A TRAJETÓRIA DO MST NOS ANOS 2000: AVANÇOS E RECUOS NA LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL Luciana Henrique da Silva 1 Resumo As mais influentes forças políticas populares que emergiram no período de redemocratização foram: o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Observamos pela bibliografia existente que tanto o PT quanto a CUT foram profundamente atingidos pela ofensiva neoliberal, o que provocou mudanças efetivas em suas formas de ação, programas e posicionamentos político-ideológicos. Perguntamos se o mesmo fenômeno não estaria acontecendo com o MST que, na última década, após anos de oposição política aos governos que se sucederam desde sua fundação em 1984, manteve estreita ligação com o Governo Lula. Este trabalho tem como objetivo trazer levantamento bibliográfico e documental sobre a trajetória do MST nos anos 2000, confrontando os dados da Comissão Pastoral da Terra e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária sobre o número de ocupações e assentamentos, discutindo a relação entre estes dados e o avanço do capitalismo neoliberal no Brasil. Introdução Este trabalho tem como objetivo trazer as primeiras reflexões acerca da pesquisa de pós-doutoramento que vem sendo desenvolvida no Programa de Ciência Polítca da UNICAMP, cujo projeto se intitula “O neoliberalismo e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: avanços e recuos da luta pela Reforma Agrária no Brasil nos anos 2000”. A pesquisa conta com financiamento da FAPESP e é vinculada ao Projeto Temático Projeto Temático “Política e classes sociais no capitalismo neoliberal”, coordenado pelo Profs. Armando Boito Jr (UNICAMP), Leda Paulani (USP) e Maria Orlanda Pinassi (UNESP). Dentre os objetivos do projeto destaca-se o de analisar o papel do projeto político e dos conflitos da sociedade capitalista neoliberal para avaliar as transformações na trajetória política do MST. O período histórico abordado, bem como a estreita relação que se estabeleceu entre CUT, PT e MST tornam necessário analisar os impactos causados pelas alterações programáticas do PT e pelas especificidades da política econômica do Governo Lula em torno dos posicionamentos e formas de luta dos movimentos populares e do MST, em particular. Dentre as questões a serem aprofundadas neste estudo podemos destacar: 1) 1 Quais as implicações das profundas mudanças econômicas impostas pelas políticas Bolsista FAPESP de Pós-doutorado em Ciência Política no IFCH/UNICAMP . 2 neoliberais no país nos últimos 15 anos, desde FHC a Lula, ao constituir um processo de desenvolvimento agrícola capitaneado pelo agronegócio, sobre as lutas sociais no campo na atualidade? 2) Na mesma linha de raciocínio, seria possível afirmar que o neoliberalismo repercute em termos de mudanças significativas na base social do MST? Neste caso, a hipótese é de que as mudanças ocorridas na trajetória do PT, em função, sobretudo, de seu afastamento das bases, repercutiram no discurso político de alguns dirigentes do MST. Um dos reflexos disso é a formulação de uma agenda em que o movimento, no próximo período, dê prioridade à luta institucional, o que, se por um lado, corresponde às demandas econômicas mais imediatas da base assentada, por outro pode amenizar algumas das práticas políticas mais contundentes como as ocupações, que poderá repercutir sobre a base acampada ou para uma dimnuição desta. Como se disse, essas mudanças foram ocorrendo na medida em que o neoliberalismo se consolida no Brasil e com o crescimento econômico verificado do último período, que mantêm inalteradas as políticas neoliberais implementadas nos anos 90. Neste primeiro momento, levantamos os dados da Comissão Pastoral da Terra, do DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária sobre o número de ocupações e assentamentos, pesquisa documental em jornais e cartilhas do MST, discutindo a relação entre estes dados e o avanço do capitalismo neoliberal no Brasil. A trajetória do MST nos anos 2000 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um dos mais expressivos fenômenos sociais e políticos da sociedade brasileira do século XX. Seu surgimento data do final da década de 1970, início da década de 1980, em contraposição à política imposta pela Ditadura Militar para o campo brasileiro 2. Mais conhecida como modernização conservadora, ou dolorosa 3, essa política estimulou um tipo de desenvolvimento agrícola baseado na divulgação e na