PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO i MUI mu um um mu um um um mi mi *02973389* Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 994.06.096464-8, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes HOSPITAL DAS CLINICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO HCFMUSP e FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO sendo apelado MINISTÉRIO PUBLICO. ACORDAM, em 6" Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "REJEITARAM A PRELIMINAR, NÃO CONHECERAM DO AGRAVO RETIDO E NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento Desembargadores teve JOSÉ HABICE a participação (Presidente sem CARLOS EDUARDO PACHI E ISRAEL GÓES DOS ANJOS. São Paulo, 10 de maio de 2010. SIDNEY ROMANO DOS REIS RELATOR dos voto), -=á.W PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível. n. 994.06.096464-8 Apelantes: Hospital das Clínicas da Voto n. 9.982 Faculdade de Medicina da, Universidade de São Paulo e outra Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo Comarca: São Paulo Ação Civil Pública — Fornecimento de medicamentos pela farmácia do Hospital das Clínicas - Ação julgada procedente. Agravo retido - Não reiterado nas razões de recurso de apelação - Não conhecimento nos termos do artigo 523, §l°,dóCPC Recurso voluntário do HC — Preliminar de falta de interesse de agir pela perda do objeto da ação - No mérito, alega que tem propiciado plena satisfação da demanda de medicamentos, sem qualquer risco ou, prejuízo à integridade física e à saúde das pessoas, posto que o nível de eficiência de abastecimento de medicamentos não é aquilatado pelo volume do estoque. Recurso voluntário da Fazenda - Alegação de ingerência do Poder Judiciário e falta de interesse de agir por causa superveniente. Inadmissibilidade Interesse de agir caracterizado -- Cumprimento da' liminar e da r sentença que não enseja a carência da ação - Direito à saúde é constitucional basilar e de atendimento impostergável, refletido em norma de que a saúde é direito universal e, com vistas não somente na redução da incidência de doenças como na melhora das condições e qualidade de vida dos cidadãos em geral e, sobretudo, do direito à vida e sua preservação - Decisão que, ademais, não afronta a autonomia estatal ou ò princípio da separação dos poder es, pois cabe ao Poder Judiciário prestar a tutela jurisdicional quando direitos prioritários não são obseryados R. Sentença mantida — Preliminar rejeitada — Agravo retido não conhecido Recursos voluntários desprovidos apelação CíveCn" 994.06.0964 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 1. Trata-se de recursos conta a r. sentença de fls. 2939/2943, proferida nos autos da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Fazenda do Estado de São Paulo, que julgou procedente a ação, condenando os réus, no prazo de trinta dias, a fornecer de maneira regular e integral,-a todos cos usuários do Complexo H.C., pacientes não internados, todos os medicamentos prescritos, normalizando o abastecimento das farmácias denominadas sociais, bem como adotar procedimento eficiente de programação, aquisição, estoque de segurança, distribuição e fornecimento de tais medicamentos, sob pena de desobediência. ° Inconformado, apela o H.C., alegando, em preliminar, falta de interesse de agir pela perda do objeto da ação. No mérito, alega que têm propiciado plena satisfação da demanda de medicamentos, sem qualquer risco-ou prejuízo à integridade física e à saúde das pessoas, posto que o nível de eficiência de abastecimento de medicamentos não é. aquilatado pelo volume do estoque. Aduz que a pretensão do autor não se encontra dentro do razoável, implicando remanejamento orçamentário e operacional. Afirma que não se pode transformar o Complexo hospitalar em mero posto de entrega de remédios, posto que sua'função primordial é o ensjno e a pesquisa de novas tecnologias na área de saúde (fls: 2948/2968). .- Igualmente inconformada, apela a Fazenda do Estado, sustentando, em síntese, que a pretensão inicial implica descabida ingerência e atropelamento do planejamento administrativo. Requer o reconhecimento d a ausência de interesse processual - , ainda que superveniente, posto que a situação já se encontra regularizada. Afirma que a verba destinada à saúde não pode ser canalizada para a solução de problemas individuais, violando-se o prjjníupio constitucional de impessoalidade.