UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MARCELO GOMES DE OLIVEIRA A ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL CURITIBA 2012 MARCELO GOMES DE OLIVEIRA A ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof(a) Aline Guidalli Pilati CURITIBA 2012 TERMO DE APROVAÇÃO Marcelo Gomes de Oliveira A ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, _____ de___________ de 2012 ------------------------------------------------------Prof. Doutor Luis Eduardo Leite COMISSÃO EXAMINADORA ________________________________________ Professora Dra. Aline Guidalli Pillati - Orientadora Universidade ________________________________________ Professor: Universidade ________________________________________ Professor: Universidade Dedicatória... A grande professora da minha vida, minha esposa Vanderléia, que contribuiu com colocações reflexivas ao longo desta pesquisa. Agradeço também ao grande amigo, Doutor Maurício Ribeiro Scheaffer, uma pessoa predestinada ao direito, e que sempre me ajudou com muita sabedoria. AGRADECIMENTOS Quero agradecer, primeiramente, a minha amada esposa Vanderléia, pela dedicação ao longo dos nossos 18 anos de convivência, e principalmente nesses 05 anos de estudo, dos quais ela pode me acompanhar também em sala no primeiro ano de curso. Mas como tudo nessa vida tem um propósito maior, ela teve que interromper essa etapa da sua carreira para se dedicar ao nosso mais precioso tesouro, nossa filha Mariana. Assim, sinto-me orgulhoso de poder chegar ao final desse curso tendo ao lado uma mulher, e uma esposa, e uma namorada, com a qual compartilho esse diploma, pois sem ela seria muito difícil concretizar esse sonho. Agradeço também a Deus pela vinda da minha filha Mariana, nascida em 11/04/2008, durante o curso. Ela veio para encher a nossa vida de emoção e para nos fazer perceber que a vida nunca acaba e que um filho é o início de um novo e feliz ciclo familiar. Quero agradecer aos meus pais pela enorme força e dedicação por todos os anos em que somente me ajudaram, dando coragem e mostrando o verdadeiro valor da vida, sempre com base nas premissas fundamentais da honestidade e sinceridade. E mais do que nunca por nos ajudarem a cuidar com tanto amor da nossa pequena Mariana para que pudéssemos nos dedicar ao curso. Quero agradecer ao Heitor e a Dona Ana, meus sogro e minha sogra, pela confiança de me aceitar em sua família, depositando em meus braços sua única filha, e a partir desse momento, ajudando-nos dia a dia em todos os sentidos. Quero agradecer também aos amigos pelas risadas e pelos momentos de apoio e compreensão enquanto discutíamos assuntos de ponto de vistas diferentes. Quero agradecer a orientadora pela disponibilidade de me apoiar na reta final de conclusão deste trabalho, e pela sabedoria demonstrada em suas palavras. RESUMO O objetivo do presente trabalho é analisar um tema que atualmente se mostra bastante polêmico qual seja a interceptação telefônica como meio de prova no processo penal. Este instrumento probatório está disciplinado pela lei 9.296/96, a qual regulamentou o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal Brasileira. Neste diapasão, partir-se-á de uma análise geral sobre as provas no processo penal, seu conceito, objeto, classificação, meios de prova, admissibilidade, bem como, serão abordados os princípios que regem a instrução probatória. Posteriormente será abordado o tema da prova ilícita e o tratamento dispensado à elas pela doutrina. Por conseguinte, far-se-á uma explanação sobre o princípio da proporcionalidade e sua aplicação no direito processual penal, bem como, a incidência do princípio da proporcionalidade na teoria das provas ilícitas. Igualmente, far-se-á uma exposição dos doutrinadores e julgados sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade da prova derivada de uma ilicitude. Palavras-chave: provas no processo penal. Interceptação telefônica. Provas ilícitas. Provas derivadas. Princípio da proporcionalidade. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 2 BREVE HISTÓRICO ......................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3 AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS FACE A LEI 9.296/96 .......................... 12 3.1 ABRANGÊNCIA DA LEI ............................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.2 ADMISSIBILIDADE DAS INTERCEPTAÇÕESERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 4 OBJETO DA PROVA .....................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 4.1 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS ....................................................................... 19 4.2 MEIOS DE PROVA ............................................................................................. 19 5 PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.........ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 5.1 PROVAS ILÍCITAS .............................................................................................. 23 5.2 INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA TEORIA DA PROVAS ILÍCITAS .................................................................................................... 25 6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 31 REFERENCIAS ......................................................................................................... 