Pesquisas e Tecnologias
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 13, n. 1, p. 1-10, jan./mar. 2010
DOI: 10.4260/BJFT2010130100001
Revisão
Aminas biogênicas em embutidos cárneos e em outros alimentos
Review
Biogenic amines in sausages and other foods
Autores | Authors
José Mauro GIROTO
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR)
Av. Monteiro Lobato, s/n - Km 04
CEP: 84016-210
Ponta Grossa/PR - Brasil
e-mail: [email protected]
Maria Lucia MASSON
Sônia Maria Chaves HARACEMIV
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
e-mail: [email protected]
[email protected]
Autor Correspondente | Corresponding Author
Recebido | Received: 12/01/2009
Aprovado | Approved: 17/08/2009
Resumo
Aminas biogênicas são substâncias presentes naturalmente em muitos
alimentos e são produzidas principalmente pela ação de microrganismos através
de atividades aminoácido-descarboxilases. Utilizando-se de dados de diversas
fontes, este trabalho teve como objetivo apresentar uma revisão sobre a presença
destes compostos em alimentos e de forma particular em embutidos cárneos.
Critérios de boas práticas de fabricação descritos por diversos autores indicam
que são toleráveis níveis de 50-100 ppm de histamina, 100-200 ppm de tiramina e
30 ppm de feniletilamina, ou um total de aminas biogênicas de 100-200 ppm. Os
dados obtidos indicam a existência de uma grande variabilidade na quantidade
e concentração de diferentes aminas em alimentos in natura e em embutidos
cárneos. O tratamento dos dados da literatura indicou que: 22,2% dos produtos
atendem aos requisitos de boas práticas de fabricação em relação ao total de
aminas biogênicas, todos os produtos atendem aos requisitos para histamina,
77,8% atendem aos requisitos para tiramina e 100% dos produtos atendem aos
requisitos para feniletilamina. Todos os produtos apresentaram quantidades
inferiores aos parâmetros descritos na literatura para os efeitos toxicológicos.
Pesquisas para identificação de microrganismos aminoácido-descarboxilases
negativos e outros fatores que reduzem a sua formação e acumulação é o principal
mecanismo para o estabelecimento de medidas para melhorar a qualidade e
segurança alimentar destes produtos.
Palavras-chave: Aminas biogênicas; Embutidos cárneos; Qualidade;
Segurança alimentar.
Summary
Biogenic amines are compounds naturally present in many foods, and are
produced mainly by the action of microrganisms through the activity of amino acid
descarboxylases. Using the data from various sources, the aim of this work was
to present a review on the presence of these compounds in foods and especially
in sausages. The criteria of good manufacturing practices described by various
authors indicate that levels of 50-100 ppm of histamine, 100-200 ppm of tyramine
and 30 ppm of phenylethylamine, or a total of 100-200 ppm total biogenic amines,
can be tolerated. The data obtained indicated considerable variability in the
quantity and concentration of the different amines both in foods in natura and in
sausages. The treatment of the data obtained from the literature indicated that:
22.2% of the products complied with the requirements of good manufacturing
practices with respect to the total biogenic amines, all the products complied with
the requirements for histamine, 77.8% for tyramine and 100% for phenylethylamine.
All the products presented inferior quantities as compared to the parameters
described in the literature for toxicological effects. Research for the identification
of aminodescarboxylase negative microorganisms and other factors that reduce
their formation and accumulation represent the main mechanism to establish
measures to improve the quality and food safety of these products.
Key words: Biogenic amines; Sausage; Quality; Food safety.
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Aminas biogênicas em embutidos cárneos e em outros alimentos
GIROTO, J. M. et al.
1 Introdução
A qualidade e segurança dos alimentos têm sido
ao longo do tempo os principais parâmetros que norteiam
a competitividade das indústrias.
Em relação às questões de saúde pública, as
preocupações têm sido principalmente voltadas às
contaminações dos alimentos de origem microbiológicas.
Por outro lado, diversos são os perigos de natureza
química que podem estar presentes nos alimentos e,
alguns têm sido descritos como inerentes ao próprio
processo de transformação de matéria-prima em produto,
como é o caso das aminas biogênicas.
Quimicamente, o termo aminas é descrito como
sendo bases orgânicas derivadas da amônia. Na biologia,
o termo está relacionado a compostos formados ou
degradados durante os processos metabólicos normais
dos seres vivos, apresentando diferentes funções
fisiológicas e, por isso, chamadas de “aminas bioativas”
ou “aminas biologicamente ativas”.
Na tecnologia de alimentos, o termo “aminas
biogênicas” está relacionado a uma categoria de
compostos presentes em determinados tipos de alimentos
e descritos como potencialmente perigosos, devido
ao fato de apresentarem propriedades vasoativas,
psicoativas e toxicológicas (BOVER-CID et al., 2006;
LATORRE-MORATALLA et al., 2007). Devido a estes fatos,
o objetivo deste trabalho foi apresentar uma revisão sobre
a presença de aminas biogênicas em alimentos e em
embutidos cárneos quanto aos aspectos quantitativos.
2 Nomenclatura e estrutura química
Na tecnologia de alimentos, a nomenclatura mais
utilizada para designar as aminas biogênicas tem sido
a partir dos nomes de aminoácidos precursores. Como
exemplo, tem-se que a histamina, é uma amina originada
a partir de histidina; tiramina uma amina originada a partir
de tirosina e triptamina, a partir do triptofano (LIMA e
GLÓRIA, 1999; SANCHES-CASCADO, 2005).
De acordo com o número de grupos amínicos,
as aminas podem ser classificadas em monoaminas
(tiramina, feniletilamina); diaminas (histamina, serotonima,
triptamina, putrescina, cadaverina) e poliaminas
(putrescina, espermina, espermidina). Quanto a sua
estrutura química, são classificadas em três grandes
grupos: aromáticas (histamina, tiramina, feniletilamina,
triptamina, serotonina, dopamina e octopamina); diaminas
alifáticas (putrescina e cadaverina); e poliaminas
alifáticas (agmatina, espermina e espermidina). Quanto
à ação no organismo, as aminas são classificadas
em vasoativas (tiramina, triptamina, feniletilamina,
isoamilamina, histamina e serotonina) e psicoativas
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(noropinefrina, serotonina e dopamina) (EEROLA e
MAIJALA 2004; CÖISSON et al., 2004; MARINÉ-FONT,
2005; SANCHES-CASCADO, 2005).
3 Origem e formação das aminas
Além da síntese a partir da amônia, as aminas
podem ser formadas por transaminação de aldeídos
ou cetonas, hidrólise de compostos nitrogenados e
decomposição térmica. Algumas aminas denominadas
de poliaminas (putrescina, espermina e espermidina)
são formadas durante o processo bioquímico chamado
de novo biossíntese, porém a principal via de formação
destes compostos é a partir da descarboxilação de
aminoácidos por enzimas microbianas (HALÁSZ et al.,
1994; EEROLA et al., 1997; MARINÉ-FONT, 2005;
LAPA-GUIMARÃES, 2005; KALAČ, 2006; ÖNAL, 2007).
As aminas são classificadas em aminas
naturais e aminas biogênicas quanto a sua origem.
As aminas naturais (putrescina, cadaverina, agmatina,
espermidina e espermina) são formadas durante os
processos metabólicos de plantas e animais à medida
que são requeridas e, estarão presentes quando
estes forem transformados em produtos alimentícios.
Também podem ser formadas a partir dos aminoácidos
ornitina e lisina por ação de enzimas descarboxilases
produzidas por microrganismos (LIMA e GLÓRIA,
1999; SANCHES-CASCADO, 2005; BOVER-CID et al.,
2006). Quanto às aminas espermidina e espermina, são
formadas a partir de aminoácidos precursores (ornitina e
arginina), sendo a putrescina um intermediário obrigatório
(LIMA e GLÓRIA, 1999; SANCHES-CASCADO, 2005).
As aminas biogênicas são substâncias formadas
durante as fases de transformação dos alimentos pela
ação de enzimas descarboxilases, produzidas por
microrganismos sobre aminoácidos específicos. Neste
grupo estão incluídas a tiramina, a histamina, a triptamina
e a feniletilamina (MAIJALA et al., 1995; EEROLA et al.,
1997; SUZZI e GARDINI, 2003; CÖISSON et al., 2004;
MARINÉ-FONT, 2005; KALAČ, 2006).
As atividades descarboxilases não estão
distribuídas amplamente entre as bactérias, no entanto,
as bactérias láticas (Lactobacillus, Enterococcus,
Carnobacterium, pediocossus, lactococcus e leuconostoc),
as enterobactérias (Morganella, Hafnia, Klebsiella,
Escherichia, Salmonella, Shigella), Pseudomonas e
Staphylococcus, Micrococcoccus e kocuria, são descritos
como capazes de produzir enzimas aminoácidodescarboxilases (PARENTE et al., 2001; ANSORENA et al.,
2002; ERKKILÃ, 2001; SUZZI e GARDINI, 2003; MARINÉFONT, 2005; LAPA-GUIMARÃES, 2005; KALAČ, 2006;
ÖNAL, 2007).
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4 Aminas em alimentos in natura
e processados
As aminas biogênicas têm sido descritas como
naturalmente presentes nos alimentos in natura. Em
alimentos processados via fermentação/maturação,
tais como queijos, vinhos, cerveja e embutidos
cárneos, a presença destes compostos tem sido
descrita principalmente como resultado de ação
das enzimas de microrganismos sobre aminoácidos
específicos (EEROLA et al., 1997; TREVIÑO et al.,
1997; ANSORENA et al., 2002; CÖISSON et al., 2004;
LATORRE-MORATALLA et al., 2007; ÖNAL, 2007).
Diversos são os trabalhos realizados para a
identificação e quantificação destes compostos nos
alimentos, tanto in natura quanto processados. A Tabela 1
ilustra a presença e variação na concentração de aminas
biogênicas em alimentos in natura de origem vegetal e
animal.
Na Tabela 1 pode ser visualizada a variação
quantitativa e qualitativa para as diferentes aminas e
diferentes tipos de alimentos in natura. Em relação aos
produtos de origem vegetal, observa-se que os maiores
valores estão relacionados à amina putrescina, o que pode
Tabela 1. Presença e variação na concentração de aminas
biogênicas em alimentos não processados.
Tomate Laranja Carne
Carne
Amina/produto
bovina
suína
(mg.kg–1 ou mg.L–1)
Putrescina
15-49
59-200
< 1-23
nd-16
Cadaverina
nd-< 5
19-31
< 1-17
nd-8
Histamina
nd-< 7
nd-< 5
10-83
<1-10
Tiramina
nd-< 7
nd-< 6
<1-24
<2-15
Feniletilamina
nd
nd
<1
Triptamina
nd-< 10
Espermidina
nd-< 10 nd-< 5 < 2-185
1-102
Espermina
nd-< 7
nd-< 6 18-473
2-564
Serotonina
nd-< 7
nd
Fonte: adaptado de Bauer et al. (2004), -: não informado, nd: não
detectado.
indicar que já estejam em estado de deterioração. Em
relação à carne suína e bovina, as aminas (espermidina
e espermina) estão presentes em maior concentração. Os
valores para estas substâncias podem estar relacionados
ao mecanismo de formação destas substâncias nos
alimentos, conforme descrito por Lima e Glória (1999),
Sanches-Cascado (2005) e Suzzi e Gardini (2003), os
quais relatam que estas são as únicas aminas presentes
em níveis significativos em carne fresca. Também,
ainda de acordo com os autores, altas concentrações
destas aminas podem ser atribuídas ao crescimento de
microrganismos, ou então, que os produtos já estejam
em processo de deterioração, devido ao fato de estes
produtos serem mais facilmente contaminados em seu
processo de obtenção.
