Frazão CMFQ, Ramos VP, Lira ALBC Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES SUBMETIDOS A HEMODIÁLISE QUALITY OF LIFE OF PATIENTS UNDERGOING HEMODIALYSIS CALIDAD DE VIDA DE PACIENTES SOMETIDOS A HEMODIÁLISIS Cecília Maria Farias de Queiroz FrazãoI Vânia Pinheiro RamosII Ana Luisa Brandão de Carvalho LiraIII RESUMO: Estudo descritivo e exploratório, com o objetivo de investigar a qualidade de vida de pacientes diagnosticados com a doença renal crônica, em tratamento de hemodiálise, a partir do questionário SF-36. Participaram do estudo 33 pacientes renais crônicos em hemodiálise no Hospital Barão de Lucena, localizado em Recife, Pernambuco, em 2009. Observou-se que, em relação à qualidade de vida dos domínios do SF-36, as dimensões da vitalidade (53,18) e saúde mental (53,09) tiveram as médias mais altas. Por outro lado, capacidade funcional (33,78) e aspectos sociais (36,36) tiveram as mais baixas. Conclui-se que os pacientes entrevistados apresentaram baixa qualidade de vida, devido a sucessivas situações que comprometem o físico e o psicológico, com repercussões pessoais, familiares e sociais. Palavras-chave: Qualidade de vida; diálise renal; falência renal crônica; cuidados de enfermagem. ABSTRACT ABSTRACT:: Descriptive study, aiming at investigating the quality of life of patients diagnosed with chronic kidney disease on hemodialysis on the basis of the SF-36. The study included thirty-three patients with chronic renal failure at Hospital Barao de Lucena, located in Recife, Pernambuco, Brazil. The highest averages on the SF-36 domains were scored in the dimensions of vitality (53.18) and mental health (53.09). On the other hand, functional capacity (33.78) and social aspects (36.36) had the lowest averages. We conclude that the patients interviewed had low quality of life due to successive situations that compromise their physical and psychological spheres with personal, family, and social effects. Keywords: Quality of life; renal dialysis; chronic kidney failure; nursing care. RESUMEN: Estudio descriptivo y exploratorio, con el objetivo de investigar la calidad de vida de los pacientes diagnosticados con enfermedad renal crónica en hemodiálisis del SF-36. El estudio incluyó a 33 pacientes con insuficiencia renal crónica sometidos a hemodiálisis en el Hospital Barão de Lucena, ubicado en Recife, Pernambuco-Brasil. Se observó que con respecto a la calidad de vida de los dominios del SF-36, las dimensiones de la vitalidad (53,18) y salud mental (53,09) tuvieron las medias más altas. Por otro lado, capacidad funcional (33,78) y aspectos sociales (36,36) tuvieron las más bajas. Llegamos a la conclusión de que los pacientes entrevistados tenían baja calidad de vida debido a las sucesivas situaciones que ponen en peligro el físico y el psicológico, con repercusiones personales, familiares y sociales. Palabras clave: Calidad de vida; diálisis renal; falla renal crónica; cuidados de enfermería. INTRODUÇÃO A falência dos rins de forma progressiva e irre- versível é denominada de doença renal crônica – (DRC), uma afecção multicausal, tratável de várias maneiras, controlável, porém sem cura e com elevada taxa de morbidade e mortalidade. Atualmente, as modalidades para o tratamento da DRC são a hemodiálise, diálise peritoneal ambulatorial contínua, diálise peritoneal automatizada e transplante renal, que permitem a manutenção da vida desses pacientes. A escolha do método de tratamento deve ser de forma individualizada, contemplando os aspectos clínicos, psíquicos e socioeconômicos do paciente1. Entre as terapias de substituição da função renal, destaca-se a hemodiálise (HD). Antigamente, a HD tinha como objetivo apenas evitar a morte por hipervolemia ou hiperpotassemia. Nos dias atuais, além da reversão dos sintomas urêmicos, esse tratamento busca, em longo prazo, a redu- Especialista em Enfermagem em Nefrologia. