MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Recurso nº. Matéria Recorrente Recorrida Sessão de Acórdão nº. : : : : : : : 18471.000214/2005-18 148.111 IRPF - Ex(s): 2001 GUILHERME AUGUSTO FRERING 3ª TURMA/DRJ-RIO DE JANEIRO/RJ II 26 de julho de 2006 104-21.729 NULIDADE DO LANÇAMENTO - INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE LANÇADORA - INOCORRÊNCIA - O Auditor Fiscal da Receita Federal é servidor competente para proceder a lançamento de ofício de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal - SRF, em nome desta. Não há falar em nulidade do lançamento quando a autuação foi feita por servidor competente e com a estrita observância da legislação tributária. DECIDÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA - NULIDADE - INOCORRÊNCIA. Não há falar em nulidade da decisão de primeira instância quando esta atende aos requisitos formais previstos no art. 31 do Decreto nº. 70.235, de 1972. SIMULAÇÃO - SUBSTÂNCIA DOS ATOS - Não se verifica a simulação quando os atos praticados são lícitos e sua exteriorização revela coerência com os institutos de direito privado adotados, assumindo o contribuinte as conseqüências e ônus das formas jurídicas por ele escolhidas, ainda que motivado pelo objetivo de economia de imposto. SIMULAÇÃO - NEXO DE CAUSALIDADE - A caracterização da simulação demanda demonstração de nexo de causalidade entre o intuito simulatório e a subtração de imposto dele decorrente. SIMULAÇÃO - EFEITOS DA DESCONSIDERAÇÃO - O lançamento, na hipótese de simulação relativa, deve considerar a realidade subjacente em todos os seus aspectos, com adequada consideração do sujeito passivo que praticou os atos que a conformam. Preliminares rejeitadas. Recurso provido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso interposto por GUILHERME AUGUSTO FRERING. MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 ACORDAM os Membros da Quarta Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, por unanimidade de votos, REJEITAR as preliminares argüidas pelo Recorrente. No mérito, por maioria de votos, DAR provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que passam a integrar o presente julgado. Vencidos os Conselheiros Pedro Paulo Pereira Barbosa (Relator), Maria Beatriz Andrade de Carvalho e Maria Helena Cotta Cardozo, que proviam parcialmente o recurso para excluir da exigência a multa isolada do carnê-leão. Designado para redigir o voto vencedor o Conselheiro Gustavo Lian Haddad. MARIA HELENA COTTA CARDOZO PRESIDENTE GUSTAVO LIAN HADDAD REDATOR-DESIGNADO FORMALIZADO EM: Participaram, ainda, do presente julgamento, os Conselheiros NELSON MALLMANN, OSCAR LUIZ MENDONÇA DE AGUIAR, HELOÍSA GUARITA SOUZA e REMIS ALMEIDA ESTOL. 2 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Recurso nº. Recorrente : : 148.111 GUILHERME AUGUSTO FRERING RELATÓRIO Contra GUILHERME AUGUSTO FRERING, Contribuinte inscrito no CPF/MF sob o nº 690.885.277-68, foi lavrado o Auto de Infração de fls. 434/442 para formalização da exigência de crédito tributário no montante total de R$ 10.312.020,45, sendo R$ 2.204.009,50 a título de imposto; R$ 1.496.522,45 referente a juros de mora, calculados até 28/02/2005, R$ 3.306.014,25 referente a multa de ofício, qualificada, no percentual de 150% e R$ 3.305.474,25 a título de multa exigida isoladamente, no percentual de 150%. Infração As infrações estão assim descritas no Auto de Infração: “01) RENDIMENTOS RECEBIDOS DE FONTES NO EXTERIOR. OMISSÃO DE RENDIMENTOS RECEBIDOS DE FONTES SITUADAS NO EXTERIOR - Omissão de rendimentos recebidos de fontes pagadoras situadas no exterior, sujeito ao recolhimento de Carnê-leão, conforme descrição dos fatos constante do Termo de Constatação Fiscal anexo ao presente Auto de Infração”. (Fato gerador: 30/04/2000). Enquadramento legal: Arts. 1º, 2º, 3º e §§, e 8º, da Lei nº 7.713/88; arts. 1º a 4º, da Lei nº 8.134/90; art. 6º da Lei nº 9.250/95; arts. 55, inciso VII e 955, do RIR/99; art. 1º da Lei nº 9.887/99. “02) MULTAS ISOLADAS. FALTA DE RECOLHIMENTO DO IRPF DEVIDO A TÍTULO DE CARNÊ-LEÃO – Falta de recolhimento do Imposto de Renda da Pessoa Física devido a título de carnê-leão, apurada conforme descrição do Termo de Constatação Fiscal anexo ao Auto de Infração.” (Fato gerador: 30/04/2000) Enquadramento legal: art. 8º Lei nº 7.713/88 c/c arts. 43 e 44, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.430/9; art. 957, parágrafo único, inciso III, do RIR/99. 3 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 A matéria tributável está assim descrita no Termo de Constatação Fiscal de fls. 437/439: “1 – O contribuinte em epígrafe detinha em novembro de 1999, 49,9985% das quotas representativas do Capital Social da empresa Santana Participações Ltda. CNPJ nº 34.274.548/0001-41; 2 – O Balanço da empresa SANTANA LTDA. acima citada levantado em 31/10/1999 apresentava: 2.1. No Ativo Permanente – Investimento 12.000 ações que representavam 100% do capital da empresa estrangeira SANTANA INTERNATIONAL LTD., domiciliada nas Ilhas Bermudas no valor de R$ 22.502.819,00; 2.2. No Patrimônio Líquido – Lucros Acumulados da ordem de R$ 24.427.000,00; 2.3. No Ativo Circulante – disponibilidade da ordem de R$ 59.865.000,00, dos quais R$ 40.900.000,00 em Bancos e Aplicações Financeiras; 3. A empresa SANTANA INTERNATIONAL LTD. acima citada, em seu balanço de 31/12/1999, apresentava: 3.1. Lucros Acumulados da ordem de US$ 11.015.201,00, dos quais US$ 9.544.433,00 referente a anos anteriores e US$ 1.470.768,00 referente ao ano de 1999; 3.2. No Ativo Circulante – disponibilidade financeira da ordem de US$ 9.132.012,00; 4. Os Lucros da empresa SANTANA INTERNATIONAL LTD. acima mencionada são tributáveis na hipótese de serem distribuídos para: 4.1. Pessoas Jurídicas por força do artigo 394 (parágrafos e incisos) do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto 3.000/99 (RIR/99), Lei nº 9.249/95 e Lei nº 9.532/97. 4.2. Pessoas Físicas, por força do artigo 106 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99); artigo 8º da Lei 7.713/88 e parágrafo 2º inciso IV do artigo 24 da Lei 9.430/96. 4 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 5. Através da Ata de Reunião de Quotistas da empresa SANTANA PARTICIPAÇÃO E EMPREENDIMENTOS LTDA. realizada em 12 de novembro de 1999, restou decidido que seriam distribuídos lucros proporcionais à participação dos sócios e que ao sócio GUILHERME AUGUSTO FRERING caberia receber R$ 11.281.408,74 dos quais a parcela de R$ 11.251.409,75 seriam pagos por transferência de 6.000 cotas de capital da SANTANA INTERNATIONAL LTD. representado por 50% do capital da mesma; 6. Em 8 de dezembro de 1999 o contribuinte constituiu a empresa DESIDERATA INVSTIMENTS LTD. nas Ilhas Virgens Britânicas; 7. Em 8 de dezembro de 1999 o contribuinte aliena 2.400 ações de SANTANA INTERNATIONAL LTD, recebidas conforme item 5 acima, pelo valor de US$ 2.333.349,00 a empresa DESIDERATA INVESTIMENT LTD., acima referida, para integralização de seu capital; 8. Em 11/04/2000, DESIDERATA INVESTIMENTS LTDA. recebe US$ 1.844.000,00 referentes a lucros distribuídos pela SANTANA INTERNATIONAL LTD.; 9. Em 26/01/2001, DESIDERATA INVESTMENT LTD. reduz seu capital em US$ 1.880.000,00 através do pagamento a seu único acionista, o contribuinte em questão, de recursos da ordem de US$ 1.850.000,00 e através da liquidação de contas a receber no valor de US$ 30.000,00; 10. Analisando-se os fatos acima expostos, se fez necessário proceder à tributação mencionada no item 4.2. acima, incidente sobre o recebimento de Lucros da SANTANA INTERNATIONAL LTD., no valor de US$ 1.840.000,00, em abril de 2000, equivalente a R$ 3.205.832,00 (conversão à taxa de 1,7423, conforme artigo 6º da Lei nº 9.250 e Ato Declaratório COSIT nº 7 de 17/07/2000); Entendemos que, em tese, a constituição e atuação da empresa DESIDERATA INVESTMENT LTD., de integral controle do contribuinte, visava dissimular a distribuição de Lucros e sua conseqüente tributação, através de um conjunto de operações que de forma articulada e “triangular”, transferiu os Lucros da SANTANA INTERNATIONAL LTD. para o contribuinte em questão, justificando assim a exasperação da multa de ofício prevista no artigo 957, inciso II do RIR/99, aprovado pelo Decreto nº 3.000/99. 11. Em 12 de novembro de 1999, o contribuinte aliena 3.600 ações da SANTANA INTERNATIONAL LTD., recebidas conforme item “5” acima, pelo 5 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 valor de R$ 6.750.845,85, equivalente a US$ 3.500.023,77, a empresa BRASFINA PARTICIPAÇÕES S/C LTDA-CNPJ 32.209.074/0001-29, na qual o contribuinte detém o controle com 99,996% das quotas representativas do Capital Social; 12. Em 28 de outubro de 1999 é constituída nas Ilhas Virgens Britânicas a empresa BRASFINA INVESTMENT LTD. pela empresa Brasfina Participações S/C Ltda., acima citada; 12.1. Brasfina Participações S/C Ltda. aliena as ações de SANTANA INTERNATIONAL LTD. por US$ 3.500.023,00, a título de integralização de capital na BRASFINA INVESTMENT LTD; 13. Em 11 de abril de 2000, BRASFINA INVESTMENT LTD. recebe US$ 2.760.000,00 a título de Lucros Distribuídos pela SANTANA INTERNATIONAL LTD; 14. Em dezembro de 2000, BRASFINA PARTICIPAÇÕES S/C LTDA. aliena a totalidade das ações da BRASFINA INTERNATIONAL LTD. ao contribuinte pelo valor de R$ 6.576.900,37; 15. Em janeiro de 2001, BRASFINA INVESTMENT LTD. tem seu capital reduzido em US$ 2.850.000,00, através da distribuição dos fundos de Caixa para seu único acionista; 16. Analisando-se os fatos expostos, se fez necessário proceder à tributação mencionada no item 4.2. acima, incidente sobre o recebimento de Lucros da SANTANA INTERNATIONAL LTD., no valor de US$ 2.760.000,00 em abril de 2000, equivalente a R$ 4.808.748,00 (conversão a taxa de 1,7423, conforme artigo 6º da Lei nº 9.250 e Ato Declaratório COSIT nº 7 de 17/07/2000). Entendemos que, em tese, a constituição e atuação da empresa BRASFINA INVESTMENT LTD. e BRASFINA PARTICIPAÇÕES S/C LTDA., de integral controle do contribuinte, visava dissimular a distribuição de Lucros e sua conseqüente tributação, através de um conjunto de operações que de forma articulada e “triangular”, transferiu o Lucro de SANTANA INTERNATIONAL LTD. para o contribuinte em questão, justificando assim a exasperação da multa de ofício prevista no artigo 957, inciso II do RIR/99, aprovado pelo Decreto nº 3.000/99. 17. Pelo exposto, temos como matéria tributável total, em abril de 2000, a importância de R$ 8.014.580,00, resultado do somatório dos valores descritos nos itens 10 e 16 acima. 