Os paradigmas da cultura contemporânea: um estudo
bibliográfico sobre Miguel Reale no período de 1986 a 20061
Silvio Firmo do Nascimento – IPTAN
Doutor em Filosofia – Universidade Gama Filho/RJ
Fone: (32)3374-2063; 8456-8270
E-mail: [email protected]
Caio César de Carvalho
Bacharel em Direito – IPTAN
Fone: (32)9197-9146
E-mail: [email protected]
Roberto Rômulo Braga Tavares
Bacharelando em Direito – IPTAN
Fone: (32)8803-7549
E-mail: [email protected]
Maria Lúcia Neves de Moura Vale – IPTAN
Fone: 9943-8202
E-mail: [email protected]
Data de recepção: 03/05/2011
Data de aprovação: 20/05/2011
Resumo: O texto pretende apresentar os Paradigmas da Cultura
Contemporânea: um estudo bibliográfico sobre Miguel Reale no período de
1986 a 2006, conhecendo os princípios norteadores do comportamento político
e econômico, tendo como foco o Estado Democrático de Direito. A abordagem
seguirá a metodologia qualitativa de revisão literária, tendo como hipótese o
perigo da perda da identidade cultural nacional perante a globalização. Para
proteção dessa identidade será adotado como instrumento o Estado
Democrático de Direito. Obtivemos maior conscientização dos envolvidos na
Pesquisa de Iniciação Científica sobre a temática, mediante a produção de
conhecimentos e sua divulgação em relatórios, artigos científicos e
comunicação em eventos acadêmicos.
Palavras-chave: Miguel Reale – Paradigmas da Cultura Contemporânea –
Estado Democrático de Direito
1
Artigo é resultado de pesquisa de Iniciação Científica realizada em 2010 no Instituto de
Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves – São João del-Rei – MG – com o
fomento da FUNADESP e PAPEMIG.
Introdução
Veremos no texto que os paradigmas da cultura contemporânea no
contexto das Ciências Humanas, com marcas predominantes da Filosofia e do
Direito, são muito importantes para a pesquisa, constatando que a sociedade
atual se caracteriza prevalentemente pela diversidade cultural em constante
transformação por causa do processo de globalização efetivado nas últimas
décadas do século passado e início deste, fenômeno conhecido filosoficamente
como neoliberalismo.
Em particular, no Brasil, presenciamos a ocorrência da globalização,
notoriamente na política com o movimento das “Diretas-Já”, cujo desfecho se
deu com a Constituinte de 1985 e a Constituição Federal da República de
1988. Essa nova era histórica ficou-nos conhecida como Terceira República,
ocasionada pelo retorno dos civis ao poder político e pela superação do
Regime Militar (1964-1985), o qual trouxe no seu bojo a ideologia do
bolchevismo, isto é, da propaganda contra o comunismo. Na economia,
efetivou-se uma nova era conhecida pela privatização empresarial e pela
abertura do país aos produtos importados.
No conjunto dos pensadores brasileiros, escolhemos Miguel Reale
(1910-2006) por ser de suma importância para a cultura filosófica, política e
jurídica do Brasil. Nossa opção de estudo sobre Paradigmas da Cultura
Contemporânea, eleita entre as obras dele, deve-se ao fato de ser uma das
obras excelentes para o entendimento da civilização contemporânea.
Enfim, refletiremos sobre os paradigmas da cultura contemporânea,
levando o seu conceito, a classificação dos valores, a análise dos paradigmas
neoliberais atuais na política e na economia, terminando com a proposta de o
Estado Democrático de Direito ser o instrumento de proteção dos valores
essenciais da pessoa e da sociedade democrática diante da antinomia
liberalista e socialista.
1. Biografia de Miguel Reale (1910-2006)
Miguel Reale nasceu em São Bento do Sapucaí/SP (1910) e faleceu em
São Paulo/SP (2006). Filho do médico italiano Biagio Reale e de Felicidade da
Rosa Góis Chiaradia, ocupava a cadeira número 14 da Academia Brasileira de
Letras desde 16 de janeiro de 1925.
