1
I.
INTRODUÇÃO
Inicialmente, queremos consignar que, considerando uma das linhas de pesquisa deste
programa se reportar aos direitos da sócio e biodiversidade, e mais precisamente, ao direito dos
povos e agricultura sustentável, nos prepusemos a ingressar no Programa de Pós-graduação em
Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas – UEA,1 com o intuito de utilizar a
experiência prática conjuntamente com a pesquisa científica, e impondo-lhe um caráter
epistemológico, combinando a teoria e a práxis2, esta compreendida no agir propriamente dito,
em prol dos beneficiários3 do Programa Nacional de Reforma Agrária4 neste Estado do
Amazonas.
1
Consta no site http://www.pos.uea.edu.br/direitoambiental, a apresentação do Programa de Mestrado da UEA que
―por outro lado busca atender a enorme demanda no país, no estado e, especialmente, na Amazônia, por profissionais
especializados para provimento de cargos jurídicos e técnicos relacionados ao meio ambiente; consolidar um núcleo
de profissionais qualificados e capacitados cientificamente, com o propósito de refletir criticamente o ensino do
Direito no Estado do Amazonas, bem como na região; formar profissionais com sensibilidade para tratar da
complexidade social regional criando novas alternativas normativas e hermenêuticas viáveis para o uso sustentável
dos recursos naturais; promover uma articulação sólida entre ensino e pesquisa, incentivando a discussão e o debate
de conteúdos temáticos, compreendendo o Direito como instrumento de comunicação e de transformação social.‖
2
No marxismo, representa a ação objetiva que, superando e concretizando a crítica social meramente teórica, permite
ao ser humano construir a si mesmo e o seu mundo, de forma livre e autônoma, nos âmbitos cultural, político e
econômico. ―A Filosofia da Práxis constitui uma concepção do marxismo contrária às interpretações de cunho
positivista e mecanicista; acontecimentos estruturais se entrelaçam e interagem com elementos humanos como a
vontade e o pensamento.‖ A esse respeito, consultar REALE, G; ANTISERI, D. História da Filosofia (td. Álvaro
Cunha). Vol. III. 2ª edição. São Paulo: Editora Paulus, 1991, p. 832.
3
A Instrução Normativa/INCRA/N° 15, de 30 de março de 2004, publicada no D.O.U nº 65, de 5-4-2004, seção 1, p.
148 e no B.S. nº 14, de 5-4-2004, no art. 3º, inciso III, dispõe sobre o conceito de beneficiários da reforma agrária:
―Art. 3° Conceitos e abrangência: (...) III - BENEFICIÁRIOS – São candidatos selecionados, por critérios definidos,
na legislação agrária, regulamentada por normas internas do INCRA, que constituirão a Relação de Beneficiários –
RB a serem assentados em determinada área do município ou região.‖
4
O Programa Nacional de Reforma Agrária está garantido na Constituição Federal de 1988, por força do art. 184 e
segs, cujos dispositivos foram regulamentados pela Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Já, no parágrafo
2
E essa constatação adveio de em profundo sentimento, adquirido pelo fato de
constatarmos através da nossa experiência profissional, que a reforma agrária não evoluiu5 no
Amazonas, e no país de um modo geral,6 no sentido de conceber uma estrutura que fixe o homem
a terra, com as mínimas condições de sobrevivência, propiciando saúde, educação, respeito aos
costumes, dentre outros aspectos, ou seja, sua dignidade, no Estado do Amazonas ao longo dos
últimos 20 anos.
A reforma agrária estava distante do meio ambiente, considerando que o próprio direito
esteja em crise7, como ciência, como adiante será abordado com mais vagar, não conseguindo
acompanhar a evolução da sociedade, e sendo assim não caminhavam em harmonia com os
preceitos ambientais, prejudicando os beneficiários da reforma agrária, já que os mesmos tinham
dificuldades quanto ao acesso a terra, bem como de desenvolverem uma atividade econômica que
propiciasse seu sustento em conformidade com o seu modo de vida, que se encontra
profundamente relacionada com o meio ambiente. A ciência jurídica não vislumbrava um
enfoque dialógico sobre a questão. E mais:
primeiro do artigo 1º do Estatuto da Terra (Lei n.° 4.504/64), e no caput do art. 16 do mesmo diploma está a
definição de reforma agrária, em vigência no Brasil, a saber: ―Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas
que visam a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de
atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.‖
5
A esse respeito, consultar SCHMIDDT, Benício Viero; MARINHO, Danilo Nolasco C.; ROSA, Sueli L. Couto
(Organizadores). Os Assentamentos de Reforma Agrária no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1998.
6
Fontes do próprio do INCRA, informam que nos idos dos anos de 1964 e 1985 foram beneficiadas somente 9.327
famílias em projetos de reforma agrária e 39.948 em projetos de colonização. Verifica-se que o índice Gini aufere o
grau de desigualdade da distribuição de renda ou de um outro recurso, como por exemplo a terra. Vai mudando
considerando um mínimo de a um máximo de ―um‖. A escala ―zero‖ significa nenhuma desigualdade e ―um‖
representa grau máximo de desigualdade. De tal modo que o índice de Gini concernente à distribuição da terra no
país pulou de 0,731 (1960) para 0,858 (1970) e 0,867 (1975). Tal valor inclui apenas a distribuição da terra no
âmbito dos proprietários. Observadas as famílias sem terra, o índice de Gini reflete maior concentração ainda, a
saber: 0,879 (1960), 0,938 (1970) e 0,942 (1975). Assim, nos últimos 20 anos as pequenas mudanças que
aconteceram, no que pertine à concentração de terra apenas aumentaram. (Ver: www.incra.gov.br. Acesso em: 10
out. 2004.)
7
Boaventura explica que o Direito está em crise porque não vem conseguindo acompanhar a evolução dos fatos no
interior da sociedade, agindo tardiamente na maioria das vezes. Em outras palavras, o direito não consegue regular as
demandas sociais emergentes, que além de serem muitas, são complexas. A propósito dessa discussão da crise do
direito, ver SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente - Contra o desperdício da experiência.
São Paulo: Cortez, 2005.
3
Quanto à participação das universidades percebeu-se, claramente, que a temática já foi
incluída no item de preocupações em futuros debates e em pesquisas acadêmicas. Os
estudantes manifestaram entusiasmo com a experiência e estão dispostos a dar
continuidade aos esforços de melhor conhecer e interagir com os projetos de reforma
8
agrária.
Ademais, em se tratando de uma dissertação de mestrado, há que se deslindar um grande
mito ocidental na lição de Foucault9, qual seja, o da contradição entre o saber e poder10, que
Nietzsche tentara demonstrar em vários momentos, isto é, que por trás de todo saber, de todas as
formas do conhecimento humano, aí incluído o poder político, pois se conclui sempre que o cerne
de qualquer questão está relacionada à luta pelo poder.
Nada obstante, nos últimos 10 (dez) anos sentimos um ar de mudança nesse cenário, com
novos olhares para a questão e adoção de novas experiências como a Reserva Extrativista RESEX e o Projeto de Assentamento Extrativista - PAE, além de priorizar as Reservas de
Desenvolvimento Sustentável - RDS, como a de Mamirauá, isto é, uma transformação,
constatada na doutrina adiante referida, e na prática, ao participarmos, concomitantemente, da
Comissão de Meio Ambiente do INCRA/AM, com um trabalho sem precedentes em outro
Estado, e pioneiro no país, objetivando contornar as dificuldades para a realização da reforma
agrária, com um olhar para o meio ambiente no Amazonas.
Do mesmo modo, há que se ter em vista que, quanto à aplicação do Direito em pleno
século XXI, o dever de considerarmos especialmente o momento ideal de reflexão e incorporação
8
SCHMIDDT, Benício Viero; MARINHO, Danilo Nolasco C.; ROSA, Sueli L. Couto (Organizadores). Os
Assentamentos de Reforma Agrária no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 19.
9
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução Roberto Cabral de Melo Machado et al. Rio de
Janeiro: Nau Editora, 1979, p. 17.
10
Nesse aspecto, teríamos uma antilogia que na tradição cética ou em doutrinas influenciadas pelo ceticismo, tal
como o kantismo, a contradição entre duas proposições filosóficas igualmente críveis, lógicas ou coerentes, mas que
chegam a conclusões diametralmente opostas, demonstrando os limites cognitivos ou as contradições inerentes ao
intelecto humano.
4
da ética11 em todas as dimensões da vida humana, isto é, no trato das questões atinentes à reforma
agrária.
Insere-se nesta forma de considerar a evolução da justiça e do Direito para oferecer outras
opções de proteção aos beneficiários da reforma agrária neste Estado, pois se o Direito persegue
os fatos demandados pela sociedade, deve evoluir para abrigar as necessidades da sociedade e
considerando de tal modo que os abriguem junto da percepção do direito à dignidade da pessoa
humana, de sorte a buscarmos respostas criativas da ciência jurídica apta a desvincular-se da
adstrição por vezes nociva do positivismo jurídico.12 Positivismo este que, diante do olhar
daqueles que interpretam friamente o Direito, por vezes, engessa a dimensão da dinâmica
inerente a qualquer ciência, como é o Direito.13 Conquanto verificarmos não ser novo na
dogmática, a nosso juízo, o princípio da dignidade da pessoa humana é a mola mestra que deve
ser perseguida a todo custo, o diálogo entre o Direito agrário e o Direito Ambiental deve
propiciar a concretude desse princípio, daí sua importância, como pesquisa e discussão do tema
proposto.
Não obstante, havíamos proposto inicialmente abordar em nossa dissertação apenas um
aspecto jurídico-ambiental da reforma agrária deste Estado, qual seja, o concernente à
regularização fundiária em área de preservação permanente – APP, em terras públicas da União.
11
À conotação que queremos dar à ética podemos traduzi-la no seguinte trecho, a saber: ―Fala-se hoje, em toda parte
e no Brasil, numa crise dos valores morais. O sentimento dessa crise expressa-se na linguagem cotidiana, quando se
lamenta o desaparecimento do dever-ser, do decoro e da compostura nos comportamentos dos indivíduos e na vida
política, ao mesmo tempo em que os que assim julgam manifestam sua própria desorientação em face de normas e
regras de conduta cujo sentido parece ter se tomado opaco. Uma autora sueca, Sissela Bok, decidiu escrever um livro
sobre a mentira, após ter verificado que, desde o século XVII, excetuando-se alguns momentos da literatura, do
teatro e do cinema, reina o silêncio quanto aos dilemas dizer-a-verdade na vida privada e na vida pública. Sociólogos
de linha durkheimiana, examinando o desamparo dos indivíduos nas escolas morais, a presença de práticas e
comportamentos violentos na sociedade e na política, a multiplicidade de atitudes transgressoras de valores e normas,
falam em anomia, isto é, na desaparição do cimento afetivo que garante a interiorização do respeito às leis e às regras
de uma comunidade‖ (Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 345).
12
SOUZA JÚNIOR, José Geraldo. O Direito Achado na rua: terra, trabalho, justiça e paz. Introdução crítica
ao Direito Agrário. Vol. 03. São Paulo: Ed. UnB, 2002, pp. 25-26.
13
Para saber mais sobre o positivismo jurídico, consultar BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo:
Editora Ícone, 1999.
5
Todavia, ao compulsarmos mais a fundo a problemática agrária e ambiental no Estado do
Amazonas, constatamos tratar-se de um sistema complexo impingindo fosse reavaliada temática
para uma abordagem dialógica entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental, isto é, como a
reforma agrária era e é pensada à luz do meio ambiente, considerando que as políticas públicas
aplicadas no Estado do Amazonas no tocante a implantação de Projetos de Reforma Agrária
apresentaram-se como insatisfatórios. Como antedito, alia-se a persecução do ideário do princípio
da dignidade da pessoa humana dos beneficiários da reforma agrária. Sendo que, a nosso sentir, a
concretude de tal atingimento, passa pela relação dialógica entre o Direito Ambiental e o Direito
Agrário, i. e., o estreitar de laços no âmbito do pensamento, para avançar, de sorte a manejar o
Direito com um olhar emancipatório.
Portanto, esse é o desafio desta dissertação de mestrado no sentido, qual seja, o de abordar
o problema da importância do diálogo14 entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental na reforma
agrária no Estado do Amazonas e sua repercussão para os seus beneficiários, pessoas que
necessitam da terra para extrair seu sustento e viver com o mínimo de dignidade. No caso, a
dignidade implica, além desse aspecto material, que consiste na garantia dos meios de produção,
as dimensões ambientais e culturais, que se colocam como elementos intrínsecos a esse processo
de reforma agrária.
14
O diálogo interdisciplinar se perfaz também em outros setores do saber como, por exemplo o concernente ―ao
crescente diálogo que a História e Antropologia vêm estabelecendo e que, no caso da Amazônia, se materializam em
pesquisas renovadas com ênfase especial para a produção na linha histórica indígena e do indigenismo na região.‖ In
Rastros da Memória (histórias e trajetórias das populações indígenas na Amazônia). SAMPAIO, Patrícia Melo;
ERTHAL, Regina de Carvalho. (Organizadoras). Manaus: Editora EDUA/CNPQ, 2006, p. 06.
6
I.1 – A CONTEXTUALIZAÇÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA E O PAPEL DA
CIÊNCIA JURÍDICA.
Podemos dizer que a degradação ambiental em políticas públicas fracassadas de reforma
agrária realizadas no Amazonas, também advém da transnacionalização do empobrecimento da
fome e da má nutrição, bem como de todos os problemas enfrentados pelo mundo, este é o mais
transnacional como diz Boaventura.15 Ou seja, toda essa problemática passa por um contexto
geral, chegando a questões mais específicas. E o meio ambiente está intimamente ligado a
questão agrária, já que a terra e o meio ambiente são institutos indissociáveis sob todos os pontos
de vista.
No Estado do Amazonas as peculiaridades concernentes aos aspectos da formação da
propriedade e a sua disposição fundiária complexa tem como elemento determinante a
constatação de que a maior parte do território do Estado do Amazonas16 com área de
1.570.745,680 km² pertencer à União federal, ao contrário de outros Estados do Brasil, cuja
estrutura fundiária se originou da concessão das sesmarias, o que se reflete na disciplina de
ocupação e de regularização das áreas destinada à reforma agrária.
A questão agrária está ligada fortemente ao debate sobre a reforma agrária, estando ambas
as expressões por vezes mescladas por entendimentos de políticas imediatistas.17 Emergindo daí a
necessidade da compreensão da singularidade apontada acima utilizando-se da ciência jurídica
para concatenar um conjunto de idéias e proposições acerca do tema, como a discussão em torno
15
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice (o social e o político na pós-modernidade). 11ª edição.
São Paulo: Cortez, 2006, p. 296.
16
Dados do IBGE; vide site http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/areaterritorial/principal.shtm; acessado em
26-1-2007.
17
CICLO DE DEBATES. Questão Agrária no Brasil: Perspectiva Histórica e Configuração Atual. São Paulo:
INCRA, 2005, p. 22.
7
uma interpretação do direito agrário que leve em conta a variável ambiental e vice-versa, a
criação de projetos especiais de reforma agrária no estado do Amazonas aponta para um
horizonte mais favorável.
Quanto à visão geral do pensar o Direito observamos a imensa contribuição de muitos
pensadores clássicos, isto é, os grandes filósofos do Direito.
É certo que a idéia de Direito e a idéia de Estado estão intimamente ligados, pois ―não há
Estado sem Direito nem Direito sem Estado.18‖ No entanto, não podemos deixar de olvidar que
em se tratando da ciência do Direito19 devemos evitar no presente trabalho, o que poderia
caracterizar-se numa dependência intelectual, evitando a todo custo a suscetibilidade de nosso
pensamento e sentimento, apenas e tão somente à influência da lei morta e infecunda, como se
fosse a uma peça inanimada, sem vontade ou sentimento, isto é, afastando o próprio pensar.
Temos a obrigação de exigir de uma ciência, como a ciência do Direito, a capacidade
crítica e um pensamento próprio, até mais que outras ciências, devemos buscar sua exata
dimensão.20 Como dito na introdução, não podemos nos deixar envolver nesta dissertação de
mestrado pelo positivismo fechado, a visão do Direito sob a letra fria da lei, que não atenta para o
18
CARNELUTTI, Francesco. Como Nasce o Direito. 2ª edição. São Paulo: Russell Editores Ltda, 2005, p. 53.
É oportuno citar a concepção de CARNELUTTI, quando discorre que, para entender o que seja o valor do Direito
utiliza-se do exemplo de dois lados da ponte ―a esquerda da ponte a terra chama-se, pois, economia. O homem mais
forte, que deixa o sustento para o mais fraco, qualifica-se, pelo contrário, homo moralis, que não pode separar o bem
próprio dos demais. À direita da ponte o nome da terra é moralidade. Dois opostos, que podemos representar com as
figuras expressivas do lobo e o cordeiro: homo homini lupus e homo homini agnus. A humanidade não pode transpor
o abismo que separa as duas margens, sem uma ponte estendida de uma à outra. Esta ponte atrevidísima toma o
nome de direito. Precisamente, uma linha reta, que une dois pontos. Segue divagando o citado autor valendo salientar
a seguinte passagem: ―É isto, então, o direito? E é este o jurisconsulto que quer saber o que o direito? Não sabe
afinal, nada de preciso. Expressa-se, em suma, mais como um poeta do que como um douto. Justamente aqui está a
diferença entre minha juventude e minha velhice de jurisconsulto. O jovem tinha fé na ciência; o velho a perdeu. O
jovem acreditava saber; o velho sabe que não sabe E, quanto ao saber junta-se o saber que não se sabe, então a
ciência se torna poesia. O jovem contentava-se com o conceito científico do direito; o velho sente que neste conceito
perde-se seu impulso e seu drama e, portanto, sua verdade. O jovem queria que os contornos cortantes da definição;
o velho prefere os matizes do paralelo. O jovem não acreditava senão no que via; o velho só acredita no que não se
pode ver; O jovem estava à esquerda; o velho passou para a direita da ponte. E para representar esta terra, onde os
homens se amam e, amando-se, conseguem a liberdade, também não serve a poesia; o jurisconsulto gostaria de ser
músico para fazer com que os homens sintam este encanto.‖
20
CARNELUTTI, Francesco. Arte do Direito (Seis Meditações sobre o Direito). 2ª edição. São Paulo: Âmbito
Cultural Edições Ltda, 2001, p. 21.
19
8
carater sistemático da interpretação das normas, pois tal positivismo se afigura como inimigo
mortal da ciência do Direito, sufocando toda ciência,21 o que é inadmissível.
Assim, considerando que o estudo que ora apresentamos pertencer à ciência jurídica, o
que implica em cogitar também num enfoque epistemológico22, analisando e refletindo a ciência
de modo que a mesma faça renascer o Direito à luz das demandas sociais presentes, que se
colocam alimentando o Direito.
Por seu turno, no pensamento de Foucault23 (1926-1984), a episteme representava o
paradigma geral segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes
científicos, que por esta razão compartilham, a despeito de suas especificidades e diferentes
objetos, determinadas formas ou características gerais. Já para Boaventura, ao contrário do
entendimento corrente, o pensamento de Foucault representa uma crítica moderna e não uma
crítica pós-moderna, e afigura-se como a grande última tentativa na produção de uma teoria
crítica moderna, haja vista paradoxalmente apresentar-se como ápice e declínio dessa teoria
crítica moderna.24
Desse modo, o surgimento de uma nova episteme estabelece uma drástica ruptura
epistemológica que abole a totalidade dos métodos e pressupostos cognitivos anteriores, o que
implica uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência.
A episteme pode e deve ser gizado no trabalho que se apresenta, especialmente levando-se
em conta não apenas a idéia de oposição ferrenha à opinião infundada ou irrefletida, mas
21
VON IHERING, Rudolf. É o Direito uma ciência. 1ª edição. São Paulo: Ed. Rideel, 2005, pp. 56/57.
E não é demais lembrar que em se tratando de episteme, que na filosofia grega, especialmente no platonismo,
representava o conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida.
23
Para entender mais o pensamento de Michel Foucault sobre a modificação que o regime de propriedade e posse
sofreram no período do feudalismo, ler a obra Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1986.
24
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente - Contra o desperdício da experiência. São
Paulo: Cortez, 2005, p. 26.
22
9
considerando também a realidade vivida na prática, nos saberes tradicionais originados da
experiência e especificidades de nossa região, afastando a ortodoxia do denominado doxa25.
É mister que o estudioso do Direito tenha esta visão crítica e abrangente 26, não se atendo
apenas e tão somente ao estudo normativista27 puro, mas aprofundando-se de sorte a considerar
também os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais, e investigando sem amarras o que
toda ciência pode propiciar, ou seja, o conhecimento amplo, assumindo dessa forma uma
verdadeira função recriadora do Direito na sociedade.
O direito é um dinamismo, pois o existe em razão da sociedade e não o contrário,
representa um nível de realidade social. E a realidade social representa o momento presente, ou
seja, a vida, e a vida sempre está em movimento.28
O exercício da reflexão deve estar o obrigatoriamente presente na mente naqueles em que
se ocupam em operar o Direito, e como assevera Eros Roberto Grau:
Note-se bem que não estou a referir, neste ponto de minha exposição, o método clássico
e um outro, mais recente, de interpretação, porém ideologias contemporâneas, que se
reproduzem nos dias de hoje, a primeira delas com muito, mas muito, maior intensidade
mesmo do que a segunda. Não posso deixar de registrar, a propósito, o quão assustadora
me parece a segurança dos que não são afeiçoados ao hábito da reflexão e, sem
qualquer constrangimento, se permitem pronunciar conferências exclusivamente
repetitivas do que se escrevia sobre o tema há mais de 100 anos, diante de auditórios
freqüentados por aparvalhados apedeutas... A ignorância é, seguramente, a mãe da
tranqüilidade e da paz intelectual.29
25
Na filosofia clássica o doxa se traduz no sistema ou conjunto de juízos que uma sociedade elabora em um
determinado momento histórico supondo tratar-se de uma verdade óbvia ou evidência natural, mas que para a
filosofia não passa de crença ingênua, a ser superada para a obtenção do verdadeiro conhecimento.
26
Para saber mais sobre o pensamento crítico concernente à ciência jurídica ver a obra de MIAILLE, Michel.
Introdução Crítica ao Direito. Lisboa: Editora Estampa, 1.994.
27
Para Bobbio ―o termo ―direito‖, na mais comum acepção de Direito objetivo, indica um tipo de sistema normativo,
não um tipo de norma‖. In BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª edição. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1982, p.31.
28
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ª edição: São Paulo:
Malheiros, 2005, pp. 124-125.
29
Idem, p. 120.
10
A conseqüência lógica desse entendimento se reflete nos mais diversos aspectos práticos
atinentes à consecução do princípio da justiça social e na dignidade da pessoa humana, sem
dúvida, inserto na definição da reforma agrária para a evolução de uma sociedade, dentre o quais
destacamos a forma ocupação, grilagem, questões de ordem ambiental, regularização fundiária
em terras públicas sob os auspícios da União federal e de seus beneficiários da reforma agrária.
I. 2. – DO OBJETO DE PESQUISA
A delimitação é importante para que não percamos o foco central da questão posta nesta
dissertação. Assim, o tema consiste no estudo sobre a importância do diálogo entre o Direito
Agrário e o Direito Ambiental na reforma agrária no Estado do Amazonas. E o tema é relevante
para a sociedade, pois representa a configuração que mais influi em nossa região ao introduzir
alternativas para a efetivação da reforma agrária com um olhar para o meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Tal assertiva é constatada ao compulsar o trabalho do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, neste Estado, que será explorado ao
longo desta dissertação de mestrado.
É sabido que a promessa da dominação da natureza foi cumprida de modo perverso sob a
forma de destruição da natureza e da crise ecológica.
A propósito, citamos o exemplo no âmbito da reforma agrária no Amazonas, o Projeto de
Assentamento Rio Juma criado em agosto de 1982, de modo ortodoxo, com área de 689 mil
hectares, e capacidade para assentar 7,5 mil famílias. Após vistoriar 7 mil lotes do projeto, os
técnicos do INCRA constataram crimes ambientais, concentração de lotes no nome de uma só
pessoa, ocupações e vendas irregulares de parcelas. Com este levantamento foi possível traçar a
11
real situação do projeto e verificar quem realmente está explorando os lotes, dentro do que
determina a legislação agrária, além dos casos que precisam ser ajustados.
Uma das constatações da equipe do INCRA foi que em 70% dos lotes do projeto, a
exploração da floresta extrapolou a reserva legal de 20%, isto é, percentual determinado pelo
código florestal. Outro dado de suma importância: o índice de evasão do assentamento foi de
70%. O banco de dados do INCRA, que identifica as pessoas que saíram e que chegaram ao
projeto foi atualizado.30
Assim, essa realidade nos causa extrema perplexidade e é suficiente para nos obrigar a
interrogarmo-nos criticamente sobre a natureza e forma da reforma agrária de caráter universal,
porquanto, nos coloca a necessidade de buscarmos alternativas fundadas nas respostas que
dermos a essas perguntas.
Ora, se vivemos numa democracia que é idealmente o governo do poder visível, ou do
governo cujos atos se desenvolvem em público, sob o controle da sociedade,31 esta então, deve
participar ativamente da reforma agrária, no sentido de encontrar caminhos que possam tornar
factível essa política pública tão importante para o país. O fato da reforma agrária vir sendo
planejada e implantada da mesma com os mesmos pressupostos, tem sido um dado importante e
deve ser considerado na análise.
E o presente tema é extrema importância, pois o conhecimento e a análise acerca do
diálogo entre o Direito Ambiental e o Direito Agrário, na reforma agrária no Estado do
Amazonas repercutem diretamente nas pessoas que são beneficiárias do Programa Nacional de
Reforma Agrária constitucionalmente assegurado, já que devido a vastidão territorial da floresta
amazônica e a necessidade de conciliar o meio ambiente com a reforma agrária, implica em dizer
30
31
Fonte: Revista Filhos deste solo. Manaus: INCRA/AM, 2005, p. 15.