6 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 18. Os fatos relatados encontram-se amparados na documentação anexada ao processo administrativo nº 18471.000214/2005-18.” Impugnação Inconformado com a exigência, o Contribuinte apresentou a impugnação de fls. 456 a 500, onde contesta as conclusões da Fiscalização de que as empresas Desiderata Investment Ltd. (DIL) e Brasfina Investment Ltd. (BIL) foram criadas como parte de um conjunto de operações que visavam dissimular a distribuição de lucros da SANTANA INTERNATIONAL LTD. Diz que: “na realidade, aqueles atos, cuja efetividade e eficácia jurídica nem mesmo a fiscalização contestou, foram uma pequena parte de um conjunto muito maior de providências tomadas pelo IMPUGNANTE ao longo de três períodos-base, de forma bastante experimental, num processo de tentativas, acertos e erros guiados: a) inicialmente pela percepção, que se alterava a cada momento, numa fase conturbada da economia nacional e internacional, das tendências do mercado, a fim de consolidar créditos, quitar dívidas e criar alternativas de diversificação de investimentos com os recursos financeiros que já se encontravam no exterior quando ele adquiriu ações da SIL; b) mais tarde, por essa mesma preocupação, aliada à necessidade concorrente do IMPUGNANTE de reorganizar seu patrimônio de modo a propiciar que ele e sua família se mantivessem, no exterior, em caráter definitivo.” Aduz que a acusação de prática de ato dissimulado é incompatível com a aplicação da multa prevista no inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996. Argumenta que o único dispositivo da legislação tributária que se refere a dissimulação é o parágrafo único do art. 116 do CTN que é norma antielisiva e, portanto, a dissimulação estaria compreendida no plano da elisão fiscal, não se confundindo com o dolo, a fraude e a simulação. Daí conclui: “logo, ainda que efetiva dissimulação houvesse, descabido seria invocar o inciso II do artigo 44 da lei nº 9.430/96 (inciso II do art. 957 do RIR/99), pois a sanção nele prescrita presta-se 7 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 apenas para punir situações de evasão, nas quais o intuito de fraude do contribuinte restar evidente, como expresso no seu enunciado...” Após transcrever os art. 44, II da Lei nº 9.430, de 1996 e arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 7.713, de 1988, assevera que “a fiscalização jamais inculpou o IMPUGNANTE de constituir empresas “fantasmas”, efetuar remessas ilegais de divisas para o exterior, forjar aumentos e reduções de capital social sem que existissem bens ou direitos que lhes dessem suporte, ou algo equivalente.” Afirma que não impediu ou retardou o conhecimento de qualquer circunstância relacionada com o fato gerador e que, ao contrário, nada foi subtraído do exame das autoridades administrativas, “que tudo souberam pelas detalhadas exposições feitas pelo próprio IMPUGNANTE nas declarações de bens apresentadas em anexo às suas DIPF.” Pleiteia, com esses fundamentos, seja afastada a imposição da penalidade e invoca, nesse sentido, jurisprudência do Primeiro Conselho de Contribuintes. Sustenta que o imposto não poderia ser exigido nas circunstâncias relacionadas com os autos. É que, argumenta, enquanto não for editada lei regulamentadora do parágrafo único do art. 116 do CTN as autoridades administrativas não poderiam desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Distingue a evasão da elisão fiscal dizendo que: a) a primeira, como todo meio de que se valha o sujeito passivo para ocultar o conhecimento do fato gerador ocorrido, o que a introduz no plano da fraude e da simulação e; b) a segunda, como todo meio do qual o contribuinte lance mão para evitar a ocorrência do fato gerador do tributo ou mitigar-lhe os efeitos financeiros, não podendo, por conseguinte, as autoridades administrativas oporem-lhes 8 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 resistência, por tratarem-se de comportamentos lícitos, suportados pelo princípio da reserva à lei, do qual sobreleva a premissa de que o contribuinte é livre para organizar o seu negócio e as suas atividades da maneira que lhe aprouver, não havendo fundamento moral ou cívico que o obrigue a adotar a solução mais vantajosa para o Tesouro”. Argumenta que o art. 109 do CTN tem sido corretamente compreendido como faculdade outorgada ao legislador, mais do que ao intérprete, para estabelecer efeitos tributários distintos dos previstos no direito privado, “e, ainda assim, apenas quando os institutos, conceitos e formas de direito privado não utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias, como impõe o artigo 110 da mesma Lei Complementar.” Invoca jurisprudência da Câmara Superior de Recursos Fiscais e da Sexta Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes no sentido de que só é possível a descaracterização dos negócios jurídicos para fins de exigência de crédito tributário nos casos de fraude ou simulação. Aduz que o art. 116 do CTN, introduzido pela Lei Complementar nº 104, de 2001, embora não tenha sido mencionado no auto de infração ou no Termo de Verificação Fiscal, “seria o único em que poderia a fiscalização buscar apoio para sustentar suas conclusões”. Argumenta, entretanto, que se trata de norma de eficácia limitada, a depender de outra lei que lhe confira executoriedade e de efeito ex nunc, isto é, aplicável apenas a fatos posteriores á sua vigência. Daí conclui que, no caso, as autoridades administrativas nunca tiveram competência para desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, o que ensejaria a insubsistência do auto de infração e a sua nulidade de pleno direito na forma do inciso I do art. 59 do Decreto nº 70.235, de 1.972. 9 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 O Contribuinte sustenta a improcedência do auto de infração, ainda, ao argumento de que não teria ocorrido o fato gerador do imposto, posto que não houve a disponibilidade referida no art. 43 do CTN. Argumenta que não ocorreu, em 11/04/2000 o recebimento, pelo IMPUGNANTE, de valores relacionados aos lucros distribuídos pela empresa Santana International Ltd. e que tal disponibilidade, no que concerne a rendimentos oriundos do exterior, somente ocorre, quando a pessoa física efetivamente receber os rendimentos. Diz que o recebimento dos recursos financeiros somente ocorreu quando da redução do capital das empresas BIL e DIL, o que só de deu em 26/01/2001, e se sujeita a regime tributário específico. Segundo o Contribuinte, “de fato, o recebimento de valores pelo IMPUGNANTE deu-se apenas em 26/01/2001, 9 meses depois daqueles eventos, 12 dias antes de sua retirada em caráter definitivo do Brasil, um mês depois de o IMPUGNANTE ter comprado da Brasfina Participações S/C Ltda. as ações da BIL e, ainda assim, quando DIL e BIL reduziram seus respectivos capitais sociais”. Argumenta que, “entrega de bens a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social da pessoa jurídica é operação legítima, sujeita a apuração de ganho de capital, nos moldes dos artigos 2º. 3º, 16, 18, 21 e 22 da Lei nº 7.713, de 1988, 21, 22 e 23 da Lei nº 9.981, de 1995, 17 da Lei nº 9.249, de 1995, 22, 23 e 25 da Lei nº 9.250, de 1995, 11 da MP nº 2.189-49, de 2001, e 24 da MP nº 2.158-35, de 2001”. Assim, arremata, o fato gerador somente teria se materializado com o recebimento da renda ou dos proventos, em 26/01/2001, quando a BIL e a DIL lhe devolveram participação em seus respectivos capitais sociais em dinheiro. Por fim, insurge-se o IMPUGNANTE contra a exigência da multa isolada, simultaneamente com a multa de ofício, ambas exasperadas, por ofensa aos artigos 97, incisos V, e 113 do CTN e por implicar em dupla imposição de penalidade sobre uma mesma base. Invoca jurisprudência administrativa nesse sentido. 10 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 O próprio Impugnante assim resume suas razões: a) as operações descritas no TVF não tiveram o intuito de evitar pagamento de imposto pelo IMPUGNANTE; a.1) foram parte de inúmeras outras providências tomadas passo a passo ao longo de três períodos-base, em face das necessidades surgidas a cada momento num cenário complexo e numa fase conturbada da economia, durante a qual o IMPUGNANTE procurava reestruturar seus negócios e reorganizar o seu patrimônio com o fito, inclusive, mais tarde, de se instalar definitivamente com sua família no estrangeiro; a.2). não houve, como restou indiscutível, propósito de dissimular a ocorrência de fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária do imposto de renda pessoa física, o que denota a inveracidade das premissas em que se escora a imposição fiscal e, por decorrência, a impossibilidade de prosperar o auto de infração; b) mesmo que assim não fosse, é indispensável levar em conta que atos ou negócios praticados com finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária não são, por natureza e definição legal, atos praticados com simulação, e muito menos com evidente intuito de fraude, o que requer a declaração de improcedência da multa exasperada do inciso II do artigo 44 da Lei nº 9.430/96, computada no lançamento ora hostilizado; c) como atestou o Exmo. Sr. Presidente da República, os atos ou negócios praticados com finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária compreendem-se no plano das elisões fiscais e somente poderão ser desconsiderados pelas autoridades fiscais quando houve lei que regule os procedimentos requeridos pelo parágrafo único, in fine, do artigo 116 do CTN, a qual produzirá efeitos ex nunc, recaindo sobre eventos ocorridos após a sua entrada em vigor; c.1) inexistindo lei em vigor que regule os procedimentos requeridos pelo parágrafo único, in fine, do artigo 116 do CTN, as autoridades administrativas são incompetentes para desconsiderar os atos praticados com as características previstas neste comando legal, o que revela a improcedência e a nulidade do lançamento enfrentado nesta Impugnação, na forma do inciso I do artigo 59 do Decreto nº 70.235/72, nulidade essa que se acentua quando a insigne autuante desconsiderou atos e fatos ocorridos antes mesmo da publicação da Lei Complementar nº 104/2001; 11 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 d) de todo modo, segundo estabelecido reiteradamente na legislação reguladora do imposto de renda das pessoas jurídicas invocada pela própria fiscalização, a disponibilidade a que alude o artigo 43 do CTN, como condição para surgimento da obrigação tributária, somente se verifica, no que concerne a rendimentos oriundos do exterior, quando a pessoa física efetivamente os receber, razão pela qual, mesmo que dissimulação tivesse, e independentemente da regulação do parágrafo único do artigo 116 do CTN por outra lei, e a atribuição dessa competência retroagisse, para alcançar atos praticados e fatos ocorridos antes até da publicação da Lei Complementar nº 104/2001, o auto de infração seria improcedente, porque, em 11/04/2000, o IMPUGNANTE nada recebe em decorrência das operações citadas no TFV; e) recebimento de recursos financeiros pelo IMPUGNANTE ocorreu somente quando da redução do capital da BIL e da DIL, em 21/01/2001, francamente informado na declaração de bens anexada à DIRPF tempestivamente apresentada à Secretaria da Receita Federal, mediante operações sujeitas a regime tributário específico de apuração de ganho de capital previsto nos artigos 2º, 3º, 16, 21 e 22 da Lei nº 7.713, de 1988, 21, 22 e 23 da Lei nº 9.981, de 1995, 17 da Lei nº 9.249, de 1995, 22, 23 e 25 da Lei nº 9.250, de 1995, 11 da MP nº 2.189-49, de 2001, e 24 da MP nº 2.158-35, de 2001, regulamentados pela IN/SRF nº 118/2000, que não pode ser esquecido pela Fiscalização, a qual, todavia tratou esses fatos de passagem, porque sabia que deles não resultou ganho de capital tributável algum; f) a aplicação ao caso da multa isolada de que trata o inciso III do § 1º do art. 44 da lei nº 9.430/96 é totalmente despropositada, quer porque esse dispositivo viola o inciso V do artigo 97 e o artigo 113 do CTN, quer porque a ordem jurídica repele a dupla imposição de penalidade sobre uma mesma base de cálculo.” Decisão de primeira instância A DRJ/RIO DE JANEIRO/RJ II julgou procedente o lançamento, com os fundamentos consubstanciados nas ementas a seguir reproduzidas. "Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF Exercício: 2001 12 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Ementa: RENDIMENTOS. OMISSÃO. Comprovada a omissão de rendimentos, nos termos descritos no Auto de Infração, há de se manter o lançamento. MULTA ISOLADA. CARNÊ-LEÃO. Por expressa determinação legal, é devida a multa isolada por falta de pagamento mensal de Imposto de Renda sobre rendimentos recebidos de fonte situada no exterior (carnê-leão). MULTA DE OFÍCIO QUALIFICADA. É cabível a aplicação da multa de ofício qualificada de 150%, disciplinada pelo art. 44, II, da Lei nº 9.430/96, quando ficar evidente a intenção do contribuinte em negar a existência de recursos tributáveis com o intuito de ocultar o fato gerador do Imposto de Renda. Lançamento Procedente.” A decisão de primeira instância baseia-se, em síntese, nas seguintes considerações: - que não há qualquer vício no procedimento fiscal a ensejar a nulidade do Auto de Infração, que foi lavrado por servidor competente; - que restou evidenciada nos autos a intenção do Contribuinte em se esquivar da tributação ao constituir as empresas BIL e DIL, para simular a distribuição de lucros para essas empresas, quando na realidade tais recursos lhe pertenciam; - que na Impugnação o Contribuinte não trouxe nenhum elemento novo, além dos já apresentados durante a ação fiscal; - que o conceito de simulação definido pelo art. 102 do Código Civil, o qual transcreve, aplica-se perfeitamente ao caso sob exame; - que a simulação pode ser definida como a declaração de vontade irreal, emitida conscientemente, objetivando a aparência de um negócio jurídico que não existe ou 13 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 que, se existe, é distinto daquele que efetivamente se realizou, com o objetivo de enganar terceiros; - que em momento algum a Fiscalização fundamentou a exigência no art. 116 do CTN; - que restam presentes, no caso, os requisitos previstos no art. 44, II da Lei nº 9.430, de 1996, devendo ser mantida a qualificação da penalidade; - que o Conselho de Contribuinte manifestou-se em recente julgado relacionado a matéria análoga pela procedência do lançamento; - que, quanto à multa isolada, são duas as multas previstas no art. 44, 1º da Lei nº 9.430, de 1996, uma a ser lançada sobre o imposto mensal devido e não recolhido e outra que incide sobre o imposto suplementar apurado na declaração de ajuste. Recurso Cientificado da decisão de primeira instância em 15/08/2005 (fls. 526) e com ela não se conformando, o Contribuinte apresentou, em 12/09/2005, o recurso de fls. 530/571, onde argúi, preliminarmente, a nulidade da decisão de primeira instância por não ter apreciado os argumentos da impugnação. Afirma que tal omissão “implica em ofensa ao direito de petição, ao princípio do duplo grau de jurisdição, e às garantias ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, erigidos pela Constituição Federal como pedras angulares do sistema de direitos e garantias individuais, bem como do próprio controle voluntário da legalidade dos atos administrativos, a ensejar a nulidade daquele aresto, nos moldes previstos no inciso II do artigo 59 do Decreto nº 70.235/72...”