2º Ensino Médio
Sociologia
Aluno (a):_______________________________________________ Nº: ___________
Série/Turma/Ano: _____________
Professor: Ms. Lairton José da Costa
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SUMÁRIO
PRIMEIRO TRIMESTRE
1 A BASE ECONÔMICA DA SOCIEDADE
1.1 A produção
1.2 Distribuição e consumo
1.3 Transformando matéria-prima em bens
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2 CAPITALISMO OU SOCIALISMO?
2.1 O modo capitalista de produção
2.2 Etapas do capitalismo
2.2.1 O mercantilismo
2.2.2 Liberalismo: a "mão invisível" do mercado
2.2.3 O nascimento da fábrica
2.2.4 Explode a questão social
2.2.5 Movimentos sociais e pensadores socialistas
2.3 Socialismo: um novo modo de produção
2.3.1 O socialismo real
2.3.2 Globalização e exclusão social
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SEGUNDO TRIMESTRE
1 CLASSES SOCIAIS E ESTRATIFICAÇÃO
1.1 Estratificação social
1.1.1 Principais tipos de estratificação social
1.2 Tipos de sociedades estratificadas
1.3 Mobilidade social
1.3.1 Tipos de mobilidade social
1.4 Democracia e mobilidade social
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2 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS
2.1 O que é instituição social
2.2 Grupo social e instituição social
2.3 Interdependência entre as instituições
2.4 Principais tipos de instituição
2.4.1 A família
2.4.2 A Igreja
2.4.3 O Estado
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TERCEIRO TRIMESTRE
1 MUDANÇA SOCIAL
1.1 A sociedade não é estática
1.2 Mudança social e relações sociais
1.3 No ritmo das mudanças
1.4 Causas da mudança social
1.4.1 Mudanças endógenas e mudanças exógenas
1.5 Fatores contrários e fatores favoráveis a mudança social
1.6 Consequências da mudança social
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2 O SUBDESENVOLVIMENTO
2.1 Características do subdesenvolvimento
2.2 Indicadores do subdesenvolvimento
2.3 As origens do subdesenvolvimento
2.4 Crescimento econômico ou desenvolvimento
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REFERÊNCIAS
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PRIMEIRO TRIMESTRE
1 A BASE ECONÔMICA DA SOCIEDADE
Durante muito tempo as tentativas de explicar a sociedade foram influenciadas pela
filosofia e pela religião. Isso começou a mudar a partir do Renascimento, com a obra de
pensadores como Maquiavel, que procuraram analisar a sociedade tal como ela é, e não como
deveria ser.
Já no século XIX, o pensador alemão Karl Marx (1818-1883) chamou a atenção para a
importância das condições materiais (econômicas) de existência na formação das sociedades.
Segundo ele, antes de fazer poesia e formular ideias filosóficas, o ser humano precisa
alimentar-se e garantir sua sobrevivência. Dessa forma, diz ele, "o modo de produção da vida
material condiciona o processo, em geral, da vida social, política e espiritual".
Essas proposições de Marx são hoje aceitas pela maioria dos cientistas sociais. Por
isso, ao estudar uma sociedade, muitos deles começaram por analisar as relações materiais
que a caracterizam. Nesta unidade, abordaremos as formas de organização econômica que
estão na base da sociedade.
1.1 A produção
Quando vamos a um supermercado comprar alimentos, calçados, material de limpeza
ou eletrodomésticos, estamos comprando bens. Da mesma forma, quando pagamos a
passagem de ônibus ou uma consulta médica, estamos comprando serviços.
Bens são todas as coisas materiais produzidas para satisfazer as necessidades das
pessoas. Serviços são todas as atividades econômicas voltadas para a satisfação de
necessidades e que não estão relacionadas diretamente a produção de bens.
Um vendedor de sapatos, por exemplo, presta o serviço de fazer chegar ao consumidor
o produto do fabricante. Um médico, ao utilizar seus conhecimentos para tratar um paciente,
esta prestando um serviço. Um taxista emprega sua habilidade em conduzir veículos para o
transporte de passageiros. Esses profissionais são prestadores de serviços, porque não
produzem nenhum bem material. Mas os três lidam com bens concretos: o vendedor, com
sapatos; o médico, com termômetros, medidores de pressão, aparelhos de raios X etc.; o
taxista, com seu automóvel,
Concluímos, então, que não haveria serviços sem a existência de bens. Em qualquer
atividade econômica, bens e serviços estão interligados. Uns dependem dos outros para que o
sistema econômico funcione. Os bens e serviços resultam da transformação de recursos da
natureza em objetos úteis a vida humana. E isso só acontece par meio do trabalho nos
processos de produção.