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4ª edição. Brasília: Ed. UnB, 1999, p. 208.
12
que a não explicitação e a falta de conhecimento do tema, afetam sensivelmente esses
beneficiários,
pois criam dificuldades para verem seus direitos reconhecidos. Como, por
exemplo, quanto ao acesso à saúde, educação, e acesso à documentação de suas posses, benefício
de créditos e assistência técnica, combate a grilagem, além de outros. Por conseguinte, a reforma
agrária fica ameaçada de se afirmar neste Estado, pois às vezes o próprio Estado ignora os
direitos desses beneficiários.
O tema é delimitado pelo estudo da importância do diálogo entre o Direito Ambiental e o
Direito Agrário na reforma agrária no Amazonas, em áreas destinadas à reforma agrária, de
domínio da União federal, cujo órgão executor é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA, e cujos beneficiários são as populações menos favorecidas que moram na
região amazônica, dos quais vários grupos de pessoas são atendidos.
É sabido que os meios de comunicação noticiam a existência de muitas dificuldades
enfrentadas por esses beneficiários da reforma agrária, além do que suas atividades devem
caminhar juntamente com o primado do desenvolvimento sustentável e respeito às normas
ambientais existentes no nosso ordenamento jurídico. Sendo que o manejo do sistema jurídico,
aponta para o caráter dialógico dos direitos apontados para partir para soluções para as questões
que afligem os beneficiários da reforma agrária. E esse cenário advém da própria história da
região, cujas terras foram dominadas pelas elites que não tinham qualquer compromisso social ou
ambiental.32
E o problema pertence a todos, porque a reforma agrária é uma questão social e
constitucional, consoante o art. 184 e seguintes da Constituição, i. e., da sociedade33 em sentido
32
DAOU, A. M. L. Instrumentos e sinais da civilização: origem, formação e consagração da elite amazonense.
História, Ciência e Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. VI, p. 869-889, 2000.
33
A propósito, sobre a percepção do termo sociedade e suas teorias, torna-se bastante interessante consultar
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13° edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
13
amplo, e não ―para quem pensa que a reforma agrária é um assunto de interesse apenas de
agricultores e de alguns políticos de Brasília (...).‖34
É certo que a sociedade se torna mais vulnerável a cada dia, diante da própria história
dessa sociedade como entende Beck,35 concebida sob o interesse da classe dominante. O Estado
tem de atender aos reclames da sociedade e não o contrário, pois se assim não fosse teríamos uma
verdadeira sociedade contra o Estado.36
Devemos buscar sempre a percepção de uma nova cidadania que, no dizer de Boaventura,
é idealizada a partir da obrigação política vertical entre os cidadãos e o Estado, assim como na
obrigação política horizontal entre os cidadãos, pois ―revaloriza-se o princípio da comunidade e a
idéia da igualdade, a idéia de autonomia e a idéia de solidariedade.‖37
Portanto, esse é o ideário posto na presente dissertação de mestrado, qual seja, a busca
incessante por uma verdadeira justiça social, isto é, a idéia da igualdade, independentemente da
discussão em torno da igualdade fática ou jurídica, formal ou material, já que tal princípio está
insculpido não apenas na noção de Estado de direito, mas também na de Estado social, no qual
pode e deve considerar-se como um princípio da justiça social como uma premissa maior, e como
acentua Canotilho:
Como já atrás se referiu (cfr. supra), o princípio da igualdade é não apenas um princípio
de Estado de direito mas também um princípio de Estado social. Independentemente do
problema da distinção entre «igualdade fáctica» e «igualdade jurídica» e dos problemas
económicos e políticos ligados à primeira (ex.: políticas e teorias da distribuição e
redistribuição de rendimentos), o princípio da igualdade pode e deve considerar-se um
princípio de justiça social. Assume relevo enquanto princípio de igualdade de
oportunidades (Equality of opportunity) e de condições reais de vida. Garantir a
<<liberdade real>> ou <<liberdade igual>> (gleiche Freiheii) é o propósito de
34
CAVALCANTE, Klester. Viúvas da Terra (morte e impunidade nos rincões do Brasil). São Paulo: Ed.
Planeta, 2004, p. 17.
35
BECK, Uirich. Políticas ecológicas em la edad del riesgo. Antídotos. La irresponsabilidad organizada.
(Capítulo VII – Los conflictos del progreso: el desafio tecnocrático de la democracia). Barcelona: El Roure, 2000,
pp. 285-325.
36
CLASTRES, Pierre. “A sociedade contra o Estado”. São Paulo: Cosac & Naif, 2003, pp. 207-234.
SANTOS, Boaventura de Sousa. “Para uma nova teoria da Democracia”. In O Direito achado na rua. Vol. 03.
Introdução Crítica ao Direito Agrário. São Paulo: Ed. UnB, 2002, p. 86.
37
14
numerosas normas e princípios consagrados na Constituição (exs.: CRP, arts. 5S.°/2/b,
59.°/l/tí, 59.°/2/c e f, 64.°/2, 67°/2/a, 73.°, 74.°, 7S.°/2/a) .
Esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de «justiça social» e com a
concretização das imposições constitucionais tendentes a efectivação dos direitos
38
económicos, sociais e culturais.
E é a justiça social, consectário principiológico do Estado social39 que dá a idéia de
autonomia e a idéia de solidariedade para todos os cidadãos, do mundo que queremos, 40
especialmente para os beneficiários da reforma agrária do Estado do Amazonas, em harmonia
com o meio ambiente. E essas idéias hão que se traduzir em princípios que forjam o alicerce ou o
fundamento do Direito como ciência, constituindo-se em normas jurídicas.41
E atingir a efetividade do princípio da igualdade traduz-se naquilo que é necessária e
irrefragavelmente igual para todos não pode ser tomado como fator de diferenciação, sob pena de
infringir o princípio da isonomia previsto no art. 5°, caput, da Constituição. Diferentemente,
―aquilo que é diferenciável, que é, por algum traço ou aspecto, desigual, pode ser diferenciado,
fazendo-se remissão à existência ou à sucessão daquilo que dessemelhou as situações,‖42 pois só
se pode corrigir uma desigualdade criando outra desigualdade de igual proporção, ou seja deve
haver uma proporcionalidade. Todavia, acentuamos que o primado da igualdade deve redundar,
independente de qualquer distinção de âmbito formal ou material, como entende Canotilho, no
38
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra: Ed.
Almedina, 2003, p. 430.
39
A respeito do Estado social Eros Grau leciona que ―O Estado social legitima-se, antes de tudo, pela realização de
políticas, isto é, programas de ação; assim, o govemment by policies substitui o govemment by law. Fábio Konder
Comparato (1985/407-408) observa que ―o Estado social não se legitima simplesmente pela produção do direito, mas
antes de tudo pela realização de políticas (policies), isto é, programas de ação‖; em outro texto (1989/102), averba:
―O govemment by policies, em substituição ao govemment by law, supõe o exercício combinado de várias tarefas,
que o Estado liberal desconhecera por completo‖. In GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito
Pressuposto. 1ª edição. Ed. Malheiros: São Paulo, 1996, p. 22.
40
RUBIO, David Sánchez; ALFARO, Norman J. Solórzano; CID, Isabel V. Lucena (ed.). Nuevos colonialismos del
capital (Propriedad intelectual, biodiversidad y derechos de los pueblos). Espanha: Barcelona, Icaria, 2004, p.
15.
41
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Coimbra: Ed.
Almedina, 1995, pp. 1.034-1.035.
42
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª edição. São Paulo:
Malheiros Editores, 2005, p. 32.
15
atingimento do princípio da justiça social como elemento primordial do Direito Agrário que
deverá incorporar elementos do Direito Ambiental.
Porém, o que deve prevalecer mesmo é a idéia de que todos os homens nascem livres e
iguais na sua dignidade e em seus direito, sendo dotados de razão e consciência de sorte a agirem
em relação uns aos outros com o espírito de fraternidade, como estatuí o art. 1º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem. A dignidade da pessoa humana é indissociável de qualquer
exegese da ciência como um todo. É um instituto incondicional sob todos os aspectos, e o diálogo
entre os direitos busca a sua efetivação.
Infelizmente nos dias atuais continuam a persistir situações, sociais, políticas e
econômicas as quais contribuem para tornar os homens seres supérfluos, como se não tivessem
nenhuma importância, sem um lugar no mundo em que vivemos.43
Pois na verdade as pessoas são todas iguais na sua essência, devendo prevalecer sempre o
sentimento de fraternidade e amor entre elas, e como diz Carmen Lúcia Antunes da Rocha:
Gente é igual. Tudo igual. Mesmo tendo cada um a sua diferença. Gente não muda.
Muda o invólucro. O miolo, igual. Gente quer ser feliz, tem medos, esperanças e
esperas. Que cada qual vive a seu modo. Lida com agonias e as alegrias de um jeito
único, sé seu. Mas o sofrimento é igual. A alegria, sente igual.
Filhos da terra, iguais em sua semente de liberdade e esperança. Filhos da mesma mãe
terra. Filhos iguais das mães.
Iguais as mães. Todas dignas. Não se vergam, não se entregam a dão a todos, mos filhos
o exemplo de que a pessoa humana é feita de vértebras na alma. Não é feita para se
curvar. Nem para deixar de lutar.44
E mais, como pontifica Van Parijs, em nos propor o quão profícuo é buscar a resposta
para o que seja uma sociedade justa.45 E esse desiderato de pretender atingir uma sociedade justa
43
LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos (um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt).
5ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 118.
44
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes da. Direito de todos. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2004, p. 13.
45
PARIJS, Philippe Van. O que é uma sociedade justa? (Introdução à prática da Filosofia política). São Paulo:
Ed. Ática, 1997.
16
se coaduna com a afirmação que o Direito constitui-se num sistema,46 um direito pressuposto que
deve ser manejado corretamente para que o direito posto atenda às demandas sociais, sob a
influencia de vários fatores dentro da sociedade, sejam políticos, econômicos, e culturais. Vale,
ainda, fazer referência, com a qual concordamos47, apenas nesse particular, a John Rawls,48
citando Kant, onde pontifica que ―se a justiça perece, então não vale mais a pena os homens
viverem na terra,‖49 principalmente a justiça social inserida tanto na Constituição quanto no
Estatuto da Terra.
Portanto, defendemos a idéia da utilização da hermenêutica para auxiliar o diálogo entre o
Direito Agrário e o Direito Ambiental na reforma agrária neste Estado, pois, a nosso juízo, o
Direito deve ser visto com prudência, pois ―isto também explica sua facticidade e historicidade,
razão pela qual sua operacionalização reclama o manejo de noções, e não somente de
conceitos.‖50
I.3. O PROBLEMA DA PESQUISA E A METODOLOGIA
O problema de pesquisa emerge da reflexão de como a reforma agrária vem sendo
pensada nos dias atuais no Estado do Amazonas, levando em consideração aspectos de Direito
46
GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 1ª edição. Ed. Malheiros: São Paulo, 1996, p. 18.
Nada obstante reconhecer seu valor intelectual, na verdade, refutamos o pensamento de Rawls que acaba
alimentando o neoliberalismo, e o discurso intervencionista de potencias econômicas e militares em Estados
soberanos, servindo inclusive de cabedal teórico para a argumentação insistente dos que pregam a dominação pelas
potências mundiais, leia-se Estados Unidos, de sorte a impor de suas regras, em detrimento de outras Nações,
deslocadas ideologicamente do discurso neoliberal e dominador. E isto acaba por descumprir princípios basilares do
Direito Internacional atinentes às prerrogativas dos Estados soberanos, quais sejam, a soberania e autodeterminação
dos povos.
48
Esclarecemos que concordamos com Rawls apenas naquele particular, isto é, somente com a referência por ele
feita a Kant, e o citamos apenas para apresentar doutrina diversa, no caso, mais ortodoxa e neoliberal, apesar de não
ser a linha do nosso pensamento, pois não podemos em ciência sermos totalmente tendenciosos, para não cairmos na
vala do sofisma, ou no descrédito.
49
RAWLS, John. O Direito dos Povos. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 169.
50
Idem. p. XVI.
47
17
Ambiental e de Direito Agrário e da constatação de que a reforma não vinha evoluindo nos
últimos 20 anos neste Estado, e não evoluiu, pois a mesma não era avaliada em conjunto com o
meio ambiente. Considere-se, ainda, o fato do Direito estar em crise e sob o ponto de vista
epistemológico não havia um diálogo entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental na reforma
agrária no Estado do Amazonas, e é dessa afirmação que verificamos a importância do estudo,
compulsando o trabalho do INCRA/AM, no âmbito da reforma agrária neste Estado, em contraste
com a doutrina sobre o assunto, donde vislumbrar-se-á o porquê de sua relevância e suas
conseqüências para seus beneficiários de terras públicas federais no Amazonas.
A verdade é que, com o decorrer dos anos os aspectos geográficos, econômicos e culturais
de nossa região, por vezes foram ignorados, os beneficiários da reforma agrária ficarem cada vez
mais vulneráveis, sendo-lhes impostos verticalmente situações para todo o país, sem observância
dessas peculiaridades.
O direito está em crise como acentua Boaventura, pois não tem acompanhado a dinâmica
social com a mesma velocidade, e sob um olhar crítico buscamos encarar nesta dissertação de
mestrado o quão difícil é construir uma teoria crítica. Sobre o assunto se posiciona Boaventura:
Por que é tão difícil construir uma teoria crítica?
O problema mais intrigante que as ciências sociais hoje enfrentam pode ser assim
formulado: vivendo nós no início do milénio num mundo onde há tanto para criticar
porque se tornou tão difícil produzir uma teoria critica? Por teoria critica entendo toda a
teoria que não reduz a ―realidade‖ ao que existe. A realidade qualquer que seja o modo
como é concebida é considerada pela teoria crítica como um campo de possibilidades e a
tarefa da teoria consiste precisamente em definir e avaliar a natureza e o âmbito das
alternativas ao que está empiricamente dado. A análise critica do que existe assenta no
pressuposto de que a existência não esgota as possibilidades da existência e que portanto
há alternativas susceptíveis de superar o que é criticável no que existe. O desconforto o
inconformismo ou a indignação perante o que existe suscita impulso para teorizar a sua
superação.
Não parece que faltem no mundo de hoje situações ou condições que nos suscitem
desconforto ou indignação e nos produzam inconformismo. Basta rever até que ponto as
18
grandes promessas da modernidade permanecem incumpridas ou o seu cumprimento
51
redundou em efeitos perversos.
Na metodologia adotada para a consecução da presente dissertação empregamos
fundamentalmente a pesquisa bibliográfica e a coleta de dados nos órgãos competentes, em
virtude de estudos já existentes acerca da matéria, que é claro sofreram no presente trabalho
interpretação hermenêutica52, dos institutos afetos tanto a reforma agrária quanto ao meio
ambiente no Estado do Amazonas, pois em virtude das peculiaridades da região faz-se forçosa tal
medida de caráter interpretativo, impondo uma leitura crítica sobre o tema.
A propósito, nesta dissertação como serão compulsados elementos do Direito Ambiental e
do Direito Agrário, em diálogo, não poderia passar em brancas nuvens a importância da
utilização da hermenêutica jurídica. Como acentua Bittar ao dizer que ―a interpretação é prática
diária dos operadores do direito, mas o que se quer ressaltar é que a ciência tem na exegese, na
interpretação, sua finalidade.‖53
Assim, a ciência jurídica está a serviço da busca do verdadeiro sentido para as normas ou
seja, para alcançar o princípio da justiça social, a dignidade da pessoa humana em sentido amplo,
especialmente no tocante à interpretação jurídica das normas envolvendo o Direito Ambiental e o
Direito Agrário.
Como bem assevera Carlos Maximiliano, distinguindo hermenêutica da interpretação. A
hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar, tendo por objetivo, ―o estudo e a
51
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente - Contra o desperdício da experiência. São
Paulo: Cortez, 2005, p. 23.
52
Devemos elucidar que a origem do termo hermenêutica tem como referência Hermes, o enviado divino que na
Grécia antiga levava a mensagem dos deuses aos homens. Representa traduzir, tornar claro algo que é desconhecido
e ininteligível para a linguagem humana. Para saber mais ver MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação
do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1975.
53
BITTAR, Eduardo C. B. Metodologia da pesquisa Científica. 4ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2005, pp. 54-55.
19
sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do
Direito.‖54
Já a interpretação consiste na aplicação da hermenêutica, valendo salientar outro
entendimento do citado autor, a saber:
(...) interpretar uma expressão do Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo
dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real,
e conducente a uma decisão reta55.
Assim, indagamos se o diálogo entre a produção teórica pertinente ao Direito
Agrário e o Direito Ambiental comporta aplicação hermenêutica? A resposta é sim, pois como
adiante será pormenorizado a proclamação da necessidade de estreitar laços e cultivar diálogos
entre as diferentes áreas do conhecimento representa um avanço, a despeito do maior ou menor
grau de resistência, mormente postos por circunstâncias de maior ou menor exacerbação do
corporativismo analítico-especializado, que o academicismo possa oferecer para as possíveis
conseqüências práticas desses exercícios dialógicos.
Resta claro que as normas afetas a reforma agrária e ao meio ambiente têm de
considerar o caráter sistemático quanto à interpretação das normas jurídicas, pois é sabido que as
normas não podem ser interpretadas de maneira isolada. Combinam-se aspectos jurídicos de
Direito Agrário e de Direito Ambiental em diálogo convergente com os fins sociais, sempre com
um olhar para a afirmação da dignidade da pessoa humana.
Só faz sentido interpretar a lei, em virtude de um problema que enseje uma
solução legal. Porém, a aplicação da lei deverá atender, primeiramente, o indivíduo e a sociedade
a quem ela serve.
54
55
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1975, p. 13.
Ob. cit., p. 22.
20
Coadunando com esse entendimento, oportuna a lição de Francesco Degni:
A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma disposição pode ser clara em
sua aplicação aos casos mais imediatos e pode ser duvidosa quando se a aplica a outras
relações que nela possam enquadrar e às quais não se refere diretamente, e a outras
questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá
parecer clara a quem a examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a
considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos
os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua aplicação a relações que,
como produto de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ao
tempo da formação da lei, na sua conexão com o sistema geral do direito positivo
vigente.56
Verifica-se, por conseguinte, que é relativo o brocardo in claris cessat
interpretatio, já que as leis as quais aparentemente afiguram-se como claras trazem consigo o
perigo de serem interpretadas apenas no sentido imediato levando-se em conta apenas o que está
escrito, tendo um valor mais amplo e profundo. Deve ser compreendido no sentido de que a
aplicação hermenêutica é mais simples ou mais complexa, de acordo com a compreensão do texto
normativo, haja vista que sustentar a clareza da norma já significa a realização preliminar de um
trabalho interpretativo.
Ao interpretar uma norma, devemos buscar entendê-la considerando seus fins
sociais e aos valores que pretende garantir, consoante dispõe o artigo 5º da Lei de Introdução ao
Código Civil, de sorte a não restringir o exercício interpretativo numa reles operação mental,
como conclusões lógicas a partir das normas, a revelia do componente axiológico e social
presente em seu teor.
Por sua dimensão e importância e, em se tratando de interpretar as normas de
Direito Ambiental e de Direito Agrário, o tema da hermenêutica e da interpretação jurídica se
presta ao processo de aplicação da norma jurídica pelo operador do direito. Nesse aspecto, num
56
Apud. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 7ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p.
144.
21
primeiro momento a interpretação se prestará a resolução de um problema jurídico, ensejando
uma solução legal. Porém, insistimos, precipuamente deverá atender o indivíduo e a sociedade a
quem ela serve.57
Não obstante a expressão de uma determinada norma, por mais clara que possa parecer,
enseja obrigatoriamente o recurso da interpretação.
Sobre o modo de interpretar Karl Larenz se manifesta:
É missão dos tribunais decidir de modo ‗justo‘ os conflitos trazidos perante si e, se a
‗aplicação‘ das leis, por via do procedimento de subsunção, não oferecer garantias de
uma tal decisão, é natural que se busque um processo que permita a solução de
problemas jurídicos a partir dos ‗dados materiais‘ desses mesmos problemas, mesmo
sem apoio numa norma legal. Esse processo apresentar-se-á como um ‗tratamento
circular‘, que aborde o problema a partir dos mais diversos ângulos e que traga à
colação todos os pontos de vista – tanto os obtidos a partir da lei como os de natureza
extrajurídica – que possam ter algum relevo para a solução ordenada à justiça, com o
objectivo de estabelecer um consenso entre os intervenientes. 58
Outro aspecto importante atinente à interpretação do direito é que seu exercício
proporciona uma atualização constante do direito, haja vista que a interpretação ocorre sempre
em cima de uma situação determinada, devendo expor o enunciado semântico do texto expresso
sob o contexto histórico presente e não considerando o contexto no qual se deu a redação do
texto.59
I. 4. - O OBJETIVO DA DISSERTAÇÃO
O objetivo geral é estudar a importância do diálogo entre o Direito Agrário e o Direito
Ambiental na reforma agrária no Estado do Amazonas, e sua repercussão para os seus
57
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica jurídica e argumentação: uma contribuição ao
estudo do direito. 2. edição rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 13-14.
58
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2ª edição, Trad. José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
1989, p. 170.
59
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ª edição: São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 16.
22
beneficiários, inclusive verificando a viabilidade das novas propostas de projetos especiais de
reforma agrária.
Como objetivos específicos, estudaremos especificamente a interface entre o Direito
Ambiental e o Direito Agrário. A discussão crítica em torno do denominado ―estado da arte‖ do
Direito Agrário e o Direito Ambiental, onde terá por objetivo enfocar, de modo específico, a
discussão acerca da necessidade de uma estreita relação da propriedade agrária com a questão
ambiental, e focar-se-á o momento de profunda mudança por que passa o Direito Agrário,
demonstrando seu renascimento com um olhar para o meio ambiente, agregando o valor
primordial que é o da dignidade da pessoa humana. Partindo desse cenário, há que se realçar a
idéia de que os direitos fundamentais são democráticos, por isso, os beneficiários da reforma
agrária neste Estado devem ter a garantia dos direitos de liberdade e igualdade, assegurado-lhes o
desenvolvimento e existência como pessoas que, em geral, são capazes de manter o processo
democrático.60
Ao sustentarmos como sendo o fruto do diálogo entre o Direito Agrário o Direito
Ambiental discorreremos acerca de alternativas baseada em três eixos fundamentais, quais sejam,
o reconhecimento dos direitos dos beneficiários, a concepção de uma atividade agrária
economicamente sustentável, tornando viável a criação de projetos especiais, de sorte a propiciar
os direitos legítimos dos beneficiários da reforma agrária, ou seja, das populações que ocupam as
áreas de domínio do INCRA neste Estado, reconhecendo-os como sujeitos do efetivo exercício de
sua dignidade, enquanto cidadãos.
Também trataremos da viabilidade para a reforma agrária no Estado do Amazonas e o
desenvolvimento sustentável, com as novas opções de projetos, donde há que se buscar
60
ALEXY, Robert (HECK, Luís Afonso – trad.): “Direitos fundamentais no Estado Constitucional
Democrático.” In Revista de Direito Administrativo n° 217, julho/set. 1999, pp. 55-66.
23
alternativas corretas sob o ponto de vista ambiental para a reforma agrária, consignando aspectos
da adaptabilidade humana61 às condições existentes, aliando-os a premissa do desenvolvimento
sustentável.
Diante da importância da indissociabilidade entre a terra e o meio ambiente, no capítulo
seguinte trataremos da evolução histórica da propriedade no Brasil, pois é de suma importância
ter a noção de como fora o processo de formação da propriedade em nosso país, e em particular,
no Estado do Amazonas.
61
MORAN, E. F. Adaptabilidade Humana: Uma Introdução à Antropologia Ecológica. São Paulo: EDUSP,
1994, p. 445.
24
CAPITULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE DO
BRASIL
I.1 - A FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE AGRÁRIA NO BRASIL
A pesquisa posta nesta dissertação de mestrado parte da premissa de que devemos ter a
noção circunstanciada dos institutos e conceitos que envolvem o presente tema. Portanto, temos
de compreender como se deu a formação da propriedade territorial no país e particularmente no
Estado do Amazonas pois permite vislumbrar a noção do processo de ocupação da propriedade
chegando até ao Estado do Amazonas o que é significativo para este trabalho, a qual destacamos
primeiramente suas fases, segundo Fernando Sodero62 que entendemos ser mais autorizado em
virtude de sua fácil compreensão, considerando a necessidade de uma visão geral, a saber: o
período pré-sesmarial, período sesmarial, regime de posses, regime da Lei de Terras n° 601/1850,
sistema jurídico do Código Civil de 1916, sistema legal do Estatuto da Terra e regime fundiário a
partir da Constituição Federal de 1988.
Ao final destacamos de forma específica as peculiaridades do processo fundiário do
Estado do Amazonas, especialmente o fenômeno da grilagem de terras públicas.
62
A propósito, para aprofundamento da temática da formação histórica do direito agrário no Brasil consultar:
SODERO, Fernando. Esboço histórico da formação do direito agrário no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Apoio
Jurídico Popular, FASE, 1990, 103 p.
25
I.2 - PERÍODO PRÉ-SESMARIAL
Adveio do período mercantilista em Portugal, partindo da Casa de Aviz, os
conquistadores pioneiros de origem ibérica aportaram à América do Sul. Desse modo, em razão
da expansão ultramarina do comércio português, pela conquista de novos mercados
colonizadores, trouxeram os portugueses ao Brasil.