. Invoca jurisprudência administrativa. 14 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Argúi a nulidade da decisão de primeira instância, também, sob a alegação de que esta modificou a fundamentação jurídica da autuação, sem ter devolvido prazo para impugnação da matéria agravada. Diz que, como a autuação referiu-se ao verbo dissimular e como o único dispositivo da legislação que menciona esse verbo é o art. 116 do CTN e, ainda, que em momento algum a fiscalização utilizou o termo simulação ou fez referência ao artigo 102 do Código Civil, “a impugnação só poderia enfrentar a imposição fiscal compreendendo o vocábulo dissimular como interpretado pelo Chefe do Poder Executivo, e assim foi feito.” E que, “ao renunciar àquela linha de acusação para, a partir de então, concentrá-la com exclusividade no artigo 102, inciso I, da Lei Civil de 1916, a instância de origem alterou substancialmente a fundamentação original da exigência, agravando-a.” Argumenta o Recorrente que a Fiscalização não mencionou expressamente o parágrafo único do art. 116 do CTN porque sabia que, ao aplicar os mecanismos nele previstos o estava infringindo, por tratar-se de norma de eficácia contida. No mais, o recurso reproduz, em síntese, as mesmas alegações e argumentos da Impugnação. O Recorrente, em 25/01/2006 traz aos autos parecer da lavra do Jurista Ricardo Lobo Torres com as seguintes conclusões: 01) que “além do parágrafo único do art. 116 do CTN, não existe nem existia na época dos fatos relacionados no auto de infração, na legislação tributária nacional ou federal em cuja redação o substantivo dissimulação ou o verbo dissimular tenham sido empregados”; 15 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 02) que “inexistia, na época dos fatos relacionados no citado processo administrativo, norma de Direito Público ou de Direito Privado que definisse aqueles vocábulos e os seus efeitos jurídicos”; 03) que “na ocasião em que foi publicada a Lei Complementar nº 104/2001, introduzindo o parágrafo único do art. 116 do CTN, o conceito de dissimulação se vinculava aos de simulação relativa segundo as doutrinas do direito civil e do direito tributário”; 04) que “inexiste plausibilidade na afirmativa de que as operações societárias lá descritas tiveram por finalidade dissimular a ocorrência de fato ou circunstância que ensejasse a cobrança do tributo, configurando discrepância entre a vontade querida e o ato exteriorizado. Assim, a nosso ver, não podem ser consideradas atos eivados de simulação absoluta ou relativa”; 05) que, “inexiste plausibilidade na afirmativa de que o Consulente agiu com evidente intuito de fraude, a fim de impedir ou retardar dolosamente o conhecimento da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais, não se justificando a aplicação da multa agravada prevista no inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96”; 06) que, “ainda que o Fisco pudesse desconsiderar as operações descritas no TVF, invocando o parágrafo único do art. 116 do CTN, o artigo 102 do Código Civil de 1916, ou qualquer outro dispositivo legal, não haveria lógica no entendimento de que a Santana International Ltd. (SIL) ao distribuir lucros em favor da Desiderata Investment Ltd. (DIL) e para Brasfina Investment Ltd. (BIL), em 11/04/2000, estaria dissimulando distribuição de lucros ao Consulente, quando se sabe que o Consulente nada recebeu em decorrência daqueles eventos, pois recebimentos de recursos financeiros, somente ocorreram em 21/01/2001, quando a BIL e a DIL sofreram redução de capital social e que operações dessa natureza estão sujeitas ao regime tributário específico aplicável aos ganhos de capital”; 16 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 07) que “a cobrança de multa isolada prevista no art. 44, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.430/96, viola o inciso V do art. 97 e o art. 113 do CTN, configurando dupla imposição de penalidade sobre uma mesma base de cálculo”. É o Relatório. 17 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 VOTO VENCIDO Conselheiro PEDRO PAULO PEREIRA BARBOSA, Relator O Recurso preenche os requisitos de admissibilidade previstos na legislação que rege o processo administrativo fiscal. Dele conheço. Fundamentos Preliminares O Recorrente argúi preliminar de nulidade do lançamento por incompetência da autoridade lançadora para desconsiderar negócios jurídicos. Aduz, em síntese, que o art. 116, parágrafo único do CTN, que contempla essa possibilidade, é norma de eficácia contida, dependente de legislação complementar, ainda não editada. A alegação não procede. Independentemente da discussão sobre a aplicabilidade imediata (ou não) do parágrafo único do art. 116 do CTN, não é disso que se trata neste processo. A autuação em nenhum momento fundamentou o lançamento no referido dispositivo. O fato de mencionar a palavra dissimulação de modo algum implica que a autuação tenha por base o art. 116, parágrafo único do CTN, como sugere o Recorrente. De qualquer forma, a discussão sobre o adequado enquadramento legal da conduta do Recorrente, se como prática de elisão ou como infração tributária, é matéria de mérito e será analisada oportunamente. Por enquanto, importa apenas destacar que, não tendo a autoridade lançadora desconsiderado atos ou negócios jurídicos, nos termos do art. 116 do CTN, não há falar em competência ou incompetência para adotar tal procedimento. 18 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Não vislumbro, portanto, o vício apontado pelo Recorrente e rejeito a preliminar. Argúi, também, o Recorrente, a nulidade da decisão de primeira instância por não ter apreciado todos os argumentos da defesa e por ter inovado nos fundamentos da autuação. Quanto á primeira questão, analisando detidamente a decisão recorrida, não identifiquei a falha apontada. Ao contrário, o que se verifica é que a decisão apreciou, com profundidade, a matéria em litígio e se posicionou claramente no sentido de que o procedimento do contribuinte configurou a prática da simulação e, portanto, concluiu pela incidência do imposto, com a multa qualificada. Independentemente do mérito dessas questões, que será analisado oportunamente, o que importa para a discussão dessa preliminar é que a decisão recorrida analisou adequadamente a matéria em litígio e decidiu de acordo com o que estabelece o art. 31 do Decreto nº 70.235, de 1972, verbis: “Art. 31. A decisão conterá relatório resumido do processo, fundamentos legais, conclusão e ordem de intimação, devendo referir-se, expressamente, a todos os autos de infração e notificações de lançamento objeto do processo, bem como às razões de defesa suscitadas pelo impugnante contra todas as exigências. (Redação data pelo art. 1º da Lei nº 8.748/1993).” A observância desse dispositivo não exige, de modo algum, que a decisão enfrente exaustivamente cada um dos argumentos levantados pela defesa, como sugere o Recorrente. Não vislumbro, portanto, o vício apontado. 19 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Quanto à alegação de que a decisão recorrida alterou os fundamentos da autuação, ao referir-se ao art. 102 do Código Civil, da mesma forma, não assiste razão ao Impetrante. O fundamento da autuação é o de que as empresas DIL e BIL foram criadas apenas com o propósito de dissimular o verdadeiro beneficiário dos lucros distribuídos por SIL. A decisão recorrida nada mais fez do que concordar com as conclusões da Fiscalização. A menção ao Código Civil em nada altera os fundamentos da autuação, antes os reforça. Como se verifica da análise detida do voto condutor da decisão recorrida, a referência ao art. 102 do Código Civil se fez no sentido de demonstrar as razões pelas quais a autoridade julgadora entende que a situação descrita na autuação se caracteriza como simulação. Vale repetir que, ao contrário do que afirma o Recorrente, o que foi ressaltado pela decisão recorrida, a autuação, em nenhum momento, fundamentou o lançamento no art. 116 do CTN. Rejeito, assim, a preliminar de nulidade da decisão de primeira instância. Mérito Quanto ao mérito, a matéria em discussão está claramente exposta nos autos: o Fisco entende que as operações realizadas pelo Contribuinte visaram dissimular o verdadeiro beneficiário dos lucros distribuídos pela empresa Santana International Ltd. (SIL) para fugir à incidência do imposto devido pelos rendimentos pagos por fonte situada no exterior. O Recorrente, por sua vez, assevera que não houve simulação; que as operações praticadas são lícitas e foram realizadas nos limites da liberdade empresarial; que, portanto, não há base legal para a autuação, e que o art. 116, parágrafo único, do CTN, único dispositivo legal que poderia apoiá-la, não teria aplicação por falta de lei regulamentadora. 20 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 A questão a ser decidida, portanto, é qual situação deve ser considerada para fins de verificação da ocorrência do fato gerador, se as operações societárias - constituição das empresas Brasfina Investment Ltd. (BIL) e Desiderata Investment Ltda. (DIL), a alienação das ações de SIL para essas empresas, o pagamento dos lucros por SIL a BIL e DIL, etc. - ou se a simples distribuição dos lucros pela SIL (empresa estrangeira) a Guilherme Augusto Frering (GUILHERME). Ora, essa definição está diretamente relacionada com o enquadramento dos atos ou negócios jurídicos praticados nos campo da elisão fiscal ou no da infração tributária pura e simples (evasão), tema tormentoso e que tem recebido crescente atenção por parte da doutrina. Marco Aurélio Greco, por exemplo, exclui do campo da elisão fiscal as situações caracterizadas como meros exercícios da opção fiscal, por um lado, e por outro, aquelas em que a conduta esteja contaminada por patologias, como a falsidade e a simulação. Afasta desse campo, enfim, toda ilicitude, seja as de natureza penal, seja aquelas cometidas à luz do Código Civil e de outros ordenamentos, de natureza extratributária ou tributária, com o propósito de fugir da tributação ou minimizar seu impacto. Nas suas próprias palavras: “Ou seja, toda operação que tenha por efeito minimizar a carga tributária mediante atos ilícitos está fora de nossa análise. Vale dizer, se alguém disser: aqui houve um planejamento com o uso de uma falsidade, a rigor não está se referindo a um planejamento porque falsidade é ato ilícito; ou então afirmar que houve uma ação do contribuinte que está enquadrada na Lei nº 8.137 também não é tratar-se de um planejamento. Todas as operações que se viabilizem através de atos ilícitos estão fora da nossa análise, pois não configuram planejamento.”1 1 GRECO, Marco Aurélio, Op. Cit. P. 78. 