Lima et al. (2006) analisaram teores de poliaminas
em alimentos e destacaram que alface, laranja, tomate,
banana e batata frita ou cozida foram as maiores fontes
de putrescina e que estes alimentos também contribuem
com espermidina e espermina na dieta. A presença de
aminas biogênicas nestes produtos é dependente do tipo
de vegetal, tipo de tecido, estágio de maturação e formas
de armazenamento.
Em alimentos frescos, aminas biogênicas podem
ser geradas devido à atividade descarboxilase endógena
ou à ação de microrganismos descarboxilase positiva
sobre aminoácidos livres em condições favoráveis à
atividade enzimática, sendo esta considerada a principal
via de formação em alimentos (LAPA-GUIMARÃES, 2005).
A Tabela 2 ilustra o conteúdo de aminas biogênicas em
diversos alimentos processados.
Na Tabela 2, podem ser visualizados quantitativa
e qualitativamente para as diferentes aminas em
diferentes tipos de alimentos processados. Etapas de
processamento tais como a fermentação e maturação
(atividades enzimáticas proteolíticas) e condições de
processamento (boas práticas de fabricação), podem
influenciar consideravelmente os valores para estes
compostos. Mariné-Font (2005) relata que não é fácil
estabelecer uma correlação entre o conteúdo de aminas
Tabela 2. Presença e concentração de aminas biogênicas em alimentos processados.
Amina/produto
Vegetais
Queijos
Linguiça
Peixe e
–1
–1
fermentados
maturados
fermentada
derivados
mg.kg ou mg.L
Putrescina
Cadaverina
Histamina
Tiramina
Feniletilamina
Triptamina
Espermidina
Espermina
148,7
148,2
11,7
149,8
5,1
-
68,3
125,6
185,2
117,3
22,3
15,0
199,7
31,6
197,9
48,1
99,0
176,8
37,8
18,7
38,9
11,7
5,6
106,7
6,4
6,8
4,1
Vinho
Linguiça
cozida
3,4
0,1
1,0
1,7
1,5
-
5,4
5,3
5,9
7,1
2,0
4,4
2,1
Fonte: Adaptado de BAUER et al. (2004) (-) não informado.
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biogênicas e a contagem microbiana de forma segura,
devido à capacidade da aminoácido-descarboxilases
em se apresentar com diferentes composições segundo
as espécies bacterianas e as condições nas quais elas
se desenvolvem. É o que pode ocorrer, por exemplo,
em vinho e linguiça cozida, em que o teor alcoólico e a
temperatura elevada podem destruir os microrganismos e,
consequentemente, não haver produção de enzimas, não
ocorrendo desta forma a produção de aminas biogênicas
ou produção em baixas concentrações.
5 Formação de aminas em derivados
cárneos fermentados
Na literatura há registros de inúmeros trabalhos os
quais buscam avaliar determinados fatores que podem
influenciar em maior ou menor intensidade a formação
destes compostos. Particularmente para derivados
cárneos, a Tabela 3 ilustra trabalhos de pesquisa de
diversos autores, os parâmetros analisados e os resultados
obtidos quanto à presença destes compostos.
Conforme ilustrado na Tabela 3, vários são os
parâmetros (NaCl, alta pressão, congelamento de
matérias-primas, uso de culturas starters, misturas de
condimentos, diâmetro do produto, redução na quantidade
de açúcar adicionada, uso de aditivos (sulfitos, variação
nos tempos e temperaturas de maturação) que já foram
utilizados para avaliar a formação de aminas biogênicas
em embutidos cárneos, demonstrando em seus resultados
maior ou menor concentração de aminas biogênicas no
produto final.
Outros parâmetros, tais como pH, umidade,
concentração de aminoácidos precursores
(BOVER-CID et al., 2006), adição de açúcar, adição de
sulfitos, tempo de armazenamento (KOMPRDA et al.,
2004), uso de materiais com alta qualidade higiênica,
uso de culturas starters aminoácido-descarboxilases
Tabela 3. Parâmetros analisados e resultados obtidos na avaliação de aminas biogênicas em embutidos cárneos fermentados.
Autor
Parâmetros analisados
Resultados obtidos
Roseiro et al. (2006)
Cloreto de sódio
O uso de Cloreto de sódio reduz o nível de aminas biogênicas.
Cöisson et al. (2004)
Vida de prateleira
Aminas são importantes para avaliação do estado de conservação do
produto
produto durante o armazenamento.
Bover-Cid et al.
Adição ou não de
Não é recomendável a omissão, pois aumenta a quantidade de aminas
(2001a)
açúcar
biogênicas durante a manufatura e armazenamento.
Eerola et al. (1997)
Vida de prateleira do
Contaminação por bactéria ou a formação de aminas biogênicas podem
produto
ocorrer após o processo de fermentação.
LatorreAlta pressão e culturas O uso de culturas iniciadoras foi mais efetivo do que o uso de alta pressão
Moratalla, et al. (2007) iniciadoras
na formação de aminas biogênicas.
Bover-Cid et al. (2006) Congelamento da carne Ajuda a reduzir o desenvolvimento de enterobactéria e produção de
cadaverina
Komprda et al. (2004) Culturas starters,
Os tipos de culturas iniciadoras e tipo de linguiça (condimentos)
mistura de condimentos, influenciaram a formação putrescina e tiramina. O tempo de armazenagem
tempo de armazenagem em temperatura ambiente não seria recomendado.
e temperatura
Bover-Cid et al.
Concentração de sulfito Reduz a contagem microbiana e entre as aminas analisadas apenas a
(2001b)
de sódio
quantidade de cadaverina foi menor em linguiça sem sulfito. Tiramina e
putrescina parecem ser estimuladas com a presença de sulfito.
Maijala et al. (1995)
Temperatura,
Matérias-primas contaminadas afetam a formação de aminas biogênicas.
matérias-primas,
Flora inicial, altas temperaturas e acidificação resultam em alta
acidificação e culturas
concentração de aminas biogênicas.
starters
Komprda et al. (2001) Cultura iniciadora
O efeito da temperatura de armazenamento não afeta a formação de aminas
e temperatura de
biogênicas. Tipos de culturas starters influenciam a formação de aminas
armazenamento
biogênicas, quando o produto é armazenado a uma mesma temperatura.
Bover-Cid et al. (1999) Diâmetro da linguiça
O diâmetro do produto pode afetar a formação de aminas biogênicas
durante a etapa de fermentação.
Gençcelep et al.
Culturas iniciadoras e
Utilizando culturas iniciadoras, obteve-se menor quantidade de putrescina,
(2007)
nível de nitrito em Sucuk cadaverina e tiramina que sem o uso de culturas. Porém culturas iniciadoras
tiveram efeitos sobre a formação de aminas biogênicas. O uso de nitrito
influenciou a formação de aminas biogênicas, com exceção de espermina e
espermidina.
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negativas pré-selecionadas, entre os quais Lactobacillos
sakei e Lactobacillus curvatos (BOVER-CID, 2004),
ou desativação de microrganismos que acarretam a
descarboxilação de aminoácidos em embutidos, são
referenciados por Eerola et al. (1997); Komprda et al.
(2001) e Mariné-Font (2005) como procedimentos
que já foram pesquisados e importantes, para que
fossem conhecidos os mecanismos da formação e,
consequentemente, proporcionassem conhecimentos
para a prevenção da formação de aminas biogênicas.
6 Quantificação e qualificação de aminas
biogênicas em embutidos cárneos
Durante a etapa de fermentação e maturação de
embutidos cárneos, diferentes transformações físicas,
químicas e bioquímicas ocorrem nos carboidratos, lipídios
e proteínas, originando compostos responsáveis pelo odor
e sabor, cor e textura (RÚBIO, 1994; MARTIN-JUÁREZ,
2005). As proteínas sofrem uma série de transformações
pela ação de proteases e peptidases de origem
microbiana e da própria carne (calpaínas, catepsinas e
oligopeptidases), obtendo-se peptídeos e aminoácidos,
influenciando também de forma significativa nas
modificações das propriedades sensoriais (doce,
salgado, ácido e amargo) e nutritivas destes produtos
(RÚBIO, 1994, BOLUMAR-GARCIA, 2005).
Os aminoácidos livres podem sofrer uma série
de reações de degradação, como desaminações
e descarboxilações, produzindo compostos como
cetoácidos, ácidos graxos, amoníaco e aminas
(BOLUMAR-GARCIA, 2005).
A quantidade e tipo de aminas nos alimentos em
geral dependem da natureza, origem, disponibilidade
de aminoácidos livres, de bactérias capazes de
descarboxilar aminoácidos e condições favoráveis para
o seu crescimento. O resultado da ação das enzimas
microbianas sobre os aminoácidos livres é uma amina
que, dependente do peso molecular e estrutura do
aminoácido que a origina, pode resultar em monoaminas,
diaminas ou aminas com grupos químicos suplementares
(LAPA-GUIMARÃES, 2005).
A Tabela 4 ilustra a composição de diferentes tipos
de embutidos cárneos em relação à concentração de
aminoácidos. Observa-se que, embora sejam produtos
diferentes, apresentam semelhanças na composição
de aminoácidos, devido à natureza da matéria-prima,
ocorrendo uma pequena variação entre os produtos.
Desta forma, conforme descrito por Lapa-Guimarâes
(2005), ocorrendo proteólise e existindo microrganismos
capazes de produzir enzimas descarboxilases, estas
enzimas se ligarão aos aminoácidos descarboxilando-os
e formando aminas biogênicas, e a quantidade formada
é dependente do tipo de aminoácidos livres e do
mecanismo de ligação entre aminoácido/enzima presente
no produto.
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Tabela 4. Composição de aminoácidos em diferentes tipos de
embutidos cárneos (g.100 g–1 parte comestível do produto).
Aminoácidos Linguiça Linguiça
Salame
Salame
polonesa italiana
italiano
bovino
suína
suína
suíno
e suíno
crua
cozido
Histidina
0,444
0,411
0,614
0,359
Isoleucina
0,611
0,520
1,084
0,675
Leucina
1,076
0,956
1,625
0,929
Lisina
1,110
1,083
1,878
1,107
Metionina
0,379
0,346
0,470
0,301
Fenilalanina
0,539
0,477
0,940
0,481
Treonina
0,591
0,563
1,012
0,521
Triptofano
0,138
0,114
0,253
0,114
Valina
0,679
0,572
1,120
0,668
Alanina
0,902
0,789
1,336
0,880
Arginina
0,925
0,842
1,373
0,855
Ácido
1,293
1,186
2,095
1,285
aspartico
Cistina
0,157
0,144
0,289
0,196
Ácido
2,117
1,970
3,829
1,929
glutâmico
Glicina
0,992
0,865
1,553
1,189
Prolina
0,712
0,663
1,336
0,831
Serina
0,584
0,552
0,903
0,537
Tirosina
0,444
0,411
0,686
0,552
Hidroxiprolina
0,318
Fonte: USDA - National Nutrient Database for Standard Reference,
(2008).
Pode ser observado na Tabela 4 que, entre os
aminoácidos livres, a maior concentração é de lisina,
leucina, alanina, arginina, ácido aspártico, ácido
glutâmico, glicina e prolina. As aminas biogênicas
histamina, putrescina, cadaveina, tiramina, triptamina,
feniletilamina, espermina e espermidina são as mais
importantes aminas biogênicas em alimentos (SUZZI e
GARDINI, 2003).
Trabalhos voltados à avaliação quantitativa
de aminas biogênicas em produtos alimentícios são
frequentemente disponibilizados na literatura científica.