33 8 1 INTRODUÇÃO A premente necessidade de se combater a crescente criminalidade organizada, faz com que surjam novos inventos eletrônicos, de modo que a privacidade e a intimidade tornem-se cada vez mais vulneráveis. Como um dos meios de se violar o direito à intimidade tem-se a interceptação telefônica. Esta, se realizada com o intuito de auxiliar na investigação criminal ou na instrução processual criminal, e de acordo com a Lei que a rege, será considerada lícita e seu resultado será admitido no processo penal. O tema é bastante relevante na sociedade contemporânea, e por isso se torna objeto de estudo neste trabalho, cujo objetivo é analisar qual é o entendimento jurídico sobre as provas colhidas na interceptação telefônica, no processo penal. Para tanto, foram analisadas doutrinas e decisões de tribunais superiores, bem como trabalhos acadêmicos que corroboram para a compreensão do tema proposto. Em um primeiro momento far-se-á uma explanação sobre as provas ilícitas no que tange o artigo 157, do Código de Processo Penal, e os princípios que regem a instrução probatória. Posteriormente, será objeto de análise o princípio da proporcionalidade quando da ilicitude da interceptação telefônica como meio de prova no processo penal. Por fim, serão analisadas as doutrinas e as jurisprudências mais atuais, de casos concretos julgados, com intuito de demonstrar o melhor posicionamento a respeito do tema proposto. O presente trabalho evidencia que os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal não têm caráter absoluto. Contudo não podem ser admitidas provas obtidas ilicitamente, pois, logo teria um cenário preocupante e poderá colocar em risco a segurança jurídica. 9 Por fim, as decisões da ilicitude das interceptações devem ser analisadas no caso concreto, pois em nenhum julgamento poderá deixar de existir a busca da verdade real, bem como, a ampla defesa de quem sofre uma coação ilegítima. 10 2 BREVE HISTÓRICO A Constituição Federal de 1988 deu margem à criação de um estatuto próprio e específico sobre a interceptação telefônica, até então inexistente em nosso ordenamento jurídico. A Carta Magna de 1946, sequer havia feito referência à comunicação telefônica. “Depreendia-se que estava compreendida na garantia do art. 141, §6º, que cuidava da inviolabilidade do sigilo da correspondência” (GRINOVER et alli, 1997, p. 175). Em 27 de agosto de 1962, foi sancionada a Lei nº. 4.117 que instituiu o Código Brasileiro de Comunicações, que dispunha em seu artigo 57, in verbis: “Art. 57 - Não constitui violação de telecomunicação: [...] II - O conhecimento dado: [...] e) ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste”. Entretanto, este texto destoava da Emenda Constitucional nº. 1 de 1969, que no parágrafo 9º de seu artigo 153, aparentemente garantia o direito ao sigilo das comunicações telefônicas de “modo absoluto” 1. A garantia da inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas sem qualquer ressalva, deu margem a entendimentos diversos, e a postura doutrinária que prevalecia era a de que, nenhuma norma constitucional institui direito absoluto, de modo que a vedação da Carta Magna, portanto, defendia a admissibilidade das interceptações telefônicas, desde que atendidos os requisitos do art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações. 1 Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 9º É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas. 11 Em 1988 foi promulgada uma nova Constituição, que, com o intuito de dirimir este conflito, e assegurar o sigilo das comunicações telefônicas, estabeleceu exceções, nos termos do artigo 5º, que segue: Art. 5º [...] XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. (original não grifado). Entretanto, nova discussão se estabeleceu, qual seja a do art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações ter sido recepcionado ou não pela nova Constituição, e ainda se haveria necessidade de norma específica regulamentadora. Após anos de polêmica sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, em decisão proferida no HC 73.351-4-SP2, assentou entendimento de que sem a edição de lei regulamentadora, não seria possível a utilização de interceptação telefônica para fins de investigação criminal, de modo que, qualquer prova produzida por esse meio tornar-se-ia ilícita. Finalmente, em 24 de Julho de 1996, foi promulgada a Lei 9.296, que regulamentou o inciso XII do artigo 5º º da Constituição Federal de 1988, o que tornou possível, a utilização da interceptação telefônica como meio de prova. 2 HABEAS CORPUS – ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – PROVA ILÍCITA – AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA – ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – FRUITS OF THE POISONOUS TREE – O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, inc. XII, da Constituição não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. (STF – HC 73.351-4 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – 09/05/1996). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp> Acesso: 21 nov. 2011. 12 3 AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS FACE A LEI 9.296/96 A Lei 9.296/96 regulamentou o artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal, de modo que, desde que respeitadas as hipóteses e requisitos legais exigidos, as interceptações telefônicas podem ser lícitas, e consequentemente, admitidas no processo. A referida lei dispõe sobre o procedimento a ser adotado quando da interceptação de comunicações telefônicas para fins de investigação criminal e instrução em processo penal. Entretanto, Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes, e Antonio Magalhães Gomes Filho (1997)3, alegam que este diploma legal apresenta vários defeitos, de modo que deve haver uma interpretação que harmonize esta lei com as normas hierarquicamente superiores. Não obstante, a prova colhida por intermédio das interceptações, respeitadas a Constituição Federal e a Lei 9.296/96, é lícita desde sua realização, que é na verdade a confirmação da sua aceitabilidade inicial ou posterior, respeitados nos moldes do art. 5º. XII, da CF. 3.1 ABRANGÊNCIA DA LEI O artigo 1º da Lei 9.296/96 estabelece que: “a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”. 