21 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Ricardo Lobo Torres, referindo-se ao parágrafo único do art. 116 do CTN, introduzido pela Lei Complementar nº 104, de 2001, também se ocupa dessa diferenciação. Diz: “A nova regra do art. 116, parágrafo único do CTN, na redação da LC nº 104/01, é autêntica norma antielisiva, que recepcionou o modelo francês. Nada tem que ver com a norma anti-simulação, que já existia no direito brasileiro (art. 149, VII, do CTN) e que tem outra estrutura e fenomenologia. A recente regra antielisiva tem as seguintes características: permite à autoridade administrativa requalificar os atos e negócios praticados, que subsistem para efeitos jurídicos não tributários; atinge a dissimulação do fato gerador abstrato, para proceder à adequação entre o intentio facti e a intentio juris, o que é característica da elisão, na qual o fingimento se refere à hipótese de incidência, e não ao fato concreto, como acontece na simulação relativa ou dissimulação no sentido do direito civil.”2 O que é importante reter dessas duas contribuições é que só há falar em elisão fiscal naquelas situações nas quais o ato ou negócio jurídico é efetivamente praticado, são plenamente eficazes quanto aos seus efeitos extratributários e, o que é fundamental, são atos lícitos. A aplicação da norma antielisiva limita-se, em tal hipótese, a desconsiderar esses atos ou negócios jurídicos apenas quanto aos seus efeitos fiscais. Na outra situação, quando os atos ou negócios jurídicos estão contaminados pela ilicitude, na presença de práticas caracterizadas como dolo, fraude, ou simulação, estamos diante de infração à legislação tributária, sujeita ao lançamento de ofício, nos termos do art. 149, VII do CTN. Aqui não se trata de requalificar os fatos, mas de proceder ao lançamento com base nos fatos efetivamente ocorridos, cuja natureza, porém, foi artificialmente modificada ou cujo conhecimento por parte da Autoridade Administrativa foi escondido pela ação ou omissão do sujeito passivo, mas veio à tona pela ação do Fisco. Sob essa perspectiva, enquadrar os atos ou negócios praticados no campo da elisão ou no da evasão fiscal, significa definir se os atos ou negócios jurídicos da forma 2 TORRES, Ricardo Lobo –Elisão Fiscal (CTN, Art. 116, Parágrafo único – 104/2001), in FORMUM DE DIREITO TRIBUTÁRIO. v.1, n. 1 (jan/fev 2003) – Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p.122/123. 22 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 como praticados, com o propósito de obter uma economia tributária, configuram atos ilícitos, ou não. É o que passo a examinar. No caso concreto sob exame, visto de forma isolada e individualizada, não se pode afirmar que nenhum dos atos praticados possa ser caracterizado com ilícito. A criação de empresas, no País ou no exterior, a integralização do capital dessas empresas com ações de outra, etc. são práticas permitidas pela legislação, podendo ser exercidas livremente, a critério exclusivo dos próprios interessados. Contudo, a prática de vários atos, isoladamente considerados lícitos, de forma seqüenciada e combinada, pode configurar uma conduta ilícita. É dizer, a regularidade (ou não) dos atos deve ser examinada, também, em seu conjunto. A liberdade de se praticar determinados atos, de se constituir empresas, de se comprar ou vender participações societárias, etc. não significa que se possa combinar esses atos indistintamente, de modo a produzir um resultado não albergado pelo ordenamento jurídico. Em tais situações, a licitude (ou não) da conduta se afere pela análise conjunta dos atos. Essa questão já foi enfrenta nesta Quarta Câmara em outro processo que analisou questão semelhante. Refiro-me ao Acórdão nº 104-20749, de 15/06/2005, conduzido pelo brilhante voto da Ilustre Conselheira Maria Helena Cotta Cardozo, em processo em que se discutia a tributação sobre operações vinculadas e sucessivas, onde, como neste caso, se transferia para empresa situada no exterior a titularidade de ações para, em seguida, se efetivar a distribuição de lucros relacionadas com essas ações. Peço vênia para transcrever trecho do voto data a pertinência temática com a questão ora em discussão. “Assim, a questão que ora se analisa requer algo mais que a simples constatação da licitude de cada uma das operações realizadas. Para além da legalidade de cada ato individualmente considerado, impõe-se a verificação do conjunto de operações, em face dos princípios que informam 23 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 o ordenamento jurídico, uma vez que é por demais tênue a linha que separa os comportamentos aceitáveis, daqueles que trazem a fraude como elemento subjacente. Ainda recorrendo a Marco Aurélio Greco: “Como tenho afirmado em diversas oportunidades, nenhuma operação ou figura jurídica é, em si mesma, oponível ou inoponível ao Fisco. Não há modelos abstratos que sempre e em todas as circunstâncias provoquem este ou aquele efeito fiscal. O exame deve estar sempre circunscrito à situação concreta, pois a adequada conclusão deverá surgir do exame do contexto em que utilizados os institutos e da função que se lhes pretende atribuir, comparada com a que lhe é própria.” [GRECO, Marco Aurélio. Op. cit. p. 107.] Nesse passo, analisando-se a situação concreta dos autos, verifica-se que as operações efetuadas, até um determinado momento, não pareciam ter outro objetivo senão aquele que o próprio negócio jurídico estava a indicar. Com efeito, nada há de estranho no fato de uma pessoa jurídica domiciliada no Brasil deter participação societária no exterior, como era o caso da [...] e da [...l]. Também não causaria espécie a distribuição de metade desta participação societária ao contribuinte. Nem mesmo a constituição, pelo Recorrente, da empresa [...], nas Ilhas Cayman, país conhecido como paraíso fiscal, autorizaria a conclusão, a priori, de que alguma irregularidade estaria sendo articulada, exatamente porque não se considera ilícito, por si só, o fato de o empresário procurar desenvolver seus negócios onde os custos sejam menores. Entretanto, os fatos que se sucederam à constituição, pelo contribuinte, da empresa [...], nas Ilhas Cayman, por fugirem totalmente à normalidade, lançaram todo o conjunto de atos no campo das operações preocupantes, no dizer de Marco Aurélio Greco: (...) Assim é que, no caso concreto, quinze dias após haver constituído a empresa [...] nas Ilhas Cayman, o contribuinte vendeu para esta, de sua exclusiva titularidade, a participação societária representada por 6.000 quotas da empresa [...], pelo valor de custo e com pagamento previsto parte para sessenta dias e o restante em três anos, sem qualquer garantia ou encargo pela mora. Dessa forma, a recém criada empresa assumiu uma dívida de [R$...] para com o Recorrente, seu titular, sem que ficasse esclarecida nos autos a motivação negocial dessa transação, assim entendida a razão extra-tributária subjacente. Com efeito, a única motivação apresentada pelo contribuinte é a liberdade de contratação, o que por si só 24 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 já não se presta a respaldar incondicionalmente a alegação de planejamento tributário, posicionamento este referendado pela mais moderna doutrina: “Esta busca da menor carga tributária legalmente possível envolve o uso de uma liberdade individual prestigiada pela Constituição; seja na liberdade de iniciativa (CF/88, artigo 1º, IV e artigo 170, caput), seja na livre concorrência (artigo 170, IV), seja nas puras liberdades do artigo 5º, encontra-se a liberdade de cada um organizar sua vida que se expressa, predominantemente, no exercício da liberdade contratual. Enfim, o ordenamento constitucional consagra uma liberdade para o cidadão e o chamado planejamento tributário surge a partir da idéia de exercício de uma liberdade de montar os próprios negócios, organizar a própria vida de modo a pagar o menor tributo legalmente possível. Não há dúvida de que existe essa liberdade individual. A questão não é esta. O ponto é saber se a simples existência da liberdade é suficiente para justificar qualquer substituição ou montagem jurídica ou se o ordenamento impõe limites ao seu exercício.”[ GRECO, Marco Aurélio. Op. cit. p. 109] No caso dos autos, na operação de compra e venda contratada entre o contribuinte e a empresa [...], apesar de o pagamento da primeira parcela ter sido combinado para o final de fevereiro de 2000, esse só foi efetuado em 17/04/2000, após a distribuição, em 1º/04/2000, de lucros da empresa [...] à empresa [...]. Esta posteriormente quitou sua dívida para com o interessado, sendo que o valor total foi depositado em seu nome em contas no exterior. Embora os fatos descritos, isoladamente e do ponto de vista meramente formal, não denotem ilicitude, a moderna doutrina acerca de planejamento tributário, conforme já assentado neste voto, já não se satisfaz com a simples constatação da legalidade das operações, mas sim exige motivação extra-tributária: “Conforme diversas vezes afirmado acima, o contribuinte tem o direito de se auto-organizar; e dispor a sua vida como melhor lhe aprouver; não está obrigado a optar pela forma fiscalmente mais onerosa. Porém, o que disse acima é que esta reorganização deve ter uma causa real, uma razão de ser, um motivo que não seja predominantemente fiscal. Sublinhei o termo ‘predominantemente’, pois este é o conceito chave. Se uma determinada operação ou negócio privado tiver por efeito reduzir carga tributária, mas se apóia num motivo empresarial, o direito de autoorganização terá sido adequadamente utilizado.” [GRECO, Marco Aurélio. Op. cit. p. 189] 25 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Ora, no caso em apreço, por mais que se busque, não se vislumbra qual o interesse empresarial subjacente na venda das quotas da empresa [...], de propriedade do Recorrente, à empresa [...], de titularidade exclusiva também do Recorrente, pelo preço de custo e sem qualquer garantia ou encargo, vindo o pagamento a concretizar-se somente após a distribuição de lucros pela empresa [...], sendo irrelevante o intervalo de tempo entre dita distribuição e o repasse oficial ao real destinatário, sob forma de quitação de dívida. Ao contrário, o que se enxerga é a motivação única no sentido de evitar que a distribuição de lucros ora tratada fosse feita diretamente à pessoa física do interessado, o que estaria sujeito à tributação, conforme art. 8º da Lei nº 7.713, de 1988.” Assim, não se pode dizer, a priori, que uma operação como a analisada no caso acima, ou como a de que se cuida neste processo, seja lícita ou ilícita, ou, no dizer de Marco Aurélio Greco, “esteja repelida ou protegida pelo ordenamento jurídico; esta será uma conclusão a ser extraída do caso concreto e não do exame abstrato”. Isto é, assim como não se pode inquinar de ilícitas determinadas operações apenas porque implicam em uma economia de tributos para o Contribuinte, não se pode, de forma abstrata e em tese, afirmarlhe a licitude, apenas porque cada um dos atos que a compõem são, isoladamente, permitidos pelo ordenamento jurídico. Pois bem, a situação de que se cuida nestes autos se assemelha em tudo àquela analisada no voto acima referido. O que se tem, claramente, é que foram criadas empresas no exterior, respectivamente, BIL e DIL com o único propósito de figurarem como recebedoras dos lucros que a empresa SIL tinha a distribuir e, com isso, evitar a incidência do Imposto de Renda, devido no caso de o beneficiário desses rendimentos ser uma pessoa, física ou jurídica, residente no País. Tais empresas, portanto, figuram como meras interpostas pessoas, sem nenhuma outra razão de existir senão a de receber os lucros distribuídos por SIL para, em seguida, repassá-los a GUILHERME, porém sob outra denominção. É o que se extrai quando se examina os atos praticados pelo Contribuinte, em conjunto, senão vejamos: até 11/11/1999, Santana Participações Ltda. era a única 26 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 acionista da empresa SIL, proprietária que era das 12.000 ações que constituíam o capital social dessa empresa; a participação societária em Santana Participações Ltda., por