(fls. 2970/2977). Apelação CíveCn"994.06:096464-8 . 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Tempestivos os recursos, foram o s ' mesmos regularmente processados, com apresentação de contra-razões às fls. 2979/3011. A douta ' Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se às fls. ^3019/3026, opinando pelo desprovimento dos apelos. Agravo retido às fls. 2143. É o relatório. . 2. O agravo retido não deve ser conhecido. Com efeito, dispõe o . § I o do artigo 523 do Código de Processo Civil: ' "Não se conhecerá do agravo se a parte requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, não sua apreciação pelo tribunál"r. E conforme se depreende dos autos, a apelante não reiterou o agravo retido em suas razões ou contra-razões de apelação, deixaridov de dar cumprimento ao dispositivo acima mencionado, sendo, de rigor, o não conhecimento do recurso. 3. A preliminar argüida não merece prosperar. Não está desenhada falta de interesse de agir, por fato superveniente, qual seja, estar havendo, posteriormente ao ajuizamento da demanda, a satisfação do direito^coletivo e difuso, consistente na efetiva disposição de todos os mpdicamentos que sejam prescritos pelos médicos do Complexo tjojjpitalar das Clínicas a pacientes não internados. JipeCação CíveCn0 994/bfrW64éJ-8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO E isso porque não calha reconhecimento de falta de condição da ação quando a situação fática se resolva apenas e tão somente porque houve a, busca da 'tutela jurisdicional. Não houvesse o .Ministério Público intentado a ação civil pública, certeza nenhuma haveria de estar sendo respeitado o direito à saúde de todos quantos, em procurando os médicos do Hospital das Clínicas, possam ter à sua disposição os medicamentos que lhe forem destinados. Não existe azo para que a própria parte interessada, na condição de ré, ditada a obrigação de fazer em função de decisão liminar, depois confirmada em r. sentença, venha postular a extinção da demanda justamente por estar, somente agora, cumprindo o que lhe compete, por disposição constitucional. Ademais, qual a certeza de que os medicamentos continuarão a ser fornecidos,^na justa medida, a todos que deles necessitem, se a ação for julgada extinta? Haverá necessidade de outra demanda? As respostas a estas indagações, que são de meridiana e 'simplória facilidade, determinam que não haja falta de interesse de agir porque, cumprindo a lei, está o Hospital municiando sua farmácia,com todos os medicamentos que são receitados aos pacientes não internados que são examinados por seus médicos. Afasto, pois, a preliminar. 4. No^ mérito, os recursos não comportam acolhimento. Descabe qualquer consideração que impeça o exercício normal e regular de direito à saúde^ insculpido na Constituição Federal na categoria de- prioritários/porque voltado não só para a manutenção da saúde, mas da própria/vidéi das pessoas. JlpeCação Cíveín" 994.06.096464-8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 1 " Impossível abster-se o Poder Público de cumprir a obrigação que lhe é ditada pela Carta Magna em razão de políticas de administração impostas pela conveniência, e oportunidade, quando o texto da Lei maior nãó deixa margem a isso. Não se está diante de caso de discricionariedade administrativa, mas em face de. direito cogente, de cumprimento obrigatório e, como cediço, quando .a conduta do administrador é vinculada a comando legal superior, não pode ele deixar de obedecê-lo. E. não , são dificuldades , de natureza orçamentária que podem ser postas como escolhos à observância do texto legal, porquanto o investimento em saúde é cogente e seus 'derivativos também se encontram entre aquelas obrigações em que não se dá lastro para atuação administrativa que aponte outro norte. Quando mais não seja, é preciso lembrar que o Administrador deve em primeiro lugar conservar, ou garantir, no orçamento, as verbas imprescindíveis à obediência das obrigações que lei outorga ao Poder Público, de natureza inafastável, para depois, aí sim, dentro do campo próprio de formulação de políticas de discricionariedade, dispor como melhor aprouver em termos de conveniência e oportunidade. E disso não se afasta a