Foi filósofo, jurista, educador e poeta brasileiro, além de um dos líderes
do integralismo no Brasil. Foi um dos ideólogos da Ação Intregralista no Brasil.
1
É conhecido como formulador da Teoria Tridimensional do Direito2, em
que a tríade fato, valor e norma jurídica compõe o conceito de Direito. Autor de
obras famosas do pensamento filosófico-jurídico brasileiro, como: Filosofia do
Direito, Lições Preliminares do Direito, Teoria Tridimensional do Direito,
Experiência e Cultura e Paradigmas da Cultura Contemporânea etc.
2. Conceito, tipologia e caracterização de Paradigmas da Cultura
Contemporânea
A Idade Antiga era predominantemente ontológica; a Idade Média era
fundamentalmente teológica, a Idade Moderna foi decididamente gnosiológica
e a Idade Contemporânea nucleia-se pela ontognosiologia. Podemos dizer que
cresce na consciência de hoje o destaque axiológico, ou seja, há uma
massificação da pessoa humana e urge a retomada do valor supremo do ser
pessoal no mundo.
A cultura seria a experiência realizada pelo homem no plano filosófico,
antropológico, sociológico, político, jurídico etc., tanto como pessoa individual
ou social. Para Reale o significado de cultura transformou-se em paradigma. A
filosofia que trata do tema denomina-se culturalismo. A análise cultural gira em
torno das antinomias tradicionais, como encontramos entre o idealismo e o
realismo, o racionalismo e o empirismo. Podemos dizer que cultura equivale
1
A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi um partido político brasileiro, fundado em 7 de outubro de
1932, por Plínio Salgado, escritor modernista, jornalista e político. Plínio Salgado desenvolveu o que
viria a ser a AIB, com a SEP (Sociedade de Estudos Paulista), que foi um grupo de estudo sobre os
problemas gerais da nação. Os estudos da SEP resultariam na criação da AIB, em 1932. Esta firmou-se
como uma extensão do movimento constitucionalista. Assim como outros movimentos nacionalistas, o
Integralismo brasileiro é considerado um movimento da classe média. A AIB, assim como todos os
outros partidos políticos, foi extinta após a instauração do Estado Novo, efetivado em 10 de novembro de
1937 pelo presidente Getúlio Vargas (Wikipedia.org/wiki/Ação_Integralista_Brasileira. Acesso em 08 de
setembro de 2009).
2
A Teoria Tridimensional do Direito foi objeto de Pesquisa de Iniciação Científica realizada no Instituto
Presidente Tancredo de Almeida Neves – IPTAN – em 2009 sob a coordenação do Prof. Sílvio Firmo
do Nascimento. Dela resultou o artigo intitulado A importância da Teoria Tridimensional do Direito e
sua aplicabilidade nos Cursos de Direito: um estudo bibliográfico sobre Miguel Reale no período de
1986 a 2006, publicado na Revista Saberes Interdisciplinares, Ano II, n. 3, jan.-jul./2009, p. 95-126.
para Reale à civilização. Enquanto processo cultural o homem é dialético entre
a natureza e cultura. Os termos que compõem a cultura sempre se dialetizam,
fazendo da experiência a categoria fundante da história ou da cultura com o
nome de civilização.
Temos uma pluralidade cultural na sociedade contemporânea: pessoal,
social, religiosa, política, ética etc. Para o entendimento cultural, questionamos
a autonomia da axiologia como uma componente cultural da sociedade atual,
fazendo ponte entre Reale e Max Scheler (1874-1928) e Nicolai Hartmann
(1882-1950) por fazerem uma classificação dos valores culturais.
Enfim, paradigmas são princípios de comportamento teórico e prático. No
pensamento de Reale, os paradigmas contemporâneos têm a fisionomia da
solidariedade em superação aos da sociedade clássica predominantemente
individualista.
3. Classificação dos valores
A classificação axiológica obedece a uma estruturação da objética,
colocando os objetos nos níveis do ser e do deve-ser. No ser humano teremos
os objetos naturais e ideais, sendo que os naturais seriam físicos e psíquicos.
