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Tema 2. O Direito como Ciência: estrutura e sentido do Direito.
Pablo Jiménez Serrano*
Conteúdo: 1. O conceito de ciência. 1.1. Classificação das ciências. 1.1.1. Ciências naturais e ciências sociais. 2.
Concepção científica do direito. 2.1. Realidade jurídica. 2.1.1. Concepção estruturalista do direito.
1. O conceito de ciência.
Conforme nos ensina Miguel Reale1, o termo ciência pode ser tomado em duas acepções distintas, a
saber:
a) como sistema de conhecimentos metodologicamente adquiridos e integrados em uma unidade
coerente, isto é, como conjunto de conhecimentos ordenados coerentemente segundo princípios ou;
b) como sistema de conhecimentos metodologicamente adquiridos e de validade universal, pela
verificação objetiva, inclusive experimental, da certeza de seus dados e resultados (conjunto de
conhecimentos dotados de certeza por se fundar em relações objetivas confirmadas por métodos de
verificação definida, suscetível de levar quantos o cultivam a conclusões ou resultados concordantes).
A ciência nos diz o que é, e não o que deveria ser.2
A ciência é, portanto, um saber parcial unificado, referente a um aspecto abstrato de outros
aspectos possíveis, como condição de observação e análise, nunca deixando de ser observação de fatos e de
relações entre fatos. Toda ciência depende, portanto, em seu ponto de partida, de certas afirmações, que se
aceitam como condição de validade de determinado sistema ou ordem de conhecimento. Noutra palavras
toda ciência implica um objeto próprio.3
Assim, quatro aspectos ou perspectivas justificam e diferenciam as ciências, a saber: a) sistema
teórico (terminologia e princípios próprio), b) objeto (realidade a ser estudada); c) métodos e; d) finalidades.
As ciências elaboram-se e desenvolvem-se a partir de certos pressupostos que os cientistas,
enquanto tais, não podem explicar. A mesma coisa se dá com o jurista. O juiz ou o advogado podem dizernos se uma relação jurídica está ou não de acordo com a lei (quid sit juris), isto é, sobre o que seja “de
direito” (quid sit jus), e “qual seja o critério universal mediante o qual se pode reconhecer em geral o justo e
o injusto”.4
1.1. Classificação das ciências.
Não existe uma única ciência, assim como tampouco existe uma única concepção (concepção
unitária) de ciência. As várias ciências conhecidas se apresentam com características diversas. Daí que
exista uma necessidade de classificá-las.
A Filosofia, assim, contribuiu para a classificação atual de ciências. Filósofos como Aristóteles (384322 a. C.), por exemplo, procuraram formular uma classificação. A classificação aristotélica apresentaria as
ciências como sendo: teóricas, práticas e poéticas, com base às três operações principais do ser humano
(pensar, agir, produzir). As ciências teóricas (por exemplo: a Matemática, a Filosofia) limitar-se-iam a
*
Doutor em Direito. Professor e pesquisador do Centro Universitário de Volta Redonda - UniFOA.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5. ed. Revista e aumentada. São Paulo: Saraiva 1969, p. 12 e 66.
2
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5. ed. Revista e aumentada. São Paulo: Saraiva 1969, p. 18.
3
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5. ed. Revista e aumentada. São Paulo: Saraiva 1969, p. 11 e 14.
4
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5. ed. Revista e aumentada. São Paulo: Saraiva 1969, p. 30.
1
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contemplar a verdade primeira. As ciências práticas, tais como a moral ou ética, a economia, a
política etc., determinariam as regras que devem dirigir nossos atos. As ciências poéticas indicariam os
meios a usar na produção de obras exteriores, tais eram a poética, a retórica e a dialética.
Outro filósofo, Bacon (1561-1626) realzaria o aspecto subjetivo ao efeito de formular uma
classificação. Assim, classificaria as ciências da seguinte maneira: a) ciências de memória (por exemplo: a
Histórica natural, a civil e a sagrada); b) ciências de imaginação (a poesia épica, dramática e alegórica); c)
ciências de razão (filosofia com seu tríplice objeto: Deus, homem, natureza). Vê-se que nesta classificação
não se demarcaria um limite entre as ciências e a religião e se apresentaria a razão como um fundamento
das ciências.