sua vez, era 49,9985% de GUILHERME, 49,9985% de Mário Augusto Frering, e 0,003% de ADA-Associação dos Dirigentes da Atasa; em 31/12/1999 o balanço de SIL acusava lucros a distribuir no montante de US$ 11.027.201,00, sendo 9.544.433,00 referente a anos anteriores e US$ 1.470.768,00 referente ao ano de 1999; a titularidade das ações da SIL foram transferidas para GULHERME e Mário Augusto Frering, como lucros distribuídos, na proporção de 50% para cada um. Em abril de 2000, SIL distribuiu US$ 9.200.000,00 de lucros aos acionistas. Esses lucros, no que interessa a este processo, não foram entregues a GUILHERME, mas a DIL (US$ 1.840.000,00) e a BIL (US$ 2.760.000,00), empresas sediadas no exterior; o que ocorreu é que entre novembro de 1999 e abril de 2000 a titularidade das ações foi transferida para aquelas empresas; na mesma data em que recebeu as 6.000 ações (11/11/1999) GUILHERME constituiu a empresa DIL, com o capital de US$ 2.333.349, integralizado com 2.400 ações da SIL, sendo seu único acionista; as 3.600 ações restantes foram vendidas para Brasfina Participações S/C Ltda. empresa da qual o Recorrente detinha 99,996% do capital, que, por sua vez, transferiu as 3.600 ações para BIL, constituída em 28/10/1999, sendo sua única acionista. Com isso, em abril de 2000, quando da distribuição dos lucros, as beneficiárias dos rendimentos eram DIL e BIL, empresas das quais os únicos acionistas eram, respectivamente GUILHERME e Brasfina Participações Ltda, sendo que, como referido acima, GUILHERME era proprietário de 99,996% das ações de Brasfina Participações S/C Ltda; os lucros distribuídos foram depositados em contas abertas em nome de DIL e BIL, na Suíça, para onde foram transferidas, em janeiro de 2001, a crédito do ora Recorrente; em janeiro de 1991, os diretores da DIL, no caso GUILHERME e sua esposa, decidem reduzir o capital da empresa em US$ 1.880.000,00, valor que foi transferido da conta da empresa na suíça para GUILHERME; em 31/12/2000 Brasfina Participações S/C Ltda. vende as ações de BIL, pelo preço de R$ 6.576.900,37, para GUILHERME, que passa a ser o único acionista da empresa e que, em 26/01/2001, decide juntamente com sua esposa, diretores da empresa, reduzir o capital em US$ 2.850.000,00. 27 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Ora, examinando essas operações, em conjunto, salta aos olhos o artificialismo; que a única motivação que as justifica é a transferência provisória da titularidade das ações da SIL para DIL e BIL, que receberiam os lucros distribuídos pela SIL. O efeito prático pretendido com todos esses atos foi a mudança artificial do beneficiário dos rendimentos constituídos pelos lucros distribuídos por SIL e, com isso, escapar à incidência do imposto que seria devido no caso de o beneficiário desses lucros ser pessoa residente no Brasil. Note-se que os valores transferidos para GUILHERME por DIL e BIL, a título de devolução de capital (US$ 4.630.000,00), são muito próximos aos valores referentes aos lucros distribuídos por SIL (US$ 4.600.000,00). O Recorrente alega que essas operações foram motivadas pela necessidade de reestruturação de seus negócios em face da situação conturbada da economia nacional e internacional e pelo propósito de sair em definitivo do País. Tal alegação, contudo, data vênia, é desprovida de o mínimo de consistência e razoabilidade. Nada nessas operações aponta para uma reorganização dos negócios do Contribuinte ou para facilita-lhe o enfrentamento de “situação conturbada da economia”, a não ser que a fonte de insegurança fosse a própria possibilidade de ser alcançado pela tributação do Imposto de Renda no Brasil. As operações acima descritas não tiveram outro propósito senão o de escamotear a ocorrência de situação definida em lei como necessária e suficiente à incidência do Imposto sobre a Renda e proventos de Qualquer Natureza, mediante a utilização de empresas criadas para figurarem como interpostas pessoas, no caso, as empresas DIL e BIL, com o propósito específico de receber os lucros que SIL já acumulara e que estavam disponíveis para distribuição aos sócios. Ora, a utilização de interposta pessoa é uma das formas típicas de simulação relativa, conforme definido no Código Civil de 1996, no seu artigo 102 (reproduzido no § 1º do art. 167 do CC de 2002). Esse dispositivo refere-se a três tipos de simulação: quanto às pessoas (inciso I), quanto à substância do negócio jurídico (inciso II), e 28 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 quanto ao tempo de sua realização (inciso III). Há simulação quando há desconformidade entre a realidade fática e a aparência do negócio jurídico, quanto à pessoa a quem se confere ou transmite direitos, quanto ao momento em que se realiza o negócio jurídico, e quanto à própria substância deste. Eis o referido artigo: “Art. 102. haverá simulação nos atos jurídicos em geral: I – quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem se confere, ou transmitem; II – quando contiverem declaração, confissão, condição, ou cláusula não verdadeira; III – quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pósdatados.” Neste caso tem-se claramente configurada a situação referida no inciso I, acima transcrito. É dizer, o verdadeiro beneficiário dos lucros distribuídos por SIL sempre foi GUILHERME, figurando DIL e BIL como meros condutos. Vale dizer, não há nenhuma razão extratributária que justifique, neste caso, o recebimento por BIL e DIL, empresas das quais GUILHERME é o único sócio, dos lucros distribuídos por SIL. E a posterior transferência dos numerários recebidos para GUILHERME em decorrência da “redução de capital” apenas realiza, no plano financeiro, aquilo que já era fato. De que os lucros distribuídos por DIL tinham como beneficiário GUILHERME. Na preciosa síntese de Moreira Alves: “Três são os requisitos da simulação. Para que haja simulação é preciso, primeiramente, que exista divergência entre a vontade interna e a vontade manifestada. (...) Em segundo lugar é preciso que um acordo simulatório ocorra entre as partes, havendo, portanto, necessidade de um acordo. Conseqüentemente, ambas as partes sabem exatamente o que estão 29 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 fazendo. Finalmente, esse negócio simulado há de ter por objeto enganar terceiros estranhos a esse ato simulado.”3 No caso, o descompasso entre a vontade interna e a vontade manifestada está na própria constituição de empresas e a integralização do capital destas com as ações da SIL, não porque esse procedimento se justificasse por algum propósito negocial (vontade manifestada), mas como atos preparatórios para que estas empresas aparecessem formalmente como beneficiárias dos lucros distribuídos (vontade interna). Enfim, as empresa BIL e DIL figuram como interpostas pessoas. O objetivo dos atos societários não era outro senão o de dissimular o beneficiário dos lucros, que viriam a ser distribuídos. O acordo simulatório também é evidente, e facilitado, neste caso, pelo fato de GUILHERME deter o controle e, portanto, o poder de decisão absoluto em relação a todas as pessoas jurídicas envolvidas, das quais é praticamente o único sócio/acionista. Assim, as decisões sobre a criação das empresas DIL e BIL, a forma de integralização dos capitais, as operações de compra e venda de ações, a redução do capital, etc. foram tomadas exclusivamente por GUILHERME, pessoalmente e como representante das empresas. Por fim, o propósito de enganar é evidente. O fato de os atos societários terem sido formalmente praticados não diminui, antes reforça essa intenção simulatória. É que estas se constituem em medidas preparatórias indispensáveis para alcançar o resultado pretendido: a mudança, no plano formal, da titularidade do direito ao recebimento dos lucros da SIL para empresas residentes no exterior. Apenas esse objetivo, vale repetir, justificava o conjunto de operações que culminaram com o recebimento por DIL e BIL dos lucros distribuídos por SIL. Afirmar a regularidade dessas operações implica em admitir que qualquer pessoa, unilateralmente, possa modificar a titularidade de direitos para obter vantagens 3 ALVES, José Carlos Moreira. “As figuras Correlatas da Elisão Fiscal”. In FORUM DE DIREITO TRIBUTÁRIO. v. I, n.1, (jan/fev 2003) – Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. 30 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 tributárias, bastando para isso, constituir empresas e, com elas, realizar operações de compra e venda, cessão de direitos, etc., como se fez no caso sob exame. Em relação à distribuição de lucros por empresas situadas no exterior, somente os incautos pagariam o Imposto de Renda devido, pois bastaria constituir uma empresa no exterior e para ela transferir a titularidade das ações. Foi o que ocorreu neste caso. É interessante notar que, entre os primeiros atos praticados, a devolução das ações de SIL pela Santana Participações Ltda. para Mário Augusto Frering e GUILHERME e a transferência dos recursos das constas de DIL e BIL para GUILHERME, o único efeito prático alcançado pelas operações, no que interessa a este processo, foi a mudança aparente da natureza dos rendimentos recebidos por GUILHERME: estes deixaram de ser lucros distribuídos por SIL e passaram a ser capitais devolvido por DIL e BIL. Em janeiro de 2001 GUILHERME recebe em sua conta bancária, por transferência das contas de DIL e BIL, US$ 4.630.000,00, valor equivalente aos lucros distribuídos por SIL (US$ 4.600.000,00). No mais, todos os atos são artificiais, meramente escriturais e preparatórios desse desfecho. É esse fato que evidencia a intenção simulatória dos atos praticados. Demonstra-se a simulação a partir de uma análise do caso concreto, pela apreciação crítica dos fatos; pela identificação, a partir da análise dos fatos, da presença dos requisitos acima referidos: o descompasso entre a vontade interna e a vontade manifestada, o intuído de enganar e o conluio, pela demonstração de que há uma desconformidade entre a vontade interna e a vontade manifestada, forjada conscientemente com o propósito específico de produzir o engano. O fato de esses atos societários terem sido formalmente praticados, isto é, constituídas as empresa, formalizados os contratos de venda das participações societárias, transferida a titularidade das ações, feito o depósito dos dividendos nas contas de DIL e BIL, etc. em nada afasta a possibilidade de que tenha havido simulação. Aliás, é de se esperar que os atos dissimuladores tenham esses atributos. Não é razoável esperar na simulação os 31 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 atos dissimuladores sejam irregulares, ou que deixe de cumprir as formalidades próprias desses atos. Portanto, dizer que há simulação porque os atos praticados, vistos isoladamente, são lícitos, não é um argumento válido. Não se pode dizer que o ato ou negócio jurídico é lícito ou ilícito observando apenas sua aparência. No caso de simulação, vale repetir, é de se esperar que os atos dissimuladores sejam formalmente válidos. Entendo, portanto, no mesmo sentido dos fundamentos que embasaram o lançamento e a decisão recorrida, que as operações realizadas com as empresas DIL e SIL tiveram apenas o propósito de, artificialmente, dissimular a o verdadeiro beneficiário dos rendimentos (lucros) pagos por fonte situada no exterior, transferindo a titularidade desses rendimentos para empresas estrangeiras e, assim, fugir à incidência do Imposto de Renda. O que se tem, portanto, é que GUILHERME obteve uma disponibilidade de renda decorrente da remuneração do capital da empresa SIL da qual detinha 50% das quotas, renda essas que foi incorporada ao seu patrimônio, acrescendo-o. Caracterizada, assim, a situação definida no art. 43 do CTN como fato gerador do imposto de renda. Agiu com acerto também a Fiscalização, ao considerar como data fato gerador o mês de abril de 2000, data do efetivo pagamento dos lucros pela SIL. Tal conclusão é coerente com a afirmação de que GUILHERME era o verdadeiro beneficiário dos lucros distribuídos por SIL e que as empresas DIL e BIL foram criadas apenas com o propósito de esconder esse fato. Vale ressaltar que GUILHERME detinha disponibilidade absoluta dos recursos depositados nas contas de BIL e DIL, já que era, direta ou indiretamente, o único proprietário dessas empresas. Concretizou a transferência dos recursos para sua titularidade em janeiro e 2001, como poderia tê-lo feito no dia seguinte, ou em qualquer outra data. É dizer, a data em que os recursos seriam repassados das contas de DIL e BIL para conta de GUILHERME era decisão pessoal, exclusiva e unilateral de GUILHERME. 