1.2 Distribuição e consumo
Com nosso trabalho, somos capazes de produzir alguns bens e realizar serviços de que
necessitamos. Entretanto, como um indivíduo isolado não é capaz de produzir tudo o que
necessita, vivemos necessariamente em sociedade. Coletivamente, as pessoas participam da
vida econômica, tendo como principais atividades a produção, a distribuição e o consumo de
bens e serviços.
Quando os operários trabalham, estão atuando na produção. Quando compram bens e
serviços, estão participando da distribuição. E, quando consomem esses bens e serviços que
adquirem, estão participando da atividade econômica na condição de consumidores.
Evidentemente, para que algum bem ou serviço seja oferecido no mercado, é
necessário primeiro produzí-Io.
Tomemos, por exemplo, o processo produtivo de uma fábrica de móveis. Primeiro, a
arvore (matéria bruta) é derrubada e serrada em grandes pranchas. Em seguida, essas
pranchas de madeira (matéria-prima) vão para a fábrica. Ali são transformadas em bens –
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mesas, cadeiras etc. – por meio do trabalho dos operários, que utilizam máquinas e
equipamentos. Finalmente, esses bens são enviados a loja, que prestará o serviço de vendêIos ao consumidor.
1.3 Transformando matéria-prima em bens
Vamos analisar outro exemplo. Em seu trabalho, a costureira transforma uma peça de
tecido de algodão – que é obtida de uma matéria-prima vegetal – numa roupa. Para isso, ela
trabalha com uma máquina de costura, utilizando linhas, botões, colchetes, tesouras e agulhas.
Seu trabalho também exige o consumo de energia elétrica para a iluminação e para o
funcionamento da máquina de costura.
Finalmente, com as técnicas que aprendeu e a habilidade que desenvolveu, a costureira
produz um vestido. Esse vestido só pode existir por uma sucessão de trabalhos diferentes. Da
lavoura do algodão ao último botão pregado na roupa, houve trabalho humano – físico e
mental. Isso significa que o principal fator do processo de produção é o trabalho.
Processo de produção: um resumo
O processo de produção é formado por três componentes principais associados:
• trabalho;
• matéria-prima;
• instrumentos de produção.
A seguir, estudaremos mais de perto esses três componentes.
Trabalho
Toda atividade humana que resulte em bens ou serviços é considerada trabalho. É
trabalho tanto a atividade do operário de uma indústria como a do engenheiro que projeta os
bens a serem produzidos pela fábrica.
Todo trabalho resulta da combinação de dois tipos de atividade: manual e intelectual. O
que varia é a proporção com que esses dois aspectos entram no processo de produção.
O trabalho de um operário é mais manual do que intelectual; em alguns casos, quase
exclusivamente manual. Ainda assim, exige mínimo de esforço mental.
Já o trabalho de um engenheiro é mais intelectual do que manual – a elaboração e cálculos
necessários para projetar uma ponte, por exemplo. Ainda assim, sua atividade é um aspecto
manual, seja no manuseio de seus instrumentos de trabalho, seja na passagem da concepção
do projeto para o papel.
Pesquisadora
do Centro
Nacional de
Pesquisa de
Defesa da
Agricultura
(Embrapa)
realiza
experiência de
laboratório. O
trabalho de
pesquisa é
preponderantem
ente intelectual,
mas tem
também uma
importante
parcela de
trabalho
manual. Brasília
17.5.1995.
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Concluímos então que não existe trabalho exclusivamente manual ou exclusivamente
intelectual, mas, sim, predominantemente manual ou predominantemente intelectual.
O trabalho executado por um desenhista industrial exige aprendizado anterior e
determinado grau de escolaridade. Já o trabalho de um operário da construção civil, por
exemplo, praticamente não requer aprendizado anterior: ele é capaz de executá-Io a partir de
instruções simples e até mesmo por imitação.
Uma classificação do trabalho
O trabalho pode ser classificado conforme o grau de capacitação exigido do
profissional. Assim, temos:
• trabalho qualificado – não pode ser realizado sem um certo grau de aprendizagem e
conhecimento técnico; o trabalho de um torneiro mecânico, por exemplo, enquadra-se nessa
categoria;
•
• trabalho não qualificado – pode ser realizado praticamente sem aprendizagem; por
exemplo, o trabalho de um servente de pedreiro.