Por ordem de Dom Fernando I, em Portugal do período de 26 de julho de 1375, foram
criadas as denominadas Sesmarias por lei que segundo Lopes era ―drástica e violenta: a terra não
cultivada seria obrigatoriamente cedida a quem quisesse e pudesse lavrá-la.‖63 Na lição de Ruy
Cirne Lima, o monarca português teria inspirado as sesmarias através de uma levantamento
estatístico.64
Ao aportar no Brasil, Pedro Álvares Cabral, representando a Coroa Portuguesa, promoveu
a conquista dessas terras, porém nas três primeiras décadas, não fora deflagrado um processo
colonização capaz de produzir um efeito real. E isto se deu pelo fato do mercado das especiarias
orientais ainda ser bem mais lucrativo.
Mesmo assim, Portugal buscou garantir a conquista do novo território e, em decorrência
da escassez de recursos, procurou superar tal dificuldade pela concessão à particulares da
exploração da terra então conquistada. No ano de 1501, fora efetivada a primeira concessão
reinol, ou seja, oriunda do próprio reino, ao cristão-novo Fernão de Noronha, objetivando a
extração do o pau-brasil, produto bastante rentável na época.
63
LOPES, José Reinaldo. O Direito na História. Lições introdutórias. Rio de Janeiro: Max Limonad, 2000, p.
352.
64
LIMA, Ruy Cirne. Terras devolutas. História, doutrina, legislação. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1935, p.
12.
26
Para a extração do pau-brasil, Portugal utilizara o sistema de feitorias. Todavia, a
denominada feitorização redundara em exploração extrativista desorganizada, não obtendo êxito,
inclusive sem conseguir evitar a ação de piratas nas terras conquistadas.
Como conseqüência a Coroa Portuguesa inseriu uma nova política de colonização, bem
mais organizada, enviando ao Brasil, em novembro de 1530, uma expedição com o escopo de
servir como guarda-costa, exploradora e colonizadora.
E tal expedição foi capitaneada por Martin Afonso de Souza (1530-1532), servindo como
premissa maior à formação da sociedade colonial no Brasil a partir de duas instituições históricas,
quais sejam, a sesmaria e o engenho.
I.3 - PERÍODO SESMARIAL
Partindo da concepção de que o termo política serve para ―indicar a atividade ou conjunto
de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a polis, ou seja, o Estado,65‖
a implementação da política sesmarial no Brasil deveu-se a duas ordens de fatores:
a) a Coroa visou usufruir mais as riquezas econômicas coloniais, não se restringindo à
exploração extrativa do pau-brasil; e, b) assegurar para a Metrópole a conquista na nova
terra, protegendo-a contra os piratas franceses, espanhóis, holandeses, que arranharam a
costa atlântica brasileira.66
65
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 2. Brasília:
Editora UnB, 2005, p. 954.
66
MATOS NETO, Antônio José de. In “A Questão Agrária no Brasil: Aspecto Sócio-Jurídico‖, proferida em São
Luís/MA, em 24 de junho de 2003, no Seminário Internacional de Direito Agrário, XI Seminário Nacional de Direito
Agrário e II Encontro Nacional de Professores de Direito Agrário Justiça Agrária e Cidadania.
27
Diante do quadro econômico desfavorável a Coroa decidiu conceder à iniciativa privada
as terras do Brasil de sorte a propiciar a colonização, a exploração econômica e o efetivo controle
de seu vasto litoral.
Coube aos nobres a concessão de terras, até porque tal casta, composta pelos também
denominados fidalgos, estava em franca decadência fruto da desagregação do feudalismo. Porém,
no Brasil reinariam absolutos sobre latifúndios intermináveis.
De tal modo que, estando os nobres em situação econômica desfavorável, a colonização
foi financiada não apenas pela Coroa Portuguesa como também por banqueiros portugueses e
estrangeiros. Além da nobreza, a Coroa também distribuiu terras à classe emergente formada
pelos plebeus enriquecidos pela prática do comércio e da usura, leia-se, a prática do empréstimo a
juros.
Desse modo, os beneficiários das concessões das terras de sesmarias foram os nobres e os
denominados novos ricos.
Acerca do regime econômico adotado pela empresa colonizadora, Raymundo Faoro
propugna que o feudalismo europeu medieval foi regionalizado com peculiaridades agregadas no
Brasil, já que os nobres e os novos ricos transformaram-se em aristocratas feudais, diante da
rapidez com que enriqueciam, forjando uma casta de nobres, ricos, que mais tarde resolveu
pleitear o poder político.67
Assim, era a terra o principal e o mais importante meio de produção, valendo citar a
posição de Alberto Passos Guimarães de que até hoje vemos tais características em nosso modo
de produção.68
67
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 4ª ed. Porto Alegre:
Globo, 1977, p. 128.
68
GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 4ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 38.
28
Há, ainda, os defensores de que naquela época havia um modelo econômico capitalista de
colonização.69
É de se concluir que o regime econômico da colonização no Brasil tem um aspecto
mercantilista evidente, calcado na terra como fonte de produção. No século XVI, o processo
mercantilista português objetivava o acúmulo de riquezas, para os soberanos de Portugal, e parte
era dividida entre as privilegiadas castas presenteadas com as concessões de terras, as sesmarias.
A legislação sesmarial tem sua gênese em Portugal, com a promulgação pelo soberano D.
Fernando I, em 26 de junho de 1375, da lei que obrigava todos os proprietários a fazer produzir
suas terras, impondo sanção àqueles que não a cumprissem, isto é, destinando as terras àqueles
que queriam efetivamente cultivá-las. Tal medida se justificava pela necessidade de garantir a
produção de Portugal, em franco declínio.
É oportuno definir o instituto das sesmarias que dentro das ordenações, tanto Manuelinas
(1514) como nas Filipinas (1603, representa: ―(...) sesmarias são propriamente as dadas de terras,
casaes, ou são de alguns senhorios, e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas, e
agora o não são.‖ 70
Segundo a orientação contida nas Ordenações, o regime de sesmarias tinha um caráter
oportuno para as terras sem cultivo, e no Brasil foram alcançadas pelas terras sem qualquer tipo
de cultivo.
Quanto ao latifúndio sesmarial impende acentuar que o latifúndio no Brasil nasce com as
sesmarias que, em princípio, serviu somente para a exploração da cana-de-açúcar. Os
69
SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil; 1500-1820. Tomo I. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1937.
70
Ordenações Manoelinas, Livro IV, Tit. 67, princ.; Ordenações Filipinas, Livro IV, Tit. 43, princ., apud LIMA,
Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 1954, p. 21
29
denominados engenhos de açúcar, forjaram à economia brasileira a monocultura para a
exportação além de propiciar a sociedade escravocrata poder e prestígio junto a Coroa.
Ulteriormente nos engenhos, a pecuária passou a preponderar para não apenas servir como
meio de transporte da cana-de-açúcar, mas também objetivando prover a alimentação da
população. Daí em diante o gado passou a ser um novo produto da economia colonial vindo a
formar o segundo latifúndio brasileiro, qual seja, as grandes fazendas de gado.
I.4 - AS SESMARIAS NA AMAZÔNIA
A concessão de sesmarias na Amazônia objetivava principalmente o extrativismo vegetal,
especialmente a castanha-do-pará e a borracha.
Para André Araújo71 as sesmarias ainda existentes obedeciam a um espírito de
distribuição da terra, equitativamente, dentro das necessidades dos que queriam utilizar-se da
agricultura. O contrário desse aspecto se verifica nos títulos conhecidos pelos Estados e antigos
territórios. A verdade é que a terra não tinha grande valor.
O mesmo autor aponta esse quadro é determinado pela condição da própria extensão
territorial e da rarefação demográfica da Amazônia. Desse modo, verifica-se que raras são as
sesmarias existentes na Amazônia. Contudo, o instituto da posse era o que mais facilmente levava
o homem à propriedade definitiva.
A dimensão da floresta acabou por compelir na economia regional uma forma típica de
escravidão econômica denominada de aviamento, sistema no qual a mercadoria que o aviador
71
ARAÚJO, André Vidal de. Introdução da Sociologia da Amazônia. (Coleção Poranduba). 2ª edição.
Amazonas: Editora Valer, 2003, p. 221.
30
―fornecedor‖ fornece ao aviado ―seringueiro‖, isto é, sua provisão é transformada em dívida
impagável, valendo salientar o seguinte:
A burguesia plutocrata dos seringais constituída pelos seringalistas e pelos aviadores do
alto comércio, nas capitais, representava um sistema econômico monopolista, cujas
células eram o barracão e a casa aviadora.72
Nesse sistema o trabalhador era recrutado em pontos longínquos, do lugar da extração da
castanha e do látex, denominado de colocação73, e já chegava ao seu destino devendo ao patrão,
qual seja, o dono do seringal chamado à época de ―coronel da borracha‖, que cobrava seu
deslocamento de onde fora recrutado até o destino, além de cobrar pela alimentação, moradia. No
Amazonas viu-se tal fenômeno, principalmente ao longo das calhas dos rios Purus e Solimões.
Portanto, o meio de trabalho das pessoas que ocupavam a região, isto é, o de extração do
látex da seringueira, era patrocinado pelo patrão, como se fosse uma espécie de adiantamento
salarial. Ademais, a prestação de contas era feita periodicamente para dar conhecimento da
dívida, pois o trabalhador sempre ficava com um saldo devedor, tornando-se um verdadeiro
escravo de fato pela dívida ―contraída‖. Infelizmente, o mais curioso é que a história parece se
repetir, pois hoje em dia, constatamos nos meios de comunicação de massa, notícias em pleno
século XXI, de que determinadas fazendas do interior da Amazônia, especialmente no Estado do
Pará ainda praticam o trabalho escravo74.
Salientamos que foram poucas as sesmarias na Amazônia, no Estado do Amazonas não se
tem notícia de nenhuma, pois o instituto da posse era o mais utilizado pelos interessados em
72
Idem, p 232.
No âmbito do regionalismo da Amazônia, a expressão denominada ―colocação‖ representa a casa ou a estrada de
seringa onde trabalha o seringueiro amazonense, para a extração do látex. Ressalta-se que no Estado do Amazonas
cada estrada de seringa media aproximadamente 33 (trinta e três) hectares.
74
Para saber mais sobre a deplorável prática do trabalho escravo no Brasil nos dias atuais ver site do Ministério
Público do Trabalho: (http://www.pgt.mpt.gov.br/pgtgc/)
73
31
busca da propriedade.75 A verdade é que fruição da propriedade interessava mais do que a
detenção do domínio, haja vista as grandes áreas de terras a serem exploradas.
I.5 - REGIME DE POSSES
Até a primeira metade do século XIX, começou a destacar-se no Brasil, o regime de posse
ou ocupação à terra, já praticada pelos agricultores alijados da concessão sesmarial. No sistema
sesmarial as pessoas pobres não tinham outra solução senão apoderar-se fisicamente de qualquer
fração de terra mesmo longe dos centros mais importantes.
A entrada do imigrante europeu no Sul do país, em muito contribuiu para a intensificação,
naquela região, da pequena propriedade, garantida exclusivamente pela posse.
Os imigrantes vindos da Europa sedentos por melhores condições de vida, e fora da lista
de beneficiários das sesmarias, passaram a ocupar as terras livres. Já o agricultor brasileiro do
mesmo modo em dificuldades de toda sorte, e contando somente com sua família, utilizou-se do
mesmo expediente dos imigrantes europeus, ou seja, cultivar o montante de terra suficiente para
sua família trabalhar.
A Resolução Imperial de 17 de julho de 1822 promoveu a suspensão de concessão de
sesmarias, criando uma perspectiva favorável para o pequeno colono, e do lavrador sem grandes
recursos e sem qualquer facilidade de acesso a terra por concessão de origem estatal.
Por conseguinte, a posse ao contrário do regime de sesmarias latifundiárias, deu origem
no Brasil a denominada pequena propriedade agrícola.
75
ARAÚJO, André Vidal de. Introdução da Sociologia da Amazônia. (Coleção Poranduba). 2ª edição.
Amazonas: Editora Valer, 2003, p. 221.
32
Em 1822, uma vez suspenso o regime de sesmarias, até a edição da Lei n° 601, de 1850, a
posse tornou-se o principal meio de acesso a terra. Após 1822, sendo o Brasil independente, não
se editou qualquer lei regulando a questão agrária no país.
Diante da falta de uma legislação que previsse a posse com cultura efetiva como forma
aquisição do domínio da terra, só o direito consuetudinário poderia dar guarida a tal
procedimento, de tal modo o costume passou a ser, nesse período, a fonte jurídica de
consolidação da posse no patrimônio colono, pois segundo Ruy Cirne Lima ―a aquisição de terras
devolutas pela ‗posse com cultura efetiva‘, se tornou verdadeiro costume jurídico, com foros de
cidade no nosso direito positivo‖. 76
I.6 - REGIME DA LEI DE TERRAS N.° 601/1850
Seu o escopo principal foi garantir o monopólio dos meios de produção, através da
propriedade latifundiária.
A abolição da escravatura abalara as relações escravagistas de trabalho, em virtude disso o
governo precisava de mão-de-obra para garantir a estrutura fundiária fundada na grande
propriedade. Assim, foram criados mecanismos como o da lei nº 601, v. g., o alto preço na venda
das terras ou a importação de colonos, a fim de assegurar o monopólio do maior dos meios de
produção da época, ou seja, a terra.
A propósito, é forçoso concluir que a Lei n° 601/1850 era autoritária, por não ter um
caráter democrático, restringindo o acesso à propriedade fundiária ao adotar como única forma de
aquisição da terra pública imperial a compra e venda, já que dispunha no art. 1° acerca da
proibição das aquisições de terras devolutas por outro título que não fosse o de compra. À
76
LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil. op. cit., p.53.
33
exceção a regra, constava no art. 14 da mencionada lei rezando que o governo imperial tinha
autorização para vender as terras públicas também em hasta pública.
Ademais, a Lei imperial tratou da colonização, trazendo subsídios na teoria do inglês E.G.
Wakefield, cuja ―colonização sistemática‖ consistia em estabelecer um preço ―suficientemente
alto‖ para a terra, objetivando impedir o acesso das pessoas pobres, propiciando uma mão-deobra para os grandes proprietários. No mesmo sentido, a política de imigração brasileira, atraía o
imigrante oferecendo terras através da alimentação.
Então, o colono imigrante, através do trabalho livre, vinha a substituir os escravos negros
na lavoura, assegurando o monopólio da propriedade da terra.
Como diz Magalhães, em virtude de seus méritos a Lei n. 601 vigorou por um período
longo, mas foi com o advento da Constituição77 de 1891, em seu art. 64 que as terras devolutas
passaram a pertencer aos Estados em cujo território estavam localizados, podendo legislar.78
I.7 - O CÓDIGO CIVIL DE 1916
Na Segunda metade do século XIX e início do século XX, a aristocracia rural elegia seus
próprios representantes dos poderes Executivo e Legislativo para elaborarem as leis de sua
conveniência de sorte a manter os seus privilégios. No ano de 1891, a classe latifundiária
dominante, representada pelos barões do café, inseriu na Constituição Republicana, o pleno
direito de propriedade.
77
―Art. 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à
União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções
militares e estradas de ferro federais.‖
78
MAGALHÃES, Juraci Perez. “Reforma Agrária e Proteção ambiental” in LARANJEIRA, Raimundo
(Coordenador). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Ed. LTr, 2000, p. 699.
34
O Código Civil de 1916, inspirado no Código Napoleão de 1804, de cunho privatístico,
liberal e individualista indo ao encontro dos interesses da classe latifundiária monopolista da
época. Por isso, foi o Código Civil, juntamente com outros fatores, um dos motivos da subdivisão
excessiva da propriedade.
O direito sucessório do Código Civil dividia o imóvel rural, em tantas partes necessárias
quanto fosse o número de herdeiros, de tal sorte que essa divisão da propriedade imóvel não tinha
um caráter social.
É oportuno salientar, que no século XX, a propriedade latifundiária perdeu sua
hegemonia, com a multiplicação da pequena propriedade, especialmente no Sul e Centro Sul do
país, e conforme o entendimento de Caio Prado Jr. ―muitos estabelecimentos agrícolas dedicados
à agricultura comercial foram divididos e subdivididos, passando a produzir basicamente gêneros
alimentícios, através da utilização quase que exclusivamente da força de trabalho familiar.‖79
I.8 - DO ESTATUTO DA TERRA
A característica fundamental da Lei n.° 4.504, de 30 de novembro de 1964 - o Estatuto da
Terra - repousa no princípio da função social da propriedade, cuja exploração econômica deverá
ser adequada e racional, com respeito ao meio ambiente, de sorte a gerar riqueza com distribuição
de renda para a sociedade, democratizando o acesso a terra. Em que pese o mencionado estatuto
ter sido editado em 1964, não estimulava que fosse posta em prática o cuidado com o meio
ambiente.
79
PRADO JÚNIOR, Caio. Contribuições para análise da questão agrária no Brasil. In: ___ et alli. Agricultura
Subdesenvolvida. Petrópolis: Vozes. 1969, pp. 09-22.
35
Sendo assim, o mencionado diploma legal estabeleceu uma série de tipos de imóveis
rurais para por nos eixos as propriedades agrárias do país, elencando um rol de imóveis:
propriedade familiar, módulo rural, minifúndio, latifúndio por exploração, latifúndio por
dimensão e empresa rural.
O órgão fundiário responsável pela política agrária se baseava em critérios e índices
técnicos, para enquadrar o imóvel rural em um dos tipos, objetivando a criação de um cadastro de
imóveis rurais passíveis de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.
Nada obstante a intenção do legislador, na prática a lei deixou a desejar, sendo que a
insipiente aplicação do Estatuto acabou propiciando maior concentração de propriedade agrária, a
teor dos índices dos órgãos oficiais e da mídia que noticiam a luta armada e mortes pela posse da
terra. É bom ressaltar que os princípios técnicos definidores dos institutos agrários criados pelo
Estatuto da Terra ficaram em vigor até o advento da Lei Maior de 1988.
I.9 - REGIME FUNDIÁRIO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Constatou-se uma novidade apresentada pela Constituição de 1988 no que concerne à
tipologia da propriedade agrária estabelecida pelo Estatuto da Terra, tratados no art.185, a saber:
a pequena e média propriedade rural e a propriedade produtiva.
Assim, os novos modelos revogaram os constantes no Estatuto da Terra e uma nova lista
passou a servir aos órgãos estatais competentes para definir os imóveis rurais que estão
cumprindo a função social da propriedade,80 a teor do art. 186 da Constituição.
80
―Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e
graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das
36
Por conseguinte, adveio a Lei n.º 8.629, de 25-2-1993 que, no art. 4º, inciso I, definiu
como pequena propriedade agrária o imóvel rural que tenha área compreendida entre 1 (um) e 4
(quatro) módulos fiscais; e média propriedade, o imóvel rural de dimensão superior a 4 (quatro)
até 15 (quinze) módulos fiscais.
A propriedade produtiva segundo o art. 6º da lei é ―aquela que, explorada econômica e
racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na
exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente‖.
Consta no art. 6º, parágrafos 1º e 2º que o grau de utilização econômica deve ser igual ou
superior a 80%, calculada pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área
aproveitável total do imóvel, por sua vez o grau de eficiência na exploração da terra deve ser
igual ou superior a 100% e é obtido segundo critérios dispostos na lei.
Em seu art. 185 a Constituição torna tais categorias imobiliárias insuscetíveis de
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, desprezando o elemento
produtividade econômica tratada originariamente no Estatuto da Terra, além da principiologia
jusagrarista. No regime anterior a maior ou menor produtividade da terra, sem levar em conta a
dimensão da área, qualificava o imóvel deixando-o fora ou não da expropriação obrigatória.
Com a Constituição de 1988, a propriedade produtiva não é passível de desapropriação,
pois sendo pequena e média a propriedade agrária não incide a desapropriação, mesmo que
improdutiva.
disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.‖
37
I.10 -
DO PROCESSO FUNDIÁRIO NO ESTADO DO AMAZONAS - A
GRILAGEM E O MEIO AMBIENTE
Outro aspecto jurídico-ambiental relevante concernente ao histórico da propriedadede no
Amazonas que dificulta a reforma agrária refere-se à grilagem de terras, cuja expressão ―grilar,
fazer títulos falsos de terra,‖81 constitui num fenômeno que se verifica com freqüência no
Amazonas e que repercute intensamente e de forma negativa na questão ambiental.
Nos últimos cinco anos em apenas um terço do Estado, foram cancelados cerca de
48.478.357,58 milhões de hectares, consoante Relatório da Corregedoria do Estado do
Amazonas.82
I.10.1. - O ESTADO DO AMAZONAS COMO GRANDE PALCO DE
GRILAGEM
A abordagem aqui inserta tem o fito de apontar a estreita ligação da prática da grilagem
no Estado do Amazonas e a questão ambiental. Demonstrando, inclusive, sua repercussão junto
às comunidades do interior do Estado.
Como corolário, diante da ostensiva atividade de grileiros no Amazonas foram baixados
Provimentos cancelando os registros de imóveis rurais identificados como vinculados a títulos
inexistentes, ou nulos, de pleno direito, nas Comarcas de Lábrea (8.007.098,000 ha), Borba
(1.391.134,200 ha), Canutama (10.343.351,330 ha), Manicoré (682.657,520 ha), Beruri
81
Houass, A. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Objetiva, 2005.
In Relatório das Correições Extraordinárias nos Registros de Terras no Estado do Amazonas. Manaus: Gráfica
Santa Marta, 2002.
82
38
(355.286,127 ha), Tapauá (7.799.644,130 ha), Carauarí (646.136,720 ha), Humaitá (51.735,940
ha), Novo Aripuanã (10.405.081.868 ha), Boca do Acre (2.921.591,546 ha), Eirunepé
(4.445.004,283 ha), Envira (156.499,000 ha), Ipixuna (9.999,980 ha) e Pauiní (1.263.136,914 ha),
perfazendo um total de 48.478.357,558 hectares de terras que foram devolvidos ao patrimônio
fundiário federal no Estado do Amazonas.83
Também é importante consignar que as irregularidades registrais detectadas se deram,
basicamente, sob três formas distintas.84
A primeira, presumidamente, por meio de conluio com o registrador da Comarca, o
interessado fazia o registro de determinado imóvel rural, com base em simples declaração de
posse, já que não dispunha de título legítimo de propriedade do imóvel levado a registro,
comprovado através de cadeia dominial regular, iniciada com um título originário outorgado pela
pessoa jurídica de direito público interno titular do domínio das terras devolutas onde o mesmo
estivesse situado.
A segunda, configurava-se, muito embora existindo título originário legítimo de
propriedade, através de simulações e artifícios fraudulentos, a área original do imóvel rural ia
sendo significativamente ampliada, e, por descaso, ingenuidade ou má-fé do registrador, novos
registros eram feitos, aparecendo o imóvel com uma área cada vez maior, se comparada com a do
registro anterior, e, muito especialmente, em relação à área indicada no título originário de
propriedade.
A terceira via, se materializava através da parte interessada, que de posse de planta de
situação de determinado imóvel rural, por ela própria elaborada, requeria ao registrador a
83
84
Idem
Idem
39
retificação da área do imóvel, e, com esse singelo artifício, a propriedade tinha a sua área
excessivamente ampliada, se comparada com a indicada no registro anterior.
É de extrema importância ressaltar que alguns registros de imóveis rurais, em várias
Comarcas do interior do Estado do Amazonas, foram feitos, nas décadas de 60/70, com base em
decisões proferidas em ações de usucapião, que tramitaram como se fossem relativas a terras
particulares, mas que incidiam sobre terras públicas integrantes do patrimônio fundiário da União
Federal, com a agravante de que não foram observados os procedimentos legais previstos para a
ação de usucapião de terras particulares, como a intimação dos confinantes, dos representantes
das fazendas públicas (federal, estadual e municipal) e do Ministério Público. Algumas dessas
sentenças foram anuladas, á época, pelo extinto Tribunal Federal de Recursos, acolhendo recurso
voluntário da União Federal, e, estranhamente, essas decisões do TFR não foram cumpridas, com
o efetivo cancelamento do registro imobiliário.
Identificadas essas irregularidades, a Corregedoria apenas deu cumprimento às referidas
decisões da Superior Instância.
Salienta-se ainda, que em algumas das glebas rurais que tiveram seus registros
imobiliários cancelados, os pseudoproprietários, isto é, os grileiros, mantêm atividades extrativas
e posse direta, pelo menos em parte da área total irregularmente registrada, inclusive, como
cadastramento da posse para fins de lançamento do Imposto Territorial Rural (ITR), de
competência da União Federal, porém tal circunstância fática, por si só, não tem o efeito de
conferir o status de proprietário a tais posseiros.
Ocorre que, muitos beneficiários da refrorma agrária que ocupam há décadas
determinadas áreas no Estado do Amazonas, da qual tiram o seu sustento, não conseguem obter a
documentação em virtude da falta de um precedente jurídico.
40
Como conseqüência, são vítimas da ação de grileiros que através da pressão econômica ou
por meio da violência os expulsam dessas áreas.
Portanto, ao contrário do que se possa pensar, ocorre o corte raso, para fazer pastagem,
propiciando desse modo a efetiva devastação da floresta.
O art 1º da Lei N. º 6.739, de 05 de dezembro de 1979 diz que ―a requerimento de pessoa
jurídica de direito público ao corregedor-geral da justiça, são declarados inexistentes e cancelados
a matrícula e o registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, ou feitos em
desacordo com os artigos 221 e segs. da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada pela
Lei n.º 6.216, de 30 de junho de 1975. Diga-se, regra até então insuficiente para proteger o
patrimônio da União.
Portanto, em virtude do grande volume de grilagem da região, e com o desiderato de
obstar tal prática ilícita, fora editada a Lei N.º 10.267, de 28 de agosto de 2001 que inseriu uma
série de inovações.
Feitas essas considerações elucidativas passemos a seguir para a abordagem acerca do o
diálogo entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental na reforma agrária no Estado do
Amazonas.
41
CAPÍTULO II – O DIÁLOGO ENTRE O DIREITO AGRÁRIO E O
DIREITO AMBIENTAL NA REFORMA AGRÁRIA NO AMAZONAS.