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: [email protected] II Doutora em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento. Professora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected] III Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: [email protected] I Recebido em: 30.01.2011 18/08/2010 –– Aprovado Aprovado em: em: 08.09.2011 18/02/2011 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 out/dez; 19(4):577-82. • p.577 QV de pacientes submetidos a hemodiálise ção das complicações, a diminuição do risco de mortalidade, a melhoria da qualidade de vida (QV) e a reintegração social do paciente2. O paciente renal crônico em hemodiálise convive constantemente com a negação e as consequências da evolução da doença, além de um tratamento doloroso e com as limitações e alterações que repercutem na sua própria QV3. Qualidade de vida é um termo utilizado por várias vertentes, na área da saúde. O interesse pelo conceito se faz em paralelo com a mudança do perfil de morbimortalidade que indica o aumento da prevalência das doenças crônico-degenerativas, como a DRC. Para o Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (OMS)4, a QV é conceituada como a percepção da pessoa quanto à sua posição na vida, no contexto cultural e sistemas de valores nos quais ela vive, assim como quanto aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. O número de pacientes renais crônicos em tratamento dialítico, no Brasil, vem crescendo nos últimos anos, sendo considerada a nova epidemia do século XXI5. Assim, melhorar a QV e a sobrevida do paciente, bem como prevenir e diminuir as complicações da terapia de substituição da função renal têm sido preocupações constantes dos profissionais de saúde. Acredita-se que uma investigação da qualidade de vida nos pacientes diagnosticados com DRC em tratamento hemodialítico se faz necessário para subsidiar o direcionamento no planejamento da assistência de enfermagem, para que possa vir a proporcionar a essa clientela um estímulo em suas capacidades e a uma melhor adaptação ao novo estilo de vida. Destarte, o presente estudo tem como objetivo investigar a qualidade de vida de pacientes diagnosticados com a doença renal crônica, em tratamento de hemodiálise, a partir do questionário SF-36. REFERENCIAL TEÓRICO Os primeiros sinais e sintomas da DRC, muitas vezes, aparecem quando a função renal já está bastante reduzida. Seus fatores etiológicos envolvem doenças primárias do rim, doenças sistêmicas e hereditárias. As causas mais comuns da falência renal são: diabetes, glomerulonefrites, nefrosclerose hipertensiva, doença renovascular, rins policísticos, uropatias obstrutivas e malformações congênitas2. O diagnóstico da DRC é de competência exclusiva do nefrologista, que, na investigação clínica, avalia a alteração da micção, alterações do volume urinário, cor da urina, dor renal, edema, história pregressa e exame físico. Quando o diagnóstico é realizado precocemente, e com condutas terapêuticas apropriadas, os custos e o sofrimento dos pacientes são bastante reduzidos1. p.578 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 out/dez; 19(4):577-82. Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación O tratamento pode ser conservador da função, por meio de medicação e dieta, ou por meio de terapia renal substitutiva, que engloba a diálise peritoneal, a hemodiálise e o transplante renal. Tais métodos aliviam os sintomas da doença e preservam a vida do paciente, porém nenhum deles é curativo1,2. Hoje a modalidade dialítica amplia seus objetivos em busca não somente da reversão dos sintomas urêmicos, mas também da redução das complicações a longo prazo, da diminuição do risco de mortalidade, da melhoria da QV e da reintegração social do paciente. Atingidos esses objetivos, a próxima meta será a elevação da expectativa de vida para próximo daquela esperada para a população geral. Nessa direção, a diálise prescrita deixou de ser a mínima aceitável para ser a melhor que se consegue atingir, surgindo o termo adequação da diálise2. Os problemas de caráter psicológico mais comumente encontrados na população dialítica são: depressão, demência, distúrbios relacionados com drogas e álcool, ansiedade e distúrbios psicóticos coexistentes. A depressão é o problema psicológico mais importante, visto que pode progredir para o suicídio ou para interrupção da diálise, se não for reconhecida e tratada1. Os pacientes renais crônicos, geralmente, tornam-se desanimados e desesperados, e muitas vezes por essas razões, ou por falta de orientação, abandonam o tratamento ou negligenciam os cuidados que deveriam ter. Este comportamento não cooperativo, assim como as dificuldades relativas à ocupação e à reabilitação são preocupações constantes tanto para os pacientes e familiares, quanto para a equipe interdisciplinar. E é nesse cenário que se faz necessária a estimulação das suas capacidades, para que esses pacientes se adaptem de maneira positiva ao novo estilo de vida e assumam o controle do seu tratamento6. METODOLOGIA Trata-se de um estudo quantitativo, do tipo trans- versal e de caráter descritivo e exploratório, realizado na unidade de hemodiálise (HD) do Hospital Barão de Lucena (HBL), localizado em Recife, capital de Pernambuco. A população foi composta por pacientes maiores de 18 anos, portadores da DRC, em tratamento hemodialítico há mais de três meses, constituindo um total de 45 pacientes. Destes, sete se enquadravam nos critérios de exclusão, sendo três pessoas portadoras de doenças psiquiátricas, três com problemas psico-degenerativos e uma que estava impossibilitada de verbalizar suas opiniões. Ainda, cinco pacientes se recusaram a participar da pesquisa, restando 33 pacientes para a amostra. Para a coleta de dados, foi utilizado, no primeiro momento, um formulário contendo 12 perguntas fe- Recebido em: 18/08/2010 – Aprovado em: 18/02/2011 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación chadas sobre aspectos sociodemográficos, econômicos e clínicos do paciente, com o objetivo de caracterizar a amostra. No segundo, utilizou-se o formulário ShortForm Health Survey (SF36), na versão brasileira, que avalia a QV do indivíduo e consiste de oito domínios, a saber: capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Os escores dos itens desse questionário variam entre 0 e 100; os valores menores correspondem à qualidade de vida relacionada à saúde menos favorável, enquanto que os escores mais elevados refletem QV melhor7. A coleta foi iniciada na unidade de HD nos horários em que os pacientes estavam realizando o tratamento dialítico, nos meses de maio e junho de 2009. As respostas obtidas foram digitadas e armazenadas no Programa de Estatística Informatizada- EpiInfo versão 3.3.2. e também no Programa da Microsoft Office Excel 2007. Os dados foram tabulados, organizados em frequências relativas e absolutas, sendo apresentados em tabela e analisados à luz da literatura consultada. Em obediência à Resolução no 196/968, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que disciplina as pesquisas envolvendo seres humanos, esta pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Agamenon Magalhães (Processo no 505/2008). Para todos os participantes foi explicado o objetivo da pesquisa, assim como foram feitas a leitura do termo de consentimento e a solicitação da assinatura do entrevistado. RESULTADOS E DISCUSSÃO As variáveis de caracterização da amostra, como gênero, faixa etária, estado civil, escolaridade, número de pessoas que residem com o paciente, renda, religião e ocupação, são elucidadas a seguir. Verifica-se que, dos 33 pacientes pesquisados, 17(51,5%) eram do sexo feminino e 16(48, 5%) do masculino, conforme mostra a Tabela 1. A distribuição percentual de pacientes em diálise por sexo, no Brasil, em 2008, revelou que 57% eram do sexo masculino e 43% do feminino5. Neste estudo, a distribuição foi equivalente. A faixa etária prevalente estava acima de 60 anos (39,4%), seguida de 40-50 anos (30,3%), como revela a Tabela 1, retratando uma população de adultos e idosos. A idade média dos pacientes que desenvolvem a DRC é de 60 anos. Na terceira idade, os