3 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 180. 13 Embora a letra da lei dê a impressão de amplitude, o conceito permanece restrito à interceptação em sentido estrito e a escuta telefônica, sendo excluídos, portanto, a gravação clandestina e a gravação ambiental. A ideia de interceptação se mantém, mesmo quando um dos interlocutores tem ciência da captação, pois é uma terceira pessoa que toma conhecimento da comunicação. Entretanto, àquele que não tem conhecimento que sua conversa está sendo gravada, tem direito ao sigilo, que para ser quebrado depende de autorização judicial. Assim, conforme leciona Luiz Flavio Gomes, o regime a que se submetem às interceptações telefônicas atualmente é o seguinte: se devidamente autorizada, nos termos da Lei 9.296/96, constitui prova lícita e admissível; se não autorizada, configura crime, nos termos do art. 10 da mesma lei, e, ademais, é prova ilícita, sendo inadmissível, salvo em benefício da defesa [...]. No que concerne à escuta telefônica, por seu turno, sua disciplina jurídica é exatamente a mesma: prova lícita se realizada conforme a lei nova, prova ilícita se concretizada sem autorização judicial (além de configurar, nesse caso, crime). (1997, p. 105). Portanto, pode-se concluir que a Lei 9.296/96 aplica-se tanto às interceptações telefônicas em sentido estrito como às escutas telefônicas, sendo excluídas, portanto, as gravações ambientais e as gravações clandestinas de telefonemas próprios. 3.2 ADMISSIBILIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES Conforme preceitua o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, o sigilo das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, é inviolável, salvo, em último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. 14 A Carta Magna deixa claro que a interceptação telefônica é a exceção, de forma que o sigilo é a regra. Entretanto, na Lei 9.296/96, estes valores parecem invertidos, pois conforme se verifica em seu artigo 2º, a Lei se limitou a informar em quais hipóteses a interceptação telefônica é proibida, ao invés de elencar taxativamente todas as hipóteses em se que permite a interceptação, conforme se verifica: Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Desta forma, é admissível a interceptação telefônica em todos os crimes apenados com pena de reclusão, ficando claro o excesso do legislador. Neste diapasão, manifestam-se Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho: É evidente o excesso da lei, que não se deu conta da excepcionalidade da interceptação telefônica como meio lícito de quebrar o sigilo das comunicações, estendendo sua permissão a crimes que podem não ser de grande potencial ofensivo, e, em contrapartida, excluindo-a de infrações penais de menor relevância social, mas que, por sua índole, só poderiam ser devidamente apuradas por intermédio da referida interceptação. (1997, p.182). A maioria da doutrina, bem como os referidos doutrinadores, manifesta-se ainda no sentido de considerar inconstitucional a postura do legislador brasileiro, pois o princípio da proporcionalidade adotado no sistema brasileiro estabelece que mesmo sendo adequada e necessária, uma lei pode ser inconstitucional se adotar medidas desarrazoadas, desajustadas, desproporcionais ou excessivas em relação ao resultado. O critério da proporcionalidade dirige-se tanto ao legislador quanto ao intérprete, de modo que, o juiz, ao autorizar a interceptação telefônica, deverá agir 15 com cautela, e poderá embasar-se no direito comparado para proferir sua decisão. Caso os parâmetros de ordem constitucional não sejam observados, a prova será ilícita, e acarretará a nulidade da sentença que nela se basear. 16 4 OBJETO DA PROVA O vocábulo “prova”, originou-se do latim probatio, que na língua portuguesa tem entre seus significados: “aquilo que serve para estabelecer uma verdade por verificação ou demonstração; aquilo que mostra ou confirma a verdade de um fato; testemunho”4. No campo jurídico, pode-se dizer que a prova é o instrumento de que se valem as partes, para esclarecer situações controvertidas objetivando subsidiar o magistrado na realização do julgamento. Para elucidar o disposto, conceitua Julio Fabrini Mirabete: “provar” é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo. (2000, p.256). O objeto da prova é tudo aquilo que deverá ser demonstrado ao juiz, ou seja, todos os fatos que aquele deve tomar conhecimento para resolver o litígio. Compreende não só o fato criminoso e sua autoria, mas também todas as circunstâncias que possam contribuir na solução do litígio, na responsabilidade penal e na fixação de pena ou medida de segurança. Para Fernando Capez, o objeto da prova é: [...] toda circunstancia, fato ou alegação referente ao litígio sobre os quais pesa incerteza, e que precisam ser demonstrados perante o juiz para o deslinde da causa. São, portanto, fatos capazes de influir na decisão do processo, na responsabilidade penal e fixação da pena ou medida de segurança, necessitando, por essa razão, de adequada comprovação em juízo. (2010, p. 342) No processo penal é facultado ao juiz indagar sobre tudo o que lhe pareça dúbio e suspeito. Até mesmo a confissão do acusado, um dos meios mais eficazes 4 Weiszflog, Walter. Michaelis: Moderno Dicionário Da Língua Portuguesa. Melhoramentos: São Paulo, 2007. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/> Acesso: 26 fev. 2012. 17 para formação da convicção do magistrado, não tem valor absoluto e pode ser questionada pelo julgador. Imperioso ressaltar que, inclusive o chamado fato incontroverso (também chamado fato admitido ou aceito), aquele admitido por ambas as partes, é objeto de prova, sendo, portanto, concedido ao juiz o direito de solicitar diligências a respeito, como preceitua o artigo 156, II do Código Penal Brasileiro5. Entretanto, existem alguns fatos que ficam excluídos da atividade probatória, entre eles, os fatos axiomáticos (intuitivos), os fatos notórios, os fatos presumidos e os fatos inúteis. Os fatos axiomáticos ou intuitivos independem de prova uma vez que são evidentes e capazes de formar a convicção do julgador a respeito de um determinado fato, não carecendo, de provas. Para elucidar o disposto, CAPEZ, traz o seguinte exemplo: “um ciclista é atropelado por uma jamanta e seu corpo é dividido em pedaços. Dispensa-se o exame cadavérico interno, pois a causa da morte é evidente”. (2010, p. 343) Neste sentido, é o artigo 162, parágrafo único do Código Penal: Art. 162. [...] Parágrafo único: Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante. Em segundo lugar, não há necessidade de prova em se tratando de fatos notórios, uma vez que se aplica o princípio notoria non egent probatione6. Desse modo, os fatos notórios não constituem objeto de prova, uma vez que não dão lugar 5 Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: [...] II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. 6 notoria non egent probatione: o notório não precisa ser provado. 18 a dúvidas. São notórios os fatos que fazem parte da cultura de determinada sociedade, e são de conhecimento da grande maioria dos cidadãos. É o que ocorre no caso da verdade sabida; por exemplo, não precisamos provar que a moeda corrente do nosso País é o “real”, ou que no dia 25 de dezembro é comemorado o Natal, pois são fatos que fazem parte da cultura de nossa sociedade. Entretanto, os fatos notórios não podem ser confundidos com a vox populi, uma vez que esta é o conhecimento de um número impreciso de pessoas, formado por boatos e rumores, podendo desta forma difundir um fato que não é autêntico, proveniente de lendas ou embustes, ou ainda mesmo que verdadeiro, pode ser exacerbado e inquinado. Também os fatos presumidos não precisam ser provados, pois a presunção legal decorre de lei, podendo ser absoluta (jure et de jure), ou relativa (juris tantum). Fernando da Costa Tourinho Filho, exemplifica o disposto: Se o querelante afirma que Tício estuprou Pafúncia, menina de 9 anos, muito embora seja indispensável a violência para a configuração do estupro, está o acusador dispensado de prová-la , pois, nos termos do art. 217, a, do CP, presume-se a violência quando a ofendida for menor de 14 anos. (2006, p. 217) Por derradeiro, não necessitam de prova os fatos inúteis7, pois são aqueles que não podem influir na decisão em nenhum sentido, pois são supérfluos, e deste modo, não devem ser admitidos à prova. O mesmo ocorre com os fatos imorais, aqueles que em razão de seu caráter criminoso, atentatório aos bons costumes e a ordem pública, não podem beneficiar aquele que os pratica. 7 Para elucidar o disposto Fernando Capez, menciona o seguinte exemplo: “A testemunha afirma que o crime se deu em momento próximo ao do jantar, e o juiz quer saber quais os pratos que foram servidos durante tal refeição”. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 343. 19 4.1 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS São várias as classificações das provas oferecidas pela doutrina, entretanto, uma delas é a classificada pelo objeto, com relação ao sujeito e quanto à forma. Quanto ao objeto da prova, que é o fato cuja existência necessita comprovação, ou seja, é o fato cuja existência deseja-se ver reconhecida. Pode ser direta, quando se refere diretamente ao fato probando, ou indireta quando alcançam o fato principal por via de raciocínio lógico, levando-se em consideração, outros fatos de natureza secundária, porém relacionados com o primeiro. Com relação ao sujeito ou causa, as provas podem ainda ser reais ou pessoais. Reais, são as provas que consistem em algo externo e distinto da pessoa, e que ateste dada afirmação, por exemplo, o lugar, o cadáver, a arma, etc. Pessoais, são aquelas que encontram origem na pessoa humana, ou seja, são as declarações, os depoimentos, as conclusões periciais, etc. Por fim, quanto à forma ou aparência, a prova é testemunhal, quando se trata de depoimento prestado por terceiro estranho ao processo, onde relata os fatos relativos ao litígio dos quais tem conhecimento; Dita documental, quando exteriorizada por meio de documentos; E ainda material, quando obtidas por meios biológicos, físicos ou químicos, tais como exames de corpo de delito, vistorias, etc. 4.2 MEIOS DE PROVA As partes envolvidas no processo deverão levar ao magistrado, elementos para possibilitar a este, formar sua convicção acerca dos fatos alegados, desta forma, terão elas que lançar mão dos chamados meios de prova. 