II.1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA AMBIENTAL E AGRÁRIA
Proclamar a necessidade de estreitar laços e cultivar diálogos entre as diferentes áreas do
conhecimento representa um caminho profícuo. Seja com propósitos verdadeiros ou somente para
cumprir com a retórica, essa necessidade dialógica sempre foi e será admitida, a despeito do
maior ou menor grau de resistência, mormente postos por circunstâncias de maior ou menor
exacerbação do corporativismo analítico-especializado, que o academicismo possa oferecer para
as possíveis conseqüências práticas de tais processos dialógicos.
Nada obstante, percebe-se haver mais do que apenas uma estimulação teórica em torno de
tais necessidades discursivas, ditas dialógicas, haja vista aqueles momentos em que a dimensão
dos fatos e das necessidades do conhecimento estão no limite extremo.
Nesses casos, a busca pela efetiva compreensão do real passa a depender do diálogo, isto
é, de formas diversas de pensamento e da disposição para atitudes inter/multidisciplinares.85 É o
caso do Direito Agrário e do Direito Ambiental na reforma agrária do Estado do Amazonas.
No caso, vislumbramos pela importância de refazer caminhos, pois atualmente, todos os
aspectos, sejam econômicos, culturais, sociais, agrários e ambientais neste Estado tendem a se
tornar mais difíceis. Nesse particular, os liames corporativos, assim como as fronteiras analíticas
85
UNESCO. Simpósio “Ciência e as fronteiras do conhecimento: o prólogo de nosso passado cultural”,
Veneza: 1986; e o Congresso “Ciência e Tradição: Perspectivas Transdisciplinares, aberturas para o XXIº
Século”, Paris: 1991.
42
do conhecimento, especialmente o jurídico, não podem mais continuar a impor tão somente o
cultivo do desconhecimento.
Todavia, nem por isso há que se propalar por novas ou desgastadas utopias, ou tão
somente almejar o diálogo interdisciplinar.
Ao propor o quão profícuo representa o diálogo entre o Direito Agrário e o Direito
Ambiental na reforma agrária no Estado do Amazonas ao invés de insistir na anulação do que
está posto, procuramos buscar novas alternativas viáveis para o desenvolvimento da percepção e
do conhecimento da realidade que nos rodeia, particularmente para os seus beneficiários. Já que
de oposições, anulações e contradições irreconciliáveis, já estamos fartos, pois não se traduzem
num elemento produtivo.
A razoabilidade é um caminho irreversível e o resgate de caminhos abandonados, ou mal
trilhados, ou sequer percorridos pelas diversas especialidades analíticas, em especial a busca
dialógica acerca da questão agrária e ambiental, tanto nas suas trajetórias internas como nos
momentos de suas ligações, afigura-se de suma importância.
Avançando acerca da dimensão dialógica, ou de uma retórica dialógica citamos
Boaventura que aduz uma nova retórica na qual se funda na polaridade orador/auditório e no
quase total protagonismo do orador. Para esse autor tal polaridade reclama na verdade por um
certo diálogo entre o orador e o auditório, haja vista que a argumentação não apenas pressupõe no
dizer de Boaventura ―um encontro de espíritos‖ assim como, para tornar-se eficaz, impinge a um
conhecimento preliminar do auditório o qual se busca tocar. De tal sorte que a dimensão
dialógica reduz-se ao mínimo indispensável e só admitida por ser necessária para influenciar o
auditório. Assim, a relação entre o orador e o auditório guarda semelhanças com a relação entre
sujeito e objeto.
43
Boaventura entende que a denominada novíssima retórica deve priorizar a dimensão
dialógica intersticial da nova retórica de modo a convertê-la no princípio regulador da prática
argumentativa. Isto é, a polaridade orador/auditório deveria perder a rigidez transformando-se em
seqüências dinâmicas de posições de orador e de posições de auditório intermutáveis e recíprocas
que torne o resultado do intercâmbio argumentativo verdadeiramente inacabado, a saber:
(...) por um lado, porque o orador inicial pode acabar por transformar-se em auditório e,
vice-versa, o auditório em orador e, por outro lado, porque a direcção do convencimento
é intrinsecamente contingente e reversível. O ―conhecimento do auditório‖ - que, como
vimos, é uma condição necessária ao êxito da argumentação - deve ser multidireccional
e acabar por ser a soma total do conhecimento de cada um dos oradores. Através da
retórica dialógica, o conhecimento progride na medida em que progride o
autoconhecimento. 86
Desse modo, funda-se o objeto da presente dissertação de mestrado especialmente na
discussão crítica na doutrina, isto é, tanto na visão clássica do Direito como ciência, assim como
do Direito Agrário sobre o Direito Ambiental, bem como na nova perspectiva doutrinária.
A propósito, em se tratando da doutrina jus agrarista no Brasil impõe consignar que é
uníssono o entendimento que seu ponto fundamental partiu da figura de Fernando Sodero, sendo
que sua produção científica destacou-se entre o final dos idos de 60 até meados dos anos 80,
quando desapareceu, deixando vários escritos e três livros, a saber: Direito Agrário e Reforma
Agrária (Liv. Legislação Brasileira Ed., S.P., 1968 – 253 p.), O Módulo Rural e sua Implicações
Jurídicas (LTr Editora, S.P., 1975 – 255 p.) e Esboço Histórico da Formação do Direito Agrário
no Brasil (Ed. Ajup/Fase, Rio, 1990 – 103 p.).
Desse modo, partimos da discussão crítica da visão clássica e do novo pensar, impingindo
a necessidade de mudança de postura entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental. Ou seja, o
modo de como a propriedade agrária é encarada pelos autores clássicos e a nova perspectiva
86
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente - Contra o desperdício da experiência. São
Paulo: Cortez, 2005, p. 105.
44
doutrinária, assimilando o meio ambiente como uma variável indispensável à sua constituição,
nunca perdendo de vista a justiça social e a dignidade da pessoa humana.
Questões emblemáticas advindas dessa necessidade dialógica entre o Direito Agrário e o
Direito Ambiental devem merecer atenção redobrada, como por exemplo, o embate em torno da
noção clássica do ―privilégio agrário‖, em contraste com ―o princípio da proteção mais amiga do
ambiente.‖87
J. J. Gomes Canotilho traz em sua obra o que consideramos nos fundamentos elementares
do Direito Ambiental, na sua gênese principiológica88, sob o ponto de vista do Direito Ambiental,
no qual trata ainda de princípios de Direito Agrário, e sob o prisma de Direito Constitucional.
Ademais, podemos citar a obra intitulada ―Introdução Crítica ao Direito Agrário‖ da UnB,
e como o próprio título diz, isto é, apresenta uma abordagem crítica em torno do direito agrário.
E como antedito, também buscamos embasamento na discussão crítica em torno do
denominado ―Estado da Arte do Direito Agrário‖ discutida por Ricardo Zeledón-Zeledón, donde
se vislumbra uma profunda transformação da disciplina do Direito Agrário, com um estreito olhar
para ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Ora, se afirmamos anteriormente que a reforma agrária não incorporava a variável
ambiental neste Estado, porque o Estado não dava a devida importância ao meio ambiente com
projetos que inobservavam as peculiaridades regionais, pois as políticas governamentais para
87
CANOTILHO, J. J. Gomes. Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade (crítica de jurisprudência ambiental).
Lisboa: Coimbra Editora, 1995, p. 83-84.
88
Nesse aspecto, vale citar o pensamento do jurista português na obra referida, a saber: ―4. Parece-nos que o aresto
sub judice, ao interpretar as várias normas aplicáveis ao caso, partiu de uma regra fundamental: o princípio da
interpretação mais amiga do ambiente («princípio da melhor protecção possível do ambiente», «princípio do efeito
útil ecológico») (1). Este princípio que, como expressão ou ratio da maioria das normas jurídicas aplicáveis ao caso,
é inatacável, não goza, em termos apriorísticos e abstractos, de uma prevalência absoluta. A inexistência de uma
ponderação mais aberta aos direitos conflituantes com o direito do ambiente conduziu o juiz a infravalorar os
argumentos da parte recorrente e fundamentalmente centrados na ideia de <<privilégio agrário>> (Agrarprivileg, na
terminologia alemã) (2).‖
45
reforma agrária eram impostas à revelia dos anseios dos beneficiários do Estado do Amazonas,
em suas especificidades, de sorte a dar-lhes sua própria dignidade como pessoas ao longo dos
anos.
Assim, é justamente dessa afirmação que verificamos a necessidade do estudo da doutrina
sobre o assunto, aonde podemos achar os fundamentos teóricos para explicar o tema referido
desta dissertação, além da idéia do ―Direito Ambiental Agrário‖ tema este que, em virtude de sua
dimensão e complexidade, poderá ser objeto de um estudo mais aprofundado no âmbito de
elaboração de tese de doutorado.
Adiante, abordamos a transformação sofrida pelo Direito Agrário e o Direito Ambiental,
assim como, diante das especificidades deste Estado, da viabilidade para a reforma agrária no
Amazonas e o desenvolvimento sustentável, com projetos especiais, inclusive já em andamento
neste Estado, quais sejam: Reserva extrativista - RESEX e o Projeto de Assentamento
Extrativista – PAE,89 Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS, Reserva de
Desenvolvimento Sustentável - RDS, Floresta Nacional - FLONA, e a inovadora proposta de
Regularização Fundiária da Várzea, que serão abordados com mais vagar mais a frente na
presente dissertação de mestrado.
89
No âmbito do INCRA a Norma de Execução Nº 37, de 30 de março de 2004, publicada no DOU nº 65, de 5-42004, seção 1, p. 149 e BS nº 14 de 5-4-2004, que dispõe sobre o processo de criação e reconhecimento de projetos
de assentamento de reforma agrária, reza em seu art. 5º, incisos V (P.A.E), VI (RESEX), VII (PDS), o seguinte: ―Art.
5º As portarias para a criação e o reconhecimento de projetos de assentamento em áreas de reforma agrária serão
redigidas conforme os modelos constantes dos anexos I a VIII desta Norma de Execução, para serem utilizados, nos
seguintes casos específicos: (...) V - Em áreas de assentamento e exploração nos moldes Agroextrativistas - PAE e
PAF (Anexo V); VI - Em áreas de assentamento nos moldes de Reservas Extrativistas - RESEX, criadas pelo
IBAMA - Portaria Interministerial n.º 13/02 (Anexo VI); VII - Em áreas para criação do Projeto de Desenvolvimento
Sustentável (PDS) – Portaria INCRA/P/nº 477/99, regulamentada pela Portaria INCRA/P/n.º 1.032/00;‖
46
II.2 - A INTERFACE ENTRE O DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO
AGRÁRIO
É sabido que nos anos 60 o mundo se deu conta de que os recursos naturais não eram
inesgotáveis, surgindo daí a necessidade de um maior cuidado com o meio ambiente, de tal modo
que a elevação da degradação ambiental, para gerar alimentos acarretaria numa devastação do
meio ambiente e o esgotamento dos recursos naturais sem precedentes.
Houve, portanto, a necessidade de se atribuir uma maior valoração de um novo conceito
jurídico, qual seja, a qualidade de vida, haja vista que a eventual falta dos recursos naturais
redundaria num prejuízo à vida de toda a população mundial.
E a premissa desse instituto consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
promovida pela ONU, de 10 de dezembro de 1948, que em seu art. XXV, enuncia que ―todo
homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar, a si e à sua família, saúde e bem
estar (...)‖. De tal sorte que, se o ser humano tem direito a uma condição de vida digna apta a
proporcionar qualidade de saúde e de bem estar, estar-se-ia buscando de igual modo à qualidade
de vida humana digna. Mais uma vez, insistimos no valor da dignidade da pessoa humana como
essencial.
Corroborando ao conceito acima referido, o Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela ONU, em 1966, no art. 11 garantiu o direito a um
plano mais satisfatório de vida para as pessoas.
De forma mais expressa, a ONU promulgou a Declaração de Estocolmo, em 1972,
advinda da Conferência sobre o Meio Ambiente, preocupando-se com os problemas ambientais
de alcance mundial, recomendando a observância à proteção ao meio ambiente, além de que
47
estabeleceu-se que a proteção e a melhoria ao meio ambiente são questões fundamentais
vinculadas estreitamente à própria sobrevivência da espécie humana na Terra.
Ademais, a ONU realizou, no Rio de Janeiro-Brasil, no ano de 1992, a II Conferência
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, denominada de ECO-92, que repercutiu no mundo.90
Os temas relacionados ao meio ambiente e reforma agrária são de tamanha monta que
foram inclusive objeto de discussão recente, no Fórum Social Mundial.91
A propósito, uma recente recomendação da ONU traça a nova mentalidade mundial nas
seguintes premissas:
1 - Reorientação dos mercados para que sirvam às pessoas, e não as pessoas aos
mercados.
2 - Desenvolvimento e investimento em novos modelos de desenvolvimento centrados
na pessoa humana e sustentáveis ecologicamente.
―Por muito tempo se acreditou que o crescimento econômico, através do aumento da
produção, necessariamente criaria mais empregos. Claramente, isto não aconteceu,
acrescentou o relatório. Acima de tudo a ONU admite que suas recomendações
―propõem nada menos do que uma revolução no pensamento.‖
3 - Enfocar a cooperação internacional nas necessidades humanas e não nas prioridades
dos Estados.
4 - Mudanças do foco da segurança das nações para as pessoas, do armamento para o
desenvolvimento.
5 - Desenvolvimento de novos padrões de administração global e nacional, com maior
descentralização, dando mais autoridade aos governos locais. 92
Por oportuno, concernente à dimensão do meio ambiente, Bobbio93 sustenta que os
direitos fundamentais são de primeira geração quando têm fundamento na liberdade, oponíveis
pelo indivíduo em face do Estado, outrora absolutista (direitos civis e políticos), com o fito de
obstar a atuação opressora do Estado em relação às liberdades dos cidadãos.
Os direitos
denominados de segunda geração abeberam-se no primado da igualdade, i. e., nos direitos
sociais, culturais, coletivos e econômicos. Tais direitos objetivam uma atuação do Estado para
90
STEINER, M. NGO Reflections on World Summit: Rio + 10 or Rio – 10? RECIEL 12(1): 2003, pp. 33-38.
ESTERCI, Neide; TELLES DO VALLE, Raul Silva. Reforma Agrária e Meio Ambiente. (Documento Especial
Fórum Social Mundial). Instituto Socioambiental, 2001.
92
PEGORARO, Olinto A. Ética é Justiça. 9ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2005, p. 123.
93
Consultar BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2004.
91
48
alcançar a efetividade da justiça social. Os denominados de direitos de terceira geração se
alicerçam na fraternidade e solidariedade, perseguindo uma sociedade organizada, como p. ex., o
direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade
sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação). Já os denominados
direitos de quarta geração94 segundo Paulo Bonavides, representaria a última fase de
institucionalização do Estado social, ou seja, o direito à democracia em toda a sua plenitude, qual
seja, a democracia direta, viabilizada pelos avanços tecnológicos, o direito à informação assim
como o direito ao pluralismo.
Por conseguinte, como na lição de Bonavides o meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado estaria classificado no rol de direitos humanos de terceira dimensão ou geração.
Contudo, quanto à discussão terminológica sobre qual o termo mais apropriado, se
geração ou dimensão, para designar as categorias de direitos humanos, há aqueles que condenam
o termo geração argumentando que a expressão acarreta uma interpretação errônea dos direitos
humanos, no sentido que cada geração poderia substituir a geração anterior, de tal modo que a
segunda substituiria a primeira geração, a terceira substituiria a segunda e assim por diante,
redundando noutro entendimento equivocado, qual seja, o da não cumulatividade desses direitos
em razão da substituição de uma geração pela outra. A propósito, leciona Flávia Piovesan:
(...) adota-se o entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas
com ela interage. Isto é, afasta-se a idéia da sucessão ―geracional‖ de direitos, na medida
em que acolhe a idéia da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos
consagrados, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica de
interação. Logo, apresentando os direitos humanos uma unidade indivisível, revela-se
esvaziado o direito à liberdade, quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua
vez, esvaziado revela-se o direito à igualdade, quando não assegurada a liberdade.95
94
95
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 524-526.
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 1ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1998.
49
Com efeito, concordamos com a crítica acima apontada sobre a teoria da geração ou
dimensão dos direitos, haja vista que não se afigura como completa, a ponto de abranger toda a
gama de direitos fundamentais. Portanto, os direitos fundamentais devem ser considerados como
indivisíveis, a fim de não se priorizarem os direitos de liberdade em detrimento dos direitos
sociais e vice-versa. É sem dúvida, a nosso juízo, a posição mais razoável sob todos os pontos de
vista.
Na verdade, os beneficiários da reforma agrária no Estado do Amazonas têm de ter a
exata noção do direito a ter direitos, em primeiro lugar. Como, a propósito, sobre o direito a ter
direitos, Celso Lafer explica:
O que Hannah Arendt estabelece é que o processo de asserção dos direitos humanos,
enquanto invenção para convivência coletiva exige um espaço público. Este é
kantianamente uma dimensão transcendental, que fixa as bases e traça os limites da
interação política. A este espaço só se tem acesso pleno por meio da cidadania. É por
essa razão que, para ela, o primeiro direito humano, do qual derivam todos os demais, é
o direito a ter direitos, direitos que a experiência totalitária mostrou que só podem ser
exigidos através do acesso pleno à ordem jurídica que apenas a cidadania oferece. 96
Por seu turno, a legislação de países modernos, garante como um dos direitos
fundamentais o direito de propriedade, sendo o seu exercício aliado com dois outros elementos
fundamentais do mundo pós-Revolução Francesa, quais sejam, a vontade e a liberdade
individuais. Isto é, o proprietário pode utilizar, usufruir e dispor de sua propriedade de acordo
com o seu livre arbítrio, observando somente as limitações e restrições públicas, impostas pelo
ordenamento jurídico vigente.
O Direito deve equacionar o conflito entre a garantia do direito de propriedade e a
garantia da proteção ao meio ambiente, constitucionalmente assegurados, no mundo moderno.
96
LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos (um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt).
5ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 166.
50
Dessa equação, emana a importância da busca dialógica entre o Direito Agrário e o Direito
Ambiental na reforma agrária no Amazonas.
No Brasil, o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado está garantido,
dispondo o meio ambiente como direito fundamental do homem brasileiro, e dispensando o
Capítulo VI, inserido no Título VIII que trata ―DA ORDEM SOCIAL‖, onde consta no art. 225
que ―todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado‖ devendo ser preservado
pela sociedade civil e Poder Público, para as gerações atuais e futuras.
Para equacionar o embate entre os direitos de propriedade e o de preservação ambiental, o
direito pátrio dispõe de vários meios jurídicos de proteção e gestão dos recursos naturais e da
natureza, pertinentes a propriedade agrária, tanto de ordem pública quanto privada. Podemos citar
como instrumentos públicos, o zoneamento ecológico-econômico, a área de proteção permanente,
a reserva legal. Os meios de ordem privada são a reserva particular do patrimônio natural, os
contratos de arrendamento e parceria, além de outros.
No Brasil, bem como no ordenamento jurídico de outros países, está inclusa a utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente como um dos
elementos de qualidade que caracteriza o direito de propriedade do imóvel rural. E mais, esse
fator além de outros, imprime a denominada funcionalidade da propriedade agrária, segundo
expõe Juan Jose Sanz Jarque.97
Por sua própria dimensão e importância o meio ambiente veio a tornar-se um elemento de
extrema importância dentro do Direito Agrário, pois a atividade agrária está estreitamente ligada
às riquezas da natureza, considerando que a flora, fauna, terra, água, ar, compõe todo o processo
de produção agrária, exaltando o direito de o homem dispor de alimentos sadios e ecologicamente
corretos.
97
SANZ JARQUE, Juan Jose. Derecho agrário. Madrid: Fundacion Juan March, 1975, p. 102 e segs.
51
Quadra registrar que a Constituição de 1988 dispõe em seu art. 186, coloca que a função
social da propriedade é cumprida quando o proprietário atende simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigências estabelecidos em lei, aos requisitos de aproveitamento racional e
adequado (inciso I), utilização racional dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente (inciso II), observância das disposições que regulam as relações de trabalho (inciso III),
e exploração que favoreça o bem estar do proprietário e dos trabalhadores (inciso IV).
Desse modo, nos referidos incisos I e II depreende-se a leitura constitucional da função
ambiental da propriedade agrária, e através dela exige-se do proprietário uma postura não apenas
de abstenção de prática de atos predatórios ao ecossistema como também a atuação positiva de
atos que assegure o aproveitamento racional e adequado do solo rural e a utilização racional dos
recursos naturais disponíveis.
II.3 - DEFINIÇÃO DE MEIO AMBIENTE E DIREITO AMBIENTAL
Para a compreendermos melhor o tema faz-se mister entender o conceito de meio
ambiente, o qual figura na letra da Lei n° 6.938, de 31-8-1981, que dispôs sob a Política Nacional
do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, de sorte que ―entende-se
por meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.‖
O meio ambiente representa um bem coletivo de uso individual e geral ao mesmo tempo,
pertence a cada pessoa, porém não só dela, sendo ao mesmo tempo transindividual. Por tal razão
52
o direito ao meio ambiente entra na categoria de direito difuso, pois não se esvai em uma pessoa
apenas, mas se espalha por toda a coletividade.98
Para José Afonso da Silva, o Direito Ambiental se traduz nos seguintes aspectos, a saber:
a) Direito Ambiental objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas
disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente;
b) Direito Ambiental como ciência, que busca o conhecimento sistematizado das
normas e princípios ordenadores da qualidade do meio ambiente.99
O citado autor chama atenção para o domínio científico do Direito Ambiental concernindo
às regras jurídicas da natureza, poluição e danos, aos sítios, monumentos e paisagens, aos
recursos naturais, não só se apropriando dos setores que até então não constituíam objeto de
qualquer ramo do Direito, ou vinculados à outra disciplina jurídica específica, por exemplo,
poluições e degradações, natureza, monumentos e sítios, porém se apoderando dos setores já
constituídos de matérias mais ou menos homogêneas, como o Direito Florestal, Direito Rural,
Direito Mineiro. José Afonso da Silva ressalta ainda que nem o denominado Direito Rural e nem
o Direito Mineiro pertençam ao campo do Direito Ambiental.
Salienta-se que a Lei n.º 6.938/81 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente,
definiu os conceitos fundamentais da tutela material do meio ambiente, que até então não
existiam, e com a promulgação da Constituição de 1988, o que segundo Marcelo Abelha
consolidou o Direito Ambiental como ciência autônoma.100 Claro que, nem por isso, deixa de
interagir com outros ramos do direito, ensejando a busca dialógica entre do Direito Agrário e o
Direito Ambiental.
98
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 116.
DA SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Ed. Malheiros, 5ª edição, 2004, p. 42.
100
ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Elementos de Direito Ambiental (Parte Geral). São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2ª edição, 2005, p 57.
99
53
II.4 - INTERFACE DISCIPLINAR E A BUSCA DIALÓGICA
Podemos afirmar a existência da interface disciplinar entre o Direito Agrário e o Direito
Ambiental. No entanto, haveria um diálogo produtivo entre essas duas disciplinas tão importantes
da ciência jurídica? O tema merece uma reflexão crítica.
Como acentua Pinto Ferreira ―o direito agrário e o direito ambiental são dois ramos do
direito que crescem de importância na atualidade, necessitando de uma inter-relação para a
proteção da própria humanidade.‖ 101
No mesmo sentido há anos Fernando Sodero já sentenciava, mas ainda sem haver ecoado
suficientemente, a ponto de impingir numa mudança significativa no contexto de harmonia entre
o Direito Agrário e o Direito Ambiental:
A conservação dos recursos naturais renováveis é um dos elementos básicos do Direito
Agrário positivo brasileiro, e tão importante que faz parte das premissas que o
legislador colocou para que a terra cumpra a sua função social. 102
Para Marés a questão ambiental, recoloca na vanguarda dos direitos novos paradigmas e
rupturas com estruturas jurídicas perversas, como a busca incessante pela produtividade rural, em
detrimento do meio ambiente, que acaba contendo o caminho do Direito Agrário como direito
emancipatório, como no passado.103
E mais, em cada aspecto do Direito Agrário está presente a questão ambiental, pois não se
concebe mais a idéia da utilização da propriedade agrária e a sua utilização sem os limites
101
FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Agrário. Ed. Saraiva, São Paulo, 1998, p. 9.
SODERO, Fernando. “Estatuto da Terra” in Curso de Direito Agrário. Brasília: Fundação Petrônio Portela,
1982, p. 36.
103
MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico. “Direito Agrário e Meio Ambiente” in Direito Agrário e Meio
Ambiente in Direito Agrário Brasileiro. Raimundo Laranjeira (Coordenador). São Paulo: Ed. LTr, p. 517.
102
54
estabelecidos pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, a
teor do art. 225 da Constituição.104
Ainda, segundo Carlos Marés está na inteligência dos agraristas a possibilidade da
construção de novos paradigmas105 de um Direito emancipatório, apto a funcionar como um
instrumento em prol da sociedade.106
Outra discussão importante é a que diz respeito ao denominado privilégio agrário o qual
tem estimulado uma série de debates. Coerentemente, J. J. Gomes Canotilho apresenta a seguinte
reflexão sobre o tema:
1 — o uso dos solos para fins económico-agrários deve estar sujeito, como qualquer
outro uso, às prescrições normativas referentes à protecção da natureza, ao equilíbrio
ecológico, à preservação da vida selvagem e dos biótopos e nichos tróficos
indispensáveis a esta preservação;
2 — o uso agrícola dos solos não deve equiparar-se, porém, aos outros usos—
industriais, urbanos—, sobretudo quando esse uso não implicar transformações
qualitativas dos métodos de exploração habitualmente utilizados;
3 — consequentemente, existe uma presunção—juris tantum!—de conformidade do
uso agrícola dos solos com os preceitos ambientais protectivos do equilíbrio ecológico
quando esse uso obedece às práticas habituais e corresponde a uma adequada ordenação
económico-territorial.107
Esse privilégio agrário nada mais é do que a presunção de uma conformidade da
utilização da terra do modo tradicional com as premissas de proteção ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Por conseguinte, não há mais como se conceber o Direito Agrário sem partir para um
diálogo harmonioso com o Direito Ambiental, haja vista a importância dos dois institutos.