obrigação de prover, de -~ forma regular e normal, a disposição de todos os medicamentos que sejam receitados a pacientes não internados, que são examinados ou se tratem com os médicos . do Hospital das Clínicas, porque, ineludivelmente, servem eles para garantir a saúde e, em conseqüência, a própria vida,dos que deles necessitem, certo que a prova dos a u t o s , demonstrou que não havia, de modo pleno e cabal, o atendimento dessa obrigação, tal como bem colocado na r. sentença, /sprído falacioso dizerse que o nível de eficiência não pode ser jatado pelo volume de medicamentos postos à disposição de'quem/os^p^ecise. Um só que falte Jipe/ação Cíveln° 994.06.096464- PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO leva à consideração inarredável de que o direito à saúde é vulnerado. Um só paciente que não possa ter era suas mãos os remédios que lhe foram prescritos já se encontra em, situação jurídica de reclamar, a tutela jurisdicional, não havendo que se raciocinar em termos outros que não equivalham ao cumprimento dessa obrigação legal em todos ,os casos. -Aí à razoabilidade determina qu'e todos sejam atendidos, que a saúde de todos os pacientes seja garantida e que a vida de todos possa ser assegurada. A separação dos poderes é justamente a técnica pela qual o Poder é contido pelo próprio poder. Ê o sistema de freios e contrapesos (checks and balances, ou método das compensações), uma garantia de que os dogmas inseridos na Constituição Federal e que representam a vontade da maioria do povo serão cumpridos inclusive pelo Poder Público. Superada a fase do absolutismo, época marcada pela célebre frase de Luís XIV V etat c' est rríoi (o Estado sou eu), a administração do Estado passou a ser tripartida. • Conforme leciona Uadi Lammêgo Bulòs, em súa obra Constituição Federal Anotada, Saraiva, 2 a edição, p. 39/40, os princípios fundamentais, além unidade sistemática da constituição, atuam soluções interpretativas por intermédio de e, por isso, dirigem-se de seus órgãos Legislativo, E nisso não se assegurarem como vetores ao Poder Executivo e encontra a para Público, Judiciário. espaço para transformação do Complexo Hospitalar das Clínicas em mero posto de entrega de remédios. Não apenas é vazia de conteúdo tal'afirmação, quanto esbarra em verdadeira litigância de . má^é, porquanto equivalente isso a argumentar-se contra o textp legal, não sendo verdadeira a afirmação de que a precípua f u n g ^ / d o Hospital sejam o jlpebção CíveCn"-994.06.096 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ensino e a pesquisa. É cediço que mercê do alto nível da medicina ali exercida, tem o Hospital servido como último refúgio dos que, sem poderem contar c o m , s u a s próprias economias, sejam compelidos a procurar n o . Estado a satisfação do seu . direito à saúde, sendo I absolutamente insofismável que, atualmente, não se pode visualizar o Complexo tão só como u m centro de excelência em termos de pesquisa e ensino na área da saúde, porque as necessidades das pessoas mais pobres de há muito determinaram mudança dessa situação. Hoje o Hospital das Clínicas opera para com a sociedade verdadeira atuação de estabelecimento de saúde e, como tal, há de garantir, aos que ali se tratam, não internados, encontrem na farmácia os medicamentos que são receitados por seus médicos. Confira-se, por oportuno, ensinamento do Eminente Jurista Português J.J. Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Lisboa, p. 1148, ao tratar dos princípios da Interpretação Constitucional, destacado princípio da máxima .efectividade, ,pelo qual a uma. norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. De outro lado, o apelo da Fazenda do Estado, como de hábito, se sustenta na pretensa invasão da seara administrativa pelo , Judiciário, olvidando, todavia, e também como sempre, que não se pode deixar de garantir direitos que a Constituição afirme como inalienáveis, mormente quando o Poder Público não cumpra com sua obrigação legal, de sorte que, em havendo violação a direitos individuais ou coletivos, pode e deve o Judiciário compelir a Administração à observância do texto legal, nada havendo nisso de ativismo judicial, senão de cumprimento irrestrker da missão de entregar a tutela jurisdicional, até porque rêspei^ácjjp o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. JipeCação