Para ilustrar a variação quantitativa destes compostos
em produtos cárneos, são apresentados na Tabela 5
os resultados catalogados por Suzzi e Gardini (2003),
descritas as médias dos valores de diferentes aminas
e a concentração total em amostras de 255 tipos de
embutidos fermentados.
De um total de 255 amostras, dos mais variados
tipos de embutidos cárneos fermentados (produtos),
pode-se observar, na Tabela 5, que as aminas (histamina,
tiramina, cadaverina, putrescina) foram analisadas em
todas as amostras. Triptamina, feniletilamina, espermina e
serpermidina não foram avaliadas em todas as amostras.
O maior valor médio para histamina foi obtido na amostra
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7, o maior valor médio para tiramina foi obtido na amostra
17, o maior valor médio para cadaverina foi para a amostra
11, o maior valor médio para putrescina foi para a amostra
1 e para feniletilamina foi na amostra 12, conforme
já descrito por diversos autores (BOVER-CID, 1999;
KOMPRDA et al., 2001; PARENTE et al., 2001; EKICI et al.,
2004; ROSEIRO et al., 2006; RUIZ-CAPILLAS et al., 2007;
LATORE-MORATALLA et al., 2007).
Mariné-Font (2005) relata que alguns critérios de
boas práticas de fabricação indicam que são toleráveis
níveis de 50-100 ppm de histamina, 100-200 ppm de
tiramina e 30 ppm de feniletilamina, ou um total de aminas
biogênicas de 100-200 ppm. Em relação à ingestão de
produtos contendo estes compostos, diversos autores
relatam que o consumo de alimentos contendo níveis
de 1.000 ppm destas aminas biogênicas pode provocar
efeitos psicoativos e vasoativos em função do tipo de
amina presente (LIMA E GLÓRIA, 1999; PARENTE et al.,
2001; KOMPRDA et al., 2001; CÖISSON et al., 2004;
M A R I N É - F O N T, 2 0 0 5 ; B O V E R - C I D e t a l . , 2 0 0 6 ;
ROSEIRO et al., 2006).
Para ilustrar o conceito de boas práticas de
fabricação descrito por Mariné-Font (2005) e valores
que podem proporcionar efeitos psicoativos e vasoativos
descritos por Lima e Glória (1999); Komprda et al. (2001);
Cöisson et al. (2004); Ekici et al. (2004); Mariné-Font
(2005); Bover-Cid et al. (2006); Roseiro et al. (2006),
fez-se uma avaliação a partir da Tabela 5 dos valores
dados para histamina, tiramina, feniletilamina e a soma
das médias para aminas biogênicas total.
Em relação à presença de aminas biogênicas
totais, conforme pode ser observado na Tabela 5, somente
os produtos 4, 5, 13 e 18 atendem aos critérios descritos
para boas práticas de fabricação, totalizando 22,2%
das amostras. Em relação à presença de histamina,
todos os produtos atendem ao conceito anteriormente
descrito, perfazendo 100% das amostras. Em relação à
tiramina e feniletilamina, 77,8 e 100%, respectivamente,
atendem aos critérios conforme preconizado por MarinéFont, 2005, embora, para alguns produtos, nem todas as
aminas tenham sido avaliadas pelos autores, porém não
interferindo neste critério de análise. A Tabela 6 ilustra
diferenças nas concentrações de aminas biogênicas para
diferentes produtos.
Na Tabela 6, pode ser visualizada a variação
quantitativa e qualitativa para as diferentes aminas
e diferentes tipos de carne e produtos processados.
Em relação à linguiça fermentada, diferentes autores
obtiveram diferentes valores para aminas biogênicas.
Quanto aos efeitos adversos à saúde, todos os
produtos apresentam quantidade inferior, conforme pode
ser visualizado na Tabela 5, ao descrito por Lima e Glória
(1999); Komprda et al. (2001); Cöisson et al. (2004);
Mariné-Font (2005); Bover-Cid et al. (2006); Roseiro et al.
Tabela 5. Média de valores para aminas biogênicas em amostras de vários tipos de embutidos fermentados cárneos.
HIS
TYR
TRY
CAD
PUT
2PH
SPD
SPM
Total
Produtos
(mg.kg )
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
–1
71
15,3
21,9
0
4,1
54
89
9
21
1,8
15,2
19,4
28,5
17,5
7,3
2,2
9
5,3
220
164,3
17,8
76,7
36,8
88
110
54
72
121,8
156,9
198,4
89
282,3
280,5
190,7
332,1
14
3,9
14
22
27
18
6,5
10
21,3
5
15,9
8,5
8,7
11,5
13
103
71,3
60,8
6,7
2,5
50
10
180
6
56,3
367,2
26,4
6
20,1
11,7
18,9
12,6
19
279
223
98.8
19,7
15,1
79
93
130
77
105,2
64,7
138,5
54
60,4
102,7
71,6
65,2
39
4
1,3
3,4
0
0,9
13
11
2
3
5,3
10,1
17,4
1,2
6,7
1,9
2,2
9,7
5,1
4,3
40
18,8
4
5
7
6
9,2
10,3
5,6
2,5
23
91
83,7
33,5
2,8
31
33
37
29
32,8
30,6
35,2
2
1,8
777
563,2
438,9
124,7
59,9
214
333
446
232
338,9
665
665
187
397,4
417,4
294
432,6
104,1
Nº
amostras
5
3
9
10
24
11
4
8
12
15
23
19
2
20
22
11
7
50
HIS – histamina, TYR – tiramina, TRY – triptamina, CAD – cadaverina, PUT – putrescina, 2PH – feniletilamina, SPD – espermidina, SPM – espermina,
- não informado 1. Salsichão industrial, 2. Salsichão tradicional Espanhol, 3. Salame típico Italiano, 4. Salsicha Italiana, 5. Salsicha Bélgica,
6. Salsicha Finlandesa, 7. Salsicha Russa, 8. Salsicha Dinamarquesa, 9. Linguiça Alemã, 10. Salsicha fina Espanhola, 11. Salsicha Espanhola,
12. Salsichão, 13. Salsicha Polonesa, 14. Chouriço Espanhol, 15. Salsichão Espanhol, 16. Salsicha típica Espanhola, 17. Linguiça tradicional
Espanhola, 18. Salsicha Egípcia. Fonte: adaptado a partir de Suzzi e Gardini (2003).
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 13, n. 1, p. 1-10, jan./mar. 2010
6
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Pesquisas e Tecnologias
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Revisão
Aminas biogênicas em embutidos cárneos e em outros alimentos
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Tabela 6. Valores para aminas em diferentes produtos.
Linguiça
Linguiça
Amina/produto Carne Carne
bovina suína fermentada fermentada
(mg.kg–1)
(b)
Putrescina
<1-23 nd-16
<1-580
197,9
Cadaverina
<1-17 nd-8
<1-790
48,1
Histamina
1-83 <1-10
<1-200
99,0
Tiramina
<1-24 <2-15
3-320
176,8
Feniletilamina
<1
<1-48
37,8
Triptamina
<1-91
Espermidina
<2-185 1-102
<1-14
18,7
Espermina
18-473 2-561
19-48
38,9
Fonte: Eerola e Maijala (2004). (b) Bauer et al. (2004), -: não
mencionado, nd: não detectado.
(2006), e, portanto, a princípio não causariam efeitos
adversos à saúde. No entanto, Lima e Glória (1999)
citam, como exemplo dos efeitos toxicológicos para
teores de histamina, que: valores entre 5 e 10 mg.100 g–1
do alimento podem causar sintomas em indivíduos mais
sensíveis; níveis entre 10 e 100 mg.100 g–1 do alimento
são potencialmente tóxicos; acima de 100 mg.100 g–1
apresentam toxicidade elevada; que a ingestão de
alimentos contendo 6 mg.100 g –1 de tiramina pode
causar enxaqueca e de 10 a 25 mg pode provocar
crise de hipertensão em indivíduos em tratamento com
medicamentos inibidores da monoamino-oxidase (ÖNAL,
2007).
Caccioppoli et al. (2006) analisaram teores de
aminas biogênicas em salames tipo italiano. Foram
detectadas aminas biogênicas em todas as amostras
com teores totais de 28,33 a 53,27 mg.100 g–1. Relatam
também que a tiramina foi a amina predominante, seguida
da putrescina e da cadaverina, e que todas as marcas
apresentaram teores de tiramina capazes de causar
efeito tóxico em indivíduos sensíveis, dependendo da
quantidade ingerida.
Várias aminas biogênicas (serotonina, histamina e
tiramina) desempenham importantes funções fisiológicas
no homem e em outros animais, atuando como hormônios
no sistema nervoso e nos processos de digestão e de
síntese proteica. No homem, sob circunstâncias normais,
as aminas exógenas absorvidas através da ingestão
de alimentos são rapidamente metabolizadas através
de reações de acetilação e oxidação, mediadas por
enzimas mono, di e poliamino-oxidase (OLIVEIRA et al.,
2004; EEROLA e MAIJALA, 2004; SANCHES-CASCADO,
2005)
No entanto, o mecanismo de metabolização destas
substâncias pode ser insuficiente se o indivíduo apresenta
atividade enzimática reduzida, em situações de um elevado
consumo de alimentos contendo aminas biogênicas ou
a ingestão de alimentos contendo aminas biogênicas
e fármacos inibidores da enzima monoamino-oxidase
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 13, n. 1, p. 1-10, jan./mar. 2010
(EEROLA e MAIJALA, 2004; SANCHES-CASCADO, 2005).
Neste sentido, é extremamente difícil avaliar o risco dos
consumidores em relação à presença destes compostos
em alimentos (EEROLA e MAIJALA, 2004; ÖNAL, 2007).
Em função do significado que pode ser atribuído,
o conteúdo de aminas biogênicas em alimentos
Sanches-Cascado (2005) estabelece a seguinte
classificação para os alimentos: alimentos fermentados
e/ou maturados - neste grupo a formação de aminas
biogênicas pode estar associada à ação microbiana
desejada, bem como à possibilidade destes produtos
sofrerem contaminação durante sua elaboração e
armazenamento que provoque a produção de aminas
biogênicas, alcançando níveis superiores ao esperado
do ponto de vista higiênico; alimentos que por suas
características próprias de composição apresentam
relativa facilidade para sofrer processos de decomposição
e/ou deterioração - neste grupo a acumulação de
aminas biogênicas ocorreria pela ação aminoácido
descarboxilase dos microrganismos relacionados com o
processo de deterioração; alimentos que contêm certas
quantidades de aminas biogênicas pré-formadas - neste
grupo encontram-se alimentos que utilizam sangue ou
víceras em sua composição e alguns produtos vegetais,
como a pinha e o tomate, em que a presença de aminas
biogênicas não é atribuída a uma atividade bacteriana.
A autora demonstra com esta classificação que grande
parte dos alimentos derivados de origem animal é
passível de apresentar tais compostos, pois, por sua
natureza, são perecíveis e muitos deles são obtidos por
processos de fermentação.
7 Considerações sobre aminas biogênicas
Conforme pode ser observado nas Tabelas 1, 2 e
6, o consumo daqueles produtos pode proporcionar a
ingestão de quantidades significativas destes compostos.
A presença destes compostos nos alimentos, do ponto
de vista qualitativo, apresenta grande importância, tendo
em vista que algumas aminas possuem origem pela ação
de microrganismos e sua presença pode indicar o grau
de frescor e/ou alteração destes alimentos. Porém, de
acordo com Bover-Cid (1999), não está definitivamente
bem estabelecido quais são e em que quantidades a
presença de aminas biogênicas seria considerado normal
e inevitável, e em quais níveis indicaria uma deterioração
ou falha no processo de elaboração.