Augusto Comte (1798-1857) classificaria as ciências conforme a sua complexidade. Assim,
distinguiria seis tipos de ciências, a saber: a) matemática; b) astronomia; c) física; d) química; e) biologia; e
f) sociologia. Conforme esta classificação cada ciência teria seu próprio objeto, por exemplo:
a) As ciências matemáticas, teriam por objeto a quantidade, ora considerada abstrata e independentemente das
coisas, a saber, o número, a extensão e o movimento.
b) As ciências físico-químicas, estudariam a matéria inorgânica, suas leis e propriedades e compreenderiam: b1)
a física propriamente dita, que estuda as propriedades gerais da matéria e comuns a todos os corpos, tais como, o
“peso”, o “calor”, a “luz”, o “som”, a “eletricidade”, etc., derivando dela diversos ramos; b2) a química, que
estudaria a natureza e as propriedades especiais de cada corpo em particular: “oxigênio”, “cloro”, “enxofre”,
“ácido”, etc., sua composição, suas afinidades e propriedades.
c) As ciências naturais ou biológicas, ciências da vida, das leis e das diversas formas que afetam os seres vivos e
que compreenderiam: c1) a botânica, ciência da vida vegetal; c2) a zoologia, ciência da vida animal. Cada uma
dessas ciências principais compreende um certo número de ciências secundárias, entre outras: a anatomia
(vegetal ou animal), que descreve a forma e a estrutura dos membros e dos órgãos, a fisiologia (vegetal ou
animal), parte da biologia que investiga as funções orgânicas, processos e atividades vitais, como o crescimento,
a nutrição, a respiração, etc., a sistemática (animal ou vegetal), que se ocupa das classificações dos seres vivos,
isto é, descreve e classifica as espécies animais ou vegetais, etc.
d) As ciências morais, históricas, sociais e políticas, que têm por objeto o homem enquanto ser inteligente, livre
e social. Assim se destacam os seguintes três grupos: d1) ciências psicológicas, que estudam os fenômenos
gerais da natureza humana: pensamentos, sentimentos, volições, hábitos, etc., a fim de determinar suas leis; d2) a
lógica, que dirige a inteligência na investigação do verdadeiro; d3) a estética, que guia a imaginação superior na
apreciação e realização do belo; d4) a moral, que dirige a vontade na prática do bem; d5) as ciências históricas
estudam os acontecimentos que se dão na vida humana, assim como as causas e as leis que presidem a sua
aparição. Essas ciências compreendem não somente a história propriamente dita, mas também a geografia, a
cronologia, a arqueologia, etc.
e) As ciências sociais e políticas estudam a estrutura geral das sociedades humanas, as leis de seu funcionamento
normal e de seu desenvolvimento. Tais são o direito (jurisprudência), a economia, a política e várias outras
ciências muito complexas.
Fora desse marco, falou-se também da Metafísica como ciência do ser (ontologia), dos primeiros princípios e das
primeiras causas.
Até há pouco tempo, observa Mario Bunge 5, acreditava-se que a única aplicação prática da ciência era fornecer a
química e a física para as engenharias; a química e a bioquímica para as técnicas agropecuárias e de produção de
alimentos para a Medicina. Pensava-se sempre exclusivamente no uso que a técnica poderia fazer da Ciência Natural.
5
BUNGE, Mario. Ciência e desenvolvimento. São Paulo: Itatiaia, Universidade de São Paulo, 1989, p. 58.
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Quase nunca se pensava na necessidade de consultar o antropólogo, o sociólogo ou o cientista político. Assim, é
costume chamar de ciência só a Ciência Natural, deixando de lado totalmente a Ciência Social.