sinais e sintomas são rotineiramente inespecíficos, pois é comum apresentarem sintomas de outras enfermidades que podem mascarar os sintomas da DRC, retardando o diagnóstico e tratamento1. Em relação ao estado civil, 51,5% eram casados; 33,3%, solteiros; 9,1 %, viúvos; e 6,1%, divorciados, conRecebido em: 18/08/2010 – Aprovado em: 18/02/2011 Frazão CMFQ, Ramos VP, Lira ALBC TABELA 1 - Caracterização dos pacientes renais crônicos do programa de hemodiálise do Hospital Barão de Lucena. Recife, PE, 2009. (N=33) Variáveis Sexo Feminino Masculino Faixa e tária 18 - 28 anos 29 - 39 anos 40 - 50 anos 51 - 59 anos Acima de 60 anos Estado c ivil Casado Solteiro Viúvo Divorciado Anos de e studo 0 - 1 ano 2 - 8 anos 9 - 15 anos <=16 anos Mora s ozinho Sim Não Renda Até 1 salário mínimo (SM) 2 - 4 SM 5 - 10 SM Sem renda Tem r eligião Sim Não Trabalha Sim Não f % 17 16 51,5 48,5 4 1 10 5 13 12,1 3,0 30,3 15,2 39,4 17 11 3 2 51,5 33,3 9,1 6,1 7 20 4 2 21,2 60,6 12,1 6,1 4 29 12,1 87,9 20 11 1 1 60,6 33,3 3,0 3,0 28 5 84,8 15,2 2 31 6,1 93,9 forme apresenta a Tabela 1. Esses resultados vão ao encontro da literatura, pois, entre os pacientes submetidos à hemodiálise, há maior número de casados6,9. A respeito de anos de estudo, 60,6% da população estava enquadrada na categoria de 2 a 8 anos de estudo e 21,2% com nenhum ou apenas um ano de estudo, como mostra a Tabela 1. Os dados encontrados são concordantes com os da literatura, revelando que a maioria dos pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico possui apenas o 1° grau incompleto6,9. O nível de escolaridade é um fator primordial, pois reflete de modo direto a assimilação das informações recebidas. A baixa escolaridade desses pacientes torna a compreensão a respeito da sua doença difícil, acarretando uma pouca adesão ao tratamento. Assim, cabe aos profissionais adequar a linguagem nas ações de educação em saúde, para que estes doentes crônicos possam compreender e colaborar no tratamento da sua enfermidade. Em relação ao questionamento sobre se moravam sozinhos, 87,9% da amostra apresentaram como resposta não, conforme revela a Tabela 1. Morar com outras pessoas se torna vantajoso para os pacientes em hemodiálise, Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 out/dez; 19(4):577-82. • p.579 QV de pacientes submetidos a hemodiálise já que muitas vezes necessitam de ajuda nas suas atividades cotidianas, na hora das complicações e intercorrências, assim como na adesão ao tratamento9. Dos 33 entrevistados, 20 mencionaram receber apenas um salário mínimo como renda mensal, conforme visto na Tabela 1. Devido à baixa renda, outras dificuldades acabam sendo associadas, tais como a dificuldade no acesso ao serviço de saúde, à nutrição adequada, ao transporte, ao tratamento farmacológico e dialítico, favorecendo uma sobrevida indigna. Com referência à crença religiosa, 84,8% revelaram ter religião, como se evidencia na Tabela 1. Outro estudo revelou que 72% dos pacientes em HD entrevistados tinham alguma orientação religiosa10. Sabe-se que membros e participantes de crenças religiosas têm uma vida psicossocial mais saudável, pois essas pessoas ficam menos tempo sozinhas, diminuindo a ansiedade, tensão, agressividade9. Em relação à ocupação, 93,9% não trabalhavam no momento, como mostra a Tabela 1. Segundo a literatura, cerca de 2/3 dos pacientes em diálise não retornam para o emprego que exerciam antes do diagnóstico1. Sabe-se que, para realizar atividades funcionais, a condição física do cidadão é primordial, entretanto, está bastante comprometida nessa população. A não realização das atividades remuneradas gera conflitos psicológicos que interferem na evolução clínica dessas pessoas. Quanto à presença de outras enfermidades, observou-se que 69,7% da amostra possuíam hipertensão arterial sistêmica (HAS) e 27,3%, diabetes. A HAS e o rim interagem de forma íntima e complexa, podendo a primeira ser causa ou consequência de doença renal. Uma alteração na função renal quase sempre está associada à patogenia