Essa classificação não é uma simples divisão teórica. Ela atinge profundamente a vida
das pessoas, pois diferentes salários são atribuídos conforme o grau de capacitação ou
qualificação exigido pelas tarefas a cumprir.
Ao observar anúncios de emprego, pode avaliar as vantagens salariais que tem um
torneiro mecânico ou um técnico em informática – cujas funções exigem aprendizado prévio –,
em relação a um operário da construção civil não especializado.
Matéria-prima
Os componentes iniciais do produto que no processo de produção, são transformados
até adquirirem a forma de bem final são chamados de matéria-prima.
No exemplo da costureira, suas matérias-primas são: o tecido, a linha, os botões, os
colchetes. Todos eles participam na confecção da roupa. Por sua vez, a produção desses
componentes iniciais tem como matéria-prima objetos extraídos da natureza: o algodão, a
seda, o metal etc.
De fato, antes de serem transformados em matéria-prima, tais componentes encontramse na natureza sob a forma de recursos naturais.
Recursos naturais
Para produzir, o ser humano utiliza recursos naturais como o solo (para a agricultura e a
pecuária), as rochas (para a mineração), os rios e quedas-d'água (para a navegação e a
produção de energia elétrica).
Entretanto, as rochas – como fontes de minérios – são recursos naturais para as
sociedades industrializadas, mas não o são para as sociedades que não praticam a mineração.
Assim, a utilização de um recurso natural pode mudar historicamente. Um bom exemplo
são as quedas-d'água.
Inicialmente, as quedas-d'água eram apenas um elemento da natureza, Quando se
descobriu que era possível gerar energia movendo moinhos (o que ocorreu na Idade Media) e,
mais tarde, produzir eletricidade nas usinas hidrelétricas, as quedas-d'água passaram a ser um
recurso natural.
Na qualidade de recurso natural, elas tornaram-se parte integrante da economia.
Porque, quando o "elemento natural" passa a ser "recurso", caracteriza-se um uso social do
que antes era só natureza.
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Instrumentos de produção
Todas as coisas que direta ou indiretamente nos permitem transformar matéria-prima
em bem final são chamadas de instrumentos de produção. É o caso das ferramentas, dos
equipamentos e das máquinas. O local de trabalho, a iluminação, a ventilação e todas as
instalações necessárias a atividade produtiva também são instrumentos de produção.
Assim, instrumento de produção é todo bem utilizado pelo ser humano na produção de
outros bens e serviços.
Os meios de produção
Como vimos sem matéria-prima e sem instrumentos de trabalho não se pode produzir.
Eles são necessários para realizar qualquer tipo de trabalho.
A matéria-prima e os instrumentos de produção constituem os meios de produção.
As forças produtivas
Todo processo produtivo combina o trabalho com os meios de produção. Esses dois
componentes estão presentes tanto na produção artesanal de uma bordadeira como nas
atividades de uma grande indústria moderna.
Sem o trabalho humano nada pode ser produzido; sem os meios de produção o homem
não pode trabalhar.
Ao conjunto dos meios de produção somados ao trabalho humano damos o nome de
forças produtivas. Assim:
Forças produtivas = meios de produção + trabalho humano.
As forças produtivas alteram-se ao longo da História.
Até meados do século XVIII, a produção era feita com o uso de instrumentos simples,
acionada por força humana, por tração animal e pela energia proveniente da água ou do vento.
Com a Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, foram
desenvolvidas novas máquinas; passou-se a usar o vapor como fonte de energia e, mais tarde,
também a eletricidade e o petróleo.
Alteraram-se, portanto, os meios de produção e também as técnicas de trabalho.
Houve, assim, uma profunda mudança nas forças produtivas.
Relações de produção
No processo produtivo, as pessoas dependem umas das outras para obter os
resultados pretendidos. Dessa forma, para produzir os bens e serviços de que necessitam, os
indivíduos estabelecem relações entre si. Tais relações são chamadas de relações de
produção.
O trabalho é necessariamente um ato social. Evidentemente, há várias atividades que
podem ser realizadas individualmente, como cuidar do próprio jardim. Mas aqui estamos
falando do trabalho social que faz parte do processo produtivo de determinada sociedade. O
trabalho, como força produtiva, é social.