A presença de aminas biogênicas e outros
compostos nitrogenados nos alimentos podem favorecer
a formação de quinolinas, quinoxalinas e seus derivados,
os quais podem apresentar atividade mutagênica ou
carcionogênicas, principalmente em derivados de carne
e peixes submetidos a processos térmicos de elaboração
(ROIG, 2004). Além disso, pode ocorrer a formação dos
compostos denominados de N-nitrosaminas, descritos
7
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Revisão
Aminas biogênicas em embutidos cárneos e em outros alimentos
GIROTO, J. M. et al.
como potencialmente carcinogênicas (BOVER-CID et al.,
2001a; KOMPRDA et al., 2004).
As consequências negativas sobre a saúde, devidas
à presença destes compostos nos alimentos, não estão
suficientemente demonstradas e, necessitam de maior
investigação, tendo em vista que nem todas as aminas
apresentam efeitos negativos. Por exemplo, algumas
poliaminas são essenciais para o desenvolvimento e
crescimento das células, e várias aminas biogênicas
(serotonina, histamina e tiramina) desempenham
importantes funções fisiológicas no homem e em outros
animais (ROIG, 2004; OLIVEIRA et al., 2004).
A carne, seus derivados frescais e aqueles tratados
termicamente não deveriam conter aminas biogênicas
(MUNTAL, 2007). Neste caso, a presença de aminas
biogênicas seria indicador do estado higiênico de tais
produtos, conforme descrito por Marinée-Font (2005).
Por outro lado, Suzzi e Gardini (2003), Cöisson et al.
(2004), Komprda et al. (2001), Bover-Cid et al. (2006),
Gençcelep et al. (2007), entre outros autores, relatam que
em produtos em cujas etapas de obtenção são utilizados
processos de fermentação e maturação, tais como
em embutidos cárneos, podem ocorrer mudanças nas
proteínas pela ação de enzimas proteolíticas endógenas
ou microbianas, obtendo-se assim aminoácidos livres,
os quais são componentes precursores de aminas
biogênicas. Outros fatores também foram descritos,
entre os quais altas temperaturas durante a fermentação
e maturação, elevado valor de pH, reduzido conteúdo
de sal, aditivos utilizados, qualidade sanitária das
matérias-primas e durante as etapas do processo e
tecnologia utilizada, que constituem em conjunto com
a presença de microrganismos adicionados ou não ao
produto, um ambiente ideal para a formação de aminas
biogênicas nesta categoria de produto. Um dos fatores
relacionados à minimização destes compostos nesta
categoria de produto estaria relacionado à seleção de
culturas iniciadoras não aminogênicas e sua aplicação
quando da elaboração de tais produtos (MUNTAL, 2007).
Neste sentido, pesquisas para identificação destes
microrganismos e de outros fatores que proporcionam a
formação destes compostos devem ser realizadas para
que seja possível conhecer mecanismos de prevenção
e redução destes compostos, proporcionando aos
consumidores produtos com melhor qualidade neste
requisito.
No entanto, a presença de aminas biogênicas nos
alimentos, quando comparada a outros tipos de perigos,
representa pouca preocupação, pois sua presença é
muitas vezes inerente aos alimentos, bem como aos
processos utilizados na sua obtenção. Controlar, porém,
a presença destes compostos, utilizando-se do conceito
de boas práticas de fabricação é um início para garantir
a qualidade microbiológica dos produtos, o que de fato
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 13, n. 1, p. 1-10, jan./mar. 2010
já é um início na prevenção. Pesquisas que buscam
identificar os fatores relacionados à formação destes
compostos foram descritas. Como exemplo da aplicação
de culturas microbianas adicionadas aos produtos,
cita-se o trabalho desenvolvido por Talon et al. (2007),
que relataram o desenvolvimento de cultura starter a
partir de uma mistura de microrganismos isolados de
linguiça fabricada artesanalmente na França, constituída
basicamente de L. sakei, S. equorum e S. succinus, as
quais, segundo os autores, proporcionaram resultados
positivos na redução de aminas biogênicas, de oxidação
lipídica e do colesterol total, além de não modificarem o
sabor dos produtos.
A real avaliação da exposição às aminas biogênicas
seria possível apenas por meio de estudos de hábitos
alimentares, bem como sua absorção e metabolização
pelo organismo.
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10
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DOI: 10.4260/BJFT201114E000118
Validação de protocolo sensorial para avaliação de carne bovina
Validation of a sensory protocol for beef evaluation
Autores | Authors
Renata Tieko NASSU
Embrapa Pecuária Sudeste
Rod. Washington Luís, Km 234
Fazenda Canchim
Caixa Postal: 339, CEP: 13560-970
São Carlos/SP - Brasil
e-mail: [email protected]
Hirasilva BORBA
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Faculdade de Ciências Agrárias e
Veterinárias
e-mail: [email protected]
Marta Regina VERRUMABERNARDI
Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar)
Departamento de Tecnologia Agroindustrial
e Socioeconomia Rural
Centro de Ciências Agrárias
e-mail: [email protected]
Autor Correspondente | Corresponding Author
Publicado em: 08/06/2011
Resumo
O controle de qualidade da carne bovina, particularmente suas
características sensoriais, é importante para os produtores e comercializadores
para satisfazer as preferências do consumidor. A análise sensorial é uma
ferramenta importante para avaliar atributos que nem sempre podem ser medidos
objetivamente por meio de análises instrumentais facilmente disponíveis, tais como
aroma e sabor, bem como textura – maciez e suculência – cuja percepção humana
é mais completa, por meio de painel de provadores. O objetivo deste estudo foi
avaliar a utilização de um protocolo para análise sensorial de carne bovina, em três
diferentes laboratórios. Foram analisadas seis amostras comerciais de diferentes
marcas de carne maturada e 14 amostras provenientes de animais cruzados
Bonsmara × Nelore (7) e Canchim × Nelore (7), maturadas durante 14 dias. As
amostras foram distribuídas para cada um dos laboratórios participantes, onde
sete a doze provadores foram treinados. Foi utilizada uma ficha com uma escala
não estruturada de nove centímetros com 14 atributos (cor marrom - CMAR;
presença de aponevroses - PNAP; grau de hidratação - GH; aroma característico
de carne bovina - ACCB; aroma de sangue-AS; sabor característico de carne
bovina - SCCB; gosto salgado - SS; sabor de fígado - SF; sabor de gordura
- SG; sabor metálico - SM; maciez - MZ; suculência - SL; fibrosidade - FBS e
textura de fígado - TF). Os dados foram analisados empregando-se análise de
variância e análise de componentes principais (ACP). Resultados demonstraram
que não houve interação entre as amostras e laboratórios, indicando que todos
responderam de maneira similar em relação às amostras, com exceção do atributo
PNAP, o que já era esperado pela falta de uniformidade presente normalmente em
carne. A ACP dos resultados de cada laboratório mostrou que as amostras foram
bem diferenciadas em todos eles. Conclui-se que, com treinamento adequado, é
possível utilizar um protocolo sensorial para avaliação da carne bovina.
Palavras-chave: Carne bovina; ADQ; Validação; Qualidade.
Braz. J. Food Technol., 6º SENSIBER, 19-21 de agosto de 2010, p. 152-160
DOI: 10.4260/BJFT201114E000118
Summary
Beef quality control, particularly its sensory characteristics, is an important
factor for producers and retailers in order to satisfy consumer’s choices. Sensory
analysis is an important tool to evaluate attributes that cannot be measured by
easily available instrumental techniques, as well as texture – tenderness and
juiciness – whose human perception is more complete, through trained panels.
The aim of this study was evaluate the use of a beef sensory analysis protocol
in three different laboratories. Six commercial samples of different brands of
aged beef and 14 samples from crossbred animals (Bonsmara × Nelore - 7 and
Canchim × Nelore - 7), aged during 14 days were analyzed. The samples were
distributed to each participant laboratory, where 7 to 12 panelists were trained.
A sheet containing a 9 cm non-structured scale with 14 attributes was used. The
attributes were brown colour (CMAR); aponevrosis (PNAP); hydration degree
(GH); characteristic beef aroma (SCCB); salty taste (SS); liver flavour (SF); fat
flavour (SG); metallic flavour (SM); tenderness (MZ); juiciness (SL); fibrosity (FBS)
and liver texture (SF). Obtained data was analyzed using analysis of variance
and principal component analysis (PCA). The results showed that there was no
interaction between samples and laboratories, indicating that all of them responded
in a similar manner in relation to the samples, except PNAP attribute, which was
expected as meat is very non-uniform normally. Samples were well differentiated
in all laboratories as it could be observed in PCA graphs. With proper training it
is possible to use a standard protocol for beef sensory analysis.
Key words: Beef; QDA; Validation; Quality.
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Validação de protocolo sensorial para avaliação de carne bovina
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1 Introdução
O Brasil apresenta um rebanho de gado bovino de
198 milhões de cabeças, com um número de abates de
22 milhões de animais, produzindo 9 milhões de toneladas
de equivalente-carcaça e é o maior exportador de
carne bovina do mundo (ABIEC, 2009), o que torna esta
atividade econômica uma das mais importantes do País.
O controle de qualidade da carne bovina, mais
particularmente suas características sensoriais (maciez,
sabor, suculência e cor) é importante para os produtores
e comercializadores para satisfazer as preferências do
consumidor. Múltiplos fatores estão envolvidos no controle
da qualidade sensorial da carne bovina, por isso, grandes
variações podem ser induzidas. Estudos têm mostrado
que a qualidade sensorial da carne depende não só de
fatores de produção tais como raça, genótipo, idade,
alimentação, peso ao abate, mas também de fatores
tecnológicos (condições de abate, tempo de maturação,
processo de cozimento) (BERNARD et al., 2007).
No caso da carne bovina, os atributos podem ser
divididos, naqueles intrínsecos (de qualidade sanitária
e nutritiva) e nos atrativos (de qualidade sensorial, de
apresentação e de preço do produto). Com o aumento
da competitividade do setor de carnes, a qualidade
sensorial tornou-se um atributo essencial para difusão
comercial da carne no âmbito nacional e internacional.
Dentre os atributos sensoriais mais valorizados pelo
consumidor, estão a maciez e o sabor, e também é
necessário destacar a aparência (cor) da carne, que é o
primeiro atributo sensorial com o qual o consumidor se
depara na hora da aquisição do produto. Os atributos
maciez e cor, geralmente podem ser medidos por meio de
análises instrumentais, tais como força de cisalhamento
em texturômetros e colorímetros, respectivamente. Apesar
dos valores de força de cisalhamento geralmente estarem
correlacionados com maciez da carne, outros atributos
como suculência e sabor não podem ser determinados
por outra técnica senão a análise sensorial. Por este
motivo, em estudos envolvendo melhoramento genético
que visam a melhoria da maciez da carne, bem como
experimentos que avaliam o efeito do manejo alimentar,
manejo pré e pós-abate, resfriamento, maturação e
congelamento, entre outros que envolvem qualidade da
carne, é importante realizar a análise sensorial por meio
de painel descritivo, para avaliar atributos que não podem
ser medidos instrumentalmente.
Alguns produtos possuem protocolos para
avaliação sensorial bem estabelecidos no caso do
café, enquanto há estudos de análise sensorial
intralaboratoriais e desenvolvimento de protocolos para
carne (DRANSFIELD et al., 1982; VOGES et al., 2007) e
queijos (DRAKE et al., 2001, 2005; NIELSEN et al., 1998;
RÉTIVEAU et al., 2005). Cross et al. (1978) e a American
Meat Science Association (AMSA, 1978) já estabelecem
alguns padrões para análise sensorial de carnes, porém
há necessidade de desenvolver e validar um protocolo
para carne bovina na língua portuguesa.