Os objetos culturais têm a abrangência de todos os valores, sendo ela
entendida como a cultura do “é enquanto deve-ser” (REALE, 1996, p. 14). A
cultura seria processo social e linguístico uno in acto, a um mesmo tempo, são
fatos naturais e culturais. Para Reale (1996) os paradigmas da cultura
contemporânea são:
3.1.
A vida humana no contexto cultural contemporâneo
A cultura desenvolveu-se no tempo através da historicidade humana. O
homem é visto na filosofia realiana como ser temporal. É um ser em processo
levando em conta o tempo (res gestae), o fazer (facere) e o acontecer (fiere).
O tempo caracteriza-se por seu conteúdo axiológico, ou seja, por sua
significação e por expressar-se mediante sinais de prevalência do sentido.
Enfim, o homem é visto como um ser natural, cultural e histórico (REALE, 1996,
p. 23). A transcendentalidade humana traz no seu bojo a co-implicação cultura
e história. Como o código genético é irrenunciável na estruturação da
personalidade humana, o espírito é o valor fundante da axiologia cultural
humana. Somos vocacionados à fidelidade e perseverança no cultivo dos
valores prevalecentes do “estado social de espírito”, da “consciência coletiva”,
da “consciência cultural”, do “espírito de povo” etc., como agentes da história.
Aí está o paradigma axiológico da vida humana.
3.2. A axiologia na cultura contemporânea
Reale denomina, como já o fez em ontognosiologia em se tratando da
metafísica (ser) e da gnosiologia (conhecimento), a onto-axiologia o estudo dos
paradigmas culturais contemporâneos, tratando-se do ser e do conhecimento
dos valores ou princípios norteadores da cultura atual. O paradigma axiológico
nos permite a compreensão da história como produto da inteligência (intentio) e
da percepção (perceptio), do subjetivo e do objetivo numa díade incindível, o
que nos previne contra o perigo de tratar a ciência histórica e filosófica ao
modelo das ciências naturais ou das ciências espirituais.
A história seria o homem, seu conhecimento compartilhado da
integralidade de suas manifestações, acumulado nas diversas “civilizações”
quantas comportar a emergência da cultura (REALE, 1996, p. 31). Graças à
onto-axiologia do ser humano, a história não se reduz à mera sucessão de
fatos, de antíteses e antinomias; há uma unidade histórico-cultural do homem.
O homem é um ser onto-axiológico. Em síntese, temos o paradigma da
autonomia axiológica.
4. Paradigmas políticos neoliberais contemporâneos
É própria da ideologia liberal a preocupação com a liberdade humana,
tanto pessoal quanto social. Assim sendo, trata-se de redimensioná-la nas
dimensões política, social e jurídica. Propugnam três níveis fundamentais de
referência, e, com isso, três acepções de Estado.
São dois níveis fundamentais de acordo com três acepções de Estado:
a) O Estado mínimo: “o Estado é mero meio e não fim” (apud REALE, 1996, p.
112).
Segundo Reale (1996, p. 111), a primeira é formatada pelos
economistas Friedrich Hayek (1899-1992) e Robert Nozich (1938-2002). O
Estado em função da economia de mercado, reconhecendo ao Poder Público a
faculdade de intervir no mundo econômico apenas para atender as
necessidades de ordem vital, como as da educação, da saúde e da segurança,
que as conjunturas de cada nação não têm condições de resolver devido à livre
competição entre os agentes econômicos com base na lei de oferta e
demanda. Fundamentalmente, esse ideal de Estado mínimo resulta da visão do
Estado como “mal necessário”, paradoxalmente almejado por Karl Marx (18181983), destituído de qualquer fim próprio. “O Estado é um meio e não um fim”,
afirma J. C. Ataliba Nogueira (1901-1983 apud REALE, 1996, p. 112).
b) O liberalismo social:
É a filosofia de David Friedman (1945-2011 apud REALE, 1996, p. 112),
que propugna uma acepção anarquizante ou negativa de Estado, que
desapareceria dependendo do desenvolvimento do liberalismo, ao reconhecer
que a economia fique entregue ao mero e livre jogo dos interesses privados,
dando lugar a abusos e desequilíbrios, legitimando o papel positivo de o Estado
defender os direitos inalienáveis dos cidadãos, consagrados na Constituição
Federal de 1988: “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação dos mercados e ao aumento arbitrário
dos lucros” (REALE, 2002, p. 112).
