se viabiliza quando é movimentado nele 4,5 a 5 milhões de toneladas por ano. Atualmente o terminal da ADM faz 6 milhões de toneladas por ano, um valor considerado muito bom se comparado com as movimentações dos outros terminais, como pode constata-se nas estatísticas da ANTAQ. Outro ponto importante a ser ressaltado é o desempenho do terminal, enquanto o line up de navios da ADM é de 11 dias, o de outros terminais pode chegar até 60 dias. Da análise feita em campo, isso pode ser atribuído a um processo logístico bem planejado e a um ótimo sistema de informação logístico que interliga todos os processos interno do terminal e ainda opera integrado ao sistema logístico da multinacional. Assim, para uma multinacional de agronegócios como a ADM, esse processo requer a obtenção de informações que vão desde a safra a ser produzida até o horário de chegada dos caminhões no porto. Figura 2: Terminal da ADM 3.1 Fases do Processo Logístico da Multinacional (no caso de exportação): As fases do processo logístico da ADM, desde o local de produção até o embarque do produto no navio, o qual é desencadeado pela materialização da demanda pelo produto no mercado internacional é descrito a seguir. a) Materialização da demanda pelo produto no mercado internacional. b) Contrato de venda entre a ADM e a empresa importadora do produto. c) Contratação e agendamento da chegada do navio. d) Contrato de compra com o produtor nacional, quando a ADM compra o produto diretamente. e) f) g) h) i) j) k) l) m) Agendamento da chegada do caminhão no Porto de Santos. Chegada do caminhão no ecopátio de Cubatão. Descida do caminhão para o porto. Chegada do navio ao porto e alocação de berços Chegada do caminhão/trem no terminal. Descarregamento do caminhão/trem nos armazéns/moegas. Saída do caminhão/trem do terminal. Embarque dos produtos no navio. Saída do navio do terminal. Quando a ADM é a contratante do produto, comprando-o diretamente do fazendeiro, geralmente as cargas são transportadas até uma área de transbordo, onde passam por processos de secagem, pré-limpeza e processamento que o deixam pronto para a exportação, e depois enviadas para o Porto de Santos. Também é possível que o contrato seja do tipo CIF, onde o produtor faz o arrendamento do transporte e é o responsável pela entrega do produto no porto em padrão de qualidade para exportação. Cabe salientar que, em todos esses processos, o terminal da ADM no Porto de Santos é apenas responsável por operacionalizar o recebimento e o embarque da carga recebida. Ou seja, o terminal é responsável pela última etapa do processo logístico de exportação dos granéis sólidos da empresa, ele é apenas um elo da cadeia logistica de suprimento da empresa multinacional. As operações de compra e venda e as demais etapas do processo são de responsabilidade da gerência de logística da ADM, que fica em São Paulo. Nesse sentido esta gerência de logística trabalha integrada à área de logística do terminal para poder encadeiar, sincronizar e otimizar todos os processos de forma a satisfazer os prazos estabelecidos e reduzir custos logísticos. Portanto, para eles a infraestrutura logistica e de transportes é essencial e estratégica para agregar valor a seus negócios. A matriz de transporte para granéis sólidos no porto inclui os modais ferroviário e rodoviário. Os responsáveis do terminal estão cientes que a operação ferroviária é a mais adequada e supostamente mais“econômica” para os tipos e volumes de produtos que movimentam, por isso, a pesar de todos as dificuldades que enfrentam com esse modal, não abrem mão de seu uso. No entanto, observa-se que o modal ferroviário não atende várias regiões do Brasil onde eles tem clientes, tendo que fazer, nesses casos, inevitavelmente uso do transporte rodoviário, que em muitas ocasiões fica mais barato que o transporte rodoviário. 