implantação de inovações tecnológicas - maquinário e insumos químicos -, mantendo-se intocada a estrutura fundiária - concentrada e excludente – concebida ainda pela 2 Sobre as políticas implementadas na campo pelo governo militar consultar GRAZIANO DA SILVA (1985), MARTINS (1984) e GUILHERME VELHO (1976) 3 GRAZIANO DA SILVA, José. A modernização dolorosa: estrutura agrária, fronteira agrícola e trabalhadores rurais no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 3 Lei de Terras de 1850. A abertura política do período deu uma nova diretriz para a questão agrária no país e permitiu que diversos atores sociais entrassem na arena política para reivindicar seus direitos, incluindo-se entre eles, os camponeses liderados por entidades já tradicionais na luta pela Reforma Agrária. O processo que derivou dos debates e o clima de efervescência política da época convergiram favoravelmente no sentido de que reivindicações históricas dos movimentos fossem contempladas na Constituição de 1988. Dentre as diversas organizações que se constituíram e consolidaram, desde o período de redemocratização do país, as que tiveram maior destaque no cenário nacional foram o PT, a CUT e o MST. A trajetória do movimento se confunde com a trajetória destas duas organizações. No 3º Encontro Nacional do MST, realizado entre os dias 19 a 23 de janeiro de 1987, em Piracicaba-SP, a foto de encerramento, que traz a bandeira do Movimento ladeada pela do PT (à esquerda) e da CUT (à direita), coloca a necessidade de articulação dos trabalhadores do campo e da cidade, incluindo aí amplo apoio às greves, passeatas, concentrações, além de seguir a orientação política: AJUDAR A CONSTRUIR A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES- CUT (Caderno de Formação no. 12, 1987, p. 13) A ofensiva neoliberal 4 se intensificou no Brasil a partir dos anos 90: a reestruturação produtiva e as novas formas de acumulação flexível eliminaram muitos postos de emprego, notadamente de operários industriais com um corte de 38,1 % dos empregos formais entre 1990 e 1997, reduziu-se os quadros administrativos e gerenciais e o setor terciário passou a ser o principal absorvedor de mão-de-obra urbana. As transformações no campo brasileiro com a diminuição de lavouras intensivas em trabalho e a incorporação dos conhecimentos tecnológicos disponíveis levou a uma segmentação do mundo rural entre “produtores integrados e não integrados aos complexos agroindustriais” (SANTOS, 2002). Em paralelo, ocorreu uma reconfiguração do papel do Estado: privatização de empresas estatais, a desregulamentação dos mercados (de trabalho e financeiro), e a transferência de responsabilidades na prestação de serviços sociais para a iniciativa privada (saúde, educação e previdência social). Entretanto, de acordo com Duménil e Lévy (apud Galvão, 2008, p. 152) o “objetivo da ordem neoliberal é, acima de tudo, político: trata-se de promover a restauração da renda e do patrimônio das frações superiores das classes dominantes”. Deste modo, a ofensiva neoliberal causa impactos também nas classes dominadas, por esta razão comporta também a formação de ideias que buscam a legitimação 4 Consideramos a definição de neoliberalismo como uma ofensiva das classes dominantes, expressão da luta de classes, num momento em que a correlação de forças é favorável ao capital adotada por Galvão (2002 e 2008) 4 desta nova ordem capitalista num processo de inversão nos quais “direitos restritos são convertidos em 'privilégios' e conquistas trabalhistas são consideradas 'custos' dos quais as empresas devem imperiosamente se desfazer. (Galvão, 2008, p. 155). O PT surgiu como: “expressão de uma classe que emergia de sua luta direta contra o capital, significativamente de um setor chave da ordem capitalista ligado diretamente à produção do valor: o operariado industrial”, cuja ampliação das lutas sindicais para as lutas políticas constituiu um partido “com caráter classista, anticapitalista e com uma meta estratégica socialista 5” (IASI, 2006, p. 530). Contudo, Partido passa a redefinir as suas estratégias e táticas diante da ofensiva neoliberal. Os programas nos anos 1990 são marcados por uma “orientação reformista economicista que busca, através de reformas econômicas, humanizar o capitalismo...” enquanto desapare as lutas antiimperialista, antimonopolista e antilatifundiária (Gutierrez, Martuscelli e Correa, 2002, p. 248). A ação do movimento sindical também foi afetada diretamente pelas transformações do capitalismo neoliberal com a diminuição dos postos de trabalho, o corte dos investimentos públicos e as reformas neoliberais (administrativa, trabalhista e previdendiária) tendo que adotar uma postura mais defensiva. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) cujas práticas ao longo dos anos 1980 se evidenciavam como combativas, resistentes as políticas neoliberais, passaram a oscilar entre a elaboração de uma ação mais propositiva, por meio da assimilação de elementos do discurso neoliberal aliando desenvolvimento capitalista à distribuição de renda, e movimentos de contraposição à política neoliberal. Estas mudanças repercutiram diretamente sobre as formas de atuação da CUT que passou “a priorizar a ação institucional, em detrimento do trabalho de organização e mobilização das bases, e por negociar de maneira “realista”, sem se confrontar com os elementos das propostas apresentadas pelo governo e pelo patronato” (GALVÃO, 2002, p. 121). O acirramento das contradições sociais provocadas pela ofensiva neoliberal que levaram a um crescimento de trabalhadores rurais e urbanos, sem perspectivas de emprego imediato e, consequentemente, de sobrevivência gerou um grande contingente de famílias que se apóia no MST ampliando consideravelmente o número de ocupações no período. Além da oportunidade que encontram de se reorganizar politicamente, esses trabalhadores, em sua maioria desempregados, não estavam sujeitos a “constrangimentos econômicos”, visto que não estariam constantemente pressionados pela perda do emprego, como os demais trabalhadores vinculados ao movimento sindical (COLETTI, 2002). 5 A concepção de socialismo democrático do PT na análise de Gutierrez, Martuscelli e Correa (2002) é obscura e contraditória, pois estava subordinada a manutenção da ordem vigente. 5 Acrescente-se que este importante fato repercutiu na própria direção do MST com o ingresso de novos militantes/dirigentes oriundos de outras organizações e movimentos urbanos que, ao participarem e influenciarem o debate político interno, impõem a necessidade de estabelecer-se o diálogo com a periferia das cidades. Surge daí a primeira incursão do MST na organização dos trabalhadores das periferias 6 buscando, por meio da luta por moradia, criar outros interlocutores capazes de fazer o enfrentamento com o governo. Os massacres ocorridos em Corumbiara (1995) e em Eldorado dos Carajás (1996) sensibilizaram a população gerando com isso um amplo reconhecimento político do movimento por setores importantes da sociedade brasileira. Fato é que, após esses trágicos acontecimentos, volta a figurar com grande intensidade no cenário político nacional, o problema da Reforma Agrária. A Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária, organizada pelo MST (1997), envolveu cerca de 1500 trabalhadores sem-terra que partiram de três pontos do país - São Paulo (SP), Governador Valadares (MG) e Cuiabá (MT) - em direção a Brasília (DF). A Marcha contou com amplo apoio de setores organizados – destaque a CUT e ao PT - e não organizados da população em geral, engrossando a manifestação que alcançou o impressionante número de 100 mil pessoas 7. Neste período o MST se consolida nacional e internacionalmente; e, dentre outras entidades relacionadas à luta pela terra no Brasil, torna-se um dos grandes interlocutores do governo. Conforme Galvão (2008) e Coletti (2002) o MST nos anos 1990 atuou fortemente contra as reformas neoliberais. Esta atuação não passou desapercebida pelo governo que passou a adotar políticas que visavam coibir esta atuação como a “Lei anti-invasão”, de 2001 8. Ao freqüentar as páginas policiais dos jornais impressos e televisivos, o MST passou a ser alvo de políticas cada vez mais desfavoráveis à Reforma Agrária. A vitória de Luís Inácio da Silva nas eleições de 2002 levou grande parte dos seus integrantes a acreditar em um avanço para o desenvolvimento das políticas de reforma agrária no país, principalmente pelas perspectivas apresentadas pelo II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA). Diante da expectativa gerada pelo Plano, entre os desafios da luta política pela reforma agrária contidos no documento A luta pela Reforma Agrária e as Tarefas do 6 Durante os anos de 1996 e 1997 o movimento organizou a luta por moradia em diversas cidades do país: Campinas, Osasco, Itapevi, Guarulhos, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. 