104
Idem, p.517.
Sobre novos paradigmas consultar TOURAINE, Alain. Um Novo Paradigma (para compreender o mundo de
hoje). 2ª edição. São Paulo: Ed. Vozes, 2005.
106
MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico. “Direito Agrário e Meio Ambiente” in Direito Agrário e Meio
Ambiente in Direito Agrário Brasileiro. Raimundo Laranjeira (Coordenador). São Paulo: Ed. LTr, p. 519.
107
CANOTILHO, J. J. Gomes. Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade (crítica de jurisprudência
ambiental). Lisboa: Coimbra Editora, 1995, p. 84.
105
55
Todavia, apenas e tão somente essas concepções doutrinárias não são suficientes para
dirimir a problemática da reforma agrária. Há que se estreitar ainda mais o diálogo entre esses
dois ramos da ciência jurídica.
A nosso juízo, para a obtenção desse estreitamento dialógico na prática há que se lançar
mão no âmbito de dois princípios igualmente constitucionais da interpretação da Constituição,
pois na discussão dos direitos agrário e ambiental, deve prevalecer para os beneficiários da
reforma agrária o primado da justiça social e da dignidade da pessoa humana.
E mais, sob o ponto de vista epistemológico vê-se a necessidade latente da ciência jurídica
convergir no aprimoramento da interface entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental, advindo
da transformação do Direito Agrário encorpando definitivamente a variável ambiental e é o que
buscaremos demonstrar ao longo desta dissertação de mestrado.
O aprimoramento passa pela interpretação tendo em vista a não colisão de princípios, com
a exegese agrária e ambiental, posta na Constituição tendo em vista a proporcionalidade e
razoabilidade. Se princípios aparentemente são conflitantes há que se ter em vista a aplicação do
princípio da ponderação.
A propósito da ponderação no direito constitucional, esclarece J. J. Gomes Canotilho:
As idéias de ponderação (Abwägung) ou balanciamento (Balancing) surge em todo lado
onde haja necessidade ―encontrar o direito‖ para resolver ―casos de tensão‖ (Ossenbühl)
entre bens juridicamente protegidos. O método da ponderação de interesses é conhecido
há muito tempo pela ciência jurídica. Nos últimos tempos, porém, a sua relevância tem
sido sobretudo reconhecida no direito constitucional e direito do planejamento
urbanístico.108
E mais, ponderar princípios representa a busca de um equilíbrio, com o intuito de decidir
qual dos princípios em determinado caso, tem mais importância ante a colisão de princípios
108
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra: Ed.
Almedina, 2003, pp. 1236/1.237.
56
constitucionais.109 É nesse aspecto que a reforma agrária e o meio ambiente se equilibram, mas
sempre a discussão dialógica do direitos agrário e ambiental convergindo para o primado da
justiça social e da dignidade da pessoa humana.
II.5
- O ―ESTADO DA ARTE110‖ DO DIREITO AGRÁRIO E O DIREITO
AMBIENTAL
Aqui podemos verificar uma ligação umbilical entre o Direito Ambiental e o Direito
Agrário, impingido constatar que atualmente o Direito Agrário vive num momento de grandes
transformações, de mudanças, isto é, num verdadeiro ―estado da arte.‖
Corroborando ao explanado acima, Ricardo Zeledón-Zelendón, assim se posiciona:
10. Surgimiento del ambiente e impacto en el derecho agrario. Sospechas del ambiente
como nueva dimensión del agrario y su evolución.
(...)
Si existe alguna parte de la doctrina agrarista que no se ha dado cuenta de la nueva
dimensión del ambiente, esa actitud arriesga de impedir la evolución de la materia.
Porque la axiología jurídica ha cambiado tanto y no autoriza un análisis tradicional o
superficial.
Toda la Cultura, y no solo la jurídica, exige respuestas para el moderno orden. Quien no
toma en consideración las exigencias generales (de los seres humanos, los grupos
sociales, y también de los Estados como concierto internacional) no puede justificarse
en antiguas tesis doctrinales. Y quien no observa la metamorfosis o los cambios de los
institutos, sin reforma concreta del ordenamiento, deberá quedar satisfecho con ser
calificado como tradicional, sin capacidad para llegar a ser parte del futuro. Historia y
no filosofía.
En la dimensión ambiental el Derecho agrario crece y se transforma. Se desarrollan los
contenidos, los temas conexos crecen, se encuentran nuevas normas, los antiguos
institutos se enriquecen, se suman otros, los fundamentos se fortalecen y refuerzan. El
109
Idem, p. 1.241.
A expressão estado da arte também é empregada por Canotilho ao referir-se a mutação, transformação, a
mudança ou mesmo ao renascimento por que atravessa a Teoria da Constituição, precisamente na Parte V, Título 1 –
O Estado da Arte: Situação da Teoria da Constituição, pp. 1331 e segs. In CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra: Ed. Almedina, 2003. Considere-se que a idéia de
estado da arte de Canotilho é a mesma no aspecto de mudança, transformação, renascimento, pois segundo Canotilho
―o direito constitucional já não é o que era. Por isso ou também por isso, a constituição já não é o que era.‖ (Ob. Cit.
página 1.345.). Do mesmo modo, o Direito Agrário encontra-se em transformação.
110
57
objeto no es el mismo y el método deberá ser replanteado. Todo ello acontece porque
las fuentes han cambiado. Pero no es otro Derecho agrario. Es el renacimiento del
Derecho agrario por la profunda presencia ambiental. 111
Como assevera Zeledón-Zeledón a dimensão ambiental no Direito Agrário cresce e se
transforma, os temas conexos crescem com o surgimento de novas normas, os institutos antigos
são enriquecidos, somando-se a outros, seus fundamentos são fortalecidos. Seu objeto e método
deverão ser repensados, pois as fontes vão mudando, pois a direito deve acompanhar a evolução
dos fatos sociais.
Arremata o citado jurista, constatando um verdadeiro renascimento do Direito Agrário
diante da profunda presença ambiental, diante dos fatos dentro da sociedade e do mundo, a
reclamar por uma maior importância, por uma transformação do Direito.
No Estado do Amazonas urge assimilar a percepção da transformação do Direito Agrário
num diálogo com o Direito Ambiental, já que se constata a necessidade premente de fundir os
conceitos agrário e ambiental para buscar para a Amazônia o que seria a concepção de um efetivo
reconhecimento dos direitos dos beneficiários, de uma atividade agrária112 economicamente
sustentável, além da implantação de projetos especiais, para os beneficiários da Reforma Agrária,
de sorte a atender as premissas agrária e ambiental.
A seguir abordaremos acerca dos elementos que refletem a falta de diálogo entre o Direito
Agrário e o Direito Ambiental na reforma agrária no Amazonas ao longo dos anos.
111
ZELEDÓN-ZELEDÓN, Ricardo. O “Estado da Arte do Direito Agrário no Mundo Contemporâneo.” In
Seminário Internacional de Direito Agrário, XI Seminário Nacional de Direito Agrário e II Encontro Nacional de
Professores de Direito Agrário Justiça Agrária e Cidadania proferida em São Luís/MA, em 24 de junho de 2003.
112
A atividade agrária sob a rubrica sociológica refere-se às estruturas socioeconômicas, programas, políticas,
problemas, medidas de caráter público e leis acerca da distribuição e posse de terras e bens agrícolas.
58
II.6 - A FALTA DE DIÁLOGO ENTRE O DIREITO AGRÁRIO E O DIREITO
AMBIENTAL NA REFORMA AGRÁRIA NO AMAZONAS E O MEIO
AMBIENTE AO LONGO DOS ANOS
No campo prático, a verdade que as peculiaridades regionais, como por exemplo, a vasta
extensão territorial, floresta amazônica, relevo, clima, solo, foram ao longo dos anos ignoradas
pelo Governo Federal, no que concerne às ações afetas a reforma agrária, de tal sorte que os
resultados não se apresentaram como significativos.
113
Alie-se, ainda, os aspectos econômicos,
sociais e culturais.
No campo prático, citamos precedentemente, na introdução, o projeto mal elaborado no
âmbito da reforma agrária no Amazonas, qual seja, o denominado Projeto de Assentamento Rio
Juma criado em agosto de 1982, no município de Apuí, sem observar as peculiaridades regionais,
com área de 689 mil hectares, e capacidade para assentar 7,5 mil famílias. Recentemente, após
vistoriar 7 (sete) mil lotes do projeto, os técnicos do INCRA constataram crimes ambientais,
concentração de lotes no nome de uma só pessoa, ocupações e vendas irregulares de parcelas.
Como corolário, foi possível traçar a real situação do projeto e verificar quem realmente está
explorando os lotes, dentro do que determina a legislação agrária, o que demonstra ter tal projeto
começado de forma totalmente equivocada, pois não assimilara a variável ambiental.
Já no campo teórico acusamos ainda a existência de uma verdadeira transição
paradigmática, como defende Boaventura, cujos fundamentos epistemológicos são por ele
analisados, e que consiste num processo histórico amplo e que se dá em várias dimensões sociais,
113
BECKER, B. K. Síntese do processo de ocupação da Amazônia: lições do passado e desafios do presente. In:
Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Causas e dinâmica do desmatamento na Amazônia. Brasília: MMA, 2001, p.
436.
59
políticas e culturais. Não obstante, mais visível no âmbito epistemológico, enquanto crise
derradeira da ciência moderna que, segundo o autor, representa um processo histórico que a
transição paradigmática se torna um tópico da maior relevância sociológica. Nesse contexto, o
Direito moderno apresenta uma vantagem estratégica para a apreciação da sociologia da
transição, haja vista sua estreita articulação com a ciência moderna em todo o processo de
racionalização da vida social prometida pela modernidade.
Fora atribuída à ciência a tarefa de racionalização devendo ser concebida como um
equilíbrio dinâmico e tenso entre regulação e emancipação. De tal modo que a resolução dos
problemas advindos da deficiência do conhecimento científico, somente resolvível a longo prazo,
foi confiada ao direito. Operando como elemento racionalizador de segunda ordem da vida social,
o direito, como forma de direito estatal, atingiu, segundo Boaventura, uma fase de crescimento
ilimitado, parecido ao requerido para a ciência e para sociedade como um todo.
Percebe-se, por conseguinte, que a somatização de efeitos negativos deste paradigma
social nos fazem concluir a existência de alguma coisa errada na forma que a ciência e o direito
assimilaram para aumentar a sua eficácia em fazer convergir a modernidade sócio-cultural com o
capitalismo. No decorrer dessa trajetória, a tensão original entre regulação e emancipação,
constitutiva da ciência e dos direito modernos, acabou por desaparecer, por vias diversas porém
com o mesmo resultado global, isto é, o da absorção da emancipação pela regulação.
Boaventura procura mostrar como isso aconteceu no caso do direito moderno, passando
em revista as transformações jurídicas ocorridas nos três períodos do desenvolvimento capitalista,
quais sejam, o capitalismo liberal, organizado e o desorganizado, analisando as mais recentes
60
debates sobre a ―crise do direito‖, concluindo que todas foram incapazes de identificar o cerne
dessa crise.114
Assim, corolário do acima exposto, os projetos de reforma agrária não caminhavam ao
lado da perspectiva ambiental em nossa região, especialmente no Estado do Amazonas, criando
um passivo ambiental e social consideráveis. A falta de percepção quanto a necessidade de
estreitar em diálogo o Direito Agrário e o Direito Ambiental na reforma agrária contribuiu
significativamente apara esse panorama negativo.
O diálogo parte da discussão entre os direitos agrário e ambiental devendo propor uma
convergência de interesses tanto dos beneficiários quanto do Estado, pois é a interação que torna
apta a avançar a reforma agrária ecologicamente equilibrada no Amazonas.
As normas norteadoras da reforma agrária, por vezes são concebidas sem levar em conta
as nossas peculiaridades regionais, geográficas, culturais e sociais. Não trata das especificidades
do Estado do Amazonas.
II.7 - O DIÁLOGO ALICERÇA TRÊS EIXOS
A discussão dialógica entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental na reforma agrária no
Estado do Amazonas forja alternativas baseadas em três eixos fundamentais, quais sejam, o
reconhecimento dos direitos dos beneficiários, a concepção de uma atividade agrária
economicamente sustentável, proporcionando a criação de projetos especiais, esta como terceiro
elemento, de sorte a propiciar os direitos legítimos dos beneficiários da reforma agrária que
ocupam as áreas de domínio do INCRA neste Estado.
114
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente - Contra o desperdício da experiência. São
Paulo: Cortez, 2002, p. 185.
61
De tal modo, podemos classificar como o começo de uma verdadeira revolução quanto à
temática aqui abordada, passando, obrigatoriamente, pela implantação de uma efetiva política de
reconhecimento, da atividade agrária economicamente sustentável, criação de projetos
especiais.
É o que trataremos a seguir de um modo mais pormenorizado.
62
CAPÍTULO
III
-
O
DIREITO
AO
RECONHECIMENTO
DOS
BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA
III.1 - ÉTICA, PLURALISMO JURÍDICO, MULTICULTURALISMO SOCIAL E
BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA
A discussão em torno da ética e o meio ambiente passa pela mudança de mentalidade, e
segundo Pegonaro115 tal pensamento ganhara impulso a partir dos anos 70, como matéria
interdisciplinar que segundo o mesmo era estimulada, a princípio, quase exclusivamente pelos
militantes da proteção ao meio-ambiente, que galgou novo patamar a partir do interesse pelos
filósofos de carreira, que trabalhavam o novo tema nas grandes teorias metafísicas.
No âmbito geral, a ética do meio-ambiente investiga o significado ético das relações do
homem com o meio, sinalizando com insistência e clareza, a responsabilidade moral do homem a
respeito da natureza em geral e das outras formas de vida, em particular. Também se preocupa
com a ameaça que representa o afã humano desmedido no uso de técnicas predatórias do meio
ambiente para satisfação de necessidades que são induzidas pelos meios de mídia. 116
Pegoraro sustenta que, duas teorias confrontam-se sobre o valor ético da natureza, a saber:
A primeira, apoiando-se em premissas metafísicas, reconhece um valor intrínseco à
natureza. Sua exploração não pode, eticamente, superar impunemente certos limites. Por
isso, o homem deve respeito ético à natureza, sendo obrigado a protegê-la, desenvolvê-la
e usá-la com equilíbrio, sem depredá-la. É a teoria preservacionista que, logo abaixo,
exporemos mais amplamente.
Uma segunda teoria, denominada conservacionista, considera a natureza como um
instrumento na mão do homem. Como qualquer outro instrumento, a natureza serve para
produzir o bem-estar da vida humana. Para este fim, o homem pode modificar a natureza
115
116
PEGORARO, Olinto A. Ética é Justiça. 9ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2005, p. 123.
Idem. p. 124
63
ou transformá-la para gerar o máximo bem-estar ao maior número de pessoas. Esta visão
baseia-se na filosofia liberal e neoliberal, em oposição à fundamentação metafísica da
teoria anterior. 117
De tal modo que dessas duas teorias de forma clara se extraem conclusões colidentes
acerca um grande rol de temas ecológicos, como por exemplo, os dejetos nucleares, exploração
de matéria-prima, justiça em relação às gerações humanas futuras, os limites éticos da
tecnociência, produção e consumo de bens, ética da bioengenharia animal e vegetal, reprodução
humana assistida, e desafios do crescimento demográfico. 118
Por seu turno, também é indubitável que é impossível dissociar ética de cultura119,
considerando que toda cultura exprime uma ética coletiva. A ética representa a expressão de uma
determinada endogenia cultural no dizer de Bittar.120 E mais, à luz do pensamento de J. J. Gomes
Canotilho ambiente é:
O ambiente passa a ser, assim, não apenas um momento ético da República (ética
político-ambiental), mas também uma dimensão orientadora de comportamentos
públicos e privados ambientalmente relevantes. 121
Já a cultura exprime o registro coletivo das práticas humanas no tempo e no espaço, e toda
manifestação humana se deduz uma espécie de manifestação cultural, pois representa todo o
117
Idem.
Idem.
119
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética jurídica (Ética Geral e Profissional). 2ª edição. São Paulo: Ed.
Saraiva, 2004, p. 83.
120
―Afirmar que o éthos é co-extensivo à cultura significa afirmar a natureza essencialmente axiogênica da ação
humana, seja como agir propriamente dito (praxis), seja como fazer (poiesis)‖ (Vaz, Escritos de filosofia II: ética e
cultura, 1993, p. 40). Citação de BITTAR, Eduardo C. B. In Curso de Ética jurídica (Ética Geral e Profissional). 2ª
edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p. 83.
121
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra: Ed.
Almedina, 2003, p. 227.
118
64
conhecimento do meio em que vivemos servindo como mediador entre a sociedade e a natureza
segundo Sachs.122
A construção histórica de um povo, civilização, cultura, nação, etnia, estão ligadas às
atitudes tomadas pelas gerações precedentes as quais determinam as ações e cultura das gerações
vindouras que podem se manifestar de modo inovador ou conservador.
A reforma agrária e o meio ambiente estão previstos na Constituição Federal e disto
deriva em direitos a serem reconhecidos por pessoas que necessitam da terra para extraírem seu
sustento, no caso os beneficiários da reforma agrária. É assente que a função integradora da
Constituição padece de uma ampla revisão considerando os fenômenos do pluralismo jurídico e
do multiculturalismo social.
A propósito, J. J. Gomes Canotilho explica tais fenômenos:
Designa-se pluralismo jurídico a situação em que existe uma pluralidade heterógena de
direitos dentro do mesmo campo social. O ―pluralismo de direitos‖ pressupõe uma
sociedade multicultural (―pluralismo cultural‖) formada pór vários grupos culturais
(―índios, ―hispânicos‖ ―cabo-verdianos‖, ―africanos‖, ―turcos‖, ―indianos‖) que
produzem normas (relativas, por ex., a casamentos, modas, contratos, ensino de
religião) que actuam no mesmo espaço social e interagem com normas produzidas pelas
―macroculturas‖ dominantes neste mesmo espaço. 123
Na Amazônia a formação da cultura se deve preponderantemente à sua colonização e a
economia.124
Ademais, como acentua Boaventura, toda natureza é cultura, pois enquanto a
diferenciação entre sujeito e objeto é uma distinção epistemológica que aparentemente tem
conseqüências ônticas, i. e., a realidade, o mundo real, a distinção entre natureza e
122
SACHS, Ignacy. Sociedade, Cultura e Meio Ambiente. In palestra proferida no Curso de Pós-graduação em
Ciência Ambiental - Mestrado (PGCA) em 11-9-1995. Mundo & Vida. Vol. 02. (1) 2000, p. 9.
123
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra: Ed.
Almedina, 2003, pp. 1.450-1.451.
124
BATISTA, Djalma. Amazônia: Cultura e Sociedade. 3ª edição. Manaus: Editora Valer, 2006, p. 68.
65
cultura/sociedade é supostamente uma distinção ôntica com conseqüências epistemológicas, a
saber:
No entanto, as trajetórias das distinções epistemológicas e ontológicas entre natureza e
cultura nos últimos cem anos são muito divergentes. Enquanto a distinção
epistemológica se consolidou e aprofundou com o desenvolvimento tanto das ciências
naturais como das ciências sociais, a distinção ôntica atenuou-se à medida que o
desenvolvimento tecnológico foi transformando a natureza num artefacto planetário.
Com isto, a cultura passou de artefacto intrometido num mundo de natureza à expressão
da conversão da natureza em artefacto total. Aliás, é possível argumentar que esta
transformação só foi possível porque a natureza enquanto objecto de conhecimento foi
sempre uma entidade cultural e que, por isso, desde sempre as ciências ditas naturais
125
foram sociais .
Sendo assim, é claro que os beneficiários da reforma agrária no Estado do Amazonas têm
sua cultura, ética, e história que devem ser reconhecidos como direitos legítimos aptos a
proporcionar a cidadania para essas pessoas. O diálogo entre o Direito Ambiental e Direito
Agrária é um elemento que não pode ser desprezado na busca do reconhecimento dos direitos
desses beneficiários, isto é, o direito a ter direitos.
III.2 - OS BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA E A POLÍTICA DO
RECONHECIMENTO, COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL.
É certo que os beneficiários da reforma agrária, cuja origem é diversa, e que ao longo dos
anos, vêm reivindicando seus direitos126. E o simples fato desses beneficiários habitarem tais
áreas no Amazonas para extraírem o seu sustento, já os fazem detentores do direito de serem
reconhecidos como beneficiários de terras públicas federais destinadas à reforma agrária.
125
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente - Contra o desperdício da experiência. São Paulo:
Cortez, 2005, p. 85.
126
SHIRAISHI NETO, Joaquim. Leis do Babaçu Livre (Práticas das Quebradeiras de Coco Babaçu e Normas
Correlatas). Coleção ―Tradição e Ordenamento Jurídico.‖ Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PPGSCAUFAM/FUNDAÇÃO FORD). Manaus: Ind. Gráfica e Editora Ltda, 2006, p. 13.
66
Para efeito de esclarecimento, quanto à desnecessidade da utilização da terminologia
referente às denominadas ―populações tradicionais, (...) aparece para abranger, no Brasil, algo
que de certa medida se assemelha a, mas que é mais abrangente do que grupos indígenas.‖127 É
que as populações tradicionais, por vezes, são confundidas eminentemente com o conceito de
populações ou grupos indígenas. Mas, o termo ―populações tradicionais‖, no Brasil, é muito mais
abrangente do que os grupos indígenas, de tal modo que atualmente os autores, o governo, as
agências já não utilizam mais o termo.
Partindo desse princípio, para efeito didático, preferimos utilizar o termo beneficiário da
reforma agrária em sentido amplo.
Assim, afirmamos a importância de se estudar mais detidamente as influências humanas,
sejam passadas e presentes, nas áreas tidas como ―naturais‖, do mesmo modo os sistemas
tradicionais e modernos de manejo e conservação, as diversas percepções existentes entre as
pessoas que ocupam áreas da União federal para extrair seu sustento, como beneficiários da
reforma agrária, sobre a conservação e o uso de recursos naturais, podendo viabilizar uma efetiva
participação dessas pessoas no planejamento e implantação de áreas naturais a serem legalmente
tuteladas pelo poder público. 128
Ao Estado cabe reduzir as desigualdades sociais129 por força da Constituição. As
necessidades e interesses dos beneficiários da reforma agrária no Amazonas é latente em face de
sua luta em permanecer sobrevivendo nas regiões mais carentes do Estado, bem como para verem
reconhecidas legalmente suas ocupações em terras públicas federais. O direito ao reconhecimento
127
ALMEIDA, Mauro W. B.; CUNHA, Manoela Carneiro. “Populações Tradicionais e Conservação”.
Biodiversidade Amazônia. Seminário de Consulta. Macapá, 21 a 25 de setembro de 1999.
128
DIEGUES, Antônio Carlos. “O mito do Paraíso Perdido” in Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional n.º 24, 1996, pp. 141- 151.
129
Dispõe a Constituição: ―Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.‖
67
dos direitos dos beneficiários da reforma agrária concretiza do princípio da justiça social130,
reconhecendo sua dignidade como pessoa humana.
A reivindicação pela terra, ou seja, de seu espaço territorial,131 desses beneficiários,
funda-se no uso sustentável dos recursos naturais, constituindo-se em sua essência, numa
verdadeira ideologia que precisa ser reconhecida e respeitada de forma concreta dentro da
sociedade. A propósito, ―uma ideologia não nasce do nada nem repousa no vazio, mas exprime,
de maneira invertida dissimulada e imaginária, as práxis social e histórica concretas.‖ 132 Assim,
há que se efetivar uma política do reconhecimento133 dos direitos desses beneficiários da reforma
agrária.
Pois a práxis social e histórica concretas impinge sejam reconhecidos os direitos dos
beneficiários, do Estado do Amazonas, no que pertine a reforma agrária e o meio ambiente. Não
podemos deixar de olvidar quanto aos beneficiários a existência de uma interpretação que as
exclui da concepção de desenvolvimento.134 Exige-se a afirmação de uma efetiva política de
reconhecimento dessas pessoas.
Há ainda outras questões na região envolvendo a evolução demográfica, qualidade de vida
e desmatamento na Amazônia.135 O respeito às diferenças, a noção de alteridade que deve ser
130
O princípio da justiça social consta expressamente do próprio conceito de reforma agrária estabelecido no art. 1° ,
§ 1°, da Lei. n.º 4.504, de 30-11-1964 (Estatuto da Terra).
131
LITTLE, Paul E. “Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: por uma Antropologia da
Territorialidade”. Série Antropologia, 322. Brasília: DAN/UnB, 2002.
132
CHAUÍ, Marilena. “A sociedade democrática” in O Direito achado na rua. vol. 3. Introdução Crítica ao Direito
Agrário. São Paulo: Ed. UnB, 2002.
133
Para saber mais acerca da tipologia do reconhecimento jurídico da minorias consultar ROULAND, Norbert
(Organizador). Direito das Minorias e dos Povos Autóctones. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004, p.
281.
134
STAVENHAGEN. Rodolfo. “Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no pensamento
desenvolvimentista” in Anuário Antropológico 84. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985, pp. 11-43.
135
SAWYER, D. Evolução demográfica, qualidade de vida e desmatamento na Amazônia. In: Brasil. Ministério
do Meio Ambiente. Causas e dinâmica do desmatamento na Amazônia. Brasília: MMA, 2001, p. 436.