O próprio Bunge6 classificaria as ciências da seguinte maneira: a) ciência básica que se propõe unicamente ao
enriquecimento do conhecimento humano; b) ciência aplicada, conjunto de aplicações da ciência básica (também
chamada de pura). Para este importante autor, tanto a pesquisa básica como a aplicada, utilizam o método científico para
obter novos conhecimentos (dados, hipóteses, teorias, técnicas de cálculo ou de medição). Porém, enquanto o
pesquisador de ciência básica trabalha com problemas que interessam só a ele (por motivos cognoscitivos), o
pesquisador de ciência aplicada estuda os problemas de possível interesse social. O estudioso da ciência aplicada, afirma
o autor, utiliza (geralmente, sem questionar) os resultados da pesquisa básica e busca novos conhecimentos com vista a
suas possíveis aplicações práticas, mesmo que ele próprio não vá iniciar nenhuma pesquisa técnica.
Autores como William J. Goode e Paul K. Hatt7 formulariam uma classificação similar, considerando-se que,
certamente, existem as ciências puras e aplicadas. As formais ou puras, cujo objeto é ideal e onde geralmente o método
mais usado seria a dedução. As factuais ou aplicadas, cujo objeto é material e seu método geralmente é a observação e a
experimentação e, em segundo lugar, também a indução.
Outros porém, explicando o valor do estudo da metodologia, classificam as ciências da seguinte maneira: a)
ciências naturais e exatas; b) ciências humanas. As ciências humanas, não podem ser vistas como um bloco indivisível.
Dentro delas, destacam-se as ciências sociais, cuja visão metodológica vê seu objeto socialmente condicionado, isto é,
ele se torna incompreensível se estudado fora do contexto social. Dentro das ciências sociais, algumas são aplicadas,
como Direito, Administração, Serviço Social. As ciências sociais clássicas incluem Sociologia, Economia, Psicologia,
Educação, Antropologia, Etnologia, História. Ainda haveria Letras e Lingüística, um grupo importante, embora menos
delineado dentro das ciências humanas. O grupo das Artes é formado pelo estudo de todas as manifestações artísticas,
como música, teatro, pintura, escultura, arquitetura, dança e literatura. Não menos relevante nas ciências humanas
encontra-se a Filosofia, muitas vezes vista como conhecimento excessivamente teórico, sem vínculo com a realidade.
Ainda, haveria outros ramos do saber que se encaixam nas ciências humanas, como Jornalismo, Planejamento Urbano,
Geografia.8
Resumindo, entre as diversas classificações das ciências atribuímos maior utilidade metodológica àquelas que
tem como base: a) o critério da abstração (ciências abstratas ou teórico-gerais): a matemática, a astronomia, a física, a
química, a biologia e a sociologia; e b) o critério da concreção (ciências concretas, particulares ou especiais): a
botânica, a zoologia, a geografia, a geologia, a economia e o direito.
É oportuno ressaltar que, independentemente da classificação à qual pertence, a fonte essencial das ciências são
as proposições que se regem pelas regras da metodologia e que cumprem os parâmetros das pesquisas. Em geral, a
teoria proposta que não seja resultado de um processo de pesquisa não é científica.
1.1.1. Ciências naturais e ciências sociais.
Nas classificações anteriores se observaram a distinção entre ciência humana e ciência da natureza e a separação
dos fenômenos naturais dos sociais. Isto faz com que se afirme uma diferença essencial entre os métodos de abordagem,
por meio dos quais se procura constatar, explicar e demonstrar a existência das ligações constantes entre fatos ou
compreender os fenômenos humanos.
A introdução do compreender trouxe para a ciência o discutido conceito de valor. As ciências humanas passaram
assim a ser explicativas e compreensivas à medida que se reconhece que o comportamento humano, não tendo apenas o
sentido que lhe damos, tem também o sentido que ele próprio se dá; exige um método próprio que faz repousar sua
validade na validade das valorações (individuais? sociais? ideais? históricas? que revela aquele sentido). Tais são as
valorações capazes de perceber o significado positivo ou negativo dos fatos num contexto. De acordo com Tércio
Sampaio, mesmo aceitando a dualidade básica entre ciência da natureza e ciência humana, não há, entre os que assim
6
Ibid., p. 26-30.