20 Pode-se dizer que meio de prova, “é todo aquele que possa servir direta ou indiretamente para a formação e à demonstração da verdade que se busca no processo”. (CAPEZ, 2010, p. 376) Sabe-se que no direito processual penal, vigora o princípio da verdade real, e a maioria dos doutrinadores entende que não se deve permitir qualquer tipo de limitação à prova, sendo possível as partes valer-se de quaisquer meios de prova com ampla liberdade, pois qualquer limitação à prova prejudicaria a obtenção da verdade real e, portanto, a justa aplicação da lei. Segundo Mirabete (2007, p. 252), “o princípio da liberdade probatória não é absoluto”. Quando a lei exigir que a prova se faça deste ou daquele modo, é assim que a prova será feita, tal é o exemplo constante no parágrafo único do art. 155, parágrafo único, do Código de Processo Penal Brasileiro, ao dispor que a prova quanto ao estado das pessoas será efetuada conforme estabelece a lei. Outro exemplo pode ser observado no art. 158 do mesmo diploma legal, que preceitua que, ainda que haja confissão do acusado, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, quando a infração deixar vestígios. No processo penal brasileiro destacam-se como meios de prova, regulados pelo Código de Processo Penal: exame de corpo de delito e perícias em geral, interrogatório, confissão, depoimento do ofendido e das testemunhas, reconhecimento de pessoas e coisas, acareação, documentos, indícios e busca e apreensão. Cite-se ainda, a Lei 9.296/96, que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal, que disciplina a interceptação das comunicações telefônicas de qualquer natureza, como meio de prova para instruir investigação criminal ou instrução processual. 21 5 PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Dentre as garantias estabelecidas no âmbito penal pelo constituinte pátrio destaca-se a inadmissibilidade no processo das provas obtidas por meios ilícitos, esculpida no inciso LVI do art.5° da CF/88, que expressamente estatui: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Embora o artigo 5º, LVI da Constituição Federal diga expressamente que são não admissíveis no processo às provas obtidas por meio ilícitos, nem sempre é o que ocorre. Este tema vem ganhando espaço entre as preocupações do direito processual moderno, pois, a tecnologia está continuamente sendo aperfeiçoada, e em virtude disso, a vida privada, a honra da pessoa humana, e a intimidade tornaram-se vulneráveis. Desta forma, é necessário que haja equilíbrio, para que no momento de enfrentar a criminalidade, crescente e violenta, não sejam permitidas invasões desmedidas ou desnecessárias na vida das pessoas. No processo penal, em nome da segurança social não se pode compreender uma garantia absoluta de privacidade e do sigilo, entretanto em homenagem ao princípio da verdade real, também não se pode conceber que a busca incontrolada da prova possa sem motivos, ofender os direitos fundamentais do investigado ou acusado. A doutrina e a jurisprudência de diversos países oscilaram durante algum tempo, quanto à admissibilidade ou não das provas ilícitas. O grande problema gira 22 em torno de aceitar ou não as provas obtidas por meios ilícitos, quando no ordenamento processual, inexiste norma que declare sua inadmissibilidade. A respeito deste tema, formaram-se quatro correntes fundamentais, que segundo Antonio Scarance Fernandes são: 1ª) a prova ilícita é admitida quando não houver impedimento na própria lei processual, punindo-se quem produziu a prova elo crime eventualmente cometido (Cordero, Tornaghi, Mendonça Lima); 2ª) o ordenamento jurídico é uma unidade e, assim, não é possível consentir que uma prova ilícita, vedada pela Constituição ou por lei substancial, possa ser aceita no âmbito processual (Nuvolone, Frederico Marques, Fragoso, Pestana de Aguiar); 3ª) é inadmissível a prova obtida mediante violação de norma de conteúdo constitucional porque será inconstitucional (Capelletti, Vigorotti, Comoglio); 4ª) admite-se a produção de prova obtida em violação de norma constitucional em situações excepcionais quando, no caso, objetiva-se proteger valores mais relevantes do que aqueles infringidos na colheita da prova e também constitucionalmente protegidos (Baur, Barbosa Moreira, Renato Maciel, Hermano Durval, Camargo Aranha, Moniz Aragão). Atualmente a prova ilícita tem sido vista como prova obtida com violação de direito ou garantia constitucional estabelecida na Constituição, e desta forma, a tendência é no sentido de vedar sua produção. Entretanto, há forte inclinação para se admitir sua aplicação no caso concreto, e em circunstâncias especiais do princípio da proporcionalidade. Com o intuito de por fim ao dissenso na doutrina e jurisprudência, o legislador constituinte vedou expressamente no processo, a admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos. Todavia, o princípio da proporcionalidade vem tomando força entre nós, com o intuito de evitar a aplicação muito rígida do inciso LVI do artigo 5º, quando a ofensa de determinado preceito constitucional é feita em virtude da proteção de um valor maior também garantido pela Constituição. Para elucidar o disposto, tem-se o seguinte exemplo: o réu obtém prova ilícita, mediante interceptação telefônica não autorizada, em afronta ao disposto na 23 Constituição Federal e na Lei 9.296/96, entretanto este é o único meio que possui para provar sua inocência. Não parece razoável que o réu seja condenado apenas porque a demonstração de sua inocência só pode ser demonstrada por meio de prova ilicitamente obtida. Em casos como este, a doutrina tende a admitir excepcionalmente que uma regra constitucional seja violada, em detrimento de outro valor fundamental que mereça ser protegido, valor este que se apresente mais relevante do que o bem atingido com a obtenção da prova. Neste caso, um preceito constitucional – a inadmissibilidade da prova ilícita (art. 5º, LVI) – cede terreno a outro, que assegura a todo réu o direito a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º LV). Duas normas constitucionais de conteúdo processual estão em confronto, entretanto a segunda tem caráter dominante. 