32 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Não procede, portanto, a alegação de que GUILHERME não obteve a disponibilidade da renda, cuja titularidade seria das empresas DIL e BIL. Esse argumento não é válido, pois pressupõe a inexistência da simulação. É dizer, admitir que a Recorrente não obteve a disponibilidade da renda porque os recursos não lhe foram repassados por DIL e BIL é o mesmo que admitir a própria inexistência da simulação. Por outro lado, se concluo, como neste caso, pela ocorrência da simulação, o fato gerador deve ser apurado levando-se em conta o negócio jurídico simulado e não o dissimulador. Ademais, ainda que formalmente os recursos estavam sob o domínio das referidas empresas, como dito acima, GUILHERME tinha poderes absolutos para deles dispor a qualquer momento, como veio a fazer em janeiro de 2001. Sob a multa qualificada, entendo da mesma forma, correto o lançamento, pelas mesmas razões acima expostas. O fundamento é o art. 44, II da Lei nº 9.430, de 1996 c/c os arts. 71 a 73 da lei nº 4.502, de 1964, a seguir reproduzidos, verbis: Lei nº 9.430, de 1996: “Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição: (...) II – 150% (cento e cinqüenta por cento), nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.” Lei nº 4.502, de 1964: Art . 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária: I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; 33 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente. Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento. Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.” Ora, a conduta do contribuinte enquadra-se perfeitamente na descrição da norma acima referida. Trata-se de ações tendentes a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, mediante a alteração artificial das características dos fatos efetivamente ocorridos. Concluo, portanto, no sentido de que seja mantida a qualificação da multa de ofício. Quanto à multa exigida isoladamente, este Conselho de Contribuintes tem decidido reiteradamente no sentido da impossibilidade de coexistirem a multa isolada pelo não recolhimento do carnê-leão com a multa de ofício apurada com base no ajuste anual, tendo ambas a mesma base. É como penso também. Entendo que a questão se resolve na compreensão da natureza da multa isolada. E, para tanto, é conveniente examinarmos o que dispõe a Lei nº 9.430, de 1996, que previu a hipótese de sua incidência. 34 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Lei nº 9.430, de 1996: “Art. 43. Poderá ser formalizada exigência de crédito tributário correspondente exclusivamente a multa ou a juros de mora, isolada ou conjuntamente. Parágrafo único. (...) 44. Nos casos de lançamento de ofício serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição. I –de 75% (setenta e cinco por cento), nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa de mora, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte; II – 150% (cento e cinqüenta por cento), nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. § 2º. As multa de que trata este artigo serão exigidas: I – juntamente com o tributo ou a contribuição quando não houverem sido anteriormente pagos; (...) III – isoladamente, no caso de pessoa jurídica sujeita ao pagamento mensal do imposto (carnê-leão) na forma do art. 8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de fazê-lo, ainda que não tenha apurado imposto a pagar na declaração de ajuste; (...).” É dizer, o inciso III, do § 2º do art. 44, acima transcrito, não institui uma penalidade nova, mas apenas a forma de sua incidência, juntamente com o tributo, na hipótese do inciso I, e isoladamente, nas hipóteses dos demais incisos. O dispositivo que institui a penalidade é o caput do artigo e seus incisos. É aí que a lei especifica o fato típico, 35 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 ensejador da penalidade, a falta de pagamento ou recolhimento etc. Pelo simples fato de não ter havido o pagamento do imposto devido a título de carnê-leão não há previsão de incidência de outra penalidade senão a dos incisos I ou II do caput art. 44, conforme o caso. Sendo assim, não se pode conferir ao art. 43 e aos incisos do parágrafo 2º, inovações da Lei nº 9.430, interpretação que implique em incidência de gravame inexistente antes da vigência dos referidos dispositivos. É o que ocorre quando se aplica a penalidade duplamente, sobre a mesma base, na exigência da multa isolada, pelo não pagamento da antecipação, e na exigência do imposto quando do ajuste anual. Ora, a instituição da multa isolada não teve outro objetivo senão o de evitar a formalização de exigência de imposto, devido como antecipação do ajuste anual e que, logo em seguida, seria compensado quando do lançamento do imposto devido no ajuste anual. Com a multa isolada, essa dificuldade foi superada, exigindo-se apenas a multa pelo não pagamento da antecipação, deixando-se para formalizar a exigência do tributo apenas na apuração do devido no ajuste anual. Nesse segundo momento, contudo, a base de cálculo da multa isolada não deveria compor a base de cálculo da multa de ofício exigida conjuntamente com o imposto. Em nenhum momento o Contribuinte deve o imposto duas vezes, antecipadamente e quando do ajuste anual. É que, ao pagar o primeiro, necessariamente terá direito a compensar o que pagou quando do ajuste anual. Assim, não há falar em dupla hipótese de incidência das multas, pelo não pagamento da antecipação e pelo não pagamento do imposto devido quando do ajuste anual. Concluo, assim, pela desoneração dessa parte do lançamento. 36 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Conclusão Ante o exposto, voto no sentido de rejeitar as preliminares e, no mérito, dar provimento parcial ao recurso, para afastar a multa de ofício, exigida isoladamente. Sala das Sessões (DF), em 26 de julho de 2006 PEDRO PAULO PEREIRA BARBOSA 37 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 VOTO VENCEDOR Conselheiro GUSTAVO LIAN HADDAD, Redator-designado Divergi das sempre judiciosas ponderações que conduziram à conclusão do voto do I. Relator Conselheiro Pedro Paulo Pereira Barbosa quanto à qualificação dos atos praticados pelo Recorrente como simulados, com a sua conseqüente desconsideração e tributação de suposta distribuição de dividendos por pessoa jurídica localizada no exterior. Elisão fiscal e evasão fiscal - parâmetros Antes de adentrar no exame e qualificação dos fatos que envolvem a controvérsia dos presentes autos permito-me colocar em contexto minha visão acerca do tema do planejamento tributário, para em seguida proceder ao enfrentamento do caso concreto. Como premissa teórica é praticamente inconteste que o contribuinte tem o direito constitucionalmente pressuposto de estruturar sua vida e seus negócios com vistas a suportar o menor ônus tributário dentro dos quadrantes da lei. Também não se discute que o exercício desse direito sofre limites, que em última análise resultam na licitude ou não de sua conduta, ao menos quanto a seus efeitos fiscais. Quando lícita a conduta e oponível ao Fisco está-se diante do que se denomina elisão ou elisão fiscal. Quando ilícita a conduta fica caracterizada a evasão fiscal, resultante de fenômenos de diferentes tonalidades (erro de interpretação ou qualificação, 38 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 simulação, fraude à lei, sonegação, fraude penal, etc.), embora aquele que costuma gerar maiores divergências na experiência prática seja o da simulação, que será enfrentado no presente voto. A distinção entre a elisão protegida pelo ordenamento e a evasão por ele repelida é tema extremante tormentoso, que tem ocupado lugar de destaque nos debates doutrinários e no julgamento de inúmeros casos por este Primeiro Conselho de Contribuintes. Muitas vezes a partir das mesmas premissas teóricas e de circunstâncias fáticas muito assemelhadas tem-se alcançado resultados completamente díspares – ou se considera legítima a atuação do contribuinte por caracterizar elisão fiscal, mantendo-se o tratamento fiscal menos oneroso, ou se considera sua conduta como ilícita, desconsiderando-se seus efeitos e lançando-se a diferença de imposto com a multa qualificada por evidente intuito de fraude, para alguns de inexorável aplicação sempre que caracterizada a simulação, gerando insegurança na atuação dos contribuintes e da administração fiscal. Tal discrepância se explica, em parte, pelo fato de que a qualificação dos atos como simulados (e portanto ilícitos) se faz a partir das circunstâncias de cada caso em concreto, não sendo possível, nessa matéria, considerações apriorísticas sobre um outro tipo de negócio jurídico ou estrutura sem que sejam levadas em conta, na situação concreta, a efetiva realização do ato, suas causas e motivações. O que é preocupante, entretanto, é que por conta de um debate por demais centrado em dicotomias de base constitucional (por exemplo se nosso ordenamento admite uma norma “anti-elisão” ou se uma tal norma seria ofensiva ao princípio da estrita legalidade), não tem havido progresso significativo no sentido da sistematização dos requisitos substanciais (e não meramente formais) necessários à caracterização da elisão e da evasão (notadamente da simulação) no caso concreto. 39 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Nesse sentido, é mister que este Conselho, como órgão de julgamento dotado de quadros técnicos e de alguma forma orientador da conduta da administração e dos contribuintes, se esforce no sentido de procurar estabelecer parâmetros ou standards para a apreciação das questões relativas à elisão fiscal de modo a reduzir a níveis toleráveis o grau de subjetivismo que por certo sempre existirá no enfrentamento do tema. A experiência estrangeira no trato da elisão fiscal revela que o estabelecimento de referidos parâmetros, ao mesmo tempo em que não “engessa” a qualificação dos fatos na medida em que não define a priori se determinado tipo de negócio é legítimo ou não para fins fiscais, confere certa racionalização no exame dos casos futuros pelo órgão julgador, mesmo que seja para rever ou aprofundar determinado parâmetro anteriormente fixado pelo mesmo órgão. Foi assim que, por exemplo, a experiência das cortes inglesas cunhou a doutrina do “step transaction”, ou literalmente transações estruturadas em seqüência, que a partir das explicações de Marco Aurélio Greco foi mencionada no muito bem fundamento voto da I. Conselheira Maria Helena Cotta Cardoso, veiculado no Acórdão n. 104-20749 desta Quarta Câmara. Tal doutrina, construída inicialmente no final da década de setenta, já foi revista pelas cortes da Inglaterra em outras ocasiões, quando se tratou de flexibilizar ou enrijecer os parâmetros anteriormente fixados conforme o viés axiológico prevalente em determinado momento histórico, sem que sua estrutura conceitual básica fosse alterada. Feitas essas considerações, entendo que a atividade exercida pelo contribuinte no sentido de buscar o menor ônus tributário possível em sua vida e seus negócios é legítima e conduz à elisão fiscal quando preenchidos os seguintes requisitos. a) Anterioridade ao fato gerador. Os atos sejam praticados antes da materialização da hipótese de incidência prevista hipoteticamente em lei; 40 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 b) Licitude dos atos praticados. Os atos praticados sejam lícitos e possíveis e não vedados pelo ordenamento; e, c) Não caracterização de simulação. Os atos praticados sejam reais e não sejam simulados. Como assevera com o tradicional brilhantismo Ricardo Mariz de Oliveira (in “Reflexos do Novo Código Civil no Direito Tributário”, Quartier Latin, p. 200), o terceiro requisito (não caracterização de simulação) é propositalmente redundante, já que está contido no segundo (licitude dos atos). De fato, a caracterização de simulação implica a ilicitude dos atos praticados, o que resulta no não preenchimento do segundo requisito. A ênfase à simulação, segregando-a em requisito apartado, decorre da circunstância de que experiência indica que na grande maioria dos casos (eu diria que em mais de 90% dos casos) é a sua verificação que conduz à evasão fiscal e à descaracterização dos efeitos fiscais mais vantajosos visados pelo contribuinte. Vislumbro, além da simulação, outras “patologias” do negócio jurídico que podem, se demonstradas pela fiscalização, conduzir à ilicitude do ato e à não oponibilidade de seus efeitos fiscais mais vantajosos. Refiro-me mais especificamente a duas figuras reguladas no Código Civil de 2002: a fraude a lei imperativa (art. 166, VI) e o abuso de direito (art. 187). Delas não tratarei no presente voto, eis que não aplicáveis ao caso, cabendo apenas referir que, como figuras reguladas pelo direito privado que são, sua caracterização pela fiscalização deve-se fazer nos quadrantes dessa regulação privatística, não cabendo confundi-las com a “fraude à lei tributária” ou com o abuso do direito de estruturar as operações de maneira a sofrer a menor carga tributária possível, institutos quiçá existentes em outros ordenamentos (como no ordenamento espanhol, por exemplo) 41 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 mas que a meu ver não podem ser importados feito modismos sem amparo no ordenamento pátrio. Exemplificando, a figura do abuso de direito pode restar caracterizada quando a fiscalização demonstra que o contribuinte se utiliza de determinado instituto de direito privado de maneira que, no âmbito do próprio direito privado, seja desproporcional, excessiva em relação às características daquele instituto. Aquelas figuras da experiência estrangeira a que me referi acima, como a teoria do propósito negocial construída inicialmente nos Estados Unidos e posteriormente refletida em outros países, voltaram à baila nas discussões causadas com o alvoroço provocado pela edição da Lei Complementar n. 104, de 2001, que pretendeu (a meu ver sem sucesso) estabelecer uma norma geral “anti-elisiva” (expressão que carrega consigo uma contradição em termos, já que resulta no combate ao que seria lícito), mas que ainda pende de regulação por lei ordinária para sua aplicação após a tentativa veiculada por meio da Medida Provisória n. 66, de 2002, que não foi convertida em lei. Estou convencido, entretanto, de tais figuras anti-elisivas não encontram, ao menos até o presente momento, guarida em nosso ordenamento, que continua repelindo apenas a evasão fiscal engendrada pela simulação e por outras patologias de menor ocorrência, como a fraude civil, embora não se possa negar a influência da experiência estrangeira, especialmente daquela relacionada à teoria do propósito negocial, que cada vez mais tem influenciado os julgamentos deste Colegiado em matéria de simulação. Voltando à simulação, objeto de discussão nos presentes autos, é em sua caracterização que surgem as maiores divergências, embora muitas vezes elas não restem bem explicadas conceitualmente. 42 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Passo a uma breve descrição dos atos praticados e atacados pela fiscalização sob a pecha de simulados, examinando-os em seguida à luz da concepção de simulação que adoto a partir do confronto com os respectivos elementos. Os atos praticados e a infração imputada ao Recorrente Passo à recapitulação dos atos relatados pela fiscalização a partir de documentação fornecida pelo próprio Recorrente e constante dos autos, praticados no curso de três anos-calendários (1999, 2000 e 2001): 1. Em novembro de 1999, o Recorrente detinha 49,9985% das quotas da empresa Santana Participações e Empreendimentos Ltda. (“Santana Participações”) que, por sua vez, detinha 100% do capital social (12.000 quotas) da pessoa jurídica Santana International Ltd. (“SIL”), domiciliada nas Ilhas Bermudas, investimento este registrado pelo valor patrimonial de R$ 22.502.819,50. 1.1. O balanço patrimonial da SIL revelava que esta sociedade era titular, basicamente, de disponibilidades financeiras em valor equivalente ao patrimônio líquido de R$ 22.502.819,50. 2. Em 12/11/1999 foi decidido que a Santana Participações distribuiria ao Recorrente lucros proporcionais a sua participação, no valor de R$ 11.281.408,74, dos quais R$ 11.251.409,75 seriam pagos mediante transferência de titularidade de 50% do capital (6.000 quotas) de SIL, avaliadas pelo respectivo valor de patrimônio líquido (50% de R$ 22.502.819,50). 43 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 2.1. O Recorrente deu aos lucros por ele recebidos em dinheiro ou em quotas da SIL o tratamento fiscal de isenção, tal como previsto na legislação tributária. 2.2. No âmbito da Santana Participações, a participação da SIL deixou de figurar em seu ativo a partir da distribuição de dividendos, operação cujo tratamento tributário no âmbito do imposto de renda da pessoa jurídica, especialmente quanto à aplicação das normas de tributação de lucros auferidos no exterior veiculadas pelos arts. 25 e 26 da Lei n. 9.249, de 1995, e 1º da Lei n. 9.532, de 1996, foge ao âmbito dos presentes autos. 3. Em 12/11/1999 o Recorrente vendeu parte das quotas de SIL adquiridas no evento “2” – 3.600 quotas – para Brasfina Participações S/C Ltda (“Brasfina BR”), sociedade constituída no Brasil e da qual o contribuinte detinha 99,996% de participação, pelo valor de R$ 6.750.845,85 (equivalente a 30% do valor patrimonial de R$ 22.502.819,50). 3.1. Tendo em vista que a alienação das quotas se deu pelo valor equivalente ao custo de aquisição não houve apuração de ganho de capital tributável pelo Recorrente. 4. Na mesma data (12/11/1999) a Brasfina BR aumentou o capital social de Brasfina Investment Ltd (“BIL”), sociedade constituída nas Ilhas Virgens Britânicas em 28/10/1999, mediante conferência das 3.600 quotas de SIL adquiridas no evento “3”, pelo mesmo valor de aquisição. 5. Em 8/12/1999 o Recorrente constituiu a pessoa jurídica Desiderata Investments Ltd. (“DIL”), sediada nas Ilhas Virgens Britânicas. 44 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 6. 18471.000214/2005-18 104-21.729 Em 8/12/1999 o Recorrente aumentou capital de DIL mediante conferência das 2.400 quotas restantes de SIL que havia recebido por conta do evento ”2”, pelo valor de USD 2.333.349, equivalente a 20% do valor patrimonial de SIL (R$ 4.500.563,90, conforme declaração de bens de fls. 60). Assim, as 6.000 quotas de SIL recebidas quando da distribuição de dividendos referida no evento “2” passaram a ser de propriedade de BIL (3.600 quotas) e de DIL (2.400 quotas), ambas as sociedades domiciliadas nas Ilhas Virgens Britânicas e direta ou indiretamente controladas pelo Recorrente. 7. Em 11/04/2000 a SIL distribuiu lucros a seus quotistas, cabendo a BIL o valor de USD 2.760.000 (30% dos lucros) e a DIL o valor de USD 1.840.000 (20% dos lucros), totalizando USD 4.600.000. 7.1. A fiscalização considerou este como o evento tributado, sob o argumento de que todo o conjunto de operações realizadas visou a dissimular distribuição de dividendos pela SIL ao Recorrente sem tributação. Assim, considerou que em abril de 2000 o Recorrente, controlador de BIL e DIL, recebeu de fato dividendos no montante de USD 4.600.000 de fonte situada no exterior, correspondente aos lucros pagos por SIL, lançando a diferença de IRPF sobre os respectivos valores, que não foram submetidos à tributação pelo Recorrente na declaração de ajuste anual e tampouco foram objeto de recolhimento mensal na sistemática do carnê-leão. 8. Em 31/12/2000 a Brasfina BR alienou 3.500.023 quotas representativas do capital de BIL ao Recorrente, pelo valor de R$ 6.576.900,37. Passou o Recorrente, então, à titularidade da totalidade das quotas de BIL e DIL, que por sua vez possuíam 50% (6.000) quotas de SIL. 45 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 9. 18471.000214/2005-18 104-21.729 Em 26/01/2001 BIL e DIL reduzem seu capital com destino ao Recorrente, seu único sócio, no montante de USD 1.880.000 e USD 2.850.000, respectivamente, totalizando USD 4.730.000. 9.1. Não consta dos autos que o Recorrente tenha apurado ganho de capital na referida redução de capital, provavelmente porque o valor da redução não excedia ao respectivo custo de aquisição das quotas das sociedades BIL e DIL. O tratamento fiscal da redução de capital, além disso, não foi objeto de contestação pela fiscalização. 10. Em 07/02/2001, o contribuinte apresentou Declaração de Saída Definitiva do País, referente ao período de 1º/01/2000 a 06/02/2001, cessando sua condição de residente fiscal no país. A fiscalização e a decisão de primeira instância entenderam que o conjunto de operações relatado acima releva uma seqüência de falsas declarações de vontade, com o propósito de dissimular a ocorrência de fato gerador consistente da distribuição de dividendos por SIL ao Recorrente, no montante total de USD 4,600,000. A simulação no caso em exame Nunca foi tradição de nosso ordenamento a instituição de uma regulação tributária de simulação, permanecendo esta no âmbito do direito privado, embora com possibilidade de utilização na esfera fiscal. O art. 102 do Código Civil de 1916 (reproduzido sem alterações no art. 167, parágrafo 1º do Código Civil de 2002), vigente à época dos fatos examinados nos presentes autos, assim estabelecia: “Art. 102. haverá simulação nos atos jurídicos em geral: 46 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 I – quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem se confere, ou transmitem; II – quando contiverem declaração, confissão, condição, ou cláusula não verdadeira; III – quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pósdatados.” Todas as hipóteses no dispositivo conduzem a uma divergência entre a vontade real, efetiva, e a vontade declarada por quem pratica o ato. Nesse sentido, as hipóteses dos incisos I (declaração não verdadeira quanto à pessoa a quem se transmite o direito) e III (declaração não verdadeira quanto ao tempo da prática do ato) não deixam de estar contidas naquela mais genérica contida no inciso II, que sintetiza a formulação da simulação como o vício que inquina os atos que não sejam reais por conter declaração ou confissão, condição, ou cláusula não verdadeira. Tal declaração falsa pode ter por objetivo fingir uma realidade inexistente (simulação absoluta) ou fingir que não existe uma realidade efetivamente existente (simulação relativa ou dissimulação). E é precisamente neste ponto que residem as grandes divergências práticas de qualificação dos atos na esfera fiscal, muitas vezes envoltas em falsas dicotomias como aquela que trata da prevalência da forma sobre a substância ou vice-versa. Em matéria fiscal parece haver três aspectos envolvidos na adequada caracterização dos atos simulados pela fiscalização e desconstituição de seus efeitos. Utilizarei referidos elementos como baliza para o exame dos atos envolvidos na presente autuação. a) Substância dos atos. Deve haver demonstração de que os atos praticados sejam substancialmente irreais, não verdadeiros. 