O objetivo deste trabalho foi elaborar e validar
um protocolo sensorial que poderá ser utilizado para a
seleção, treinamento e avaliação, que poderá identificar
propriedades de aparência, do sabor, do aroma e de
textura de carne bovina, possibilitando a padronização
das técnicas entre vários laboratórios que trabalham com
análise sensorial de carnes no Brasil.
2 Material e métodos
2.1 Elaboração do protocolo
O desenvolvimento da terminologia descritiva das
amostras foi realizado baseando-se no Método de Rede
proposto por Kelly (1995 apud MOSKOWITZ, 1983).
Os provadores avaliaram individualmente dois pares
de amostras de carne (filé mignon × lagarto e carne
maturada × não maturada), gerando termos descritivos.
Os termos levantados foram discutidos, como também
foram determinadas as referências para cada extremo da
escala para cada atributo. Em seguida, foi elaborada a
ficha de análise descritiva, com escalas não estruturadas
de 9 cm. Com a supervisão de um líder, os termos
individuais dos provadores foram discutidos, com o
objetivo de se obter um consenso com relação aos termos
levantados. Cada termo descritivo foi consensualmente
definido, junto de materiais de referências quantitativos
e qualitativos, os quais foram utilizados no treinamento
da equipe (Tabela 1).
O procedimento para avaliação para cada atributo
também foi definido (Tabela 2). Durante as sessões de
treinamento, os provadores avaliaram a intensidade de
cada descritor nas amostras, utilizando a ficha de análise
descritiva quantitativa consensualmente desenvolvida.
Referências e definições de cada termo descritivo
foram colocadas à disposição dos provadores durante
o treinamento. Para a seleção final dos provadores,
cada provador avaliou cada uma das amostras em três
repetições.
2.2 Validação do protocolo
Participaram da validação do protocolo três
laboratórios. Foram analisadas seis amostras comerciais
de diferentes marcas de carne maturada (B15, B21, BNP,
BOI, GOL e MAR) e 14 amostras provenientes de animais
cruzados Bonsmara × Nelore (BX) e Canchim × Nelore
(CX), sete de cada grupo genético, maturadas durante
14 dias, a 1-2 °C em câmara com temperatura controlada.
Foi utilizado o músculo longissimus lumborum (contrafilé)
em ambos os casos.
A s o p e r a ç õ e s d e a b a t e f o r a m re a l i z a d a s
em estabelecimento industrial. Após as etapas de
insensibilização, sangria, esfola e evisceração, as
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Tabela 1. Definições e referências para atributos levantados na análise descritiva quantitativa de carne bovina maturada.
Atributo
Definição
Extremos/Referências
Aparência
Cor marrom
Intensidade da cor marrom característica de
clara: bife de coxão duro embebido em água
carne bovina assada, variando do marrom
durante 4 h, assado a 75 ºC
(CMAR)
claro ao marrom escuro
escura: músculo assado a 75 ºC
Presença de nervos Presença de nervos (aponevroses) aparentes nenhuma: corte limpo de bife de contrafilé assado a
na carne bovina
75 ºC
(aponevroses)
(PNAP)
Grau de hidratação
(GH)
Aroma
Característico de
carne bovina
(ACCB)
Sangue
(AS)
Sabor
Característico de
carne bovina
(SCCB)
Salgado
(SS)
Fígado
(SF)
Gordura
(SG)
Metálico
(SM)
Textura
Maciez
(MZ)
Suculência
(SL)
Fibrosidade
(FBS)
Fígado
(TF)
Liberação de líquido variando de aparência
seca a uma quantidade visível de líquido
separada da carne
muita: músculo assado a 75 ºC, apresentando os
nervos/aponevroses bem visíveis
seco: bife de contrafilé bem passado, a 75 °C
úmido: filé mignon mal passado, assado a 65 ºC
Intensidade de aroma característico de carne
bovina assada
suave: bife de coxão duro embebido em água
durante 4 h, assado a 75 ºC
Intensidade de aroma de sangue
forte: bife de coxão duro assado a 75 °C
nenhum: nada
muito: filé mignon mal passado, assado a 65 ºC
Intensidade de sabor característico de carne
assada
Gosto conferido pela presença de sal na
amostra
Sabor de fígado percebido ao se mastigar a
amostra
Sabor de gordura percebido ao comprimir a
amostra na boca/ao se mastigar a amostra
suave: bife de coxão duro embebido em água
durante 4 h, assado a 75 ºC
forte: bife de coxão duro assado a 75 °C
nenhum: nada
muito: contrafilé embebido em solução 5 g.L-1 de
cloreto de sódio durante 2 h
nenhum: nada
muito: fígado assado durante 10 min em forno a
180 ºC
nenhum: nada
muito: cupim de churrascaria assado
Sabor de metal/ferro percebido ao se mastigar nenhum: nada
a amostra
muito: contrafilé embebido em solução 1 g.L-1 de
sulfato ferroso durante 2 h
Propriedade de textura que oferece pouca
resistência à mastigação, variando de duro
até macio
Umidade dada pela presença de sucos na
carne
Percepção deixada por presença de resíduos
de fibras nos dentes
dura: músculo assado a 75 ºC
macia: filé mignon assado a 75 ºC
pouca: contrafilé bem passado, assado a 80 ºC
muita: filé mignon mal passado a 65 ºC
nenhuma: fígado assado durante 10 min a 180 ºC,
que não possui fibras
muita: lagarto assado a 75 ºC
Percepção de textura característica do fígado, nenhuma: contrafilé assado a 75 ºC
como se estivesse desmanchando na boca,
muita: fígado assado durante 10 min a 180 ºC
devido à desintegração das fibras.
carcaças foram mantidas à temperatura ambiente
durante uma hora, antes do armazenamento em câmara
frigorífica a 2 °C por 24 h. Do músculo longissimus
lumborum da meia-carcaça esquerda, cortado entre a
12a e a 13a costelas, foram retirados bifes de 2,5 cm de
espessura para a análise sensorial. Esses bifes foram
transportados em caixas térmicas para o Laboratório
de Análise de Carnes da Embrapa Pecuária Sudeste
(São Carlos – SP) e submetidos à maturação, durante
14 dias, a 1-2 °C em câmara com temperatura controlada.
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Tabela 2. Procedimento de análise sensorial de carne maturada para os atributos levantados.
Atributo
Procedimento
Aparência
Cor marrom
Observar a parte interna da amostra e avaliar a intensidade da cor marrom
(CMAR)
Presença de nervos (aponevroses)
Observar a amostra e avaliar a presença de nervos ou aponevroses
(PNAP)
Grau de hidratação
Observar a amostra em relação à aparência seca ou úmida e à liberação de líquido
(GH)
Aroma
Característico de carne bovina
(ACCB)
Sangue
(AS)
Sabor
Característico de carne bovina
Cheirar a amostra durante a remoção do papel alumínio que a envolve
Cheirar a amostra durante a remoção do papel alumínio que a envolve
Sabor percebido ao se mastigar a amostra
(SCCB)
Salgado
Gosto percebido ao se mastigar a amostra
(SS)
Fígado
Sabor percebido ao se mastigar a amostra
(SF)
Gordura
Sabor percebido ao se mastigar a amostra
(SG)
Metálico
Sabor percebido ao se mastigar a amostra
(SM)
Textura
Maciez
(MZ)
Suculência
(SL)
Fibrosidade
(FBS)
Fígado
(TF)
Resistência da amostra após as primeiras duas ou três mastigações com os dentes
molares
Impressão de umidade após as primeiras duas ou três mastigações com os dentes
molares
Impressão de presença de fibras após as primeiras duas ou três mastigações com
os dentes molares
Impressão da textura característica do fígado, como se estivesse desmanchando
na boca, após duas ou três mastigações com os dentes molares.
Todas as amostras foram distribuídas para cada um dos
laboratórios participantes, onde sete a doze provadores
foram treinados de acordo com o protocolo elaborado.
Cada grupo de provadores treinados de acordo
com as metodologias estudadas avaliou as amostras
obtidas em experimento controlado de maturação. As
amostras foram submetidas a assamento na forma
de bife em forno pré-aquecido a 170 °C até atingir a
temperatura de 70 °C no centro geométrico, controlado
por termopares, segundo recomendação da American
Meat Science Association (AMSA, 1978). A seguir, as
amostras foram cortadas em tamanho padrão (cubos
de 2 cm3), embaladas em folha alumínio e colocadas
dentro de béqueres cobertos em banho-maria a 60 °C.
Para a apresentação aos provadores, foram utilizados
recipientes codificados com número aleatório de três
dígitos. A ordem de apresentação das amostras, dentro
de cada sessão, foi balanceada entre os provadores com
o objetivo de minimizar o efeito da ordem de apresentação
nos julgamentos dos provadores. As amostras foram
servidas de forma monádica, acompanhadas de biscoito
tipo água e sal para remoção de sabor residual e água
para lavagem do palato. Os testes foram realizados em
cabines individuais, sob condições de temperatura e
iluminação controladas.
2.3 Análise estatística
Os resultados individuais de cada provador foram
estatisticamente analisados por análise de variância
(ANOVA), tendo-se como fontes de variação as amostras
e repetições. Aqueles que mostraram capacidade
discriminatória (p amostra ≤ 0,05), reprodutibilidade
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(prepetição ≥ 0,05) e consenso com a equipe sensorial para
a maior parte dos atributos avaliados, foram selecionados
para compor a equipe descritiva (DAMASIO e COSTELL,
1991). Os dados da Análise Descritiva Quantitativa foram
analisados por Análise de Variância (ANOVA) para duas
causas de variação (amostra e provador) e interação
amostra × provador, bem como foi aplicado o teste de
médias de Tukey e realização de Análise de Componentes
Principais (ACP). Todos os dados gerados neste estudo
foram analisados por meio dos pacotes estatísticos
XLSTAT (2007) e SAS (2003).
3 Resultados e discussão
Na Tabela 3, estão apresentados os valores de
Famostra, Fprovador e Famostra x provador, em cada laboratório. O
valor de F amostra significativo (p < 0,01) indica que foi
detectada diferença entre as amostras analisadas para
este atributo, em cada laboratório. Os atributos PNAP,
GH, SCCB, SS e SG foram avaliados diferentemente em
cada laboratório, isto é, pelo menos um dos laboratórios
encontrou diferença entre as amostras. Por outro lado,
foram encontradas diferenças significativas para os
atributos CMAR, MZ, SL e FBS em todos os laboratórios.
Atributos de aparência como PNAP e GH, bem como os
de sabor, apresentaram problemas, o que pode estar
relacionado à não uniformidade das amostras, devido
a diferenças nos equipamentos de cozimento, mesmo
que seja utilizada a mesma temperatura no caso dos
primeiros, bem como os baixos valores atribuídos para
SS e SG pelas equipes.
Dransfield et al. (1982) também encontraram baixa
correlação entre os atributos de sabor e aroma entre os
laboratórios, enquanto maciez, um atributo de textura,
foi o de mais fácil entendimento nas equipes. O valor de
Fprovador significativo indica que houve diferença entre as
notas atribuídas pelos provadores, que estariam utilizando
diferentes partes da escala. Este fato não representa
problema, desde que não seja encontrada interação entre
amostra e provador (Famostra x provador significativo), o que foi
encontrado neste estudo, indicando que as equipes foram
treinadas adequadamente.
Na Tabela 4, são apresentados os valores de F
para o conjunto de dados obtidos nos três laboratórios.
Como no caso anterior, valor de Famostra significativo indica
diferenças entre as amostras para o referido atributo,
como foi o caso para os atributos CMAR, GH MZ, SL e
FBS.