É a recusa de ver o Estado como um “mal necessário”, ou apenas uma
atitude defensiva ou subsidiária da economia. Implica a atribuição ao Estado do
poder-dever de estabelecer normas que propiciem a liberdade de iniciativa
privada e justiça social, tendo como âncora o princípio da solidariedade.
Ninguém causa maior dano à sociedade que aquele que exclui o Estado do
processo concreto de liberdade – a um só tempo – jurídica, política e social. O
Estado deixa a mera atmosfera privada e passa a ter competência jurídica.
A ordem jurídica pressupõe a ordem justa. Encontramos situados nessa
segunda fase de acepção de Estado grandes pensadores como John Robson
(1824-1982) e Leonard Hobhouse (1864-1929), os quais entendem que a
liberdade, além de jurídica e política, é social. Afirma Theodore M. Greene
(1867-1966) [apud REALE, 1996, p. 112]: “o verdadeiro liberal é, por natureza,
um reformador social, o paladino do humilde e o adversário de todos os altos
interesses dominantes e predatórios”. Nessa visão, os capitalistas são
benfeitores da sociedade, dependendo de ter um operariado organizado e
sindicalizado, pois sem isso poderiam também ser um atraso para o
desenvolvimento social.
c) O liberalismo social ou socialismo liberal:
Essa filosofia recusa-se a ver o Estado como um “mal necessário”, que
tenha a missão de apenas defender subsidiariamente a economia de mercado,
visualizada sob o prisma social, implicando no dever do Estado de instituir
normas de proteção e salvaguarda da economia solidária ou comunitária. Teria
o embasamento na economia solidária. Nesse sentido, causa maior dano à
sociedade quem exclui o Estado do processo concreto de liberdade: jurídica,
política e social.
A “social-democracia”, já antes da queda do Muro de Berlim,
amadureceu seu modo de pensar a liberdade, superando o socialismo e o
liberalismo puros, o que corresponde a uma atitude revisionista do marxismo,
aceitando as diversificações de cada país.
Após a Segunda Guerra Mundial, os adeptos da social-democracia
passaram a aceitar totalmente as instituições democráticas como valor político
final e superaram aos poucos as atitudes anticapitalistas. Hoje, a socialdemocracia se apresenta como uma forma de realização social do Estado de
Direito, com base na tese de que:
A economia de mercado não pode deixar de ter por fim o
alcance da maior igualdade social possível entre os indivíduos,
sendo lícito recorrer, quando necessário, a uma política
tributária socializadora, assim como a diversas ‘formas de
estatização’, visando a realizar a ‘socialização da riqueza’
(REALE, 1996, p. 115).
Em suma, trata-se da finalidade social da economia e fidelidade plena
aos princípios democráticos. O Estado teria função de regulamentador do
processo econômico com limites à intervenção estatal na economia e utilizador
de soluções estatizantes com frequência. Pode-se dizer que a socialdemocracia é como uma forma da realização do Estado Democrático de
Direito, com base na tese de que a economia de mercado tem por fim uma
melhor qualidade de vida difusa da sociedade. Ela procura a maior igualdade
social possível entre os cidadãos, recorrendo quando necessário a uma
tributação socializadora, como diversas formas de estatização, visando a
socializar a riqueza.
Essa tese é hoje tranquila entre os sócio-democratas que aceitam os
princípios do Estado Democrático de Direito, excluindo qualquer apelo a
processos revolucionários.
Entre o social-liberalismo e a democracia social há vários pontos de
coincidência, notoriamente a finalidade social da economia e a fidelidade plena
aos instrumentos democráticos. Por isso atribuem ao Estado o papel regulador
do processo econômico, o que os leva a não estabelecer limites à intervenção
estatal na economia, bem como lançar mão com frequência de soluções
estatizantes.