GOODE, William J.; HATT, Paul K. Métodos de investigación social. Op.cit., p. 43.
8
HENRIQUES Antonio; BOSCO Medeiros, João. Monografia no curso de Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.
19-20.
7
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pensam, um acordo sobe o próprio método compreensivo, havendo aqueles que o declaram eminentemente
valorativo (por exemplo, Myrdall, Miguel Reale), preferindo outros optar por uma “neutralidade axiológica” (Max
Weber).9
Há uma opinião, com a qual também concordamos, por meio da qual se afirma que a distinção das ciências em
naturais e humanas não se refere a uma classificação das ciências, mas tem raízes mais profundas. Não se trata de tipos
de ciências, mas de ciências diferentes no seu objeto e no seu método.10
A- Ciências naturais: o senso comum entende por ciência natural a ciência de todos os objetos correspondentes à
natureza exterior. Porém, hodiernamente a denominação se reserva para as ciências físico-químicas e biológicas.
Tais são a física, que como dissemos, estuda as leis e as propriedades gerais da matéria, isto é, peso, som, calor,
etc., e a química, que estuda as leis e as propriedades de cada espécie de matéria, ou seja, oxigênio, cloro,
enxofre, etc. Como visto, o objeto destas ciências é a matéria viva, suas estrutura e composição química, como as
reações múltiplas que nela se produzem, as leis, seu desenvolvimento, a natureza e a função de seus diversos
órgãos, os tipos que realiza.
B- As ciências morais e sociais: ciências que estudam o homem tal qual é as que estudam o homem tal como
deveria ser. As primeiras, se fazem derivar dos fatos, a fim de determinar-lhes as leis reais. As segundas, indicam
o que deve ser feito. Ao grupo da ciência de fatos, puramente teóricas e descritivas parecem pertencer: a) a
psicologia experimental, ciência dos fenômenos de consciência e de suas leis; b) a história, ciência dos
acontecimentos passados e das causas que os determinam; c) a sociologia, ou ciência social, que estuda a
estrutura geral das sociedades humanas, as condições do equilíbrio de suas instituições e as leis que presidem ao
seu desenvolvimento. Ao grupo das ciências ideais e diretivas se filiam: a) a moral propriamente dita, ou ciência
do bem; a lógica, ou ciência do verdadeiro, e a estética, ou ciência do belo; b) as ciências políticas que
determinam as leis gerais de qualquer sociedade.
Acerca do confronto entre tais ciências tem sido negado às ciências morais e sociais o caráter de ciência,
afirmando-se que os fenômenos que estudam são muito menos reais e especificamente distintos do objeto das outras
ciências e que as conclusões das ciências naturais, diferentemente das sociais, têm um caráter incontestável e uma
certeza.
2. Concepção científica do direito.
Reservamos para o Direito os quatro aspectos ou perspectivas mencionadas do tópico anterior
(item 1). Eis que o Direito tem um sistema teórico (conceitos e princípios), objeto, métodos e finalidades.
Isto nos autoriza definir o direito como um conjunto de teorias e práticas: como um conjunto de
conhecimentos ordenados derivado de estudos desenvolvidos metodologicamente, tendo como objeto uma
realidade específica, realidade jurídica.
Eis uma perspectiva metodológica que envolve uma definição do Direito que se sabe, não é
unívoca. Isto, porque, como já vimos, a definição histórica e contemporânea do Direito geralmente se faz
depender da postura adotada pelos doutrinadores que, como estudaremos nos próximos temas, se
empenham em identificar esta área do conhecimento humano com algumas das suas dimensões: normativa,
factual ou valorativa.
2.1. Realidade jurídica.
A Ciência do Direito tem por objeto o mesmo fenômeno histórico-social que outras ciências
sociais (a conduta humana), mas nem por isso a realidade jurídica se confunde com a realidade dessas
9
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas. 1980, p. 12.
Ibid., p. 10-11.