68
posta de forma contundente de sorte a ser reconhecida a pluralidade, que faz parte do contexto
democrático.136
Ora, se o Direito Agrário está em mutação, passando por um estado da arte, então há que
se aproveitar o momento de mudança e buscar alternativas ambientais viáveis para a reforma
agrária no Amazonas. Diante do exposto, torna-se necessária uma reavaliação dos modelos de
desenvolvimento da Amazônia, especialmente porque o potencial biológico dos ecossistemas
naturais, não são aproveitados de modo racional, atendendo as especificidades da região. 137 Daí a
importância da criação de projetos especiais de reforma agrária, de sorte a atender as
especificidades de nossa região, reconhecendo o direito dos legítimos beneficiários.
Vale lembrar que os direitos do homem, democracia e paz representam três momentos
imprescindíveis do mesmo momento histórico, isto é, sem os direitos do homem reconhecidos e
efetivamente protegidos não existe democracia, e sem a democracia não existem as condições
mínimas para a resolução pacífica de conflitos existentes entre os indivíduos, seja entre grupos ou
entre as grandes coletividades que são tradicionalmente insubmissas e tendencialmente
autocráticas que são os Estados, não obstante serem democráticas com seus cidadãos.138
Impende acentuar a tímida atuação estatal traduzida na criação do Centro Nacional de
Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais – CNPT139, a Secretaria Especial de
Políticas da Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR140, que ainda deixam a desejar, haja vista
136
JELIN, Elisabeth. “Cidadania e Alteridade: o reconhecimento da pluralidade” in Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, nº. 24, 1996, pp. 15-25.
137
BENCHIMOL, Samuel. Zênite Ecológico e Nadir Econômico-social. Manaus: 2000.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2004, p. 223.
139
O Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais – CNPT foi criado pela Portaria
IBAMA n.° 22, de 10-2-1992.
140
A SEPPIR foi criada pela Lei n.º 10.678, de 23-5-2003 para, dentre outras disposições, assessorar o Presidente da
República na implantação de políticas públicas afirmativas de promoção de igualdade e da proteção dos direitos de
indivíduos e grupos sociais.
138
69
que não sugerem políticas eficazes para reconhecer de modo pleno as diferentes forma de ―criar‖,
―fazer‖ e de ―viver‖ de tais grupos141.
Conquanto possa ser louvável a iniciativa governamental acima referida, em se tratando
de reforma agrária, entendemos que apenas o reconhecimento formal dos direitos desses
beneficiários não é bastante em si, se não for combinado com a concepção de uma atividade
agrária economicamente sustentável, bem como a criação de projetos especiais de reforma
agrária que efetivamente atendam as necessidades dessas pessoas, de modo a harmonizar tanto
com o meio ambiente quanto com a reforma agrária no Estado do Amazonas.
141
SHIRAISHI NETO, Joaquim. Leis do Babaçu Livre (Práticas das Quebradeiras de Coco Babaçu e Normas
Correlatas). Coleção ―Tradição e Ordenamento Jurídico.‖ Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PPGSCAUFAM/FUNDAÇÃO FORD). Manaus: Ind. Gráfica e Editora Ltda, 2006, p. 14.
70
CAPÍTULO IV - POR UMA ATIVIDADE AGRÁRIA ECONOMICAMENTE
SUSTENTÁVEL E OS PROJETOS ESPECIAIS
IV.1 - REFORMA AGRÁRIA, REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E PROJETO
DE ASSENTAMENTO
Primeiramente, para melhor compreensão do tema posto torna-se necessário que se
entendam bem as distinções entre os conceitos de reforma agrária, regularização fundiária e
projeto de assentamento no âmbito do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, por vezes confundidos entre os mais desavisados.
Como mencionado anteriormente, constitui-se a reforma agrária o conjunto de medidas
que visam a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua
posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma agrária - INCRA é o órgão que executa a
reforma agrária eminentemente através de dois processos, quais sejam o da regularização
fundiária e o da criação de projetos de assentamento.
Por sua vez, a regularização fundiária se dá a partir de uma ocupação espontânea de
pessoas em áreas arrecadadas e matriculadas em nome do INCRA – União federal. Já o projeto
de assentamento parte da premissa de que já existe uma demanda de ocupantes em áreas que
podem ser tanto públicas quanto privadas, podendo, se forem privadas, serem desapropriadas.
Formalmente uma área de regularização fundiária não pode tornar-se um projeto de
assentamento, mas pode receber incentivos afetos ao Programa de Reforma Agrária.
71
IV.2 - A NECESSIDADE DA CONCEPÇÃO DE ATIVIDADE AGRÁRIA
ECONOMICAMENTE SUSTENTÁVEL PARA O AMAZONAS
No Amazonas tem-se aplicado ao longo dos anos a equivocada concepção clássica
segundo a qual para que os beneficiários da reforma agrária possam fazer jus a sua regularização
de suas terras, seja na regularização fundiária ou em projeto de assentamento, tenham que
explorar suas ocupações ou lotes com atividade eminentemente agrícola de acordo com as
normas legais previamente estabelecidas.
Propondo essa visão ortodoxa Sodero dispõe que a atividade agrária pode ser classificada
como sendo ―a ação do rurícola – que se cumpre através de um processo agrobiológico – sobre o
conjunto de bens que integram a exploração rural a que se dedica profissionalmente, com o fito
de lucro e para suprir as necessidades do ser humano.142‖ Assim, é o conjunto de bens e ações
que integram a exploração racional da área rural a que se dedica o posseiro.
Todavia, não basta que ocorra a exploração de uma área rural, é importante que essa
exploração respeite o meio ambiente, em harmonia com o ordenamento jurídico.
Já no que concerne à posse agrária no âmbito da reforma agrária, o posseiro pode ser
pessoa física que esteja apta, ou seja, capaz de direitos e obrigações. O importante é que o agente
seja capaz e não há diferença de tratamento entre homem e mulher.
Ademais, no Direito Agrário brasileiro, a posse agrária tem como requisitos necessários a
cultura efetiva e a morada habitual. A cultura efetiva é caracterizada quando o possuidor trabalha
em uma área e extraindo os frutos para si e sua família, explorando-a economicamente com a
devida preservação do meio ambiente. Já a morada habitual na terra é o local onde o posseiro
142
SODERO, Fernando Pereira; FRANÇA, R. Limongi (org.). Atividade agrária. Enciclopédia Saraiva do Direito.
São Paulo, Saraiva, v. 8, 1978, p. 416.
72
costumeiramente pode ser encontrado trabalhando, com ânimo definitivo de desenvolver sua
atividade agrária, o que não obrigatoriamente significa que ele possui o seu domicílio permanente
nessa área. Quanto aos seus efeitos, é cediço que a posse agrária tem os mesmos da posse civil.
Outrossim, defendemos que essa prática há que ser revista para que a reforma agrária
aliada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado possa efetivamente avançar neste Estado. A
propósito, convém citar a reflexão de Cristiani Derani sobre a prática do Direito:
O direito exclusivamente como texto reflete uma "Idéia". A realização ou deturpação
desta "Idéia" se dá pela sua prática, pela sua concretização. E por isso que não há o
caminho, porém os caminhos de se chegar à concretização do ordenamento jurídico. O
direito escrito é parte da geração concreta do Direito, que se completa com sua
interpretação e aplicação.143
Pois bem, ocorre que as normas que regem a regularização fundiária bem como os
projetos de assentamento, ao longo dos anos têm sido impostas unilateralmente para todo o país,
de norte a sul, ignorando as peculiaridades regionais, especialmente as da nossa região.
O paradoxo que isto acaba gerando curiosamente, nada mais é do que em plena região
amazônica, forçar os beneficiários de terras públicas federais condicionando-os de sorte que, para
que possam ter o direito à expedição de um título definitivo ou de concessão de direito real de
uso em seu nome e sua subseqüente propriedade, sejam obrigados a ter compulsoriamente uma
exploração agrícola mínima de suas áreas, o que nem sempre torna-se possível, em virtude de
fatores relevantes como a sua vocação extrativista, cultura, bem como a dificuldade de obtenção
de assistência técnica adequada.
Há que se avançar na dimensão do pensamento de que rural significa o eminentemente
agrícola para a reforma agrária no Amazonas, e como Sachs propõe:
143
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª Ed. Revista. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 277.
73
Mas o meu conceito de aproveitamento rural não é o retomo à agricultura de
subsistência com o Zé Brasil e sua enxada. Primeiro, é possível fazer uma pequena
propriedade rural moderna, levando a ciência moderna ao pequeno produtor. Segundo,
rural não significa unicamente agrícola. Rural significa agricultura, agroindústria,
144
serviços e indústrias descentralizadas.
A concepção de atividade agrária economicamente sustentável implica em não considerar
apenas e tão somente uma atividade eminentemente agrícola para os projetos de reforma agrária
na Amazônia, em especial no Estado do Amazonas. Mas também levar em conta outras
atividades economicamente sustentáveis, como p. ex., e extrativismo, piscicultura, e até mesmo
combinando tais a mecanismos com uma atividade ecológica sustentável, sendo que importa
salientar que essas atividades até bem pouco tempo eram consideradas primitivas, portanto,
incompatíveis com os propósitos dos projetos de reforma agrária no Brasil. O reconhecimento
dessas atividades implicou numa ruptura com os esquemas clássicos da reforma agrária, que
pensa o homem em face da natureza.
Na nossa visão, é de suma importância a ruptura dessa visão clássica, posta nas normas
vigentes, que só tem prejudicado a viabilidade de uma reforma agrária combinada como o meio
ambiente ecologicamente equilibrado neste Estado.
A criação de alguns projetos especiais de reforma agrária parece ensaiar a quebra desse
paradigma nocivo à concretude do princípio da justiça social neste Estado, pois esse modelo tem
se espelhado na forma de fazer e de viver dos diversos beneficiários da reforma agrária no
Estado. É o que trataremos a seguir.
144
SACHS, Ignacy. Sociedade, Cultura e Meio Ambiente. In palestra proferida no Curso de Pós-graduação em
Ciência Ambiental - Mestrado (PGCA) em 11-9-1995. Mundo & Vida. Vol. 02. (1) 2000, p. 12.
74
IV.3 – OS PROJETOS ESPECIAIS DE REFORMA AGRÁRIA PARA O
AMAZONAS
IV.3.1 - O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A REFORMA AGRÁRIA
Preliminarmente, antes falarmos sobre os projetos especiais para a reforma agrária neste
Estado, que fogem à sua concepção clássica, convém dizer que é necessário ter-se em vista,
obrigatoriamente, para a consecução dos mesmos da obrigação da idéia de que o
desenvolvimento a ser alcançado é o desenvolvimento sustentável. Em geral, no Estado do
Amazonas, os beneficiários viveram tradicionalmente de modo sustentável, tirando da terra seu
sustento sem agredir o meio ambiente. E este desenvolvimento viável tanto nos setores agrícola,
florestal e pesqueiro, propicia a conservação da terra, a água assim como dos recursos genéticos
vegetais e animais, haja vista não degradar o meio ambiente e é tecnicamente apropriado,
economicamente viável e socialmente aceitável.
Ocorre que as políticas governamentais executadas pelo INCRA aplicadas à reforma
agrária ao longo dos anos incentivaram justamente o contrário, em muitos casos a cultura
tradicional de sustentabilidade deu ensejo à exploração clássica praticada na região sul do país,
onde a exploração intensiva da terra, sem muitas cautelas, implicava invariavelmente no processo
de degradação do meio ambiente. O que é inadmissível no Estado do Amazonas considerando a
importância da preservação ambiental da floresta amazônica.
Consectário lógico, o desenvolvimento sustentável também passa pela discussão sobre a
importância do diálogo entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental, haja vista que os modelos
75
de ocupação territorial na Amazônia ao longo dos anos tem contribuído para sua degradação, à
exceção de poucas situações que devem ser estudadas com mais vagar.145
A exegese supra revela que, por óbvio, o desenvolvimento agrário a ser alcançado é o
sustentável, oriundo da orientação da Organização das Nações Unidas - ONU na clássica
Declaração de Estocolmo, de 1972, a qual recomendara a planificação e a ordenação ambiental,
além de outras. O conceito de desenvolvimento sustentável apresenta-se como sendo:
É o manejo e conservação da base dos recursos naturais e a orientação da alteração
tecnológica e institucional, de tal maneira que se assegure a contínua satisfação das
necessidades humanas para as gerações presentes e futuras. Este desenvolvimento
viável (nos setores agrícola, florestal e pesqueiro) conserva a terra, a água e os recursos
genéticos vegetais e animais, não degrada o meio ambiente e é tecnicamente
apropriado, economicamente viável e socialmente aceitável.
De um modo geral, poder-se-ia dizer que o objetivo final é minimizar a fome e a pobreza,
―em um mundo onde as pessoas possam exercer dignamente seus direitos como seres humanos e
cidadãos.‖146
Assim, a propriedade rural tem o fito de atingir a sustentabilidade da atividade agrária, ou
seja, harmonizar a atividade econômica com meio ambiente, objetivando a preservação e
proteção da saúde dos agricultores e consumidores, de modo a rechaçar modelo tradicional de
produtividade em curto prazo. Por conseguinte, permite-se o desenvolvimento, porém de modo
sustentável, planejado, ―para que os recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se
inócuos.‖147
145
FEARNSIDE, P. M. Modelos de uso da terra predominantes na Amazônia: um desafio para a
sustentabilidade. In: Rivas, A. & Freitas, C. E. C. (Orgs) Amazônia: uma perspectiva interdisciplinar. Manaus:
Editora da Universidade do Amazonas, 2002, p. 271.
146
UNESCO/OREALC. Década das Nações Unidas da Educação para o desenvolvimento Sustentável, 20052014 (Documento Final Plano Internacional de Implementação – 2005). Brasília: Edições UNESCO, 2005, p. 41.
147
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva,
2005, p. 27.
76
Atualmente, vislumbra-se uma atividade de agricultura de forma sustentável e socialmente
justa, pelo que a sustentabilidade da atividade agrária deve garantir o funcionamento dos serviços
ecológicos dos recursos naturais. Além do que, a idéia do desenvolvimento sustentável passa pela
educação ambiental.148
Diante de um novo olhar para a questão, a Medida Provisória n° 2.116-67/2001 alterou o
Código Florestal aumentando a área de reserva legal para 80% na Amazônia Legal.
Ademais, existem outras exigências normativas para propriedade agrária, como a área de
preservação permanente, área de uso intensivo, por exemplo.
Portanto, a propriedade agrária desempenha um papel social importante, pois necessita
atender à produção de atividade economicamente viável e ecologicamente sustentável.
Laranjeira149 fez coro à mesma corrente estabelecendo, o seguinte: ―As implicações do
desenvolvimento de um país com seu meio ambiente exigem que as autoridades preservem os
recursos da natureza, sem prejuízo, embora, da sua utilização racional‖ (...). O problema repousa
em saber até onde utilização dos recursos da natureza será racional.
E mais, dentre os principais serviços ecológicos, pode-se citar: a floresta desempenha o
papel de um armazém gigante de carbono, por retirar tal gás da atmosfera, liberando o oxigênio; a
floresta é responsável pela manutenção do sistema hidrológico e climatológico, tanto que na
Amazônia a metade da chuva que cai sobre a vegetação é gerada pela própria floresta; as florestas
impedem que o fogo se propague; a floresta é reserva natural de recursos genéticos; a floresta
armazena naturalmente a biodiversidade; os recursos naturais são matérias-primas para o engenho
humano.150 De tal modo, resta a ilação inequívoca de que a floresta é indispensável.
148
SARABIA, Raul. Educação Ambiental na Região Amazônica e Desenvolvimento Sustentável. Manaus: 1990.
LARANJEIRA, Raymundo. Propedêutica do Direito Agrário. São Paulo: Ed. LTr, 2ª ed., 1981).
150
BENATTI, José Helder. Direito de propriedade e proteção ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos
recursos naturais no imóvel rural. Belém: 2003, digitado, p. 204.
149
77
No âmbito internacional, esperam-se ações mais favoráveis dos países para a efetivação
de políticas de desenvolvimento sustentável, já que tal tem ficado apenas em sede de
perspectivas.151
De tal sorte, o desenvolvimento sustentável deve nortear todas as ações de reforma agrária
neste Estado, sob pena da intensificação do processo de degradação ambiental.
IV.3.2. – AS PROPOSTAS DE PROJETOS ESPECIAIS DE REFORMA
AGRÁRIA NO ESTADO DO AMAZONAS
Os projetos especiais adiante gizados de modo sintético constituem-se numa iniciativa
estatal louvável, mas que precisa ser mais aprimorada através do aperfeiçoamento do diálogo
entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental na reforma agrária no Estado do Amazonas.
O enfoque dialógico forja a necessidade de que tais projetos especiais deixem apenas o
âmbito formal e transformem-se num permissivo para a concepção por nós defendida de uma
efetiva atividade agrária economicamente sustentável para os beneficiários a reforma agrária no
Estado do Amazonas.
Na prática já verificamos os resultados práticos desse diálogo, pois o INCRA assentou ou
reconheceu 5.169 famílias no Estado do Amazonas, no ano de 2005. Para tanto foram criados um
total de 23 projetos, sendo que: 02 Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), 03 Florestas
151
SEGGER, M.C.C.; KHALTAN, A. GEHRING, M. & TOERING, M. Prospects for Principles of International
Sustainable Development Law after the WSSD: Common but Differentiated Responsibilities, Precaution and
Participation. RECIEL 12(1): 2003, pp. 54-68.
78
Nacionais (FLONA), 04 Projetos de Assentamento (P.A) 04 Reservas de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) e 10 Projetos Agroextrativistas (PAE).152
Não obstante a quantidade e a criação não significarem necessariamente a garantia ou
eficácia dos mesmos, há que se ressaltar que sua criação gera uma expectativa favorável, que
deve ser acompanhada passo a passo.
Atualmente, ao contrário de tempos passados, a política de reforma agrária traduz-se na
construção conjunta com novos parceiros, de sorte a propiciar projetos que sejam ambientalmente
e socialmente justos, em terras públicas seja de domínio do INCRA, do IBAMA e até mesmo do
Estado do Amazonas.
Em 2005 o INCRA no Estado do Amazonas priorizou o reconhecimento das famílias
residentes nos PAE, PDS, RDS e Flona. Aqui já percebemos o aspecto do direito ao
reconhecimento dos beneficiários atendidas as suas especificidades.
O escopo é permitir o acesso aos benefícios das infra-estruturas básicas implementadas
pelo Programa Nacional de Reforma Agrária, aos moradores dessas unidades de conservação.
O trabalho é realizado em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e com o governo do Estado do Amazonas. Frise-se,
ainda, que no Estado do Amazonas, o INCRA possui um total de 73 projetos, onde vivem 23.240
famílias.153
Vê-se claramente a necessidade de se pensar cada assentamento pelas decorrentes
diferenças, sua alteridade, pelas variações e pelas particularidades, negando as visões abrangentes
constitutivas das operações inerentes aos programas e às políticas públicas. Além do que:
152
In Revista “Filhos deste Solo”, INCRA/AM – Ministério do Desenvolvimento Agrário. Manaus: Gráfica
Moderna, 2005, p. 5.
153
Idem.
79
Assentados e pesquisadores, constituindo-se nesse espaço de mediação, são obrigados a
assumir as pluralidades de maneiras de pertencimento e de ser, de modos de
interconexão, recursos inerentes à produção de identidades sob deslocamentos de
posições sociais e sob contextos de ligações incertas. Por isso mesmo, ligações
movediças, mas propícias ao projeto de reordenação social do qual a proposta de
154
reforma agrária é devedora.
Nesse aspecto, é de perceber-se a suma importância do diálogo entre o Direito Agrário e o
Direito Ambiental na reforma agrária, especialmente no Estado do Amazonas.
IV. 3.2.1 - O PROJETO DE ASSENTAMENTO EXTRATIVISTA E A
RESERVA EXTRATIVISTA.
O Projeto de Assentamento Extrativista – P.A.E. consiste num projeto de assentamento
especial em área de domínio do INCRA onde as atividades a serem desenvolvidas são baseadas
na extração de recursos naturais como p. ex., óleos e sementes. Na região Amazônica, devido à
grande preocupação com a preservação da floresta, esse tipo de projeto especial é desenvolvido
levando em consideração as características da população da região, reconhecidos como
beneficiários da reforma agrária.155
O P.A.E. surge com a demanda dos beneficiários que ocupam espontaneamente tais áreas
e que pleiteiam sejam concedidos os benefícios do Programa Nacional de Reforma Agrária.
Outrossim, como acentua Vladimir Passos de Freitas 156 as reservas extrativistas já
apareciam no art. 1.° do Decreto n.º 98.897, de 30-1-1990, como sendo ―espaços territoriais
destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por
154
BOTTA FERRANTE, Vera Lúcia Silveira; ALY JÚNIOR, Osvaldo (Org.). “A Reforma Agrária Esforçada”
por Delma Peçanha Neves. Assentamentos Rurais: Impasses e dilemas (uma trajetória de 20 anos). São Paulo:
INCRA/NEAD/CNPq/Uniara/Abra, 2005, pp. 114-115.
155
Fonte: Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA.
156
PASSOS DE FREITAS, Vladimir. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. 3ª edição.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 143.
80
população extrativista‖. Mais adiante, precisamente no art. 18 da Lei n.º 9.985, de 18-7-2000, o
conceito tomou-se mais abrangente: ―É uma área utilizada por populações extrativistas
tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de
subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os
meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais
da unidade‖.
Desse modo na Reserva Extrativista – RESEX157, o INCRA colabora com recursos
destinados a reforma agrária para os beneficiários dessas terras, mas a área é de domínio do
IBAMA. Sendo que esta surge de uma demanda detectada pelo IBAMA em áreas de seu
domínio, constatando a existência de futuros beneficiários aptos a conviverem com áreas de
proteção, mas fazendo uso de uma atividade agrária economicamente sustentável, como o
extrativismo, por exemplo.
Nesse caso, o papel do INCRA consiste em reconhecer como beneficiários os ocupantes
das áreas do P.A.E., cuja área é de domínio do INCRA, e firmar parceria com o IBAMA através
de convênio para que os beneficiários que ocupam a RESEX, cuja área é de domínio do IBAMA,
possam ter acesso a créditos bem como à assistência técnica com a supervisão do IBAMA, no
desenvolvimento de suas atividades.
Aliás, observamos que a região Amazônica vem passando por um elevado processo de
transformação da base produtiva. Começando inicialmente pela substituição do extrativismo de
produção da floresta pela pecuária extensiva de corte e pelo incremento da indústria madeireira,
projeto de mineração, causando graves conseqüências ambientais e sócio-econômico e política
157
Costa no art. 18 e seus parágrafos da Lei n.º 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza - SNUC) as definições e regras afetas as RESEX no âmbito do IBAMA.
81
para a região, fazendo com que as famílias extrativistas expulsas da floresta imigrassem para as
periferias das sedes dos Municípios, formando bolsões de miséria.
Com o intuito de reverter essas situações, a partir de 1970, seringueiros e posseiros,
iniciaram um processo de resistência pelo direito de permanecer em áreas extrativistas,
organizando-se em Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e posteriormente em 1985, os
seringueiros organizando-se em Conselho Nacional dos Seringueiros, que culminou com a
proposta de ―Reserva Extrativista‖.
Com a reformulação da Política Nacional do Meio Ambiente e instituição da Lei n° 7.804
de 18 de julho de 1989, incluiu-se no seu art. 9º inciso VI, a possibilidade de criação de Reserva
Extrativista - RESEX. Posteriormente regulamentada pelo Decreto 98.897 de 30 de janeiro de
1990, a criação de ―Reserva extrativista‖, sob a responsabilidade do IBAMA.
Criada a Reserva Extrativista – RESEX, o IBAMA ficou encarregado pela sua
regularização, seguindo os seguintes passos: efetuar a desapropriação; a regularização fundiária;
demarcação do perímetro; atualização cadastral; avaliação, indenização; expedição da Concessão
de Direito Real de Uso com um Plano de Utilização que é integrante do mesmo.
A regulamentação da criação de Reserva Extrativista- RESEX incluiu-se no Programa
Nacional de Reforma Agrária, como espaço Territorial destinado a utilização sustentável e
conservação dos recursos naturais renováveis por população tradicionalmente extrativistas.
Não obstante, a criação de Reserva Extrativista - RESEX o Governo Federal,
preocupado com as demandas das populações extrativistas incorporou a proposta ao
Programa Nacional de Reforma Agrária em 1987, com a denominação de ―Projeto de
Assentamento Extrativista.‖ Nesse sentido, sob a responsabilidade do INCRA.
82
Incorporado a proposta de Projeto de Assentamento Extrativista - P.A.E, no Programa
Nacional de Reforma Agrária, a partir de 1987, foram criados vários Projetos que sem uma
metodologia de trabalho definida e praticamente ficaram parados.
Com relação ao conceito de P.A.E e RESEX não existem diferenças sob o ponto de vista
procedimental, uma vez que essas áreas são destinadas às populações que ocupam tais áreas, para
exploração de riquezas extrativas por meio de atividades economicamente viáveis e
ecologicamente sustentáveis.
Os passos para a regularização das áreas, praticamente não existe diferença como
observamos a seguir para o Projeto de Assentamento Extrativista - P.A.E: 1) obtenção da área
(desapropriação, arrecadação, compra e venda) matriculadas em nome da União; 2) criação
através de portaria assinada pelo Superintendente; 3) cadastramento das famílias beneficiadas no
SIPRA; 4) elaboração de levantamento sócio-econômico; 5) elaboração do Plano de Utilização;
6) demarcação do perímetro; 7) assinatura do Contrato de Direito Real de Uso entre o INCRA e
Associação;
Já as etapas para o processamento da Reserva Extrativista – RESEX são os seguintes: 1)
obtenção da área (Decreto do Presidente da República) incorporando ao patrimônio da União; 2)
desapropriação das áreas de particulares dentro do perímetro e incorporada ao patrimônio da
União (avaliação e indenização); 3) cadastramento das famílias; 4) levantamento sócioeconômico; 5) elaboração do Plano de Utilização da área; 6) demarcação do perímetro; 7)
assinatura do Contrato de Direito Real de Uso entre o IBAMA e Associação.