As relações de produção mais importantes são aquelas que se estabelecem entre os
proprietários dos meios de produção e os trabalhadores. Isso porque todo processo conta
sempre com pelo menos dois agentes sociais básicos: trabalhadores e proprietários dos meios
de produção.
Na condição de escravos (no Brasil Colonial, por exemplo), servos (na Europa, da Idade
Média) os assalariados (na sociedade industrial moderna), os trabalhadores participam da
produção somente com sua força e trabalho. Na condição de senhores, nobres ou
empresários, os proprietários participam do processo produtivo como donos dos meios de
produção. Assim, proprietários e trabalhadores estão vinculados de uma determinada maneira
no processo produtivo.
6
A propriedade
São as relações de produção que organizam e definem a sociedade. Entre essas
relações de produção esta o regime de propriedade. Por exemplo: se o trabalho de uma
sociedade é feito majoritariamente por escravos, temos um regime de propriedade no qual os
proprietários dos meios de produção também são proprietários dos portadores da força de
trabalho. Ou seja, suas relações de produção são escravistas, gerando um tipo de sociedade
específica.
Existem diversos tipos de sociedade. Cada um deles tem suas próprias relações de
produção. A esse conjunto de forças produtivas e relações de produção damos a nome de
modo de produção. Dessa forma, como veremos a seguir, a humanidade conheceu vários
modos de produção ao longo de sua história.
O grande teórico dos modos de produção foi o pensador Karl Marx. Devemos a ele a
análise da sociedade a partir da relação entre as forças produtivas e as relações de produção,
assim como o estudo sistemático dos modos de produção. Foi Marx também o primeiro a
assinalar o caráter histórico dos modos e produção (veja o texto a seguir).
Marx e os modos de produção
Na produção social da própria vida, os
homens estabelecem relações determinadas,
necessárias e independentes de sua vontade.
Essas relações de produção correspondem a
uma determinada etapa de desenvolvimento das
suas forças produtivas materiais.
A totalidade dessas relações de produção
forma a estrutura econômica da sociedade. Essa
estrutura é a base real sobre a qual se levanta
uma superestrutura jurídica e política, e à qual
correspondem formas sociais determinadas de
consciência.
O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e
espiritual. Ou seja, não é a consciência dos
homens que determina o seu ser, mas, ao
contrário, é o seu ser social que determina sua
consciência.
Em
determinada
etapa
de
seu
desenvolvimento, as forças produtivas entram em
contradição com as relações de produção
existentes. Essas relações – o regime de
propriedade, por exemplo –, que antes eram
formas
de
desenvolvimento
das
forças
produtivas, transforma-se em seu maior
obstáculo.
Sobrevém, então, uma época de
revolução social.
Mas uma formação social nunca
desaparece antes que estejam desenvolvidas
todas as suas forças produtivas. E novas
relações de produção mais adiantadas não
substituem as antigas, antes que suas condições
materiais de existência tenham sido geradas no
próprio seio da velha sociedade.
Em
grandes
traços,
podem
ser
caracterizados como épocas progressivas da
formação econômica da humanidade os modos
de produção asiático, antigo, feudal e burguês
moderno.
(Adaptado de: Karl Marx. Para a crítica da economia
política. In: Marx. São Paulo, Abril Cultural, 1978. p. 129-30.
Coleção os Pensadores.)
Modos de produção: a história da transformação da sociedade
Modo de produção é a maneira pela qual a sociedade produz seus bens e serviços,
como os utiliza e como os distribui. É chamado também de sistema econômico.
Assim:
Modo de produção = forças produtivas + relações de produção.
Cada sociedade tem uma forma própria de produção, seu modo de produção. Este é
constituído por fatores dinâmicos, que estão em constante mudança: as forças produtivas, que
se modificam com o desenvolvimento dos métodos de trabalho, com o avanço tecnológico e
científico; e as relações de produção, também sujeitas a transformações.
Com o tempo, o desenvolvimento das forças produtivas acarreta mudanças e até
rupturas (por meio de revoluções) nos modos de produção.
7
Esse processo de desenvolvimento é responsável pelo surgimento de alguns dos
principais modos de produção, são eles: comunal primitivo, escravista, asiático, feudal,
capitalista e socialista.
Alguns desses modos de produção podem existir ao mesmo tempo em uma
determinada sociedade, ou podem ocorrer em lugares e épocas diferentes. O modo de
produção comunal primitivo, por exemplo, surgiu nos primeiros tempos da humanidade e pode
ser observado ainda hoje, com algumas modificações, entre os povos indígenas não
aculturados do Brasil e entre os aborígines da Austrália.