5.1 PROVAS ILÍCITAS As provas ilícitas por derivação, são aquelas que foram obtidas de forma lícita, mas a partir de uma informação extraída de uma prova ilicitamente obtida. É o caso da interceptação telefônica clandestina, pela qual se venham a conhecer circunstâncias que licitamente colhidas, levem a apuração dos fatos; ou da confissão obtida mediante tortura, onde a pessoa torturada indica onde se encontra o produto do crime, que, posteriormente vem a ser regularmente apreendido. A grande questão gira em torno de, saber se essas provas formalmente lícitas, mas derivadas de provas materialmente ilícitas, podem ser admitidas no processo. 24 Não há posição pacífica entre os doutrinadores, tanto no direito brasileiro quanto no direito comparado. Contudo, a posição mais sensível às garantias da pessoa humana, é que a ilicitude da obtenção da prova transmite-se por consequência às provas derivadas, que desta forma, são igualmente proibidas no processo. Esta proibição está fundada na afamada teoria do “fruits of the poisonous tree”, ou “frutos da árvore envenenada”, cunhada pela Suprema Corte norteamericana, e segundo a qual, o vício da árvore se transmite a todos os seus frutos. Segundo Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho: “o próprio Supremo norte-americano admite exceções: as provas derivadas da ilícita, quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito; ou, ainda, quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Fala-se no primeiro caso em independent source e, no segundo, na inevitable discovery”. (1997, p. 136) Isso denota que, se a prova ilícita não for absolutamente determinante para a descoberta das derivadas, ou se estas procedem de fonte própria, não ficam contaminadas e podem ser admitidas no processo. Ao passo que, a doutrina alemã, é no sentido que a utilização de provas ilicitamente derivadas, poderia servir de supedâneo para contornar a vedação probatória, fazendo com que as partes se sentissem estimuladas a buscar meios ilícitos para conseguir provas que não seriam possíveis de ser obtidas através dos meios legais. Luiz Francisco Torquato Avolio, ilustra o disposto: Figure-se, por exemplo, o próprio policial encorajado a torturar o acusado, na certeza de que os fatos extraídos de uma confissão extorquida, e, portanto ilícita, propiciariam a colheita de novas provas, que poderiam ser introduzidas de modo (formalmente) lícito no processo. (1995, p. 69) 25 No Brasil, Ada Pellegrini Grinover apud Luiz Francisco Torquato Avolio, afirmam que: a Constituição brasileira, não toma partido na discussão sobre a admissibilidade das provas derivadas, deixando espaço para a construção da doutrina e da jurisprudência, e que, em seu entendimento há transmissão da ilicitude da obtenção da prova às provas derivadas, e que são, assim, igualmente banidas do processo. Os referidos doutrinadores esclarecem ainda que, em sentido contrário, manifesta-se Julio Fabrini Mirabete, ao entender que “como a lei ordinária não prevê expressamente a cominação de inadmissibilidade ou nulidade das provas ilícitas por derivação, prevalece a eficácia do dispositivo constitucional que veda apenas a admissibilidade da prova colhida licitamente, e não a da que dela deriva”. É patente que a Constituição Federal brasileira, deixou à margem a questão da admissibilidade das provas ilícitas por derivação, entretanto, em que pese a divergência de pensamentos doutrinários, a teoria mais utilizada é a de que se a prova ilícita tomada por referência comprometer a proteção de valores fundamentais, essa ilicitude há de contaminar a prova dela referida, tornando-a ilícita por derivação, e por consequência, igualmente inadmissível no processo. 5.2 INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIOANALIDADE NA TEORIA DAS PROVAS ILÍCITAS Desta forma, a norma constitucional que veda a utilização de provas ilícitas no processo, deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade, devendo o magistrado analisar as peculiaridades de cada caso, para verificar se, outra norma 26 também constitucional, de ordem processual ou material, não supera em valor aquela que estaria sendo violada. Conforme leciona Antonio Scarance Fernandes: é ampla a aceitação de sua aplicação aos casos em que a prova da inocência do réu depende de prova produzida com violação de uma garantia constitucional não se conseguiria justificar a condenação, até mesmo a pena elevada, de uma pessoa quando há nos autos prova de sua inocência, ainda que obtida por meios ilícitos.(2003, p. 88) A utilização de prova obtida através de meios ilícitos é um assunto que gera bastante repercussão processual, sendo que a maior questão gira em torno de saber quais interesses e valores poderiam eventualmente ser postos em confronto, uma vez que a doutrina diverge quanto a extensão da aplicação do princípio da proporcionalidade. Segundo Cabette apud Magalhães Gomes (2011, p.66), “ que o importante no tema das provas ilícitas por derivação é a finalidade profilática com que deve ser encarada. (grifo do autor). Maria Thereza citada por Aury Lopes Junior (2010), diz: “se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada, ou se esta derivar de fonte própria, não fica contaminada e pode ser produzida em juízo”. O doutrinador Fernando Capez, posiciona-se da seguinte forma: “... o direito à liberdade (no caso da defesa) e o direito à segurança, à proteção da vida, do patrimônio etc. (no caso da acusação) muitas vezes não podem ser restringidos pela prevalência do direito à intimidade (no caso das interceptações telefônicas e das gravações clandestinas) e pelo princípio da proibição das demais provas ilícitas”. (2010, p. 349) Esse princípio passou a ser aplicado amplamente no processo penal nos mais variados países, e embora sua aplicação seja bastante subjetiva, alguns doutrinadores defendem a tese de que sua utilização pode ser um instrumento necessário para a manutenção e garantia de valores conflitantes. 