Como podemos observar, a única diferença é com relação à obtenção da área, no Projeto
de Assentamento Extrativista - P.A.E. realiza-se primeiro a arrecadação ou desapropriação,
incorporando em seguida ao patrimônio da União para depois criar o Projeto. Enquanto na
83
Reserva Extrativista - RESEX, cria-se primeiro a Reserva, depois que desapropria as áreas de
particulares.
Todavia, os P.A.E./RESEX são terras incorporados ao patrimônio da UNIÃO, incluídas
ao Programa Nacional de Reforma Agrária, podendo inclusive ser chamada de (Reforma Agrária
dos Extrativistas).
Citamos como exemplo a criação da Reserva Extrativista do Médio Juruá158, situado no
Município de Carauari/AM criada pelo Presidente da República em 04 de março de 1997, com
seu Plano de Utilização aprovado pelo Presidente do IBAMA e com os processos de
desapropriação dos imóveis: Seringal Manariam, Seringal Mary, Seringal Aracajú e Sergipe,
Seringal Monte Cristo e Santa Helena em fase final de regularização fundiária dessas áreas.
Apesar da criação da Reserva Extrativista do Médio Juruá - Carauari/AM, as populações
residentes nessas áreas, continuam ainda não contando com uma infra-estrutura social e de
serviços capaz de oferecer as condições necessárias de vida dentro da floresta. Sendo óbvio que
não havendo esforço e a presença dos programas do governo, ocorrerá a imigração dessas áreas
para a periferia da cidade de Carauari, aumentando ainda mais o sub-empregado e a
marginalização.
Atentos ao problema, as Superintendências do INCRA/AM, IBAMA/AM e Prefeitura de
Carauari e outros órgãos do setor primário vem procurando unir esforços para que em parceria
possa desenvolver as atividades inerentes a Projeto de Reforma Agrária dentro da Reserva
Extrativista Médio Juruá - Carauari/AM, objetivando atender mais de 300 famílias que se
encontram dentro da reserva e parte fora do perímetro mais que estão esperando a viabilidade de
serem assentados dentro do perímetro.
158
Fonte: INCRA/AM.
84
Como dito anteriormente, o INCRA assegura aos beneficiários uma série de créditos, bem
como assistência técnica, o que propicia um melhor equacionamento das atividades agrária
economicamente sustentáveis desenvolvidas pelos beneficiários dessas modalidades de projetos.
IV. 3.2.2 - OS MODELOS PDS, RDS E FLONA
A modalidade de Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS159 é de interesse social e
ecológico, destinando-se aos beneficiários da reforma agrária que baseiam sua subsistência no
extrativismo, na agricultura familiar e em outras atividades de baixo impacto ambiental.
As áreas reservadas para tais projetos dar-se-ão mediante concessão de uso, em regime
comunial, segundo a forma decidida pelas comunidades concessionárias - associativista,
condominal ou cooperativista.
Vale salientar que os Projetos de Desenvolvimento Sustentável - PDS's serão criados no
atendimento de interesses sociais e ecológicos e contam com participação do Ministério de
Estado do Meio Ambiente - MMA e do Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS. Esta
modalidade de projeto tem como premissa maior a sustentabilidade e a promoção de qualidade de
vida como seus pontos determinantes.
A criação do PDS levou em conta que o Plano Nacional de Reforma Agrária deve ser um
fator básico de conservação dos biomas brasileiros e da floresta amazônica, em particular, bem
como a manutenção da atividade extrativista tradicional e o apoio às populações que a
desenvolvem são fatores determinantes para a conservação da biodiversidade.
159
Tal projeto especial foi criado pela Portaria Interministerial n.º 01, de 21-1-1999, editada pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário - MDA e o Ministério do Meio Ambiente, objetivando atender prioritariamente os
beneficiários da Região Amazônica mercê de suas especificidades.
85
Além do mais, a legalização das terras que as populações extrativistas tradicionalmente
habitam deve vir acompanhada de uma política para a economia extrativista que viabilize suas
atividades e que permita a estas populações produzir, comercializar sua produção e, em
conseqüência, continuar habitando e preservando a floresta amazônica.
Já a Reserva de Desenvolvimento Sustentável –RDS138 é uma área natural de domínio
público que abriga populações tradicionais, cuja existência tem por fundamento sistemas
sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados
às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da
natureza e na manutenção da diversidade biológica. O INCRA tem priorizado a criação de
projetos com esse viés e em 2005 reconheceu 04 projetos em RDS no Estado do Amazonas.
A Floresta Nacional - FLONA160 é definida pelo SNUC - Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza - como sendo uma área com cobertura florestal de espécies
predominantemente nativas e que tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos
recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável,
sendo permitida a permanência de população de beneficiários existente quando da sua criação.
Em 2005 o INCRA criou no Amazonas projetos em 03 Florestas Nacionais. E o mais
importante, que as florestas brasileiras demandam por um programa de reforma agrária que
respeite efetivamente as formas tradicionais de ocupação e produção.
160
Consta a definição legal de Floresta Nacional no art. 17 da Lei n.º 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza - SNUC)
86
Abaixo, segue quadro demonstrativo dos Projetos criados161 no ano de 2005 pelo INCRA
no Estado do Amazonas, a saber:
N.º
01
02
PROJETOS
PA Espigão do Arara
PA Manaquiri I
MUNICÍPIO/AM
Careiro
Manaquiri
03
PAE Manaquiri II
Manaquiri
04
PAE Abacaxis II
Nova Olinda do Norte
05
PAEAcará
Autazes/Borba
06
PAE Inajá
Manacapuru/Manaquiri
07
PAE Novo Jardim
Autazes
08
PAE Piranha
Manacapuru
09
PAE Trocanã
Borba
10
PDS Mandioca
Manaquiri
11
Manaus
12
PDS
Cuieiras/Anavilhanas
FLONA Mapiá Inauini
13
FLONA Purus
Pauini
14
PAE Terra Firme
Guajará
15
RDS Cujubim
Jutaí
16
RDS Uacari
Carauari
17
RDSAmapá
Manicoré
18
PA Rainha
Rio Preto da Eva
19
PAE Guariba Aripuanã
Apuí
20
FLONAMaués
Maués
21
RDS Urariá
Maués
22
PAE Tupanã Igapó-Açu
Borba
23
PAE São Benedito
TOTAL GERAL
Apuí/Maués
4.036 (famílias)
Boca do Acre/Pauini
Fonte: INCRA/AM
161
In Revista “Filhos deste Solo”, INCRA/AM – Ministério do Desenvolvimento Agrário. Manaus: Gráfica
Moderna, 2005, p. 06.
87
Já as famílias assentadas em projetos já existentes totalizaram em 2005 o número de 1.133
famílias, com o total de famílias assentadas num total de 5.169 famílias assentadas no Estado do
Amazonas.162
IV. 3.3.3 - A PROPOSTA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DA VÁRZEA
Nesse diálogo entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental na reforma agrária no
Amazonas, um aspecto jurídico-ambiental relevante é o que diz respeito à utilização da várzea e a
possibilidade da sua regularização fundiária. Para quem conhece e vive na região percebe-se, de
plano, que se trata de um desafio fundiário sem precedentes.
O Ministério do Meio Ambiente – MMA, através Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, desenvolve o Projeto Manejo dos Recursos
Naturais da Várzea – PROVÁRZEA163, financiado pelo Programa Piloto para a Proteção das
Florestas Tropicais do Brasil - PPG7.
O ocupante do pequeno imóvel rural ou do comunitário deverá levar em conta o uso do
solo, cobertura vegetal e o recurso hídrico, ou seja, a forma de uso e apropriação dos recursos
naturais pelos beneficiários desse programa.
Para Surgik a legislação não contempla o conceito de várzea.164 Porém, a natureza jurídica
da várzea é a de terreno da calha alargada ou maior de um rio, ou seja, é a previsão legal da
Resolução CONAMA n.° 004, de 18 de setembro de 1987. Já a dominialidade da várzea é
162
Idem.
Para saber mais ver BENATTI, José Helder; SURGIK, Ana Carolina dos Santos; TRECCANI, Girolamo
Domenico; MACGRATH, David G.; GAMA, Antônia Socorro Pena da. PRÓ-VÁRZEA/IBAMA. A Questão
Fundiária e o Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (Coleção Estudos Estratégicos). Amazonas: 2005.
164
SURGIK, A. C. S. Estudos Jurídicos para a várzea amazônica. Manaus: Pro Várzea; MMA; Ibama, 2003
(Mimeo)
163
88
pública, podendo ser da União ou dos Estados, dependendo da propriedade das águas, se as
mesmas pertencerem à União, a várzea será federal; se a corrente d'água for estadual a várzea
será estadual, pois o leito alargado dos rios segue a mesma natureza do domínio das águas.
A várzea é um bem público de uso comum do povo, não se confundindo com as terras
devolutas, pois aquele terreno é aplicado a um uso público, ou seja, tem uma destinação, que é
dar suporte à água. Interessante salientar que no terreno da várzea não incide a faixa da área de
preservação permanente, do terreno de marinha e do terreno marginal.
No que diz respeito à possibilidade de regularização fundiária da várzea não poder haver a
transferência de domínio, mas somente a cessão de uso do bem ao fim que ele se destina. E mais,
acesso jurídico ao solo e aos recursos naturais da várzea se dará por meio de institutos
publicísticos, tais como concessão de uso, concessão de direito real de uso e direito de superfície.
Segundo o trabalho desenvolvido no PROVARZEA o processo de regularização fundiária
deve levar em conta duas premissas básicas: a) a integridade ecológica do conjunto de ambientes
da várzea (solo, cobertura vegetal e recursos hídricos); b) os diferentes padrões de agricultura e
manejo da floresta, ou seja, a forma de apossamento e uso dos recursos naturais.
O órgão responsável pela regularização fundiária é o Serviço de Patrimônio da União
(SPU), mas será necessário transferir essa competência para o Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA), pois este possui estrutura e pessoal mais qualificado para realizar a
tarefa. A transferência da competência da regularização fundiária do SPU para o INCRA não
significa a substituição da titularidade da propriedade, que continua sendo do SPU.
É preciso simplificar os processos administrativos de regularização fundiária e de outorga
do terreno de várzea existentes.
89
IV. 3.3.4 - A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DOS QUILOMBOLAS
O reconhecimento da propriedade dos remanescentes de quilombos sobre suas terras fora
proposto pelo Movimento Negro à Assembléia Nacional Constituinte, e disposto no art. 68 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT da Constituição de 1988.
No que pertine ao produto do esforço da antropologia no sentido de conceituar o
quilombo, acentuamos o trabalho da Associação Brasileira de Antropologia – ABA que em 1984
divulgou um documento conceituando o ―remanescente de quilombo‖.
Como ressalta Lúcia Andrade e Girolamo Treccani tal documento fora criado com o
objetivo de orientar e subsidiar a aplicação do art. 68 da ADCT, propugnando que as
comunidades remanescentes de quilombos ―constituem grupos étnicos conceitualmente pela
antropologia como um tipo organizacional que confere pertencimento através de normas e meios
empregados para indicar filiação ou exclusão. (ABA, 1994:2).‖165 Assim, constituem as
comunidades de quilombos em verdadeiros grupos sociais que dividem uma identidade,
distinguindo-os dos demais.
Segundo os mesmos autores a despeito da definição antropológica, o art. 68 é visto de
outro modo, pois a posição de instituições como, por exemplo, do Ministério Público Federal MPF, do INCRA, e da Fundação Cultura Palmares, além de outros órgãos públicos, aduzem
como essencial o conhecimento do processo histórico de formação dessas comunidades, de modo
a externar ou não sua origem quilombola.
Indubitável que o direito de propriedade dos remanescentes de quilombos sobre suas
terras é um direito constitucional fundamental, haja vista ser indispensável à dignidade da pessoa
165
ANDRADE, Lúcia; TRECCANI, Girolamo. “Terras de Quilombo” in LARANJEIRA, Raimundo
(Coordenador). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Ed. LTr, 2000, p. 597.
90
humana, de sorte a garantir as mínimas condições de existência, livre e igual, não obstante não
constar expressamente no Título II, ―Dos Direitos e Garantias Fundamentais‖ da Lei Maior. Na
verdade são direitos e garantias fundamentais todos aqueles expressos na Constituição no geral,
além de outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República seja parte como dispõe o art. 5º, § 2º, da Constituição.
Partindo da discussão posta no Capítulo II desta dissertação de mestrado, o direito de
propriedade dos remanescentes de quilombos seria um direito fundamental de segunda geração,
pois reflete a igualdade e a justiça social, já o direito ao meio ambiente é de terceira geração.
Assim, deverá haver uma ponderação, buscando uma harmonização, pois é imperativo que o
direito dos remanescentes sofra todas as restrições necessárias para adequar seu direito com meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
Por ser um direito coletivo, já que conferido em virtude da qualidade da comunidade de
remanescente de quilombos, o título da propriedade somente pode ser coletivo e pro indiviso, ou
seja, indivisível.
É de se ressaltar que o teor do art. 68 do ADCT adveio do poder constituinte originário de
natureza ilimitada, diga-se, incondicional e primária, não havendo restrições, de sorte que tal
norma pode reconhecer a propriedade das terras, valendo considerar que o processo
administrativo, e eventualmente o judicial, declaratórios deste direito, tem efeitos retroativos (ex
tunc). De tal sorte é de se concluir que a posse da comunidade quilombola é de boa-fé e com
base em justo título, calcada no direito de propriedade, resguardando-as tanto de lides
possessórias quanto de ações reivindicatórias.
A natureza jurídica do reconhecimento da propriedade dos quilombolas afigura-se sui
generis. Pois as terras indígenas, as unidades de conservação ambiental e as áreas de segurança
nacional, em regra, são bens públicos (como dispõe o art. 13, parágrafo único, Lei n.º 8.629/93).
91
No caso da reforma agrária a propriedade não se transfere de imediato aos seus beneficiários, mas
apenas o seu uso, exigindo inicialmente para a titulação de domínio da propriedade rural o
pagamento (art. 25, Lei n.º 4.504/64 – Estatuto da Terra) e, para a o domínio definitivo sem
condições resolutivas, o decurso de dez anos contados da matrícula e registro no cartório
competente a teor do art. 18, Lei n.º 8.629/93.
Tratando-se de um direito fundamental, o direito dos remanescentes de quilombos
apresenta a historicidade como outro traço característico, haja vista todo um processo histórico
envolvendo os quilombos.
Registre-se que pela primeira vez na história deste país, o governo federal incluiu
efetivamente a demarcação de terras dos remanescentes dos quilombos no Plano Nacional de
Reforma Agrária. A iniciativa poderá viabilizar mudanças significativas na qualidade de vida de
milhares de quilombolas que vivem nestas localidades. Sua fundamentação legal 166 é bastante
diversificada.
A reforma agrária significa ter o compromisso da inclusão econômica e social das
populações tradicionais, reconhecendo-as como beneficiários da reforma agrária, promovendo a
cidadania no campo com ações afirmativas, o desenvolvimento regional e territorial sustentável e
um novo modelo de desenvolvimento rural e agrícola, propiciando dignidade dessas pessoas.
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais,
segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações
166
Artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal; - Artigos 215 e 216 da
Constituição Federal; - Lei n.º 4.132, de 10 de setembro de 1962; - Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999; - Lei n.º
4.504, de 30 de novembro de 1964; - Decreto n.º 59.428, de 27 de outubro de 1966; - Decreto n.º 433, de 24 de
janeiro de 1992; - Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993; - Medida Provisória n.º 2.183-56, de 24 de agosto de
2001; - Lei n.º 10.267, de 28 de agosto de 2001; - Decreto n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003; - Decreto n.º 4.886,
de 20 de novembro de 2003; - Convenção Internacional n.º 169, da Organização Internacional do Trabalho - OIT; Lei n.º 10.678, de 23 de maio de 2003.
92
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à
opressão histórica sofrida.167
Interessante é que a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos
será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.
No caso das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
incidirem em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e a Secretaria do
Patrimônio da União tomarão as medidas cabíveis para a expedição do título.168
O diálogo entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental também se apresenta vigorosamente
na hipótese das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos estiverem
sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança nacional, à faixa de
fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de
Defesa Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares tomarão as medidas cabíveis visando
garantir a sustentabilidade destas comunidades, conciliando o interesse do Estado.169
O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação 170 com obrigatória
disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade,
mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.
Quanto constatada a presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das comunidades
dos quilombos, o INCRA acionará os dispositivos administrativos e legais para o reassentamento
das famílias de agricultores pertencentes à clientela da reforma agrária ou a indenização das
benfeitorias de boa-fé, quando for o caso.171 Aqui se vê claramente uma prevalência, uma
167
O art. 1° do Decreto n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003 que Regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
168
Ibidem, art. 10.
169
Idem, art. 11.
170
Idem, art. 13, parágrafo 2º.
171
Idem, art. 14.
93
prioridade para os remanescentes dos quilombos. E mais, a expedição do título e o registro
cadastral a ser procedido pelo INCRA far-se-á sem ônus de qualquer espécie, seja qual for o
tamanho da propriedade.
No Estado do Amazonas o Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica CIGA da UnB mapeou 03 (três) prováveis comunidades remanescentes de quilombos, quais
sejam a comunidade Matupiry localizada no município de Barreirinha e as comunidades
―Tambor‖ e ―Dos pretos‖ ambas no Município de Novo Airão. Vejamos o quadro abaixo das
áreas levantadas pelo CIGA/UnB, Centro de Cartografia aplicada e informação geográfica da
UnB Brasília-Brasil:
Número
01
02
03
Comunidade
Matupiry
Do Tambor
Dos Pretos
Município/AM
Barreirinha
Novo Airão
Novo Airão
Fontes:
* Relação de comunidade remanescente de quilombos. INCRA/AM, 2003, 2004. Brasília-DF 2004.
* Relação dos remanescentes de quilombos da Região Norte. Centro de pesquisa Leônidas Cruz e Maria Deane.
Fiocruz AM, 2004.
Ocorre que, em visita feita ao local o INCRA constatou que as comunidades Tambor e
―Dos Pretos‖ de fundiram numa só, já a comunidade Matupity ainda não demonstrou interesse
em se auto-reconhecer como comunidade remanescente.172
Contudo, os trabalhos ainda estão se desenrolando e o Ministério da Cultura, por
intermédio da Fundação Palmares que certificou no momento, apenas a comunidade denominada
Tambor no Município de Novo Airão como remanescente Quilombola.
172
Fonte: INCRA/AM
94
Quanto as necessidades das cerca de 18 (dezoito) famílias da comunidade Tambor, em
Novo Airão, neste Estado, são de toda ordem, sobretudo o processo de titulação das suas terras.
O fato do Poder Público ter criado um Parque Nacional em seu território, trouxe uma série de
conseqüências às suas vidas, haja vista as restrições que são impostas pelo IBAMA, que
impedem a livre circulação, bem como a realização de várias atividades. Os quilombolas do
Parque do Jaú se deparam com essas dificuldades por estarem inseridos no Parque Jaú do
IBAMA, que vem demonstrando oposição ao reconhecimento dessa comunidade, a pretexto de
que no Parque não poderiam habitar pessoas.173
Por oportuno, vejamos a área oficialmente reconhecida pela fundação Palmares no Estado
do Amazonas,174 a saber:
Número
Comunida
de
01
Tambor
Município Data de
Publicação no
D.O.U
Novo
Airão
07/06/2006
Número de
famílias
18
No entanto, o procedimento de regularização do quilombo denominado ―Tambor‖ segue
tramitando no âmbito da Superintendência do INCRA no Amazonas, e tal procedimento se deu
por meio de certidão de auto-reconhecimento das comunidades remanescentes dos quilombos,
emitidas pela Fundação Cultural Palmares,175 consoante Decreto n.º 4.887/2003
Após adotadas todas as providências preliminares deverá o INCRA ser acionado no
sentido de propiciar a titulação das terras habitadas por tais comunidades no Estado do
Amazonas.
173
Idem
Vide http://www.palmares.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=92 (data de acesso 2-3-2007)
175
Idem.
174
95
V. - A CONCLUSÃO DA DISSERTAÇÃO
Obtemperamos no sentido de que a dimensão sócio-jurídica da questão agrária no Brasil,
particularmente no Estado do Amazonas não é simples pela complexidade dos fatores naturais e
sociais inerentes ao país e em especial na Amazônia.
Desde os primeiros dias de sua história, com a introdução pelo colonizador de diversas
culturas somada à múltipla variedade, às vezes contrastante, do ambiente natural do país, as
questões agrárias contrastam-se ao longo do território brasileiro.
Na Amazônia, especialmente no Estado do Amazonas, a quantidade e qualidade dos
recursos naturais impõem ao homem a prática de atividades compatíveis com a preservação da
natureza. Desse modo, àquela época a política inicial de colonização implantado pela Metrópole
portuguesa, qual seja, de conceder extensas glebas de terras inseriu o vício do latifúndio na
história fundiária do Brasil.
Assim, cresceu no país, ao longo de sua história, movimentos oprimidos que pretenderam
libertar o trabalhador rural dos prejuízos ocasionados por esses vícios históricos, e passaram a
pregar a reforma agrária como sendo um caminho para a obtenção de sobrevivência e respeito à
dignidade humana, de sorte que novos valores foram fortalecidos pela sociedade brasileira,
atualizando seus diplomas legais, e dentre as inovações axiológicas está a tutela ao meio
ambiente, passando a ser um novo elemento para a interpretação legal do direito de propriedade,
de tal modo que a propriedade agrária deverá ser utilizada objetivando, além do fator econômico,
a dimensão social e a sustentabilidade ecológica, em especial para o Estado do Amazonas.
96
Como ciência, o Direito não pode ser estático, mas dinâmico,176 a ponto de não se
coadunar com as mudanças da sociedade e ao mesmo tempo não pode ser refém de interesses
menores de pessoas que não tenham sinceridade de propósitos, desprovidos de valores éticos. O
Direito é um dinamismo, pois o existe em razão da sociedade e não o contrário, representa um
nível de realidade social e sua interpretação não representa uma mera dedução, mas um processo
constante de adaptação de seus textos normativos frente a realidade e seus conflitos presentes.177
O Direito não pode e nem deve representar um mero instrumento de controle ou de
manipulação, em detrimento da sociedade.178 Evitemos a todo custo que a nobre ciência do
Direito viabilize a concretização de uma ―violência simbólica‖ no dizer de Bourdier-Passero179,
traduzida no poder apto a impor significações como sendo legítimas, mas escondendo as reais
intenções de força que as estão alimentando, de modo a agregar sua força (simbólica) a tais
relações de força.
Na verdade, como propõe Boaventura, a denominada ―crise do direito‖ se integra numa
crise muito mais vasta e profunda do padrão hegemônico de transformação social observado
desde o início do século XIX, ou seja, o modelo da chamada mudança social normal. Depois de
caracterizar este modelo e o papel determinante nele desempenhado pelo direito estatal como
uma utopia jurídica, atravessando uma crise tão profunda que não pode ser resolvida recorrendo
aos mecanismos de ajustamento disponíveis dentro dos parâmetros da transformação normal.
Como corolário, entramos num momento de transição paradigmática entre a sociabilidade
moderna e uma nova sociabilidade pós-moderna cujo perfil é ainda quase imperscrutável e até
imprevisível. Uma transição paradigmática é um longo processo caracterizado por uma suspensão
176
REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito (Para um novo paradigma hermenêutico). 1ª edição. São
Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 21.
177
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ª edição: São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 125.
178
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, 174.
179
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. La Reproduction. Paris: 1970, p. 18.
97
―anormal‖ das determinações sociais que dá origem a novos perigos, riscos e inseguranças, mas
que também aumenta as oportunidades para a inovação, a criatividade e a opção moral.
Seguindo ainda Boaventura, num período de transição paradigmática, o conhecimento
antigo é um parâmetro insuficiente que precisa ser substituído por um novo conhecimento. É
necessária uma ciência sensível às novas exigências intelectuais e políticas de utopias mais
eficientes e realistas do que aquelas pelas quais vivemos no passado recente.
O novo
conhecimento se forja num repensar do velho conhecimento ainda hegemônico, do conhecimento
que não aceita a existência de uma crise paradigmática, pois se nega a perceber que todas as
soluções progressistas e propícias por ele pensadas foram rejeitadas ou tornaram-se inviáveis.
Repensar é uma tarefa epistemologicamente complexa porque implica uma desconstrução geral e
uma reconstrução descontínua, mas não arbitrária.180 Devemos, assim, repensar o próprio direito
de modo a reinventar a tensão entre a regulação e a emancipação.
A nosso juízo, é certo que a relatividade é inerente a todas as ciências, mas a busca pelo
seu aprimoramento também sob o prisma epistemológico deve ser absoluta. Consectário lógico, o
Direito Ambiental e o Direito Agrário devem manifestar-se de forma uníssona, para alcançar o
desiderato de favorecer, concomitantemente, tanto o beneficiário da reforma agrária quanto o
meio ambiente ecologicamente equilibrado, numa convivência reconhecida efetivamente por
Políticas Públicas eficazes, traduzidas em projetos viáveis e especiais, como especial e peculiar é
a Região Amazônica.
E o reconhecimento dos direitos dos beneficiários da reforma agrária materializar-se-á
somente através da implantação de uma atividade agrária economicamente sustentável para essas
pessoas, pois a premissa preconizada pela legislação agrária impõe a exploração agrícola que, por
180
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente - Contra o desperdício da experiência. São
Paulo: Cortez, 2005, p. 187.
98
vezes, colide com o meio ambiente e com a vocação extrativista da Amazônia. Isto vem ao
encontro da efetivação do cumprimento do princípio da justiça social insculpido no art. 1°,
parágrafo 1º do Estatuto da Terra, que faz parte da definição de reforma agrária.