Foram encontrados valores de Flaboratório significativo
para a maioria dos atributos, com exceção de SG e FBS,
indicando que a equipe de provadores dos laboratórios
estava utilizando a escala de modo diferente. Do mesmo
modo, não havendo interação entre amostra e laboratório,
este fato não representaria problema, indicando que as
equipes dos laboratórios estão avaliaram na mesma
direção as amostras, independente dos valores atribuídos,
que podem ser diferentes. É esperado que as equipes
treinadas não atribuam a mesma nota para as amostras.
Os valores médios das notas atribuídas são apresentados
na Figura 1. Apenas o atributo PNAP apresentou interação
entre amostra e laboratório, o que poderia ser esperado
devido à grande variação entre as amostras em relação a
este atributo, isto é, o atributo presença de aponevroses
não era uniforme.
A ACP dos resultados de cada laboratório (Figura 2)
mostrou que as amostras foram diferenciadas em todos
eles, apesar das médias apresentarem-se diferentes em
cada um deles (Figura 1). A porcentagem de explicação
Tabela 3. Resultados de Famostra, Fprovador e Famostra x provador nos três diferentes laboratórios, para cada atributo para carne bovina.
Famostra
CMAR
PNAP
GH
ACCB
AS
SCCB
SS
SF
SG
SM
MZ
SL
FBS
TF
Lab1
11,83***
1,42
2,75*
1,46
0,70
1,53
2,47*
0,69
2,54*
0,86
5,17***
4,12**
2,23*
1,83
Lab2
3,82*
3,72*
1,37
2,94*
0,64
2,20*
0,22
0,51
0,75
0,37
3,01*
2,38*
2,15*
1,28
Fprovador
Lab3
3,01*
0,82
2,28*
3,17*
1,38
1,01
0,41
0,48
0,66
0,67
1,52*
1,85*
1,90*
1,94
Lab1
2,48*
1,52
1,53
1,39
4,3***
5,87***
7,21***
6,58***
2,69*
16,73***
1,49
4,87***
1,94*
6,85***
Lab2
1,34
1,44
0,82
1,60
2,30*
0,86
2,90*
5,64***
2,14
0,51
1,90
0,78
2,52*
2,64*
Famostra x provador
Lab3
2,92*
7,34***
1,61
28,04***
10,59***
19,47***
13,40***
13,78***
13,80***
9,41***
2,31*
2,99*
16,60***
16,38***
Lab1
0,58
0,99
0,68
1,04
0,79
1,04
1,06
0,59
0,73
0,92
0,82
0,98
1,35
1,02
Lab2
1,75
0,67
0,56
1,47
0,73
0,96
0,34
0,71
0,40
0,35
0,84
0,90
0,51
1,00
Lab3
0,77
1,06
0,59
0,94
0,66
1,46
1,06
0,71
0,95
0,82
0,71
0,96
0,98
1,03
*p < 0.05; **p < 0.001; ***p < 0.0001; CMAR = cor marrom; PNAP = presença de aponevroses; GH = grau de hidratação; ACCB = aroma
característico de carne bovina; AS = aroma de sangue; SCCB = sabor característico de carne bovina; SS = gosto salgado; SF = sabor de fígado;
SG = sabor de gordura; SM = sabor metálico; MZ = maciez; SL = suculência; FBS = fibrosidade; TF = textura de fígado.
Braz. J. Food Technol., 6º SENSIBER, 19-21 de agosto de 2010, p. 152-160
157
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Validação de protocolo sensorial para avaliação de carne bovina
NASSU, R. T. et al.
Tabela 4. Resultados dos valores de Famostra, Flaboratório e Famostra x laboratório para cada atributo descritivo para carne bovina.
CMAR
PNAP
GH
ACCB
AS
SCCB
SS
SF
SG
SM
MZ
SL
FBS
TF
Famostra
Flaboratório
Famostra x laboratório
12,16***
1,01
3,08*
0,89
0,72
1,73
0,31
0,32
0,97
0,74
4,85***
3,92*
2,41*
0,86
10,68***
4,40*
28,71***
29,61***
12,04***
37,14***
13,58***
5,33*
0,42
4,56*
2,61
3,04*
1,02
9,15***
1,99
2,71**
1,84
1,74
0,74
0,83
0,75
0,26
1,10
0,24
1,70
1,08
0,71
0,74
*p < 0.05; **p < 0.001; ***p < 0.0001; CMAR = cor marrom; PNAP = presença de aponevroses; GH = grau de hidratação; ACCB = aroma
característico de carne bovina; AS = aroma de sangue; SCCB = sabor característico de carne bovina; SS = gosto salgado; SF = sabor de fígado;
SG = sabor de gordura; SM = sabor metálico; MZ = maciez; SL = suculência; FBS = fibrosidade; TF = textura de fígado.
Laboratório 1
TF
CMAR
9
a
PNAP
TF
7
FBS
GH
5
FBS
GH
5
SL
ACCB
1
–1
–1
MZ
AS
SM
MZ
SCCB
SG
PNAP
3
ACCB
1
CMAR
9
7
3
SL
b
Laboratório 2
AS
SM
SCCB
SG
SS
SF
SS
SF
c
Laboratório 3
TF
CMAR
9
PNAP
7
FBS
GH
5
3
SL
ACCB
1
–1
AS
MZ
B15
B21
BNP
BOI
BX
CX
GOL
MAR
SCCB
SM
SG
SF
SS
Figura 1. Gráfico aranha com as médias de cada atributo de amostras de carne bovina para cada laboratório. (CMAR = cor
marrom; PNAP = presença de aponevroses; GH = grau de hidratação; ACCB = aroma característico de carne bovina; AS = aroma
de sangue; SCCB = sabor característico de carne bovina; SS = gosto salgado; SF = sabor de fígado; SG = sabor de gordura;
SM = sabor metálico; MZ = maciez; SL = suculência; FBS = fibrosidade; TF = textura de fígado).
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Validação de protocolo sensorial para avaliação de carne bovina
NASSU, R. T. et al.
Biplot (F1 e F2: 65,43%) - Laboratório 1
3
2
F2 (25,28%)
SL
–1
FBS
BNP
GOL
–2
TF
B15
SCCB
B21
0
CX
SS
MAR
1
B21
b
BNP
2
PNAP
SF
SCCB
TF
AS
BOI
SM
CX
ACCB
CMAR
GH SG
SS
MZ
FBS
0
Biplot (F1 e F2: 57,25%) - Laboratório 2
3
BX
1
F2 (24,43%)
a
B15
bx
CMAR
SG
GH
PNAP
–1
–2
AS
SM
SF
ACCB
MZ
SL
BOI
–3
–3
MAR
GOL
–4
–4
–4
–3
–2
–1
0
1
2
3
4
–4
5
–3
–2
–1
F1 (41,00%)
0
1
2
3
4
5
F1 (31,97%)
Biplot (F1 e F2: 68,55%) - Laboratório 3
BOI
3
c
B21
F2 (26,87%)
2
1
MZ
SS
TF SF
CMAR
ACCB
SM
0
GH
BNP
–1
SL
BX
–2
SCCB
SG
MAR
AS
B15
FBS
PNAP
CX
GOL
–3
–4
–5
–4
–3
–2
–1
0
1
2
3
4
F1 (41,69%)
Figura 2. ACP dos dados sensoriais de carne bovina para cada laboratório (CMAR = cor marrom; PNAP = presença de aponevroses;
GH = grau de hidratação; ACCB = aroma característico de carne bovina; AS = aroma de sangue; SCCB = sabor característico de
carne bovina; SS = gosto salgado; SF = sabor de fígado; SG = sabor de gordura; SM = sabor metálico; MZ = maciez; SL = suculência;
FBS = fibrosidade; TF = textura de fígado).
das diferenças entre as amostras, variou de 57 a 68%,
considerada satisfatória. Nenhum atributo se destacou
como diferenciador das amostras, observando-se o
tamanho dos vetores correspondentes.
4 Conclusão
Com treinamento adequado, é possível utilizar um
protocolo sensorial para avaliação da carne bovina em
estudos intralaboratoriais, porém devem ser consideradas
diferenças entre equipamentos e condições de análise
em cada localidade.
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Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 14, n. 4, p. 301-307, out./dez. 2011
DOI: 10.4260/BJFT2011140400036
Ficocianina, tocoferol e ácido ascórbico na
prevenção da oxidação lipídica em charque
Phycocyanin, tocopherol and ascorbic acid in
the prevention of lipid oxidation in jerked beef
Autores | Authors
Telma Elita BERTOLIN
Universidade de Passo Fundo (UPF)
Curso de Engenharia de Alimentos
Laboratório de Fermentações
Rod. BR 285, Km 171, Bairro São José
CEP: 99001-970
Passo Fundo/RS – Brasil
e-mail: [email protected]
Ana Claudia Freitas MARGARITES
Bruna GIACOMELLI
Andréia FRUETTI
Camila HORST
Débora Marli de Freitas TEIXEIRA
Universidade de Passo Fundo (UPF)
Engenharia de Alimentos
Passo Fundo/RS- Brasil
e-mail: [email protected]
[email protected]
[email protected]
[email protected]
[email protected]
Autor Correspondente | Corresponding Author
Recebido | Received: 22/06/2010
Aprovado | Approved: 04/08/2011
Publicado | Published: dez./2011
Resumo
Este estudo objetivou avaliar a prevenção da oxidação lipídica em charque
por meio do uso de substâncias antioxidantes naturais e do antioxidante sintético
butil hidroxitolueno (BHT). Utilizou-se bovino da raça Holandesa e o corte ponta
de agulha para a elaboração das peças de charque. Os tratamentos foram:
controle (sem adição de antioxidante), tocoferol (adição de 0,03%), ficocianina
(adição de 0,5%), BHT (adição de 0,01%), tocoferol e ácido ascórbico (adição de
0,03% de cada), sendo que cada tratamento foi composto por cinco mantas de
charque. Os percentuais de antioxidantes foram adicionados com base no teor
de lipídios da matéria-prima. Após o período de elaboração do charque, tempo
zero, as mantas foram armazenadas em temperatura ambiente de 25 °C por 60
dias. Amostras representativas foram retiradas para a análise da oxidação lipídica
por meio de índice de peróxidos (IP) e de índice de substâncias reativas ao ácido
2-tiobarbitúrico (TBARS). Os antioxidantes utilizados atenuaram a oxidação lipídica
do charque e, dentre os antioxidantes naturais testados, a ficocianina apresentou
a maior inibição da formação de peróxidos. O antioxidante α-tocoferol apresentou
melhor eficiência quando utilizado sinergicamente com o ácido ascórbico. Os
resultados de TBARS indicaram que o BHT apresentou maior inibição e, dentre
os naturais testados, a mistura de ácido ascórbico com tocoferol foi a mais
eficiente. A utilização de antioxidantes naturais pode se tornar uma alternativa
no retardamento da oxidação lipídica em charque e produtos similares.
Palavras-chave: Peroxidação lipídica; Carne seca; Rancidez oxidativa.
Summary
This study aimed to evaluate the prevention of lipid oxidation in jerked beef
through the use of natural antioxidant substances and the synthetic antioxidant
BHT. It was used spare ribs from Holstein cattle to elaborate the jerked beef pieces.