7 Segundo CHAVES (2000, p.347-348) as manifestações de protesto em Brasília antecederam o dia da chegada da marcha, em 17 de abril de 2007: “No dia anterior, metalúrgicos e desempregados provenientes de vários estados, arregimentados pela Central Única dos Trabalhadores, a CUT, promoveram carreata da sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, CONTAG, na cidade-satélite do Núcleo Bandeirante, até a Esplanada dos Ministérios. Ali, organizaram um acampamento em frente ao local onde os sem-terra permaneceriam acampados a partir do dia seguinte.” 8 Refere-se à Medida Provisória 2.183/01 que proíbe a vistoria em áreas invadidas por um período de dois anos. 6 MST, apresentado no XII Encontro Nacional do MST, realizado entre 19 a 24 de janeiro de 2004, em São Miguel do Iguaçu-PR, estava a seguinte recomendação: Devemos ter o cuidado de não tratar o governo federal como se fosse inimigo. Nossa avaliação é de que é um governo em disputa, que tem um compromisso histórico com a reforma agrária e por tanto (sic) devemos pressioná-lo para que acelere a reforma agrária. Nisso, o Plano Nacional de Reforma Agrária jogará um papel importante para unificar o governo também. Isso significa que vamos criticá-lo quando erra, mas que vamos apoiar em tudo o que fortalecer avanços para a reforma agrária (Direção Nacional, 2004, p. 25) A proposta inicial do II PNRA, após intensos debates, sofreu diversas modificações que atenuaram seu conteúdo inicial. Durante o primeiro governo Lula os conflitos de terra ampliaram-se devido às expectativas geradas. As ocupações de terras durante o primeiro mandato se concentraram no ano de 2004; de acordo com a CPT, teriam sido 496 ocupações, enquanto os dados do INCRA revelam 327 ocupações, atingindo o maior número de ocupações desde a Lei Anti-invasão. Contudo, apesar do aumento significativo de recursos destinados ao INCRA e a meta de assentar 400 mil famílias durante o período de 2003 a 2006, estabelecida pelo Plano Nacional de Reforma Agrária de 2004, a política de assentamentos não foi consolidada 9. Quadro 1 : Número de Famílias assentadas 1995-2011 Período/ano 1° Governo FHC(1995-1998) 2° Governo FHC (1999-2002) 1° Governo Lula (2003-2006) 2° Governo Lula (2007-2010) Governo Dilma (2011) Número de Famílias Número de famílias assentadas assentadas – DataLuta Governo 245.519 287.994 148.323 252.710 213.438 381.419 36.891 222.669 22.021 Fonte: Elaborado própria a partir do Boletim Dataluta, 2010 e Caderno Conflitos no Campo, CPT, 2011. Para o quadro em branco não há dado disponível. Gráfico 1: Famílias assentadas 2003-2011 9 Segundo os dados disponibilizados pelo INCRA, a meta estabelecida para o ano de 2003 era de 60 mil famílias assentadas, enquanto que para os anos de 2004 e 2005 era de 115 mil famílias assentadas/ano. Contudo, apenas 68,3 mil famílias foram assentadas em 2004, ou seja, 59 % da meta estabelecida. Logo, nos dois primeiros anos do Governo Lula foram assentadas somente 32 % das famílias previstas na meta inicial. 7 FONTE: INCRA Em linhas gerais, o governo Lula conseguiu conciliar a política neoliberal com o crescimento econômico por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, incentivos ao agronegócio brasileiro (produção de commodities e de agrocombustíveis) e repasses ao Fundo Monetário Internacional, e políticas de compensação social, como o Bolsa Família e o Programa de Aquisição de Alimentos, vinculados ao Fome Zero, que se tornou a principal política de comercialização da agricultura familiar. Concomitantemente, a Reforma Agrária saiu da agenda política do governo o que pode ser observado na diminuição das famílias assentadas ano após ano a partir de 2006 e, também, na diminuição do Orçamento da função Agrária da União a partir de 2008: Gráfico 2 : Histórico do Orçamento da Função Agrária da União 2003-2011 Fonte: VIGNA, 2012. O Movimento depositou grandes expectativas tanto nas possibilidades de constituir-se num amplo movimento social, como na construção do Partido dos Trabalhadores que, uma 8 vez no poder político do país, poderia, finalmente, construir o tão almejado Estado Democrático e Popular. No Programa de Reforma Agrária, proposto em 1998, estão explícitos como objetivo geral: a construção de uma “sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o capital” e a difusão dos “valores humanistas e socialistas nas relações sociais”. Como objetivo específico, a alteração da estrutura da