3.1.1 Chegada do navio ao porto e alocação de berços A nossa descrição do processo logístico começa com a chegada do navio ao porto. O armador ou seu agente marítimo, devidamente credenciado, encaminha com antecedência toda a documentação do navio à autoridade portuária pedindo permissão para atracar. Em seguida, determina-se o berço em que o navio atracará o que depende do tipo e da natureza da carga e das dimensões do navio, entre outras variáveis. Uma vez que o espaço dos berços é limitado e muitas vezes impróprio para certos tipos de carga, torna-se imprescindível uma alocação de berços que concorra para um gerenciamento eficiente do tráfego de carga. Quando não existe espaço disponível nos berços e navios precisam aguardar para atracar, custos aumentam e prazos de entrega podem não ser cumpridos. Sendo assim, o tempo de espera deve ser o menor possível. A posição de atracação também é uma variável de decisão muito importante. No caso de mercadorias exportadas, elas geralmente chegam ao local onde serão embarcados alguns dias antes da chegada dos próprios navios. Se uma embarcação atracar em um local próximo a um depósito de armazenagem, o custo de entrega das mercadorias será menor, já que a distância percorrida por caminhões – ou outros veículos que transportam os materiais na área interna dos portos – também será menor. Outro fator importante a ser considerado é que, nos períodos de maré baixa, a profundidade dos berços diminui, e os navios passam a ser carregados abaixo da sua capacidade ou até mesmo ficam impossibilitados de operar. Uma vez definido o plano de atracação, os navios se posicionam para entrar no canal de navegação e seguir em direção aos seus respectivos berços. Para essa operação são contratados os serviços dos práticos e dos rebocadores, que incluem assistência aos navios e operações de acostagem e desacostagem, tanto nos canais de navegação quanto em alto-mar. 3.1.2 Processo logístico do terminal (exportação) – Modo ferroviário No modal ferroviário, o fluxo de entrada e saída de trens obedece a seguinte sequência: a) chegada, b) pesagem cheio, c) descarregamento, e) pesagem vazio, f) saída. A ADM possui dois trilhos ferroviários dentro do seu terminal e três armazéns (38, XLI e XLIII), dos quais dois recebem cargas por vagões. O trem precisa passar por um desvio (ver Figura 1) para chegar à Moega D. Na Figura 3 apresenta-se a operação do terminal e as capacidades de cada armazém/moega. Desvio para os trens XLI XLIII Figura 3: Capacidades operacionais de recebimento da ADM O Armazém XLIII tem capacidade para 50.000 toneladas e o XLI, para 75.000 toneladas, sendo que: a Moega A, que possui dois tombadores simultâneos, tem capacidade operacional de 750 t/h.; a Moega B, com descarregamento para vagões e caminhões auto descarregáveis (bi caçamba), tem capacidade de 600 t/h.; a Moega C, exclusiva para caminhões, tem capacidade de 400 t/h.; a Moega D, para vagões e caminhões bi caçamba, tem capacidade de 750 t/h, permite alimentar o AZ XLIII e o AZ XLI, e também possibilita direcionamento de cargas. 3.1.3 Processo logístico do terminal (exportação) – Modo rodoviário No caso do modo rodoviário, a chegada dos granéis sólidos ao terminal se dá pelo uso de caminhões com diversas especificações e capacidades. Na Figura 2 mostra-se o trajeto que os caminhões realizam, eles partem da Avenida Portuários, no centro, ao bairro da Ponta da Praia, onde fica o terminal. No Porto de Santos, só a ADM chega a receber 400 caminhões por dia, sendo que a operação portuária se dá 24 horas por dia e durante os sete dias da semana. Entrada do Caminhão no Terminal – A entrada do caminhão ocorre pela Gate 22. O terminal, atendendo às exigências da Receita Federal para o controle de entrada e saída de caminhões, dispõe do software OCR que permite a leitura e identificação das placas dos caminhões. No total são 64 câmeras que permitem ao Setor de Controle visualizar e obter os dados referentes à entrada no terminal, horários, tempo e locais de permanência, e saída do caminhão do terminal. Antes de entrar no terminal para o descarregamento, é necessário que: (a) o caminhão tenha sua descarga previamente agendada (pela internet) de acordo com a capacidade e disponibilidade de recebimento do terminal; e (b) o motorista já tenha feito o cadastramento no ecopátio que fica localizado no município de Cubatão, a 5 km do porto. A viagem do ecopátio até o terminal, sem congestionamento, dura cerca de uma hora e meia. Ao chegar, o caminhão fica ao redor de uma hora e meia dentro do terminal. No total, a duração do processo, desde a saída do caminhão do ecopátio até a sua saída do terminal, é de 3 a 4 horas. Figura 4: Processo de entrada e saída de caminhões no terminal da ADM Carregamento/descarregamento do caminhão – A descarga dos caminhões pode ocorrer diretamente nos armazéns ou nas moegas de descarga, que possuem tecnologias de suspensão dos caminhões (tombadores). Os responsáveis do terminal enfatizaram que todo caminhão que entra no terminal, antes de descarregar, passa por um processo de