10
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outras ciências. Pois importa saber que dentro de aquela realidade o jurista se preocupa com o que
chama de fenômeno jurídico.
Conforme ensina Miguel Reale11, a preocupação do jurista é diversa, no entanto, não se confunde,
por exemplo, com a do historiador do Direito, nem tampouco com a do sociólogo. O jurista estuda a mesma
realidade sob aspecto normativo ou regulativo (finalidade). O sociólogo descreve e compreende o fato
social, mas o jurista tem a função de ver o fenômeno associativo sob o prisma de um dever jurídico, na
busca de seu sentido como conduta, pois a Jurisprudência é um dos estudos normativos ou regulativos da
convivência humana, uma disciplina de atos futuros, por ser uma ordenação de comportamentos sociais
segundo esquemas típicos exemplares, isto é, segundo modelos normativos. Nenhum sociólogo, ao voltar
sua atenção para o fenômeno do Direito, tem a preocupação de por normas ou de interpretar as que vigoram
em uma coletividade. O jurista, ao contrário, somente encontra plenitude, em sua visão de realidade social,
na medida e enquanto ela alberga regras, normas, preceitos, imperativos, o que tudo demonstra quanto deve
andar informado o jurista das investigações da História e da Sociologia, muito embora sem se subordinar
aos seus “campos de pesquisa”.
Vemos, aí como “a mesma realidade jurídica pode ser objeto de três ciências diversas, cada qual
surpreendendo na realidade social um aspecto ou um significado, segundo pontos de vista distintos e
distintas exigências metodológicas”. Afirma-se, pois, que o problema do método é correlato ao problema do
objeto.12
A respeito dessas exigências metodológicas distintas, recomendamos a leitura da obra de Norberto
Bobbio, na qual destaca três critérios independentes de valoração e, consequentemente, orienta três métodos
de investigação deferentes.13
Certamente, o jurista não se preocupa unicamente com a mera definição de um fato, nem com a
única valoração de uma conduta. A definição (significação e caracterização) de um fato ou fenômeno e a
valoração de uma conduta são premissas para a criação de uma ordem normativa.
Trata-se de uma inquirição integral dos pressupostos ônticos, ontológicos, valorativos e lógicos do
conhecimento e da realidade.14
Assim, num primeiro momento verificamos existir uma situação contrária aos interesses à
convivência social (perspectiva descritiva), num segundo momento valoramos a necessidade ou a
oportunidade de tutelar ou fato ou autorizar ou proibir para inibir uma conduta (perspectiva valorativa),
num terceiro momento regulamentamos, tutelamos o fato ou proibimos a conduta humana (perspectiva
normativa). É por isso que não é correto desvincular tais fatores ou dimensões. Vemos assim a necessidade
de estudar o Direito a partir de uma concepção estrutural e funcional.
2.1.1. Concepção estruturalista do direito.
Falamos agora em Estruturalismo Jurídico. A concepção ou significando das ciências jurídicas tem
como obstáculo ao emprego comum do termo “direito” com um sentido diverso: objetivo e subjetivo. Do
ponto de vista objetivo o direito representa um conjunto de regras ou normas jurídicas estabelecidas pelo
Estado para ordenar a vida em sociedade.
O direito, em sentido subjetivo, é considerado como a transportação de regras abstratas aos
direitos concretos de uma pessoa interessada.15
11
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5. ed. Revista e aumentada. São Paulo: Saraiva 1969, p. 68.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5. ed. Revista e aumentada. São Paulo: Saraiva 1969, p. 69.
13
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti.
Apresentação Alaôr Caffé Alves. Bauru, SP: EDIPRO, 2001, p. 45 - 52.
14
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5. ed. Revista e aumentada. São Paulo: Saraiva 1969, p. 77. [O autor
distingue entre pressupostos ônticos, e pressupostos ontológicos do conhecimento ou da realidade. Conforme explica,
ôntico se refere à Ontologia, estrito senso, enquanto que ontológico diz respeito à Ontologia, lato senso, ou Metafísica.