The treatments were: control (no addition of antioxidant), tocopherol (addition of
0.03%), phycocyanin (addition of 0.5%), BHT (addition of 0.01%), tocopherol and
ascorbic acid (addition of 0.03% of each one), and each treatment had five slabs
of jerked beef. The percentages of antioxidants added were according to the lipid
content of the raw material. After preparation, zero time, the slabs were stored for
60 days at room temperature, 25 °C. Representative samples were taken for the
analysis of lipid oxidation by way of the peroxide value (PV) and 2-thiobarbituric
acid reactive substances (TBARS). The antioxidants attenuated the lipid oxidation
of jerked beef and, among the natural antioxidants which were tested, phycocyanin
showed the highest inhibition of peroxide formation. The antioxidant α-tocopherol
presented a better efficiency when used synergistically with ascorbic acid. The
TBARS results indicated that BHT showed the highest inhibition and, among the
natural antioxidants tested, the mixture of ascorbic acid with tocopherol was more
efficient. The use of natural antioxidants may become an alternative in delaying
lipid oxidation in jerked beef and similar products.
Key words: Lipid peroxidation; Dried meat; Oxidative rancidity.
67
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Ficocianina, tocoferol e ácido ascórbico na prevenção da oxidação lipídica em charque
BERTOLIN, T. E. et al.
1 Introdução
O charque é o produto obtido por salga e
secagem de carne bovina desossada, sob condições
que permitam sua conservação à temperatura ambiente.
O objetivo é diminuir a atividade de água, inibindo o
desenvolvimento microbiano e diminuindo a velocidade
de reações indesejáveis no produto final. O charque foi,
provavelmente, o primeiro produto cárneo industrializado
no Brasil (PARDI et al., 1994; FACCO e GODOY, 2003).
As condições de processamento usadas na
produção do charque são responsáveis por promover
a oxidação lipídica, já que o sal, a desidratação e a
temperatura de secagem atuam como catalisadores
do processo de oxidação. A adição de sal aumenta
a atividade catalítica do ferro e reduz a atividade das
enzimas antioxidantes, e a remoção de água facilita
o acesso do oxigênio e aproxima os componentes
do alimento, facilitando as interações. As reações de
oxidação podem levar a sabor e odor desagradáveis,
tornando a oxidação lipídica em alimentos cárneos
um dos processos degradativos mais importantes
responsáveis pela perda de qualidade (TORRES et al.,
1989; ARAÚJO, 1995; MELO e GUERRA, 2002; FACCO e
GODOY, 2003; SOUZA et al., 2007; FACCO et al., 2009).
O uso de aditivos como antioxidantes na
indústria de alimentos é um importante recurso para
retardar as oxidações lipídicas em produtos cárneos.
Os antioxidantes não podem melhorar a qualidade de
oxidação já existente no produto, mas podem diminuir a
concentração de oxigênio, interceptar o oxigênio singlete,
decompor os produtos primários da oxidação para
espécies não radicais e quebrar cadeias para prevenir a
propagação da reação de captura do hidrogênio (MELO
e GUERRA, 2002; SHAHIDI e NACZK, 2004).
O interesse pelos antioxidantes naturais se deve
à tendência dos consumidores em rejeitar aditivos em
alimentos e à comprovação dos malefícios causados pelo
consumo de doses elevadas dos antioxidantes sintéticos
(DURAN e PADILLA, 1993; RIBEIRO e SERAVALLI, 2004;
FACCO et al., 2009). Além disso, a legislação brasileira
(BRASIL, 2008) não permite o uso de antioxidantes
sintéticos em charque, o que motiva o estudo da adição
de antioxidantes naturais nesse produto.
Dentre os antioxidantes classificados como
primários, o sintético butil hidroxitolueno (BHT) é um dos
mais utilizados na indústria de alimentos. A estrutura
fenólica desse composto permite a doação de um próton
a um radical livre, regenerando a molécula do acilglicerol
e interrompendo o mecanismo de oxidação por radicais
livres (RAMALHO e JORGE, 2006).
Os tocoferóis, compostos monofenólicos, estão
presentes de forma natural na maioria dos óleos vegetais.
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 14, n. 4, p. 301-307, out./dez. 2011
A atividade antioxidante desses compostos se deve
principalmente à capacidade de doar seus hidrogênios
fenólicos aos radicais livres lipídicos, interrompendo a
propagação em cadeia. O α-tocoferol é o composto que
apresenta maior poder antioxidante (MELO e GUERRA,
2002; RAMALHO e JORGE, 2006).
O ácido ascórbico, comumente conhecido
como vitamina C, é um antioxidante de uso largamente
difundido. Seu mecanismo antioxidante está associado à
remoção do oxigênio presente no meio através de reações
químicas estáveis, tornando-o indisponível para atuar
como propagador da autoxidação. Além disso, o ácido
ascórbico tem a capacidade de regenerar o α-tocoferol
(DUARTE-ALMEIDA et al., 2006; CERQUEIRA et al., 2007).
A ficocianina e a aloficocianina são pigmentos
encontrados nos tilacoides de cianobactérias como a
Spirulina e são estudados em razão da capacidade de
reagir com substâncias reativas ao oxigênio geradas
durante o processo oxidativo. Em alimentos, a ficocianina
tem sido usada como corante azul e antioxidante
(CIFERRI, 1983; SAXENA et al., 1983; HENRIKSON, 1994;
ESTRADA et al., 2001; SOUZA et al., 2006).
O presente estudo objetivou avaliar a prevenção
da oxidação lipídica em charque, sem utilização de
embalagem a vácuo, armazenado em condição ambiente
(temperatura de 25 °C) e adicionado dos antioxidantes
naturais ficocianina, α-tocoferol ou α-tocoferol com ácido
ascórbico, e comparar a atividade antioxidante destes
com o antioxidante sintético BHT.
2 Material e Métodos
2.1 Matéria-prima
A matéria-prima utilizada para a elaboração do
charque foi o corte ponta de agulha de carne bovina,
raça Holandesa, fornecida pelo Centro de Extensão e
Pesquisas Agropecuárias da Universidade de Passo
Fundo – CEPAGRO/UPF.
A carne in natura utilizada para elaboração do
charque foi desossada e cortada em mantas com cerca
de 1 kg cada. Antes da salga, analisou-se o teor de lipídios
das mantas de forma individual, visto que essa análise foi
base para a quantidade utilizada dos antioxidantes. Os
lipídios foram quantificados de acordo com as Normas do
Instituto Adolfo Lutz (1985) em triplicata e as mantas de
carne apresentaram em média 3,33 ± 0,14% de lipídios,
correspondentes à gordura externa e intramuscular.
O BHT, o α-tocoferol e o ácido ascórbico foram
fornecidos pelo Laboratório Synth, Merck e Quimex,
respectivamente. A ficocianina foi extraída da microalga
Spirulina platensis, cedida pela Fundação Universidade
de Rio Grande.
302
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Ficocianina, tocoferol e ácido ascórbico na prevenção da oxidação lipídica em charque
BERTOLIN, T. E. et al.
2.2 Preparação do charque
A elaboração do charque seguiu os parâmetros
tecnológicos, como de umidade e de resíduo mineral fixo,
apresentados na legislação brasileira (BRASIL, 2008),
sendo o fluxograma do processo apresentado na Figura 1.
Os tratamentos foram: controle (sem adição de
antioxidante), tocoferol (adição de 0,03%), ficocianina
(adição de 0,5%), BHT (adição de 0,01%), tocoferol e
ácido ascórbico (adição de 0,03% de cada antioxidante).
As concentrações de adição dos antioxidantes BHT,
tocoferol e ácido ascórbico foram definidas de acordo
com o máximo permitido pela legislação brasileira
para óleos e gorduras (BRASIL, 1988). A Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) (BRASIL,
2010) recomenda a ingestão diária máxima de 1,6 g de
Spirulina platensis para uma pessoa adulta. A ficocianina
constitui 20% do total em massa seca dessa microalga.
Visto a inexistência de referências sobre a utilização de
ficocianina em produto cárneo do gênero, utilizou-se
0,5% do pigmento considerando o conteúdo lipídico da
carne. A base de cálculo indica que em um pedaço do
charque de 300 g, com 3,5% de lipídios, a quantidade
adicionada de ficocianina ficaria ainda muito abaixo da
recomendação máxima de ingestão diária da Spirulina.
durante o período de quatro dias. Na sequência,
realizou-se a retirada do excesso de sal via batimento
das peças e estas foram conduzidas para a secagem
em estufa com circulação de ar a 30 °C, até a obtenção
de 45% de umidade nas mantas de charque.
Ao término da elaboração do charque, as peças
foram armazenadas em local protegido por tela, sem
utilização de embalagem, sem presença de luz solar ou
artificial, e mantidas sob temperatura ambiente de 25 °C.
As condições de armazenamento empregadas foram
selecionadas para avaliar a atuação dos antioxidantes na
presença de agentes catalisadores da oxidação lipídica.
2.3 Análise química do charque
Foram elaboradas cinco peças de charque
para cada tratamento. A quantidade de antioxidante
adicionada foi calculada com base no teor de lipídios
da matéria-prima, ou seja, conforme o total de lipídios
encontrado em massa (g), foi adicionada a respectiva
porcentagem do antioxidante de cada tratamento. Cada
tratamento recebeu 7 kg de sal grosso, distribuído
de maneira uniforme entre as peças. A adição dos
antioxidantes foi realizada conforme descrito por Pardi
(1994) durante a salga.
A retirada das mantas da estufa foi considerada
como o tempo zero. A avaliação da oxidação lipídica do
charque foi realizada por amostragem representativa
das cinco mantas de charque elaboradas para cada
tratamento. As análises realizadas foram a determinação
do índice de peróxidos (IP), de acordo com o método
descrito pelas Normas do Instituto Adolfo Lutz (1985), e
do índice de substâncias reativas ao ácido 2-tiobarbitúrico
(TBARS), com base na metodologia de destilação
demonstrada por Tarladgis et al. (1960), com adaptações
segundo Araújo (1995). O índice de peróxidos foi
determinado nos tempos 0, 10, 20, 30, 40, 50 e 60 dias,
enquanto que TBARS foi realizado nos tempos 0, 15,
30, 45 e 60 dias. Optou-se por realizar as análises de
peróxidos e TBARS em tempos iguais para ambos (0, 30
e 60) e em tempos intermediários para TBARS, 15 e 45
dias, referentes aos tempos 10-20 e 40-50 dos peróxidos,
respectivamente. Esse procedimento foi adotado devido
ao fato de que a análise de TBARS verifica os produtos
secundários formados pela decomposição dos peróxidos.
Após a salga e a adição de antioxidantes, foram
realizados os tombamentos das peças de charque
2.4 Análise estatística
Para a avaliação da influência do tempo e do
antioxidante nos índices de peróxidos e TBARS, foram
realizados experimentos de blocos ao acaso, com três
repetições. As diferenças entre as médias foram avaliadas
pela análise de variância no nível de 5% de probabilidade
e realizou-se a comparação entre estas pelo Teste de
Tukey, com auxílio do software Statistica Versão 6.0.
3 Resultados e Discussão
3.1 Índice de peróxidos
A Tabela 1 apresenta os resultados de índice de
peróxidos do charque tratado com adição de diferentes
antioxidantes.
Figura 1. Fluxograma de elaboração do charque.
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 14, n. 4, p. 301-307, out./dez. 2011
Os diferentes tratamentos apresentaram curva
típica de formação de peróxidos, com início, propagação
e término. Esse comportamento é relatado por Araújo
303
69
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Ficocianina, tocoferol e ácido ascórbico na prevenção da oxidação lipídica em charque
BERTOLIN, T. E. et al.
Tabela 1. Valores de índice de peróxidos
armazenadas por 60 dias a 25 °C.