Para o sócio-liberal as soluções baseadas na livre iniciativa devem ter
caráter preferencial e prioritário, somente se admitindo a ação direta do Estado
quando os agentes econômicos se revelarem incapazes de assegurar a
“liberdade social”, ou seja, aquele mínimo de vida individual sem o qual as
liberdades jurídicas e política são meros simulacros. A figura do “Estado
empresário” só se põe para o sócio-liberal em última instância, após revelarem
insuficientes as estruturas internas do mercado.
Como vemos, ao contrário dos pensadores liberais clássicos ou dos
revisionistas marxistas, o sócio-liberal tem uma visão positiva do Estado em
referência ao necessário equilíbrio existente entre as três esferas jurídica,
política e social. Noutros termos, admitem a interferência do Estado na
economia, não negativamente, para reprimir abusos, mas, sobretudo
positivamente, para estabelecer normas gerais capazes de favorecer a
harmonia entre a “livre iniciativa” e a “defesa do consumidor”, dois dos
princípios consagrados na Constituição de 1988, Art. 170 e 174.
Segundo Reale, trata-se do processo político-social que aos poucos veio
determinando a confluência da ideia liberal com a democrática. A simbiose do
liberalismo com a democracia, que constitui a grande obra política da burguesia
ao longo do século XIX, adquiriu força, antes da emergência da corrente
socialista a partir do último quartel do século passado, mostrando que a
democracia dispensa adjetivos por ser essencialmente liberal.
Foram os teóricos da democracia, como Locke (1632-1704) e Hobbes
(1588-1679), que nos herdaram o pensamento político liberal. No entanto, a
maioria dos liberais herdou do pensamento pessimista de Hobbes a ideia do
Estado como “mal necessário”, tentando reduzir-lhe cada vez mais as suas
atribuições, em paradoxal contraste com o pensamento de Hobbes de um
Estado todo-poderoso, capaz de defrontar-se com o egoísmo e as ambições
inerentes ao ser humano.
Diante desse quadro pessimista, coloca-se o Estado Democrático de
Direito como um paradigma da sociedade atual, visto como uma “invariante
axiológica” por Reale. Trata-se do paradigma definitivo regulador da atividade
econômica, defendendo os direitos inalienáveis dos cidadãos, vistos como
pessoas humanas e como seres essencialmente sociais. Nesse paradigma
jurídico incorporam todas as modalidades de democracia definitivamente.
Enfim, somente com esses paradigmas culturais teremos a justiça social e o
bem comum realizados concretamente.
O papel positivo do Estado na economia torna-se mais necessário no
mundo contemporâneo, onde pernoita a cultura dos megagrupos econômicos
privados que se fazem e desfazem, com gigantescos recursos econômicos,
põem em risco os valores econômicos e financeiros dos mercados nacionais,
convertidos em campos de manobras dos mais imprevistos e suspeitos
investimentos indiretos sem nenhum vínculo com cada país.
Está na hora de não se pretender um Estado econômico isento, ficando
demonstrado que a alta participação do Estado na formação da renda
necessária ao bem-estar de todos, e, sobretudo das classes mais favorecidas é
graças a benefícios advindos da seguridade social, de subsídios e de fundos
de garantia e assistência.
Na difícil arte política tudo depende da sabedoria de reconhecer o que
deve ser distinto e conservado com seus valores próprios. Esse sentido de
medida deve nortear permanentemente as relações entre Estado e economia.
Assevera Reale (1996, p. 117):
O programa político do social-liberalismo visa a compor as
razões de igualdade como os imperativos da liberdade,
procurando sempre preservar a força criadora da livre
iniciativa, ao passo que a social-democracia pende mais para
o valor da igualdade, subordinando às exigências primordiais
desta as liberdades individuais, o que leva seus corifeus a, no
fundo, se manterem fiéis à crença nas virtudes da socialização
dos meios de produção como um instrumento normal de
atuação do Estado.
5. O Estado Democrático de Direito
Constata-se certo reducionismo na ideia de que o Estado democrático
só se dialetiza na economia, esquecendo-se do processo político-social que
aos poucos veio determinando a confluência da ideia liberal com a
democrática. Esse reducionismo, segundo Reale, seria um grave erro.