Pressupostos ontológicos são, pois, pressupostos metafísicos, que escapam ao ângulo de análise ontognoseológica, a
qual sempre se contém no âmbito da correlação sujeito – objeto].
12
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A divisão histórica do direito também tem sido elaborada em público e privado como resultado da
defesa dos interesses particulares (individuais) na frente dos direitos coletivos. Ao formular-se esta
distinção, historicamente se considerou ao cidadão como uma entidade isolada para o qual foram
proclamados certos direitos essenciais, inspirados na propriedade e no poder.
Assim, “o direito foi, primeiramente, existência imediata que concede a liberdade de um modo
também imediato nas seguintes formas:
a) A posse, que é a propriedade; aqui, a liberdade é, em geral, a da vontade abstrata, ou, em outras
palavras, a de uma pessoa particular que só está em relação consigo mesma;
b) A pessoa que se distingue a si se relaciona com outra pessoa, e ambas só como proprietárias
existem uma para a outra; por intermédio do contrato, a respectiva identidade, que existe em si,
adquire existência pela transferencia da propriedade de uma para a outra, com mútuo
consentimento e conservação do comum direito;
c) A vontade, enquanto está em relação consigo mesma, (a) diferenciada não porque distinta de
outra pessoa, mas (b) porque é em si mesma vontade particular que se opõe a si e, para si,
constitui a injustiça e o crime.
A divisão do direito, em direito real, pessoal e em processo, como também outras classificações
semelhantes, tem por fim dar uma ordem exterior ao amalgama de tal matéria inorganizada. Nesta diviso
existe, especialmente, urna mistura confusa dos direitos cujo pressuposto está nas realidades substanciais
(como o Estado e a família), com os direitos que apenas se referem simples personalidade abstrata. Tal
confusão se concentra na diviso kantiana dos direitos em reais, pessoais e reais pessoais. Evidenciar o que
há de errôneo e mal analisado nesta classificação, que constitui o fundamento do direito romano (o processo
é já aplicação e, por isso, no entra nessa classificação), nos levaria demasiado longe. Aqui já está
suficientemente esclarecido que só a personalidade confere o direito sobre as coisas e, portanto, o direito
pessoal é essencialmente um direito real; algo, entendido no sentido geral, como extrínseco minha
liberdade, no qual se pode incluir também meu corpo e minha vida. O direito real é o direito da
personalidade como tal”.16
Dentro de qualquer sistema jurídico os direitos o garantias legais são vinculadas aos aspetos
econômicos e políticos. Por outro lado, o bem-estar social e os direitos do homem em sociedade são só
alcançáveis se os interesses privados subordinam-se aos sociais. O direito privado é o chamado direito da
utilidade dos particulares, frente ao público, que realiza-se em atenção às utilidades gerais. Deste modo, as
formulações essenciais dos direitos do homem se incluem nos textos jurídicos clássicos e na expressão de
justiça: “arte de dar a cada um o direito que lhe pertence”.
Durante a evolução histórica do direito, as diferenças de classes marcaram um tipo de justiça para
os ricos e outro para os pobres, essa ‘justiça’ estabeleceu-se em normas que conformaram o ordenamento
jurídico das diferentes sociedades.
Como afirma Luis Diez Picazo, o interesse ou a utilidade se predica das normas, parece claro que
todas as normas jurídicas procuram buscar um interesse de tipo geral, sem prejuízo de que também possa
contemplar assuntos de interesses particular, pelos quais tenta-se achar um ponto de equilíbrio.17
Aqui se salienta uma boa carga política que influi na estrutura sócio-econômica. Deste modo, a
idéia de igualdade jurídica falha quando a pessoa fala de direitos privados; da mesma maneira, no campo do
15
RUDOLF Von Ihering. A luta pelo Direito. 16ª edição. Tradução de João Vasconcelos. Rio de Janeiro: Forense,
1996, p 3.
16
G. W. F. Hegel. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução Norberto de Paula Lima. São
Paulo: Ícone, 1997, p 71.
