Bagé, 04/2001
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Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
CONCLUSÃO
Aos 17 dias do mês de abril de 2001, faço estes autos conclusos ao MM Juiz
Federal desta Vara, do que, para constar livre este termo
Secretaria da Vara Federal de Bagé
Processo nº 2001.71.09.000308-9.
A União ajuizou ação possessória de interdito proibitório contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em que requereu a expedição de mandado liminar proibitório, para que os
manifestantes sejam impedidos de ocupar os prédios onde estão situados a Receita Federal, Justiça
Federal, Justiça do Trabalho, Ministério da Agricultura, Auditoria Militar e Procuradoria da República
em Bagé, bem como a faixa de domínio e a pista de ROLAMENTO da BR 293, proibindo-se de igual
forma, a interrupção do transito na referida rodovia federal.
Desde logo é preciso ter presente como sinalado pelo Juiz Federal Antônio Francisco Pereira,
que, quando a lei regula as ações possessórias, mandando defenestrar os invasores (art.920 e ss do
CPC), tem em mira o homem comum, o cidadão médio, que no caso, tendo outras opções de vida
diante de si prefere assenhorar-se do que não é dele, por esperteza, conveniência, ou qualquer outro
motivo que mereça a censura da lei e, sobretudo, repugne a consciência e o sentido do justo que os
seres humanos possuem.
Entretanto, este não é o caso dos autos.
Deveras, não se pode olvidar que estamos aqui ante a anunciada ação de um movimento social
reivindicatório e de protesto , em que só pretende, a priori, transformar a questão social que o legitima
num caso de polícia. Ora, não é demais reconhecer que, se alguma coisa foi feita em matéria de reforma
agrária neste País, deveu-se à pressão desse movimento Popular. Aliás, o MST é reconhecido internacionalmente, tendo o Brasil já sido condenado duas vezes pela Organização dos Estados Americanos
(OEA) como conseqüência da perseguição a esse movimento.
Demais disso e como lembrado pelo Juiz Federal José Carlos Garcia, as ações pacíficas do
MST remetem à exigência, em fase dos poderes públicos, da plena implementação da política de reforma agrária traçada pela Constituição de 1988. O simples fato da tematização constitucional da matéria
já demonstra o grau de relevância desta questão social, a qual vem se arrastando no País através do
séculos. O que o movimento exige, em outros termos, é a efetivação de diretrizes constitucionais, em
atenção ainda aos princípios da dignidade humana e da cidadania, fundamentos da República (art. 1º II
e III, da CF), e aos seus objetivos fundamentais, tal como os traçados no Texto Constitucional construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem discriminação (art.3.º, I, III e IV). Ou seja,
trata-se de diretrizes institucionais para o Estado Democrático de Direito no Brasil que foram agendadas
pelos constituintes (“De Sem-rosto a Cidadão”, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1999, pp77-8).
Nesse contexto, não se pode dar guarida a velhos preconceitos de conteúdo antidemocrático
contra os movimentos sociais e populares, enquanto protagonistas de ações pacíficas e transitórias. É
de essência de um regime que se pretende democrático a presença de um mínimo de tolerância no modo
de enfrentar os conflitos sociais.
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Assim o respeito devido ao multicitado movimento social, ao qual também está assegurado o
direito constitucional de manifestação, impede a este magistrado sua apressada condenação, tal como
de algum modo possuída na inicial. Impõe, isso sim a reflexão de toda a sociedade sobre a relevante
questão social posta em foco, bem como, é claro, a ação das autoridades constituídas responsáveis pela
reforma agrária.
Vale lembrar, a propósito, decisão do então Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, assim ementada.
“Movimento popular visando a implementar a reforma agrária não caracteriza crime contra o Patrimônio.
Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático” (STJ, HC 5.574/
SP.DJU. 18.0897).
Evidentemente a luta por direitos legítimos não faculta a ação violenta contra as pessoas ou
contra o patrimônio público, cumprindo, se for o caso, a apuração serena por parte das autoridades de
eventuais responsabilidades civis e criminais.
Dessarte, pela prova até aqui produzida, não identifico qualquer ameaça de danos iminente ao
patrimônio da União. Mesmo no tocante à dita interrupção do trânsito da BR 293 reconhecidamente
efêmera (dezenove minutos, fls), cabe apenas às autoridades policiais zelarem pela segurança de todos,
assegurando a passagem de algum caso de extrema urgência.
Pelo exposto, indefiro a liminar pleiteada, podendo a autora, sem embargo e a qualquer momento, denunciar a presença de fatos que autorizem a reapreciação da questão.
Cite-se, como requerido, e intimem-me.
Dê-se ciência ao MPF.
Bagé, 17 de abril de 2001.
Roger de Curtis Candemil
Juiz Federal
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