É indubitável que o direito a terra para extração de seu sustento é um direito
constitucional fundamental, haja vista ser indispensável à dignidade da pessoa humana, de sorte a
garantir as mínimas condições de existência, livre e igual, não obstante não constar
expressamente no Título II, ―Dos Direitos e Garantias Fundamentais‖ da Lei Maior. Na verdade
são direitos e garantias fundamentais todos aqueles expressos na Constituição no geral, como o é
o meio ambiente,181 além de outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República seja parte como dispõe o art. 5º, § 2º, da
Constituição.
Profligamos a idéia daqueles que não concordam com a concepção de que a humanidade
merece evoluir sob todos os aspectos e o Direito jamais poderia ficar de fora desse processo.
Além do que, o jurisconsulto necessita de um poder de concepção e de abstração como diz
Ferrara.182 A aplicação efetiva do Direito Agrário em transformação, aliado ao Direito Ambiental
e sua ampla discussão, já é um excelente presságio, contrariando os mais céticos.
É fundamental, a nosso juízo, a adoção de medidas enérgicas, leia-se, a imediata
implementação de projetos que caminhem no sentindo do aqui propugnado, de modo a conceber,
como antedito, numa atividade agrária economicamente sustentável para os beneficiários da
Reforma Agrária no Estado do Amazonas, traduzindo-se num poder que deva ser reconhecido.183
181
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Portugal: Coimbra Editora, 2004, p.
183.
182
FERRARA, Francesco. Como Aplicar e Interpretar as Leis. Belo Horizonte: Editora Líder, 2005, p. 74.
183
Vide BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
99
E especialmente para que não fiquemos a mercê de um processo mais nocivo e impiedoso,
de uma sociedade cada vez mais autofágica, por falta de consciência de sua dimensão, razão de
ser, e de valoração de princípios mais basilares constantes de direitos individuais, atinentes a
todos os cidadãos, muitos do quais prescritos em nossa Lex Legum e na ciência jurídica como um
todo.
Do mesmo modo, conclui-se faltar para a Amazônia, aí incluído o Estado do Amazonas,
de um Projeto de Estado, e não de Governo no dizer do Professor Ozório Fonseca, 184 haja vista
que não há continuidade de políticas públicas eficazes.
De todo o exposto, o verdadeiro diálogo entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental na
reforma agrária no Estado do Amazonas forja alternativas baseadas em três eixos fundamentais,
quais sejam, o reconhecimento dos direitos dos beneficiários, a concepção de uma atividade
agrária economicamente sustentável, propiciando a criação de projetos especiais, de sorte a
conferir os direitos legítimos dos beneficiários da reforma agrária, ou seja, das populações que
ocupam as áreas de domínio público neste Estado.
De tal modo, podemos classificar como o começo de uma verdadeira revolução quanto à
temática aqui abordada, passando, obrigatoriamente, pela implantação de uma efetiva política de
reconhecimento, da atividade agrária economicamente sustentável e a criação de projetos
especiais.
Antes de tudo, afirmamos que ―a questão agrária é uma questão essencialmente política,
em qualquer país, e é característica do mundo contemporâneo185.‖ Desse modo, de nada adianta
184
Nas aulas memoráveis da disciplina obrigatória deste Programa de Mestrado em Direito Ambiental da
Universidade do Estado do Amazonas – UEA, denominada Pensando a Amazônia, ministrada pelo Prof.° Dr. Ozório
Fonseca, a discussão sobre os caminhos para a nossa região findavam na conclusão de que inexiste um projeto de
Estado para a Amazônia, mas apenas ações de governos que oscilam de acordo com a conveniência política de cada
governante de plantão.
185
WOORTMANN, Ellen F. (Organizadora). Significados da Terra. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2004, p. 216.
100
analisar todas as situações aqui expostas se não houver implementação de políticas públicas
sérias que conduzam ao efetivo bem estar e qualidade de vida digna dos cidadãos brasileiros. Há
que se ter em mente a obrigatoriedade da função transformadora e recriadora do Direito com o
desiderato de obter soluções cada vez mais justas.
Também, mister se faz que tais comunidades interessadas se organizem sendo de suma
importância pois ―essas organizações são as que estão melhor posicionadas para articular os
interesses locais e nacionais em termos do planejamento do uso do solo na Amazônia e seu
desenvolvimento de mecanismos para controlar e monitorar o uso dos recursos naturais,‖186 de tal
modo que tenham eco seus anseios e suas reivindicações, de sorte que o Estado disponibilize a
esses beneficiários condições de exercerem efetivamente sua plena cidadania.
186
SAYAGO, Doris; TOURRAND, Jean-François; BURSZTYN, Marcel (Organizadores). Amazônia: Cenas e
Cenários. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, p. 256.
101
V. REFERÊNCIAS
ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Elementos de Direito Ambiental (Parte Geral). São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005.
ALENCAR, Edna. ―Entre o rio e o lago: conflito social e etnografia da pesca na várzea do
Médio Amazonas” in Pós — Revista Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências Sociais, ICS/
Universidade de Brasília, ano IV, 2000.
ALEXY, Robert (HECK, Luís Afonso - trad): ―Direitos fundamentais no Estado
Constitucional
Democrático.”
In
Revista
de
Direito
Administrativo,
n°
217,
julho/set. 1999.
ALMEIDA, Mauro W. B.; CUNHA, Manoela Carneiro. “Populações Tradicionais e
Conservação.” Biodiversidade Amazônia. Seminário de Consulta. Macapá, 21 a 25 de setembro
de 1999.
ANDRADE, Lúcia; TRECCANI, Girolamo. “Terras de Quilombo” in LARANJEIRA,
Raimundo (Coordenador). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Ed. LTr, 2000.
ARAÚJO, André Vidal de. Introdução da Sociologia da Amazônia. (Coleção Poranduba). 2ª
edição. Amazonas: Editora Valer, 2003.
BALDEZ, Miguel, L. “A terra no campo: a questão agrária.” In O Direito achado na rua
(Introdução Crítica ao Direito Agrário). Vol. 03. São Paulo: Ed. UnB, 2002.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª
edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
BATISTA, Djalma. Amazônia: Cultura e Sociedade. 3ª edição. Manaus: Editora Valer, 2006.
102
BECKER, B. K. Síntese do processo de ocupação da Amazônia: lições do passado e desafios
do presente. In: Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Causas e dinâmica do desmatamento na
Amazônia. Brasília: MMA, 2001.
BECK, Uirich. Políticas ecológicas em la edad
del
riesgo.
Antídotos.
La
irresponsabilidad organizada. Barcelona: El Roure, 2000 (capítulo VII – Los conflictos del
progreso: el desafio tecnocrático de la democracia)
BENATTI, José Helder. Direito de propriedade e proteção ambiental no Brasil: apropriação
e o uso dos recursos naturais no imóvel rural. Belém, 2003.
______ “A titularidade da propriedade coletiva e o manejo florestal comunitário.” Boletim
Museu Paraense Emílio Goeidi, série antropologia, 18 (2), 2002.
______ SURGIK, Ana Carolina dos Santos; TRECCANI, Girolano Domenico; MACGRATH,
David G.; GAMA, Antônia Socorro Pena da. PRÓ-VÁRZEA/IBAMA. A Questão Fundiária e o
Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (Coleção Estudos Estratégicos). Amazonas: 2005.
BENCHIMOL, Samuel. Zênite Ecológico e Nadir Econômico-social. Manaus: 2000.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética jurídica (Ética Geral e Profissional). 2ª edição. São
Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
______ Metodologia da pesquisa Científica. 4ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2005.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda,
2004.
______ As ideologias e o poder em crise. 4ª edição. Brasília: Ed. UnB, 1999.
______ O Positivismo Jurídico. São Paulo: Editora Ícone, 1999.
______ Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª edição. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1982.
103
______ MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 2. 5ª
edição. São Paulo: Editora UnB, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13° edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
______ Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999.
BOTTA FERRANTE, Vera Lúcia Silveira; ALY JÚNIOR, Osvaldo (Org.). Assentamentos
Rurais:
Impasses
e
dilemas
(uma
trajetória
de
20
anos).
São
Paulo:
INCRA/NEAD/CNPq/Uniara/Abra, 2005.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
______ PASSERON, Jean-Claude. La Reproduction. Paris: 1970.
BOXER, C. Missionários e Moradores na Amazônia in A Idade de ouro do Brasil.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica jurídica e argumentação: uma
contribuição ao estudo do direito. 2. ed. rev. e ampl.. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
CANOTILHO, J. J. Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Organizadores). Direito
Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007.
______ Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Coimbra: Ed. Almedina,
1995.
______ Estudos sobre direitos fundamentais. Portugal: Coimbra Editora, 2004.
______ Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade (crítica de jurisprudência
ambiental). Lisboa: Coimbra Editora, 1995.
CARNELUTTI, Francesco. Arte do Direito (Seis Meditações sobre o Direito). 2ª edição. São
Paulo: Âmbito Cultural Edições Ltda, 2001.
______ Como Nasce o Direito. 2ª edição. São Paulo: Russell Editores Ltda, 2005.
104
CAVALCANTE, Klester. Viúvas da Terra (morte e impunidade nos rincões do Brasil). São
Paulo: Ed. Planeta, 2004.
CHAUÍ, Marilena. “A sociedade democrática” in O Direito achado na rua. vol. 3. Introdução
Crítica ao Direito. São Paulo: Ed UnB, 2002.
______ Público, privado e despotismo. In: Ética (Adauto Novaes org.). São Paulo: Companhia
das Letras/Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
CICLO DE DEBATES. Questão Agrária no Brasil: Perspectiva Histórica e Configuração
Atual. São Paulo: INCRA, 2005.
CLASTRES, Pierre. “A sociedade contra o Estado” in A Sociedade contra o Estado. São
Paulo: Cosac & Naif, 2003.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 8ª Ed. Ver. e Ampl. 2. Tir.
São Paulo: Malheiros, 1990.
______ Direito Ambiental Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
DAOU, A. M. L. Instrumentos e sinais da civilização: origem, formação e consagração da
elite amazonense. História, Ciência e Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. VI, p. 869-889,
2000.
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª Ed. Revista. São Paulo: Max Limonad,
2001.
______ “A propriedade na Constituição de 1988 e o conteúdo da função social.” In Revista
de Direito Ambiental n° 27/julho-setembro 2002.
______ “Tutela jurídica da apropriação do meio ambiente e as três dimensões da
propriedade.” In Hiléia - Revista de Direito Ambiental da Amazônia, n° 1/agosto-dezembro
2003.
105
DESCOLA, Philippe. “Ecologia e Cosmologia” in Diegues, Antônio Carlos (Org.)
Etnoconservação - novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. São Paulo: Anna
Bliime. NUPAUB/USP; Hucitec.
DIAS, Edinea Mascarenhas. ―Espaço urbano: Preservação ou Segregação” in A Ilusão do
Fausto: Manaus 1890-1920, Manaus: Editora Valer, 1999.
DIEGUES, Antônio Carlos. “O mito do Paraíso Perdido” in Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional n.º 24, 1996.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 7ª ed. atual.
São Paulo: Saraiva, 2001.
______ Curso de direito civil brasileiro. v. 4: direito das coisas. 21ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2006.
ESTERCI, Neide; TELLES DO VALLE, Raul Silva. Reforma Agrária e Meio Ambiente,
(Documento Especial Fórum Social Mundial). Instituto Socioambiental, 2001.
______“Conflitos
Brasileira”
in
ambientais
Diversidade
e
processos
Sociocultural
e
classificatórios
Políticas
Ambientais
na
-
Amazônia
Boletim
Rede
Amazônia, ano l, no. l, 2002.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 4ª ed.
Porto Alegre: Globo, 1977.
FEARNSIDE, P. M. 2002. Modelos de uso da terra predominantes na Amazônia: um desafio
para a sustentabilidade. In: Rivas, A. & Freitas, C. E. C. (Orgs) Amazônia: uma perspectiva
interdisciplinar. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas.
FERRARA, Francesco. Como Aplicar e Interpretar as Leis. Belo Horizonte: Editora Líder,
2005.
FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Agrário. São Paulo: Ed. Saraiva,1998.
106
FIGUEIREDO, Guilherme Purvin de; SILVA, Solange Teles da: “Responsabilidade penal das
pessoas
jurídicas
de
Direito
Público
na
Lei
n.º
9.605/98.”
In
Revista
de Informação Legislativa n.° 139, julho/setembro 1998.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6ª edição. São
Paulo: Ed. Saraiva, 2005.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução Roberto Cabral de Melo
Machado et al. Rio de Janeiro: Nau Editora, 1979.
______ Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1986.
FUCKS, Mário. “Delimitação do Contexto: um mapeamento dos litígios ambientais no Rio
de Janeiro” e “Esquemas argumentativos.” In: Conflitos Ambientais no Rio de Janeiro: ação e
debate nas arenas públicas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
GEERTZ, Clifford. “O Impacto do Conceito de Cultura sobre o conceito de
Homem” in A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Koogan, 1988.
______ “Os usos da diversidade” in Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 5, no. 10, p.
13-34, maio de 1999.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ª edição:
São Paulo: Malheiros, 2005.
______ O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 1ª edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 1996.
GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 4ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1977.
HADDAD, P.; REZENDE, F. 2002. Instrumentos Econômicos para o Desenvolvimento
Sustentável da Amazônia. Brasília: Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de Coordenação da
Amazônia.
107
JELIN, Elisabeth. “Cidadania e Alteridade: o reconhecimento da pluralidade” in
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 24, 1996.
KRIEGER, Maria da Graça; MACIEL,Anna Maria Becker; BEVILACQUA, Cleci Regina;
FINATTO, Maria José Bocorny. Dicionário jurídico-ambiental: relações de interlocução, in
Ciência da Informação – Vol. 24, número 3, 1995 – Artigos.
LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos (um diálogo com o pensamento de
Hannah Arendt). 5ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
LARANJEIRA, Raimundo. Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Ed. LTr, 2000.
______ Propedêutica do Direito Agrário. Ed. LTr, S.P., 2 ed., 1981.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2ª edição, Trad. José Lamego. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1989.
LITTLE, Paul E. “Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: por uma Antropologia
da Territorialidade.” Série Antropologia, 322. Brasília: DAN/UnB, 2002.
LIMA, Antônio C. e BARROSO-HOFFMANN, M. “Questões para uma política indigenista:
etnodesenvolvimento e políticas públicas: uma apresentação” In Lima, Antônio C. e BarrosoHoffmann, M. (orgs.) Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas.
LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 1954, p.
21.
______ Terras devolutas. História, doutrina, legislação. Porto Alegre: Livraria do Globo,
1935.
LITTIE, Paul. Etnoecologia e direitos dos povos: elementos para uma nova ação indigenista.
In LIMA, Antônio C. e BARROSO-HOFFMANN, M. (orgs.) Etnodesenvolvimento e Políticas
Públicas.
108
LYRA FILHO, R.. Pesquisa em que Direito? Texto integral da conferência, lida, em parte, na
sessão de encerramento do Seminário sobre Pesquisa em Direito do Departamento de Ciências
Jurídicas da PUC-Rio. Brasília: Edições Nair Ltda, 1984.
LOPES, José Reinaldo. O Direito na História. Lições introdutórias. Rio de Janeiro: Max
Limonad, 2000.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Malheiros,
2005.
MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico. Direito Agrário e Meio Ambiente in Direito
Agrário Brasileiro. Raimundo Laranjeira (coordenador). São Paulo: Ed. LTr.
MARTÍNEZ, I. 2000. El Acceso a la Justicia Ambiental en Argentina, Brasil, Chile,
Colombia, México y Venezuela Durante la Década de 1990. Ciudad de México: PNUMA.
MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2003.
MATOS NETO, Antônio José de. “A Questão Agrária no Brasil: Aspecto Sócio-Jurídico,”
Seminário Internacional de Direito Agrário, XI Seminário Nacional de Direito Agrário e II
Encontro Nacional de Professores de Direito Agrário Justiça Agrária e Cidadania, em São
Luís/MA, em 24 de junho de 2003.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1975.
MEIRA, Márcio. “Os índios do rio Xié e a fibra da floresta” in EMPERAIRE, Laura (Ed.) A
floresta em jogo: o extrativismo na Amazônia Central.
MIAILLE, Michel. Introdução Crítica ao Direito. Lisboa: Editora Estampa, 1.994.
MORAN, E. F. Adaptabilidade Humana: Uma Introdução à Antropologia Ecológica. São
Paulo: EDUSP, 1994.
MORAN, Emílio. A Ecologia Humana das populações da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1990.
109
MORRIS, Clarence (Org.). Os Grandes Filósofos do Direito. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
MUKAI, Toshio. Direito Ambiental (Sistematizado). 4ª Edição. São Paulo: Editora Forense
Universitária, 2002.
ODUM, E. P. 1988. Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A.
OLIVEIRA, João Pacheco. “Terras Indígenas, Economia de Mercado e Desenvolvimento
Rural” in Oliveira, J. P. (org). Indigenismo e territorialização - Poderes, rotinas e saberes
coloniais no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Contracapa, 1998.
PALLEMAERTS, M. 2003. International Law and Sustainable Development: Any Progress
in Johannesburg? RECIEL 12(1):1-11p.
PARESCHI, Ana C. “O surgimento do ambientalismo: uma nova utopia do século
XX” in Realismo e Utopia. O trabalho de formigas cm um mundo de cigarras - Um
estudo
antropológico
do
discurso
ambienta/islã.
Dissertação
de
Mestrado.
DÂN.
Unb,1997.
______ “Projetismo e Desenvolvimento Sustentável: o caso dos pequenos projetos.”
Seminário apresentado no Depto. de Antropologia, UnB. Brasília. 5/11/2003, mimeo.
PARIJS, Philippe Van. O que é uma sociedade justa? (Introdução à prática da Filosofia
política). São Paulo: Ed. Ática, 1997.
PASSOS DE FREITAS, Vladimir. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas
Ambientais. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
PEGORARO, Olinto A. Ética é Justiça. 9ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2005.
PEREIRA, H. Biodiversidade: a Biblioteca da Vida. In: Rivas, A. & Freitas, C. E. C. (Orgs)
Amazônia: uma perspectiva interdisciplinar. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas,
2002.
110
PINHEIRO, Luís Balkar. “De vice-reino à província: tensões regionalistas no Grão-Pará no
contexto da emancipação política brasileira.” In SOMANLU. v. 01, n. 01.
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 1ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1998.
PRADO JÚNIOR, Caio. Contribuições para análise da questão agrária no Brasil. In: ___ et
alli. Agricultura Subdesenvolvida. Petrópolis: Vozes. 1969.
QUEIROZ, Jonas & COELHO, Mauro. “Fronteiras da história. Limites do saber: a
Amazônia e seus intérpretes” in QUEIROZ, Jonas & COELHO, Mauro. Amazônia,
modernização e conflito (séculos XVIII e XIX).
RAMOS, Alcida. “Projetos indigenistas no Brasil independente.” Etnográfica. Vol. IV (2),
2000.
RAWLS, John. O Direito dos Povos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
REVISTA ―FILHOS DESTE SOLO‖. Ministério do Desenvolvimento Agrário - INCRA/AM.
Manaus: Gráfica Moderna, 2005
REALE, G; ANTISERI, D. História da Filosofia (td. Álvaro Cunha). Vol. III. 2ª edição. São
Paulo: Editora Paulus, 1991.
REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito (Para um novo paradigma hermenêutico). 1ª
edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.
RICHTER, Rui Arno Guilherme, FIGUEIREDO, José Purvin de. Temas de Direito Ambiental e
Urbanístico. Ed. Max Limonad.
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes da. Direito de todos. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2004.
ROUÉ, Marie. “Novas perspectivas em etnoecologia: saberes tradicionais e gestão dos
recursos naturais” in Diegues, Antônio Carlos (wg). Etnoconservação - novos rumos para a
proteção da natureza, nos trópicos. São Paulo: Anua Blume; NUPAUB/USP; Hucitec.
111
ROULAND, Norbert (Organizador). Direito das Minorias e dos Povos Autóctones. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2004.
RUBIO, David Sánchez; ALFARO, Norman J. Solórzano; CID, Isabel V. Lucena (ed.). Nuevos
colonialismos del capital (Propriedad intelectual, biodiversidad y derechos de los pueblos).
Espanha: Barcelona, Icaria, 2004.
SACHS, Ignacy. Sociedade, Cultura e Meio Ambiente. In palestra proferida no Curso de Pósgraduação em Ciência Ambiental - Mestrado (PGCA) em 11-9-1995. Mundo & Vida. Vol. 02.
(1) 2000.
SAEZ, Oscar C.; NAVEIRA, Miguel Carid; GIL, Laura Perez. “O
saber
é
estranho e
amargo - sociologia e mitologia do conhecimento entre os Yaminawa” in Campos - Revista
de Antropologia Social, nº. 04, UFPR, 2003.
SAYAGO, Doris; TOURRAND, Jean-François; BURSZTYN, Marcel (Organizadores).
Amazônia: Cenas e Cenários. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003.
SAMPAIO, Patrícia Melo; ERTHAL, Regina de Carvalho. (Organizadoras). Rastros da
Memória (histórias e trajetórias das populações indígenas na Amazônia). Manaus: Editora da
Universidade
Federal
do
Amazonas
-
EDUA/CNPQ,
2006.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente - Contra o desperdício da
experiência. São Paulo: Cortez, 2002.
______ Pela Mão de Alice (o social e o político na pós-modernidade). 11ª edição. São Paulo:
Cortez, 2006.
______ “Para uma nova teoria da Democracia.” In O Direito achado na rua. Vol. 03.
Introdução Crítica ao Direito Agrário. São Paulo: Ed. UnB, 2002.
SANZ JARQUE, Juan Jose. Derecho Agrário. Madrid: Fundacion Juan March, 1975.
112
SARABIA, Raul. Educação Ambiental na Região Amazônica e Desenvolvimento
Sustentável. Manaus: 1990.
SAWYER, D. Evolução demográfica, qualidade de vida e desmatamento na Amazônia. In:
Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Causas e dinâmica do desmatamento na Amazônia.
Brasília: MMA, 2001.
SCHMIDDT, Benício Viero; MARINHO, Danilo Nolasco C.; ROSA, Sueli L. Couto
(Organizadores). Os Assentamentos de Reforma Agrária no Brasil. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1998.
SEGGER, M.C.C.; KHALTAN, A. GEHRING, M. & TOERING, M. Prospects for Principles
of International Sustainable Development Law after the WSSD: Common but
Differentiated Responsibilities, Precaution and Participation. RECIEL 12(1): 2003.
SHIRAISHI NETO, Joaquim. Leis do Babaçu Livre (Práticas das Quebradeiras de Coco
Babaçu e Normas Correlatas), Coleção ―Tradição e Ordenamento Jurídico.‖ Projeto Nova
Cartografia Social da Amazônia (PPGSCA-UFAM/FUNDAÇÃO FORD). Manaus: Ind. Gráfica
e Editora Ltda, 2006.
SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária. São Paulo: Brasiliense, 1980.
SILVA, Solange Teles da: “Principio de precaução: uma nova postura em face dos riscos e
incertezas científicas.” In VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (Org.).
Princípio da Precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
______ “Políticas públicas e estratégias de sustentabilidade urbana.” In Hiléia — Revista de
Direito Ambiental da Amazônia, n° 1/agosto - dezembro 2003, pp. 121-137.
______ “Capítulo 13 - Responsabilidade Civil Ambiental.” In PHILIPPI JR., A.; ALVES, A.
C. Curso interdisciplinar de Direito Ambiental. São Paulo: Manole, 2005.
113
SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil; 1500-1820. Tomo I. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1937.
SODERO, Fernando Esboço histórico da formação do direito agrário no Brasil. Rio de
Janeiro: Instituto Apoio Jurídico Popular, FASE, 1990.
______ “Estatuto da Terra” in Curso de Direito Agrário. Brasília: Fundação Petrônio Portela,
1982.
SOUZA JÚNIOR, José Geraldo. O Direito Achado na rua: terra, trabalho, justiça e paz.
Introdução crítica ao Direito Agrário. Vol. 03. São Paulo: Ed. UnB, 2002.
STAVENHAGEN. Rodolfo. “Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no pensamento
desenvolvimentista” in Anuário Antropológico 84. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.
STEINER, M. 2003. NGO Reflections on World Summit: Rio + 10 or Rio – 10? RECIEL
12(1).
SURGIK, A. C. S. Estudos Jurídicos para a várzea amazônica. Manaus: Pro Várzea; MMA;
Ibama, 2003 (Mimeo)
TOURAINE, Alain. Um Novo Paradigma (para compreender o mundo de hoje). 2ª edição.
São Paulo: Ed. Vozes, 2005.
UNESCO/OREALC. Década das Nações Unidas da Educação para o desenvolvimento
Sustentável, 2005-2014 (Documento Final Plano Internacional de Implementação – 2005).
Brasília: Edições UNESCO, 2005
UNESCO. Simpósio “Ciência e as fronteiras do conhecimento: o prólogo de nosso passado
cultural”,
Veneza:
1986;
e
o
Congresso
“Ciência
e
Tradição:
Perspectivas
Transdisciplinares, aberturas para o XXIº Século”, Paris: 1991.
VON IHERING, Rudolf. É o Direito uma ciência. 1ª edição. São Paulo: Ed. Rideel, 2005.
114
WAINER. Ann Helen: “Legislação ambiental brasileira: evolução histórica do direito
ambiental.” In Revista de Direito Ambiental. n° 01/ 1996.
WOORTMANN, Ellen F. (Organizadora). Significados da Terra. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 2004.
ZELEDÓN-ZELENDÓN, Ricardo.
O “Estado da Arte do Direito Agrário no Mundo
Contemporâneo.” In Seminário Internacional de Direito Agrário, XI Seminário Nacional de
Direito Agrário e II Encontro Nacional de Professores de Direito Agrário Justiça Agrária e
Cidadania proferida em São Luís/MA, em 24 de junho de 2003.
115
ANEXO
-
QUADRO
DEMONSTRATIVO
ASSENTAMENTO NO AMAZONAS
DOS
PROJETOS
DE
Download

bianor saraiva nogueira júnior - uea