17
DIEZ-PECAZO, Luis y Antonio Gullón. Instituciones de Derecho Civil. Madrid: Tecnos, v.1, 1995, p. 40.
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Direito Trabalhista, por exemplo, e em outros ramos do direito, prevalece certo predomínio dos
poderes dos empresários e uma subordinação dos trabalhadores.
A expressão de igualdade jurídica sempre esconde situações claras de desigualdades, pois o
imperium da criação do Direito o obstenta sempre o órgão, classe ou grupo social que possui o poder
econômico e emitem as decisões políticas, por isso tudo sistema jurídico reconhece ditos interesses de
grupos, e da Constituição até o último instrumento jurídico é protegido e se defendem estes interesses.
Deste modo, “as forças social atuantes em um determinado momento ocuparão o poder para emanar normas
de acordo com seus interesses ou aspirações (...)”.18
É habitual que nas constituições modernas sejam incluídas formas solenes de valores e
convicções, como: a dignidade, os direitos individuais, o livre desenvolvimento da personalidade, os
direitos fundamentais e as liberdades públicas. Para o direito privado a autonomia privada tem um papel
decisivo porque é identificada com o poder de se governar, e de determinar livremente sua esfera de
desempenho.
A autonomia privada, como liberdade individual, reconhece a liberdade do homem em sua esfera
privada, deste modo as obrigações nascidas dos contratos entre particulares só têm força de lei entre as
partes contratantes, o que explica o caráter limitado e peculiar deste direito; para o qual os únicos limites
são: a lei, as moral e a ordem pública; com o qual se proíbe ou autoriza todo o que se deseja proibir ou
autorizar.
Diz-se da leitura interna do direito: visão estrutural do direito, isto é, sua composição (elementos
constitutivo) da ciência do direito. Conforme a nossa teoria, o Direito pode se visto como dividido em duas
partes:
1. Supra-estrutura jurídica (Ciência do Direito), conjunto de teorias: escolas e concepções
jurídicas.
2. Infra-estrutura jurídica (Objeto do Direito), conjunto de relações normativas, fatuais e
valorativas que determinam a ciência (conhecimento jurídico expresso em conceitos, denominações,
teorias) as concepções e posturas jurídicas.
Superestrutura Jurídica: Ciência do Direito
Teorias,
Doutrinas ou
Concepções
Infra-estrutura Jurídica: Objeto do Direito
Norma
Fato
Valor
Estruturas do Direito
18
Ibidem.
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Para melhor compreensão de tal divisão vejamos o seguinte diagrama:
Ciência do Direito
Norma
Fato
Valor
Desta forma a ciência do direito abraça as relações estabelecidas entre os três elementos
constitutivos que serão estudados nos próximos temas: 1- infra-estrutura normativa do Direito (Tema III);
2- infra-estrutura factual do Direito (Tema IV); 3- infra-estrutura valorativa do Direito (Tema V)
Questões:
1- Qual a relação entre a Filosofia e a chamada Ciência do Direito?
2- O Direito pode ser considerado uma Ciência?
Leitura recomendada:
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
Sudatti. Apresentação Alaôr Caffé Alves. Bauru, SP: EDIPRO, 2001.
BUNGE, Mario. Ciência e desenvolvimento. São Paulo: Itatiaia, Universidade de São Paulo, 1989.
DIEZ-PECAZO, Luis y Antonio Gullón. Instituciones de Derecho Civil. Madrid: Tecnos, v.1,
1995.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas. 1980.
G. W. F. Hegel. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução Norberto de Paula Lima. São Paulo:
Ícone, 1997.
GOODE, William J.; HATT, Paul K. Métodos de investigación social. Op.cit., p. 43.
HENRIQUES Antonio; BOSCO Medeiros, João. Monografia no curso de Direito. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1999.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5. ed. Revista e aumentada. São Paulo: Saraiva 1969.
RUDOLF Von Ihering. A luta pelo Direito. 16. ed. Tradução de João Vasconcelos. Rio de Janeiro:
Forense, 1996.
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