47 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 b) Nexo de causalidade. Deve haver demonstração do nexo de causalidade entre o intuito simulatório e o resultado fiscal mais vantajoso por ele visado. c) Efeitos da desconsideração. Como resultado da caracterização da simulação deve-se desconsiderar o efeito tributário da realidade inexistente que ela pretendeu criar (no caso da simulação absoluta) ou deve-se considerar os efeitos tributários dos atos a simulação pretendeu esconder (no caso da simulação relativa, a mais comumente verificada e de que se cuida nos presentes autos). O aspecto relativo à substância dos atos praticados é o que envolve maior carga de subjetivismo, já que tem relação direta com a aferição da existência de uma declaração não verdadeira ou de uma divergência entre a vontade real e a declarada. Como não há forma de adentrar à psique de quem praticou os atos para aferir com exatidão a existência de tal divergência, mister se faz examinar a exteriorização dos atos para verificar se houve coerência entre as formas de direito privado adotadas e aquilo que efetivamente se praticou e se as partes assumiram todas as conseqüências e ônus, de toda sorte (jurídico, fiscais, operacionais, negociais, etc.) da forma jurídica adotada. Não se cuida, com isso, de tributar o ato segundo o resultado econômico por ele perpetrado, no moldes da teoria da interpretação econômica incompatível com o princípio da legalidade, eis que o contribuinte tem o direito de, dentre duas ou mais alternativas juridicamente viáveis para atingir determinado objetivo econômico ou de outra natureza, adotar aquela que seja menos onerosa do ponto de vista fiscal. Entretanto, ao escolher uma alternativa, ainda que motivado pelo objetivo de redução da carga tributária, deve o contribuinte assumir todas as conseqüências e ônus dela decorrentes e deve haver coerência jurídica, no âmbito do direito privado, entre a forma 48 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 adotada e sua implementação prática, mesmo que referida forma não esteja sendo adotada para o seu fim típico ou tradicional, caracterizando o negócio jurídico indireto, plenamente viável em nosso ordenamento. É a ausência dessa coerência, por exemplo, que tem motivado esta C. Câmara a considerar simuladas estruturas que envolvem contratos de associação de duração efêmera (muitas vezes de horas), adotadas para evitar a tributação sobre o ganho de capital na alienação de bens, em que as circunstâncias de fato indicam que a substância do ato praticado não era de um contrato de sociedade, tendo em vista a ausência do elemento subjetivo a ele inerente – a affectio societatis. O que macula o ato nesse caso, a meu ver, não é a intenção de reduzir a carga tributária aplicável, mas a evidente não assunção das conseqüências da forma adotada ao se desfazer a associação imediatamente após a sua constituição. Marco Aurélio Greco aponta com bastante propriedade as preocupações que surgem quando o contribuinte tenta neutralizar os efeitos indesejáveis da forma fiscalmente menos onerosa por ele escolhida (“Planejamento Tributário”. Dialética, 2004. p. 358): “Outro conjunto de hipóteses que merece atenção é aquele da inclusão - em negócios jurídicos típicos – de cláusulas neutralizadoras de seus efeitos indesejáveis. Vale dizer, as partes, por via indireta, não assume plenamente as conseqüências que decorrem de seus negócios típicos; formatam o negócio para atender exclusiva ou preponderantemente ao seu interesse de sofrer menos tributação.” No caso em exame, o exame dos atos praticados pelo contribuinte não aponta para a incoerência dos atos ou para tentativa de desconstituição de seus efeitos indesejáveis. Ao contrário. O exame da seqüência de atos, praticados em três anoscalendários, não indica tentativas de “desfazer” os efeitos indesejáveis dos primeiros atos. 49 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Todos eles apontam movimentações societárias quanto à propriedade das quotas de SIL, pessoa jurídica estabelecida nas Ilhas Virgens Britânicas e que era titular de investimentos financeiros, transferindo-a de pessoa jurídica situada no Brasil para a titularidade do próprio Recorrente, e posteriormente transferindo-a a pessoa jurídica situada no exterior. Os institutos de direito privado adotados (distribuição de dividendos – eventos “2” e “7”, venda de quotas – evento “3”, aumento de capital – eventos “4” e “6”, redução de capital – evento “9”) são coerentes a realidade exteriorizada – transferência de propriedade das quotas, tanto examinando cada ato separadamente como no seu conjunto. Os tipos jurídicos que conformam esses institutos não trazem, no seu antecedente, elementos subjetivos de verificação protraída no tempo (como a affectio societatis no contrato de sociedade a que me referi acima) e que não teria sido verificados no caso em exame. Apesar de não se tratar de aspecto levantado pela fiscalização, é interessante notar que as transferências de titularidade das quotas de SIL se fizeram pelo respectivo valor patrimonial, o que no caso de sociedade cujo principal ativo são disponibilidades financeiras é indicativo bastante verossímel do valor de mercado, que seria adotado em transações entre terceiros. Com a devida vênia ao ilustre relator, o fato de participarem dos atos sociedades de investimentos controladas pelo Recorrente, mesmo que residentes em países de jurisdição favorecida, não é suficiente para se caracterizar o uso de interposta pessoa se tais sociedades efetivamente permaneceram como proprietárias das quotas transferidas e exteriorizaram tal condição. O uso de sociedades de investimento em outras jurisdições é prática lícita e tem motivações outras que não somente de cunho tributário, como aquelas relativas a separação patrimonial, planejamento sucessório e até proteção cambial. Não obstante as respeitáveis opiniões em sentido contrário, entendo que o ordenamento brasileiro não repele estruturas que tenham motivação exclusivamente fiscal, 50 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 desde que elas sejam reais e não simuladas conforme os parâmetros acima. Não obstante, diante do natural subjetivismo envolto na análise da substância dos atos, é fato que a existência de motivações extra-fiscais para sua prática, embora não determinante, é elemento que contribui para atestar sua conformação com a realidade e, em conseqüência, afastar a caracterização do vício de simulação. No caso em exame, as razões invocadas pelo Recorrente, no sentido de que as movimentações de seus ativos no exterior teriam relação com sua intenção de mudança do país por conta, dentre outros fatores, da violência urbana e da incerteza quanto ao status da moeda brasileira, têm foros de verossimilhança quando se consideram os idos de 1999 e 2000 e são coerentes com o fato de que ele se retirou do país em caráter definitivo, com apresentação da correspondente declaração de saída, em fevereiro de 2001 (evento “10”), após ter recebido recursos por conta da redução de capital de DIL e BIL (evento “9”). Ainda que se entendesse que desde o primeiro ato a intenção do Recorrente fosse distribuir dividendos de SIL ao Recorrente sem tributação no Brasil, o que não resta demonstrado nos autos até pelo tempo decorrido entre os atos e pela circunstância de que o Recorrente decidiu se retirar em definitivo do país após a redução de capital de DIL e BIL, entendo, com base nos parâmetros acima referidos, que não há demonstração de que os atos praticados sejam irreais ou substancialmente diferentes daqueles declarados. Admitindo-se, apenas para argumentar, que tivesse havido a intenção de economia fiscal e que esta tivesse se ultimado com a redução de capital referida no evento “9”, pela qual os recursos financeiros de titularidade de SIL teriam sido recebidos pelo Recorrente sem a tributação que seria aplicável caso tais recursos tivessem sido distribuídos como dividendos (evento “7”), tal resultado mais vantajoso estaria, a meu ver, tutelado pelo ordenamento, caracterizando a elisão fiscal face à ausência de simulação pelas razões acima apontadas. Em outras palavras, se o Recorrente dispunha, para alcançar o objetivo de receber recursos de titularidade de sua controlada no exterior, de duas formas jurídicas 51 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 igualmente lícitas, não há nada no ordenamento que o obrigasse a adotar aquela fiscalmente mais onerosa. As razões acima já seriam suficientes para justificar o pronunciamento de procedência do recurso voluntário, com o conseqüente cancelamento da exigência veiculada no auto de infração. Não obstante, dois outros aspectos merecem ainda ser enfrentados. Primeiramente, a não caracterização da simulação no presente caso resulta ainda mais evidente quando se verifica que há sérias dúvidas quanto ao nexo de causalidade entre o suposto intuito simulatório e o objetivo de subtração de tributo dele decorrente. Explico-me. Se de fato a fiscalização estava convicta quanto ao objetivo do Recorrente de subtrair o imposto de renda decorrente da distribuição de dividendos de SIL a ele sem tributação, fica sem explicação a razão pela qual teria sido escolhido para o lançamento do imposto o evento de distribuição de dividendos de SIL para outras duas sociedades no exterior, DIL e BIL, ocorrida em abril de 2000 (evento “7”). Este ato não denota nenhuma mudança significativa de localização dos recursos financeiros, que no exterior estavam e lá permaneceram, sem que estivessem na disponibilidade do Recorrente. Teria feito mais sentido, nessa linha de raciocínio, eleger a redução de capital (“evento 9”) como evento tributado, já que este ato melhor refletiria o momento da disponibilidade de recursos ao Recorrente. Entretanto, tal ato, como se sabe, tem regime fiscal próprio que impediria o lançamento do tributo. Além disso, se o Recorrente é, como aponta a fiscalização, engenhoso a ponto de construir uma seqüência de atos para evitar a tributação de dividendos, bastaria que ele tivesse se retirado em caráter definitivo não em fevereiro de 2001, como de fato fez, mas alguns meses antes, e estaria impossibilitada a tributação pelo Brasil em virtude da 52 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 cessação de seu status de residente sem a necessidade dos atos que, segundo a fiscalização, tiveram por objetivo “esconder” uma realidade subjacente. Tais considerações colocam sob dúvida a relação de causa e efeito entre o suposto pacto ou intuito simulatório e a supressão ilegal de imposto que por ele teria sido perpetrada, contribuindo para afastar a imputação de simulação. Por fim, também quanto ao terceiro aspecto a que me referi acima, relativo aos efeitos da desconsideração dos atos simulados, o lançamento não resiste a uma análise mais profunda. Ainda que se entendesse que o conjunto de atos praticados caracterizou simulação para evitar a tributação aplicável sobre a distribuição de dividendos de SIL, é fato que o efeito da desconsideração dos atos simulados não seria uma distribuição direta de dividendos de SIL ao Recorrente, já que, como aponta a fiscalização no Termo de Verificação Fiscal e como dá conta o relato dos eventos que acima se fez, SIL estava, no início dos atos atacados pela fiscalização, sob titularidade de empresa situada no Brasil – Santana Participações. Da desconsideração da seqüência de atos praticados para tributar o que supostamente se pretendeu esconder resultaria que, para que os recursos de SIL chegassem à disponibilidade do Recorrente, eles teriam que primeiramente ser distribuídos à Santana Participações, para que depois esta os distribuísse ao Recorrente. Ao percorrer este caminho tais lucros de SIL estariam sujeitos a tributação pelo imposto de renda da pessoa jurídica de Santana Participações, por aplicação das regras de tributação de lucros no exterior previstas na legislação daquele tributo. A posterior distribuição de dividendos por Santana Participações ao Recorrente estaria isenta de tributação, por se tratar aquela de pessoa jurídica estabelecida no país. 53 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 Vale dizer, admitindo-se, apenas para argumentar, que houvesse simulação (o que ficou afastado pelos fundamentos já expostos acima), haveria erro na identificação do sujeito passivo da presente autuação, resultando igualmente no provimento do recurso voluntário com o conseqüente cancelamento da exigência. Em vista de todo o exposto, encaminho meu voto no sentido de CONHECER do recurso para, no mérito, DAR-lhe provimento. É o meu voto. Sala das Sessões - DF, em 26 de julho de 2006 GUSTAVO LIAN HADDAD 54 MINISTÉRIO DA FAZENDA PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUARTA CÂMARA Processo nº. Acórdão nº. : : 18471.000214/2005-18 104-21.729 INTIMAÇÃO Fica o Senhor Procurador da Fazenda Nacional, credenciado junto a este Conselho de Contribuintes, intimado da decisão consubstanciada no Acórdão supra, nos termos do parágrafo 2º, do artigo 37, do Regimento Interno, aprovado pela Portaria Ministerial nº. 55, de 16 de março de 1998 (D.O.U. de 17/03/98). Brasília-DF, em MARIA HELENA COTTA CARDOZO PRESIDENTE Ciente em PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL 55