propriedade da terra subordinando “ a propriedade da terra à justiça social, às necessidades do povo e aos objetivos da sociedade”. Assinala-se, ainda, que a execução do Programa dependeria de dois fatores: 1) a construção de um amplo movimento popular que reunia os milhões de explorados e interessados nas mudanças da sociedade e 2) a ação do Estado Democrático e Popular: “a implementação dessas mudanças implica necessariamente em que o Estado, com tudo o que representa de poder (executivo, legislativo, judiciário, segurança e poder econômico) seja o instrumento fundamental de implementação dos propostas (sic)” (caderno de formação no. 23, Programa de Reforma Agrária, 1998, p. 27). A frustração desta estratégia foi profunda no momento mesmo de sua concretização o que requer dos seus dirigentes uma urgente reflexão acerca das suas estratégias de ação. Esta contradição foi bem ressaltada por PINASSI (2011) que afirma: “o MST de alguns assentamentos razoavelmente bem sucedidos, que tende à institucionalização das suas práticas mercadológicas não pode conviver sem uma grave contradição interna com o próprio MST, que sob a lona preta dos acampamentos, tende a acirrar a luta de classe”. Esta contradição se manifesta no discurso conciliador de parte de seus dirigentes em relação ao governo, na defesa da melhoria dos assentamentos e em algumas parcerias com empresas visando o “desenvolvimento sustentável” 10 e nas práticas de enfrentamento ao capital, como as ações das mulheres, cujos maiores exemplos foram a ação da Via Campesina contra a ARACRUZ, em 2006, e a ocupação da Cutrale, em São Paulo, em 2009. Neste último caso, a ocupação ensejou a abertura de mais uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito 11, mais conhecida como CPMI do MST. Podemos observar no gráfico a seguir que a falta de uma política efetiva de Reforma Agrária pelos Governos do PT tem levado ao arrefecimento dos conflitos por terra no Brasil, tanto o número de ocupações, quanto a quantidade de famílias acampadas diminuíram 10 A Fibria, do segmento de papel e celulose, está trabalhando em um projeto de assentamento rural em parceria com Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e governo do Estado da Bahia. O projeto será realizado em uma área de 10 mil hectares, com base na agricultura familiar e foco na educação. Disponível no site: http://www.amcham.com.br/regionais/amchamsao-paulo/noticias/2011/ideologia-engajamento-e-metricas-sao-os-ingredientes-de-sustentabilidade-danatura-fibria-e-du-pont. Acesso em: 02/12/2011 11 O MST também foi um dos principais alvos de investigação da CPMI da Terra (2003-2005) e da CPMI das ONGS (criada em 2007 e ainda não concluída) 9 substancialmente nos últimos anos. Para o governo a explicação é que diminuiu a demanda por terra para Reforma Agrária no Brasil, para os movimentos sociais a lentidão nas desapropriações e na consolidação dos assentamentos seriam as causas desta diminuição. Font e: Elaborado a partir de Caderno Conflitos do Campo, CPT, 2011. Fonte: Elaborado a partir de Caderno Conflitos do Campo, CPT, 2011. Atentemos, entretanto, que o MST ainda realiza um grande número de ocupações, mobilizando cerca de 37 % do total de 3.210 famílias que participaram de ocupações em 2011. Nos últimos anos as reivindicações do movimento têm sido marcadas pela defesa da produção agrícola, dos assentamentos rurais e do enfrentamento às multinacionais e grandes indústrias do campo. A prioridade da política governamental tem sido o investimento na grande produção, visando a exportação, sendo relegadas a agricultura familiar programas de comercialização como o Programa de Aquisição de Alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento e o Programa Nacional de Alimentação Escolar que não sanam as dificuldades 10 estruturais dos assentamentos de Reforma Agrária. A relação com os governos do PT tem sido de fazer críticas aos recuos em relação a Reforma Agrária, mas de uma relativa expectativa na “luta institucional”, tendendo a compor com o governo, especialmente nas campanhas eleitorais 12. REFERÊNCIAS CARTER, Miguel (org.) (2010). Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2010. CHAVES, Christine de Alencar (2000). A marcha nacional dos sem-terra: um estudo sobre a fabricação do social. Rio de Janeiro: Relume Dumará: UFRJ, Núcleo de Antropologia da Política, 2000. COLETTI, Claudinei (2005). 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