27 Parte da doutrina entende que o princípio da proporcionalidade está intimamente ligado ao princípio da razoabilidade, porque este último exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a administração e os fins que ela tem que alcançar. Na realidade, a ideia de proporcionalidade sempre esteve presente no Direito. Pode-se dizer que este princípio faz com que o magistrado alcance o justo equilíbrio entre os interesses em conflito. Exposto por Fernando Capez, “... dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum, o juiz poderá admitir um prova ilícita ou a sua derivação, para evitar um mal maior...” (2010, p. 349). A doutrina aponta pré-requisitos essenciais para que o princípio da proporcionalidade seja aplicado, quais sejam a legalidade e a justificação teleológica. Em decorrência do princípio da legalidade, tem-se que a restrição a direito individual não pode ser admitida sem prévia lei, elaborada por órgão constitucionalmente competente. Pelo pressuposto da justificação teleológica, a limitação de um direito individual deve ter como objetivo a efetivação de valores relevantes do sistema constitucional. O princípio da proporcionalidade foi ainda dividido em três subprincípios, também chamado de requisitos intrínsecos, sendo eles: da necessidade, da adequação e o da proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro requisito intrínseco é o da necessidade, também denominado de “intervenção mínima”, de “alternativa menos gravosa” ou de “subsidiariedade”. De acordo com este princípio, o meio utilizado deve visar o objetivo almejado, ou seja, a necessidade diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de direitos indispensável à preservação do próprio direito por ela restringido ou, a outro em igual ou superior 28 patamar de importância, na procura de meio menos nocivo capaz de produzir o fim propugnado pela norma em questão. Em suma, se o magistrado possui várias possibilidades de atuação, todas aptas a alcançar o fim desejado, deve ser escolhida a alternativa menos gravosa8. O segundo requisito ou subprincípio é o da adequação, ou da idoneidade. A restrição deve ser apta a alcançar o fim por ela visado, portanto, não será admitida a restrição a um direito fundamental do indivíduo se o meio utilizado não se mostrar idôneo para conseguir o resultado pretendido. Segundo Antonio Scarance Fernandes: A medida deve assim, ostentar qualidade essencial que a habilite a alcançar o fim pretendido, a sua duração ou intensidade deve ser condizente com a finalidade e deve a medida ser dirigida a um indivíduo sobre o qual incidam as circunstâncias exigíveis para ser atuada. O terceiro princípio intrínseco é o da proporcionalidade em sentido estrito, “cuida-se de uma verificação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre danos causados e os resultados a serem obtidos”. (PINHEIRO, 2006, p. 135) . De acordo com o princípio da proporcionalidade deve prevalecer o de maior relevância, objetivando que não se imponham restrições desmedidas aos direitos fundamentais. O princípio da proporcionalidade visa alcançar um equilíbrio entre o meio empregado e o fim almejado. Em que pesem as discussões doutrinárias a respeito da aplicação ou proibição da utilização das provas ilícitas, um ponto parece estar pacificado: a aplicação do princípio da proporcionalidade no exercício do direito de defesa, o que abre a possibilidade de se admitir a prova ilícita a favor do réu, sobretudo no processo penal, e quando for a única forma de prova de inocência. 8 Por exemplo: se há possibilidade de se provar um fato através de um documento a ser requisitado em uma instituição financeira, não se justifica a determinação de uma quebra de sigilo bancário. 29 A aplicação do princípio em voga, sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do favor rei é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e pela jurisprudência. A maior discussão gira em torno de, saber se o princípio da proporcionalidade só pode ser aplicado em favor do réu, ou se também pode ser utilizado em favor da acusação. O doutrinador Antonio Scarance Fernandes, ensina que “não se cuida de invocar o princípio em favor do acusado ou da acusação, mas de verificar se, no caso concreto, a restrição ao acusado é adequada, necessária e se justifica em face de valor maior a ser protegido”. (2003, p. 56) Desta forma, pode-se dizer que o princípio da proporcionalidade cinge-se tão somente a constatar em cada caso, se a restrição é realmente necessária e adequada e se se justifica pelo valor que protege, não importando se beneficiará uma ou outra parte. A jurisprudência tem seguido nesse sentido, conforme se verifica pelos seguintes julgados: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo 9 não provido". 9 AI 50.367-PR. Relator: Min. Carlos Velloso. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 01/02/2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp> Acesso: 10 fev. 2012. 