coleta de amostra dos grãos para o controle da qualidade dos produtos a serem exportados, seguindo o padrão internacional de qualidade da ANEC 43. Todos os dados das amostragens são informatizados. Embora o terminal não tenha áreas de armazenamento diferenciadas para soja tradicional e soja transgênica, o produtor deve declarar o tipo de grão a ser exportado, de maneira a evitar problemas com o pagamento de royalties à Monsanto. Quando não há declaração, é feita a amostragem no terminal. E caso seja detectada alguma contaminação no produto que está sendo entregue, o caminhão não é descarregado, tendo que aguardar a decisão quanto à devolução ou não do produto. Muitos produtos são devolvidos devido à não satisfação de padrões de qualidade, nível de impureza e nível de humidade. Carregamento dos navios – O processo de embarque de granéis sólidos se dá por sistemas automatizados que transporta os produtos dos armazéns até o navio. Na parte de baixo dos armazéns existem túneis com correias transportadoras munidas de vazadores, ou seja, grelhas a serem abertas durante o fluxo de embarque dos granéis sólidos. Só a linha de embarque da ADM tem capacidade para operar 2 mil toneladas/hora, ou 48 mil toneladas por dia. Segundo o gerente de operações da ADM, este último valor só não é atingido devido à troca de porão. Na ADM, o carregamento de navios Panamax é feito em menos de 48 horas, este tipo de navio chega a carregar até 80 mil toneladas. 3.1.4 Dados operacionais A capacidade operacional de embarque da ADM é de 2000 t/h. Como pode ser visto na Figura 5, a ocupação do berço 39 (13,3 metros de calado no pico da maré) é de 70 %, o que corresponde ao tempo em que o navio está operando. Já berço livre (13%) reflete o tempo do navio com atividades de manobra, praticagem, espera do aumento da maré, etc. Há também um fato curioso: a chuva representa 10 % do tempo de ocupação do berço, isto é, no período de chuva o terminal não opera. 13% 10% 7% 70% Berço Livre Chuva Aguardando Saída Navio operando Figura 5: Ocupação do Berço 39 pela ADM em 2012 Figura 6: Taxa Líquida de Embarque (t/h) Como pode ser observado na Figura 6, as taxas de embarque dos produtos movimentados pela ADM têm comportamentos bastante distintos. O tempo de embarque depende das características físicas dos produtos, como peso e aderência de outros elementos que vêm junto com o produto. Por exemplo, o escoamento do milho é mais rápido devido à inexistência de cascas e palhas, o que acaba gerando volume e pouco peso. Já o farelo hipro é o que tem menor peso específico, o que faz com que o embarque deste produto seja menor para o mesmo volume. 4. COMENTÁRIOS DOS RESULTADOS DAS ENTREVISTAS Da entrevista com os quatro gestores da ADM foram levantados uma série de problemas que preocupam ao setor, que são difíceis de resolver porque são de competência da Secretaria de Portos, dos órgãos reguladores, da CODESP, dos órgãos anuentes e dos outros agentes que operam no porto prestando serviços. Dentre os principais temas abordados, podem-se ressaltar as seguintes questões: Do custo de transporte: a não regulação das despesas acessórias por parte da ANTT. Do modelo de concessão da ferrovia: o pagamento do pedágio pelo direito de passagem à MRS pelas demais empresas de ferrovias ao chegarem ao topo da serra para entrarem no porto de Santos. O problema é mais grave ainda, já que a MRS não atende estados como Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Segundo os entrevistados, para andar 12 km dentro do Porto de Santos, a MRS recebe cerca de 4 a 5 reais por tonelada da LL e da FCA. Do aumento de custo de transporte pelo aumento da demanda e menor oferta de ferrovias: em 2010 o custo de transporte (do Mato Grosso a Santos) de uma tonelada de granéis sólidos chegou a 150 reais, sendo que em 2000 era de 60 reais. Os responsáveis da ADM alertaram pelo fato de que o custo da soja brasileira é mais competitivo se comparada aos custos de produção dos demais países, é cinquenta dólares mais barata, no entanto, ao somar os custos logísticos a competitividade diminui drasticamente. Da lei do descanso do caminhoneiro: segundo os entrevistados esta lei prejudica a segurança da carga já que não há locais, seguros, ainda estabelecidos para o descanso. Da escolha do tipo do navio para o agronegócio: “o Capesize não necessariamente é a melhor opção, pois há portos internacionais que não recebem este tipo navio”. Da escolha do modal de transporte: o custo de transporte por ferrovia não é melhor, “quiçá, é igual”. Segundo ele, é necessário o uso dos diversos modais de transporte, dependendo do tipo do produto. A ferrovia é utilizada devido a sua capacidade maior de carga por vagão e pelo volume, no entanto, a perda do produto (acima de 0,5 %) é maior comparada com o transporte pela rodovia (0,25). As perdas podem acontecer ao longo do caminho, no transbordo e no porto. Do porto sem papel: não é um modelo eficiente, ainda precisa ser melhorado. Mesmo assim disseram que aumentou a burocracia, já que o agente marítimo e os operadores de carga precisam entrar em vários sistemas diferentes para liberação de cargas. Foi salientado também o conflito entre a Receita Federal e os demais autores do projeto. Da nova lei dos portos: o ponto forte foi permitir os investimentos privados. No final da conversa, os dirigentes da ADM reclamaram pelo fato de não haver tratamento diferenciado para terminais com desempenho diferentes. 5. CONCLUSÕES Por fim, é importante mencionar também como os portos brasileiros em geral se comparam com os portos de outros países. Em um ranking de 144 países feito pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 135ª posição no item qualidade dos portos. A baixa qualidade relativa dos portos brasileiros foi corroborada por muitos especialistas em questões portuárias que apontaram também que os portos brasileiros são mais caros e mais ineficientes não apenas do que os de países desenvolvidos, mas também do que os de muitos países emergentes. Os especialistas que foram entrevistados nas visitas técnicas aos terminais arrendados do Porto de Santos levantaram uma série de aspectos que explicam essa ineficiência, a saber: Falta de um sistema informatizado de alocação de berços com critérios bem definidos. Falta de regulação dos preços dos serviços dos práticos. Esse ponto é considerado por muitos, fundamental para garantir maior competitividade aos portos, já que os custos deste serviço no Brasil estão entre os mais altos do mundo. Falta de fiscalização para regular a vazão dos navios graneleiros. Falta sistemática de manutenção do canal de acesso e dos ancoradouros, necessário para manter o calado adequado. Falta de um adequado controle dos agendamentos dos veículos terrestres com acesso aos terminais, necessário para evitar congestionamentos no porto. Falta de um plano estratégico para o transporte ferroviário. Falta de maior integração com a municipalidade e com os órgãos anuentes, necessária para otimizar o sistema portuário. Os especialistas que foram consultados foram unânimes em ressaltar que a eficiência de um porto é o maior atrativo para um transportador. Segundo a UNCTAD (1994), também é a eficiência, medida pela velocidade de operação e a confiança nos serviços prestados, a maior preocupação dos transportadores. Há vários indicadores de eficiência, tais como tempo de operação do navio, tempo de desova da carga, e tempo de espera para atracação e desatracação. Para os transportadores, ineficiência se traduz em custos maiores. Quanto mais tempo o navio permanecer no cais, por exemplo, maior o preço que terá de pagar e, consequentemente, maior o custo do transporte (Vale lembrar, contudo, que a capacidade do proprietário do navio de passar adiante esse custo maior depende da elasticidade da demanda e da sua participação nos custos totais). Pode-se observar que a evolução dos portos caracteriza-se, entre outras coisas, pela adoção de uma série de conceitos de logística integrada empresarial, o que permite a modernização da sua gestão, a busca por parcerias e por formas de integração que lhes permitam agregar valor aos serviços prestados. Importa ressaltar que isso requer transformações organizacionais internas e possivelmente mudanças nas relações institucionais entre as autoridades competentes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARES DA SILVA CAMPOS NETO, CARLOS (2006) Portos Brasileiros: Área de Influência, Ranking, Porte e os Principais Produtos Movimentados. Texto Para Discussão No. 1164 – IPEA, Brasília. FRITSCH DA SILVA E SOUZA, WANDA & SILVA E SOUZA, GERALDO (2007) Infra-Estrutura Portuária Nacional de Apoio ao Comércio Exterior: Hierarquização das Unidades Portuárias, ENGEVISTA, v. 9, n. 1, p. 4-13, junho 2007. KAWAMOTO, EIJI (1993) Análise de Sistemas de Transportes. Apostila. UNCTAD (1994) A Comercialização Portuária – As Perspectivas dos Portos de Terceira Geração.