No Ocidente existe bom relacionamento entre a economia liberal e o
Estado Democrático de Direito, no qual é possível viver os princípios
constitucionais. A expressão mais nobre da democracia liberal foi o conceito de
Estado de Direito, constituído na forma da lei para agir sempre conforme ela o
exige. Essa formulação de Estado teve sua culminância no paradigma do
“direito público subjetivo” de George Jellinek (1851-1911apud REALE, 1996, p.
122). Esse paradigma dá a autonomia ao indivíduo perante a Administração
Pública em relação aos seus interesses pessoais. Segundo Reale, é uma
garantia permanente, configurada como “invariante axiológica” (REALE, 1996,
p. 122).
Esse paradigma jurídico foi incorporado definitivamente à cultura
democrática que se encontra em todos os países, um legado do liberalismo nas
suas diversas tonalidades desde o liberalismo clássico até o liberalismo social.
Reza a Constituição Federal (1988), art. 174: o papel do Estado “como agente
normativo e regulador da atividade econômica”, dotado de poderes soberanos
para atuar como árbitro entre os interesses individuais e empresariais em
conflito, mas realizando funções empresariais diretamente quando a segurança
nacional o exigir, ou seja, para o bem-estar coletivo, sempre na forma da lei
(art. 173).
A liberdade tem seu valor em sintonia com o valor social da igualdade
que o Estado de Direito em Estado Democrático de Direito, que a Constituição
de 1988 proclama em seu art. 1º, de claro sentido peculiar. Para que esse ideal
se torne realidade é preciso deixar de ser apenas promessa de liberdade, ao
mesmo tempo jurídica e social, para efetivamente se identificar com os anseios
mais profundos da nação.
Considerações finais
Após o percurso feito sobre a análise dos valores que compõem a ontoaxiologia realiana, fica-nos clarividente a necessidade da identidade e
preservação do Estado Democrático de Direito como garantia dos direitos
inalienáveis da pessoa humana perante a globalização. A autonomia da pessoa
humana e dos seus valores inalienáveis será possível tendo como segurança o
Estado Democrático de Direito, com base constitucional, o qual é o promotor da
sócio-democracia, dentro do princípio da legalidade, da solidariedade e do bem
comum. Daí a importância da harmonia dos poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário.
Entendemos que a obra de Miguel Reale Paradigmas da Cultura
Contemporânea nos traz o perfil da cultura liberal do século XX, desde a sua
origem no século anterior. Desenvolve considerações sobre o liberalismo como
ideologia global econômica e política, mas que ganhou diferentes conotações
dependendo da cultura de cada país, havendo certo eclipse da luminosidade
liberal entre as duas Grandes Guerras Mundiais e ressurgindo no último quartel
do século XX com a roupagem de neoliberalismo. Por sua vez, O Estado
Democrático de Direito e o Conflito de Ideologias justifica o princípio da
legalidade como norma segura de proteção do valor fundante da pessoa
humana e seus direitos inalienáveis, sobretudo pela harmonia dos três Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. Especialmente, no seu capítulo IV, cita a
Constituição Federal de 1988 com os chamados direitos sociais como a livre
iniciativa e o direito do consumidor.
Referências
REALE, Miguel. Paradigmas da cultura contemporânea. São Paulo: Saraiva,
1996.
REALE, Miguel. O Estado democrático de direito e o conflito de ideologias. São
Paulo: Saraiva, 1999.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed., São Paulo: Saraiva, 2002.
The paradigms of contemporary culture: a bibliographical study
about Miguel Reale in the period 1986-2006
Abstract: This text aims at presenting the Paradigms of Contemporary Culture:
a bibliographical study about Miguel Reale in the period 1986-2006, taking into
account guiding principles of the political and economic behavior and bringing
into focus the Democratic State of Law. Our approach follows the qualitative
methodology of literary review, and our hypothesis focuses on the danger of
losing cultural, national identity in the face of globalization. The democratic
State of Law will be adopted as an instrument in order to protect that identity. All
those who were involved in our undergraduate research have become more
conscious of the theme by means of the production of knowledge and its
publishing in reports, articles and presentation in academic events.
Keywords: Miguel Reale – Paradigms of contemporary culture – Democratic
State of Law
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