30 PROCESSUAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. GRAVAÇÃO DE CONVERSA REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LEGÍTIMA.1. A jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que a gravação de conversa por um dos interlocutores não configura interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal.2. Recurso Ordinário a que se nega provimento.(10534 RJ 2000/0105123-7, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, Data de Julgamento: 13/11/2000, T5 QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 11/12/2000 p. 218LEXSTJ vol. 141 p. 332). Assim, pode-se dizer que, as liberdades públicas não têm caráter absoluto, podendo ceder em confronto com outros direitos fundamentais, como por exemplo, o da ampla defesa. Segundo LOPES JUNIOR, “desnecessário argumentar que a condenação de um inocente fere de morte o valor “justiça”, pois o princípio supremo é o da proteção dos inocentes no processo penal”. (2010, p. 588). 31 6 CONCLUSÃO A interceptação das comunicações telefônicas é um instrumento que se torna cada vez mais útil, constitui-se no meio probatório mais eficiente, vez que, em determinados crimes a materialidade e autoria só conseguem ser comprovadas através da captação da conversa telefônica. Todavia, a interceptação das comunicações telefônicas viola in thesi o direito à intimidade garantida a todos pela Constituição Federal. Entretanto, o direito à intimidade não pode se sobrepor ao interesse público, nem tampouco ser utilizado como escudo protetivo para encobrir a prática de atividades criminosas. Ademais, nenhuma liberdade individual é absoluta, de modo que as interceptações telefônicas tornam-se possíveis se observados os ditames da lei. Assim, serão lícitas as interceptações telefônicas que observarem os requisitos da Lei 9.296/96. Deve ainda, ser levado em consideração o princípio da proporcionalidade. Por este princípio, infere-se que uma prova teoricamente ilícita, pode em caráter excepcional, ser admitida no processo, devendo haver proporcionalidade entre os meios utilizados e os fins que se deseja alcançar. A doutrina tem defendido a aplicação do princípio da proporcionalidade no exercício do direito de defesa, sobretudo quando for a única forma de provar a inocência do acusado. Contudo, não importa se a aplicação do princípio da proporcionalidade beneficiará uma ou outra parte, isto porque o princípio em voga visa constatar em cada caso, se a restrição a um direito fundamental é necessária, adequada e se se justifica pelo valor que protege. No tocante às chamadas provas ilícitas por derivação, que são aquelas obtidas de forma lícita, porém, a partir de informações extraídas de uma prova 32 ilicitamente obtida, não há posição pacífica entre os doutrinadores. Contudo, nossos tribunais tem fundado suas decisões na teoria do “fruits of the poisonous tree” – ou frutos da árvore envenenada –, segundo a qual a ilicitude da obtenção da prova, transmite-se por consequência às provas derivadas, de forma que estas serão igualmente inadmissíveis no processo. Além disso, esta deve ser realizada de acordo com os ditames da Lei 9.296/96. Por ter natureza cautelar, são necessários ainda, a presença do fumus boni juris (elementos seguros que indiquem a existência de um crime grave o suficiente para justificar a violação da privacidade de um indivíduo) e do periculum in mora (eventuais prejuízos que a não realização da interceptação possa resultar na investigação ou na instrução processual). Contudo, as provas ilícitas devem ser afastadas do processo penal, como forma de salvaguarda uma decisão justa e imparcial. Desta forma, novamente se faz presente o princípio da proporcionalidade, tendo em vista que uma medida restritiva de um direito fundamental deve ter limites, não sendo razoável uma prova que venha condenar a busca da verdade real. A partir deste trabalho monográfico, conclui-se que, diante da realidade fática atual, é importante na decisão de aceitar com meio de prova, as interceptações telefônicas, deve o magistrado analisar o caso concreto, pois, alguns princípios fundamentais fazem atuar um mecanismo de harmonização que submete o de menor relevância ao de maior valor social. Assim sendo, que a garantia da imparcialidade do juiz deve ser uma forma de atingir um processo puro e consciente, obedecendo ao princípio da legalidade da prova, com a maneira correta de respeitar o indivíduo em sua essência. 33 REFERÊNCIAS AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 13ª ed. São Paulo: 2008. BONATO, Gilson. Processo penal, constituição e crítica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptações telefônicas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 12ª ed. São Paulo: 2008. CURIA, Luiz Roberto, et al. Vade mecum. 6ª ed. São Paulo: 2011. GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. São Paulo: Saraiva, 1976. JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 4ª ed., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1994. JUNIOR, Aury Lopes. Direito processual penal e sua constitucional. 5ª ed. V 1. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. conformidade LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. LIPINSKI, Antônio Carlos. Crime organizado e a prova penal. 1 ed. Curitiba: 2008. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. 34 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução de pena. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. PINHEIRO, Fernanda Letícia Soares. Princípio da proibição da prova ilícita no processo civil. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional Positivo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. VIEIRA, Leociléia Aparecida. Projeto de pesquisa e monografia. 3ª ed. Curitiba: Champagnat: IBPEX, 2004.