da hipertensão essencial (primária), enquanto que a insuficiência renal crônica é a causa mais comum de hipertensão arterial secundária11. O diabetes é uma das mais importantes causas de falência dos rins, com um número crescente de casos. Após aproximadamente 15 anos de diabetes, alguns pacientes começam a ter problemas renais. As primeiras manifestações são a perda de proteínas na urina (proteinúria), o aparecimento de pressão arterial alta e, mais tarde, o aumento da ureia e da creatinina do sangue2. A HAS e o Diabetes Mellitus são doenças silenciosas que o portador pode somente reconhecer através de algum dano proveniente das mesmas. Assim, o não monitoramento dessas doenças pode acelerar os danos aos rins, ocasionando a DRC. Em relação ao sítio para a realização da HD, a fístula artério-venosa (FAV) apresenta a maior pontuação (63,6%), em segundo, com 33,3%, o cateter duplo lúmen (CDL), e apenas um paciente apresentava prótese. p.580 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 out/dez; 19(4):577-82. Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación O uso de CDL como acesso para hemodiálise ao invés da FAV está associado à maior prevalência de comorbidades, mortalidade e taxa de hospitalizações12. Assim, um adequado acesso vascular para diálise define um melhor resultado terapêutico, a sobrevida e qualidade de vida do paciente. A respeito do tempo de hemodiálise, 39,4% dos pacientes realizavam o tratamento havia menos de um ano, já 60,6% realizavam o tratamento num período igual ou maior que 12 meses. Com o avançar do tempo de tratamento, a HD torna-se algo cotidiano e suportável para os pacientes, porém, o comprometimento dos aspectos emocionais e sociais é notório. Pacientes que a realizam há pouco tempo convivem com a sensação de desconforto, irritação e intolerância9. Assim, uma sobrevida longa em HD exige que o paciente possua não só uma boa reserva de saúde, como também uma compreensão, adaptação e participação no tratamento. As oito dimensões do questionário SF-36 tiveram as seguintes médias: capacidade funcional: 33,78; limitações por aspectos físicos: 37,12; dor: 42,36; estado geral de saúde: 44,27; vitalidade: 53,18; aspectos sociais: 36,36; limitações por aspectos emocionais: 48,48; e saúde mental: 53,09. Nesse contexto, percebe-se que as dimensões vitalidade e saúde mental tiveram as médias mais altas e as dimensões capacidade funcional e aspectos sociais tiveram as mais baixas. O menor valor médio perante a literatura é o do componente saúde física, que enquadra as dimensões: capacidade funcional, limitações por aspectos físicos, dor e estado geral de saúde; já a melhor pontuação é representada pelo componente saúde mental, que engloba as dimensões: vitalidade, aspectos sociais, limitações por aspectos emocionais e saúde mental12. Percebe-se semelhança nos dados encontrados na presente pesquisa, porém, vale ressaltar que as menores médias foram do componente saúde física, excetuando-se o domínio aspecto social. A capacidade funcional é avaliada através das atividades diárias, tais como tomar banho, vestir, levantar objetos, varrer a casa e subir escadas. Fato é que esta dimensão estava bastante comprometida entre os pacientes pesquisados. Vale ressaltar que a população do presente estudo era composta em sua maioria de idosos, e que, com o avançar da idade, as atividades do cotidiano se tornam cada vez mais difíceis de serem realizadas. Além disso, após a sessão de HD, os pacientes apresentam maiores incidências de prostração, incapacitandoos para atividades que exigem esforço físico. Nos pacientes com DRC, a capacidade funcional pode ser subjetivamente classificada como precária em relação aos demais cidadãos, pois existem fatores que ocasionam o baixo condicionamento físico, como anemia, cardiopatia, hipertensão, neuropatia urêmica, faRecebido em: 18/08/2010 – Aprovado em: 18/02/2011 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación diga, depressão e dores nos membros inferiores, tão presente nesses