CíveCn" 994.06.09Í PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO A questão, aliás, é pacífica em, nossos Tribunais, tal como, espelham os r. julgados abaixo colacionados em casos semelhantes aos dos^autos: AÇÃO - Obrigação de fazer - Fornecimento de medicamento - Pedido contra a Fazenda Estadual Acesso universal e igualitário à saúde garantido pela Constituição Federal - Ofensa ao - principio da separação dos poderes não caracterizada Demonstrada' a real necessidade do apelado ao medicamento - Recurso não provido. (Apelação Cível n. 88.407-5 - São Paulo •, 4 a Câmara de Direito Público Relator: Eduardo Braga - 07.12.00 - V.U.). Quanto ao tema da interferência da decisão recorrida em esfera de atuação exclusiva da Administração Pública, de forma a violar o princípio constitucional da separação dos Poderes da República e da autonomia estatal, também se "mostra oportuna, a > transcrição da seguinte r. decisão do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp 325337/RJ - I a Turma - Rei, Min. José Delgado -. julg. 21/06/2001): "1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que pretendeu ser obrigatoriedade do Estado o fornecimento de medicamentos para portadores do vírus HIV. 2. No tocante à responsabilidade estatal no fornecimento gratuito de medicamentos no combate à AIDS, é conjunta e solidária com a da União e do Município. Como a Lei n° 9.313/96 atribui à União, aos Estados e aos Municípios o dever de fornecer medicamentos de forma gratuita para o tratamento de tal doença, é possível a imediata imposição para tal fornecimento, em vista da urgência e conseqüências acarretadas pela doença. 3. É dever constitucional da União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios o fornfCfijjnento gratuito e apelação CíveCn" 994.06.096464-8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO imediato de medicamentos para portadores, do vírus HIV e para tratamento da AIDS. 4. Pela peculiaridade de cada caso e èm face de sua urgência, há que se afastar a delimitação no fornecimento de medicamentos constante na Lei n° 9.313/96. 5. A decisão que ordena que a Administração Pública forneça aos doentes os remédios ao combate da doença que sejam indicados por prescrição médica, não padece de ilegalidade. 6. Prejuízos iriam ter os recorridos se não lhes for procedente a ação em tela, haja vista que estarão sendo usurpados no direito constitucional à saúde, com a cumplicidade do Poder Judiciário. A busca pela entrega da prestação jurisdicionàl deve ser prestigiada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha, cada vez mais facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação em sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas de direito' 'público. 7. a , Precedentes da I Turma desta Corte Superior.8. Recurso improvido". J - Lembre-se, outrossim, que nenhuma violação a direito individual ou coletivo pode escapar da apreciação do Poder Judiciário, certo que um dos controles a que } se submete a Administração Pública é justamente o judicial, especialmente quando resulte do manejamento de ação civil pública intentada pelo Ministério Público para proteção de um número indeterminado de cidadãos que estejam ^sob risco, no que pertine ao direito à saúde, pela falta de medicamentos, não havendo nisso, alias, solapamento algum do princípio da impessoalidade, porquanto a própria natureza difusa ou coletiva desses direitos explanação.^ Raciocínio afasta qualquer contrário, além necessidade de ilegal, de maior obrigaria ao ajúizamento de u m número impressionante de feitos, tanto quanto os direitos viessem a ser violados individualmente, o que é impensável na atual quadra do nosso ordenamento jurídico. Apelação CíveCn"994.06.09i íj ^ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Não sendo acolhidos os apelos e havendo de ser confirmados os próprios e jurídicos fundamentos da r. sentença, que passam a fazer parte integrante deste, na esteira do que possibilita o art. 252, do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça, merecem improvimento os recursos voluntários. . 5. Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço do agravo retido, repilo preliminar e nego provimento- aos recursos voluntários. ' no dos Reis ator Apelação CíveCn"994.06.096464-8