Tempo
Controle*
(dias)
0
33,86 ± 1,09bA
10
50,56 ± 2,50eB
20
74,68 ± 0,26eF
30
65,48 ± 0,08eE
40
58,08 ± 0,17eD
50
54,52 ± 0,26eC
60
53,30 ± 0,19eBC
(mEq/kg amostra) das peças de charque tratadas com diferentes antioxidantes e
Tocoferol*
0,00
35,04
51,28
58,17
56,00
53,41
48,59
±
±
±
±
±
±
±
0,00aA
0,07dB
0,12dD
0,09dG
0,63dF
0,05dE
0,44dC
Ficocianina*
0,00
25,47
37,02
40,31
38,09
36,90
34,47
±
±
±
±
±
±
±
0,00aA
0,66bB
0,40bD
0,03bF
0,16bE
0,03bD
0,03bC
BHT*
0,00
20,62
33,57
31,98
30,49
28,76
27,14
±
±
±
±
±
±
±
0,00aA
0,41aB
0,04aG
0,19aF
0,17aE
0,03aD
0,03aC
Tocoferol e
ácido ascórbico*
0,00 ± 0,00aA
29,09 ± 0,04cB
40,30 ± 0,05cE
43,40 ± 0,36cG
41,30 ± 0,32cF
38,79 ± 0,07cD
36,10 ± 0,06cC
*Resultados de média ± desvio padrão; letras minúsculas diferentes em uma mesma linha e letras maiúsculas diferentes em uma mesma coluna
correspondem à diferença significativa (p < 0,05) pelo Teste de Tukey.
(1995), o qual expõe que a posterior redução dos
peróxidos demonstra a degradação destes em produtos
secundários da oxidação, como aldeídos, cetonas e
álcoois. Os maiores valores (p < 0,05) foram atingidos
no tempo 20 dias para o tratamento controle e para o
tratamento com adição de BHT, e no tempo 30 dias para
os tratamentos com adição de antioxidantes naturais,
demonstrando que estes retardaram com maior eficiência
a formação de peróxidos no decorrer do armazenamento.
O tratamento controle apresentou maior índice
de peróxidos em todos os tempos analisados (p < 0,05)
(Tabela 1). No tempo zero, nota-se que a análise não
quantificou peróxidos nos tratamentos adicionados de
antioxidantes, mostrando a ação de atenuação da reação
de oxidação lipídica pelos antioxidantes utilizados na
fase de salga e secagem. Em estudo realizado por
Racanicci et al. (2000), avaliou-se o efeito da adição do
antioxidante BHT e do armazenamento sobre a qualidade
da farinha de carne e ossos. Nos tratamentos em que o
antioxidante foi adicionado no tempo zero e com 7 dias
de armazenamento, o índice de peróxidos manteve-se
zero até o final do experimento (70 dias). No entanto,
ao adicionar o BHT quando o processo de oxidação já
havia iniciado (14, 21 e 28 dias de armazenamento), o
antioxidante não proporcionou o efeito desejado. Esses
resultados estão de acordo com o presente estudo,
no qual se demonstra a necessidade de utilização de
antioxidantes antes de o processo de oxidação ser
iniciado.
Na atualidade, o charque industrial é embalado
a vácuo logo após o término do processo produtivo.
Contudo, a utilização desse tipo de embalagem em um
produto que já possui o processo de oxidação iniciado
(tratamento controle), torna a embalagem a vácuo um
tanto ineficiente em relação à prevenção da oxidação
lipídica. A redução do acesso do oxigênio em conjunto
com a ação de um antioxidante retardaria ainda mais o
processo oxidativo, melhorando a qualidade do produto
final e aumentado a sua vida de prateleira.
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 14, n. 4, p. 301-307, out./dez. 2011
O tratamento que utilizou o antioxidante BHT
apresentou o menor IP (p < 0,05) em todos os tempos
analisados, mostrando-se o mais eficiente dentre
os antioxidantes utilizados para inibir a formação
de peróxidos. A estrutura fenólica do BHT permite a
doação de um próton a um radical livre, interrompendo
o mecanismo de oxidação (BOBBIO e BOBBIO, 2001;
RAMALHO e JORGE, 2006).
A ficocianina, dentre os antioxidantes naturais,
mostrou a maior capacidade de inibição de peróxidos
(p < 0,05). De acordo com Estrada et al. (2001), a
ficocianina, quando colocada em contato com sistemas
formadores de radicais livres, tem capacidade de
sequestrar os radicais hidroxil, causando um efeito
inibitório da peroxidação lipídica.
O α-tocoferol foi o antioxidante natural que
apresentou menor capacidade de inibição de peróxidos
(p < 0,05). Porém, quando utilizado de maneira
sinérgica com o ácido ascórbico, apresentou eficiência
intermediária entre a ficocianina e o α-tocoferol. Os
sinergistas são substâncias com pouca ou nenhuma
atividade antioxidante, mas quando usados em uma
combinação adequada possuem maior atividade
antioxidante ou maior vida útil, e o efeito obtido no
controle da oxidação é maior, quando se utiliza a mistura
do que quando utilizados isoladamente (ARAÚJO, 1995;
RAMALHO e JORGE, 2006).
3.2 Índice de TBARS
Os peróxidos são produtos primários da oxidação
e, na sua decomposição, geram-se compostos de
natureza diversa, os quais são designados como produtos
secundários (SILVA et al., 1999). Um dos parâmetros
utilizados para avaliar a extensão da oxidação nessa fase
é o número de TBARS. No presente estudo, os valores de
IP entram em declínio no tempo de 20 e 30 dias e, nesse
mesmo período, se tem o aumento nos valores de TBARS.
A Tabela 2 apresenta os resultados de índice de
TBARS do charque tratado com adição de diferentes
antioxidantes.
304
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Ficocianina, tocoferol e ácido ascórbico na prevenção da oxidação lipídica em charque
BERTOLIN, T. E. et al.
Tabela 2. Valores de índice de TBARS (mg TBARS.kg–1 amostra) das peças de charque tratadas com diferentes antioxidantes e
armazenadas por 60 dias a 25 °C.
Tempo (dias)
Controle*
Tocoferol*
Ficocianina*
BHT*
Tocoferol e
ácido ascórbico*
0
7,11 ± 0,07b
6,97 ± 0,01b
6,08 ± 0,23a
6,91 ± 0,01b
6,96 ± 0,05b
d
c
a
c
15
7,06 ± 0,01
7,03 ± 0,01
6,25 ± 0,01
7,04 ± 0,01
7,00 ± 0,01b
d
b,c
a
c
30
8,78 ± 0,01
7,03 ± 0,00
6,29 ± 0,01
7,06 ± 0,01
7,03 ± 0,01b
e
c
d
a
45
18,90 ± 0,07
11,81 ± 0,01
12,07 ± 0,01
8,62 ± 0,01
10,20 ± 0,00b
d
c
c
a
60
21,37 ± 0,01
13,52 ± 0,01
13,65 ± 0,00
10,31 ± 0,27
11,86 ± 0,01b
*Resultados de média ± desvio padrão; letras diferentes em uma mesma linha correspondem à diferença significativa (p < 0,05) pelo Teste de Tukey.
O malonaldeído (MDA) é o principal produto
secundário que reage com o ácido 2-tiobarbitúrico (TBA).
Entretanto, o teste de TBARS não deve ser utilizado para
quantificar o MDA presente na amostra, mas sim para
avaliar a extensão da oxidação lipídica de forma geral,
pois outros componentes do alimento, como proteínas e
nitritos, também podem reagir com o TBA e interferir no
resultado da análise (ARAÚJO, 1995; SILVA et al., 1999).
Por este motivo, os valores de TBARS encontrados no
tempo zero podem não indicar os produtos secundários
formados a partir da decomposição dos peróxidos, já que
o início da degradação dos peróxidos foi entre os tempos
20 e 30 dias (Tabela 1).
embalagem a vácuo utilizada, os antioxidantes naturais
testados devem ser avaliados durante períodos mais
longos para verificar a eficiência destes na manutenção
das características do charque.
Na Tabela 2, verifica-se que, a partir do tempo
15 dias, o tratamento controle apresentou resultados de
TBARS estatisticamente maiores (p < 0,05) com relação
aos tratamentos com adição de antioxidante, o que
evidencia a maior oxidação lipídica naquele tratamento.
Como verificado no teste de IP, os tratamentos com
adição de antioxidantes apresentaram menor IP e, por
consequência, também apresentaram menor formação de
produtos secundários, quando comparados ao tratamento
controle.
Youssef et al. (2003) avaliaram o efeito da salga na
cor e no aroma de requentado durante o processamento
de charque e, da mesma forma que o presente estudo,
encontraram os maiores valores de TBARS no final da
estocagem do charque. Garcia et al. (2003) estudaram
a rancidez de carne de frango salgada, utilizando
tratamentos com e sem a utilização dos antioxidantes BHA
e BHT. Esses autores encontraram aumento significante
nos níveis de TBARS durante o processamento e a
estocagem das amostras sem adição de antioxidantes.
Nos tempos 15 e 30 dias, o tratamento ficocianina
apresentou os menores valores de TBARS (p < 0,05),
sendo seguido do tratamento tocoferol e ácido
ascórbico. A ficocianina apresenta um grande número
de insaturações, o que, de acordo com Gray (1978), está
diretamente relacionado ao potencial antioxidante, uma
vez que, quanto maior o número de insaturações, maior
será a atuação frente à oxidação. Já nos tempos 45 e 60
dias, os menores valores de TBARS foram encontrados
no tratamento BHT (p < 0,05), sendo que o tratamento
tocoferol e ácido ascórbico mostrou-se o mais eficiente
dentre os naturais para inibir a formação dos produtos
secundários da oxidação. Tais resultados indicam que a
adição de ficocianina e α-tocoferol com ácido ascórbico,
antioxidantes naturais, apresentaram inibição da oxidação
lipídica comparável com a do antioxidante sintético BHT,
favorecendo a possibilidade de utilização de substâncias
naturais no controle dessa reação indesejada.
De acordo com a legislação brasileira (BRASIL,
2008), o charque é considerado alterado se apresentar
odor e sabor desagradáveis ou se a gordura estiver
rançosa. Os resultados de peróxidos e de TBARS para o
charque controle evidenciam a maior facilidade de esse
tratamento desenvolver sabores e odores de ranço no
decorrer do armazenamento e confirmam que a utilização
de antioxidantes pode melhorar a qualidade sensorial e
aumentar a vida de prateleira do charque.
Considerando-se que a vida de prateleira do
charque pode chegar de 120 a 180 dias em razão da
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 14, n. 4, p. 301-307, out./dez. 2011
Nassu et al. (2003), avaliando a estabilidade
oxidativa de embutido fermentado tipo salame, observaram
valores de TBARS semelhantes aos do presente estudo.
Os valores encontrados no tempo zero foram em torno
de 7 a 14 mg malonaldeído.kg–1 amostra, chegando a
valores próximos a 17 mg malonaldeído.kg–1 amostra no
tempo 30 dias. Esses autores utilizaram extrato de alecrim
como antioxidante e encontraram os maiores índices de
oxidação no tratamento controle.
4 Conclusões
O uso dos antioxidantes naturais e sintético inibiu
a formação de peróxidos e também de substâncias
secundárias. Os antioxidantes naturais ficocianina e
α-tocoferol com ácido ascórbico, nas concentrações
utilizadas, evidenciaram uma capacidade de inibição
da oxidação lipídica semelhante ao do antioxidante
sintético BHT, o que favorece a possível substituição
de substâncias artificiais por substâncias naturais na
indústria de alimentos.
305
71
Pesquisas e Tecnologias
www.ital.sp.gov.br/bj
Ficocianina, tocoferol e ácido ascórbico na prevenção da oxidação lipídica em charque
BERTOLIN, T. E. et al.
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Aprova a revisão das Tabelas I, III, IV e V referente a Aditivos
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