pacientes13. A diminuição da flexibilidade em pessoas com DRC está associada aos sintomas predominantes dessa doença, a saber: dor óssea, desconforto nas articulações e calcificação com depósito de cálcio periarticular, que leva à inflamação aguda da articulação, causando dores ou rigidez14. O domínio limitações por aspectos físicos é avaliado por questionamentos a respeito do desempenho das atividades cotidianas e de trabalho. Com o avançar do tratamento dialítico, as atividades regulares e o trabalho sofrem uma diminuição de tempo como consequência da saúde física comprometida15. O tratamento hemodialítico provoca um cotidiano monótono e restrito, favorecendo o sedentarismo e a deficiência funcional, fatores que podem refletir na QV9. Assim, grande parte dos indivíduos que realizam HD apresentam baixos níveis de aptidão física consequentemente à sua capacidade funcional, apresentando uma grande redução na resistência aeróbia, na força muscular e mobilidade. A dimensão dor é avaliada através da sua presença nas últimas quatro semanas, além da sua interferência no trabalho. Pessoas com a DRC geralmente apresentam sinais e sintomas de deterioração músculo-esquelética que pode ser fator desencadeante da dor. A sintomatologia da dor é capaz de causar limitações funcionais, tornando a execução de atividades cotidianas cada vez mais complicadas9. O componente estado geral de saúde é avaliado através da percepção do indivíduo em relação à sua própria saúde no presente, comparando-a com os demais e o futuro da sua saúde. Nos pacientes em hemodiálise, o comprometimento do estado geral torna-se visível através dos sinais e sintomas evidenciados externamente. Os tratamentos dialíticos são capazes de adaptar os rins de modo extremamente eficiente, mantendo a homeostase praticamente até os estádios terminais do processo da DRC. Contudo, esta adaptação do rim gera um desequilíbrio ou disfunção que, em longo prazo, contribui para debilitar o estado geral de saúde do indivíduo, comprometendo sua QV2. O domínio vitalidade obteve a maior média neste estudo, sendo avaliado através de indagações em relação a sentimento, vigor, energia, esgotamento e cansaço. Pacientes em HD são submetidos a inúmeras pressões psicológicas e limitações; podem-se destacar: a dependência e restrições impostas pelo tratamento, o medo da morte, as complicações físicas da doença e as mudanças da imagem corporal. A situação de dependência gera desgaste tanto para o paciente, quanto para os amigos e familiares. A ociosidade por parte do paciente causa sentimento de inutilidade e desvalorização16. Recebido em: 18/08/2010 – Aprovado em: 18/02/2011 Frazão CMFQ, Ramos VP, Lira ALBC Quando o renal crônico é informado de que possui uma doença incurável, muitas vezes toma a morte como iminente. Nesse contexto, confiar nos recursos que objetivam estabilizar a evolução da doença e viabilizar a sobrevida durante um período significativo torna-se uma realidade distante. Assim, muitos se sentem fragilizados em função da situação de dependência em que vivem16-19. Os pacientes são conscientes de que dependem do cuidado da equipe, da medicação e do bom funcionamento da máquina de hemodiálise. A dimensão aspectos sociais revela o reflexo da condição da saúde física ou problemas emocionais relativos às atividades sociais (como visitar amigos e parentes). Com o início do tratamento dialítico, a vida social dos pacientes se altera de tal forma que ficam limitados para viajar, reduzem as visitas aos amigos, vizinhos, além de se sentirem inválidos e muitas vezes sem assunto, a não ser falar de sua própria doença. Os relacionamentos interpessoal e intrapessoal são considerados vitais para o bem-estar espiritual e, por conseguinte, para a QV. No paciente renal crônico, uma nova realidade de vida repleta de limitações é imposta, pois o próprio tratamento produz incômodo e restrições, com a pessoa experimentando diferentes sentimentos e comportamentos devido às alterações na capacidade física, na autoestima e na imagem corporal, o que acaba interferindo diretamente nas relações consigo mesma, com os outros e com a vida9. A dimensão limitação por aspectos emocionais também pode alterar o desempenho das atividades cotidianas. Ao ser informado da condição de portador da DRC, e de que necessita de tratamento dialítico, mudanças acontecem na vida dessas pessoas e seus familiares. Muda-se radicalmente o cotidiano, pois agora há a obrigação da frequência aos centros de diálise, as restrições hídricas e alimentares, além das alterações na jornada de trabalho e na vida social. Assim, o paciente começa a conviver com as perdas que vão muito além da função renal, gerando uma instabilidade emocional. O novo estilo de vida a ser adotado pelo paciente submetido à hemodiálise acarreta alguns sentimentos, como medo, ansiedade, insegurança, culpa e raiva, o que pode trazer como consequência uma diminuição da autoestima e um comportamento de resistência em seguir o tratamento adequadamente, prejudicando o quadro clínico. O componente saúde mental é a dimensão que tem a maior média, demonstrando, assim, ser o que menos compromete a QV dos pacientes, fazendo concordância com outros estudos6,15,16,18,19. O domínio saúde mental foi avaliado através do questionamento sobre o nervosismo, a depressão, a tranquilidade, o abatimento e a felicidade presentes nas pessoas da amostra. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 out/dez; 19(4):577-82. • p.581 QV de pacientes submetidos a hemodiálise O ser humano que entra no processo do adoecer se vê diante de rupturas que comprometem a sua vida e seus projetos, acontecimentos que podem levá-lo à depressão e à angústia, pois se percebe à mercê do desconhecido. O portador de DRC em tratamento dialítico se reconhece dependente de máquinas, intervenções cirúrgicas, medicamentos e dietas que não podem assegurar-lhe a cura nem o retorno da sua saúde. O avançar da doença cronifica também as condições do paciente, que sofre uma série de perdas, conduzindo-o a um esfacelamento de sua vida física, orgânica e social17. CONCLUSÃO O estudo permitiu caracterizar os pacientes re- nais crônicos em hemodiálise, segundo as variáveis sociodemográficas e clínicas. O questionário SF-36 foi de fácil aplicação e permitiu concluir que a qualidade de vida da população estudada era insatisfatória. A DRC e o tratamento hemodialítico interferiram diretamente na percepção do indivíduo frente ao suporte social recebido, à sua QV, englobando as limitações físicas e as alterações na vida social. Levantar previamente os conhecimentos e as experiências do ser renal crônico facilita a compreensão das reais necessidades de aprendizagem desses pacientes e, também, a adoção da melhor estratégia e do mais adequado conteúdo para implementar intervenções de enfermagem eficazes. Assim, na procura da excelência da assistência de enfermagem ao paciente renal crônico em tratamento dialítico, é necessário que o enfermeiro tenha, além da fundamentação científica e de competência técnica, o conhecimento dos aspectos que levem em consideração os sentimentos e as necessidades individuais dessa clientela. Convém destacar como fator de limitação deste estudo o fato de ter sido realizada pesquisa transversal, já que estudos longitudinais seriam importantes na investigação sobre a contribuição dos diferentes domínios na qualidade de vida e/ou no estado de saúde do indivíduo ao longo do tempo. REFERÊNCIAS 1. Thomé FS, Gonçalves LFS, Manfro RC, Barros E. Doença renal crônica. In: Barros E, Manfro RC, Thomé FS, Goncalves LFS. Nefrologia: rotinas, diagnósticos e tratamento. 3a ed. Porto Alegre (RS): Artes Médicas Sul; 2006. p. 381-404. 2. Riella MC, Pecoits-Filho R. Insuficiência renal crônica: fisiopatologia da uremia. In: Riella MC. Princípios de p.582 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 out/dez; 19(4):577-82. Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 661-90. 3. Castro M, Caiuby AVS, Draibe SA, CEF. 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