Da mesma forma, o modo de produção escravista predominou na Grécia antiga e
ressurgiu – embora em circunstâncias históricas e econômicas diferentes, sob a forma de
escravismo colonial – no Brasil e em outros países da América entre os séculos XVI e XIX
(sobre o escravismo colonial brasileiro, podemos ler o texto a seguir).
O escravismo colonial
O conceito de modo de produção
escravista
colonial
foi
desenvolvido
particularmente pelo historiador brasileiro
Jacob Gorender.
Segundo Gorender, o escravismo
colonial mostra a dinâmica interna da
produção colonial brasileira, evidenciando o
papel central que o trabalhador direto – o
escravo – desempenha em sua estrutura.
O escravismo brasileiro é diferente do
modo de produção vigente na Grécia e na
Roma antigas, que também tinha por base o
trabalho escravo, exatamente por ser
colonial. Isto é, os proprietários dos meios de
produção e da comercialização do fruto do
trabalho estavam sob controle da metrópole
portuguesa, e não da própria colônia.
Ao mesmo tempo, a organização da
produção tinha por base a plantation –
grandes latifúndios voltados para uma só
cultura destinada à exportação (cana-deaçúcar, café etc.). Outra característica do
escravismo colonial é que ele atendia aos
interesses
do
capitalismo
mercantil
dominante na Europa.
Para Gorender, esse modo de
produção apresenta três aspectos principais.
1. Economia voltada predominantemente
para o mercado externo (isto é, produzia-se
tendo em vista a exportação, e não o
consumo interno), dependendo desse
mercado externo o estímulo necessário ao
desenvolvimento das forças produtivas.
2. Troca de gêneros agropecuários ou
matérias-primas minerais por produtos
manufaturados fabricados na metrópole ou
em algum outro país europeu.
3. Fraco ou nenhum controle da colônia
sobre a comercialização no mercado
externo.
A mistura de trabalho escravo e
capitalismo
mercantil
(dominante
na
metrópole) criou uma sociedade peculiar.
Porque, apesar de existir um pouco de
agricultura de subsistência, um pouco de
comércio e um pouco de acumulação de
prosperidade na Bahia, no Recife e no Rio
de Janeiro, não houve acumulação
capitalista na Colônia.
"Os mercadores coloniais constituíam
uma burguesia mercantil integrada na ordem
escravista, e tão interessada na sua
conservação quanto os plantadores", explica
Gorender. Boa parte desses mercadores,
aliás, se dedicava ao tráfico de escravos da
África para o Brasil colonial e imperial.
(Baseado em: Jacob Gorender. O escravismo
colonial. 5. ed. São Paulo, Ática, 1988.)
Modos de produção pré-capitalistas
No item anterior relacionamos os principais modos de produção; agora, vamos estudar
aqueles que precederam o modo de produção capitalista, sob o qual ainda vivemos.
Quando definimos uma sociedade a partir do seu modo de produção, não estamos
dizendo que ele é único, e sim que é o mais importante. Assim, numa sociedade feudal
podemos encontrar trabalho escravo e algumas práticas capitalistas, como trabalho
assalariado, mas o sistema econômico dominante é o modo feudal de produção.
Os modos de produção não são modelos mecânicos e rígidos, que se adaptam em
maior ou menor grau a determinadas sociedades. Na verdade, eles surgem historicamente sem
jamais se desligarem da sociedade com todos os elementos que a compõem.
Vamos analisá-Ios separadamente para facilitar sua compreensão.
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Modo de produção comunal primitivo
Inicialmente, os seres humanos viviam em grupos nômades e dependiam
exclusivamente dos recursos naturais da região em que o grupo se encontrava. Sobreviviam
graças a coleta e ao extrativismo: cagavam animais para se alimentar e utilizavam a pele deles
para se proteger do frio, pescavam e coletavam frutos e raízes.
Por volta de 10000 a.C., a espécie humana começou a cultivar a terra, produzindo
cereais, verduras, legumes e frutas. Passou também a criar alguns tipos de animais. Quando
isso aconteceu, as pessoas deixaram de ser nômades e passaram a se fixar em determinadas
regiões, isto e, tornaram-se sedentárias.
Assim, desde tempos remotos o ser humano tem transformado a natureza para produzir
bens que satisfaçam suas necessidades básicas, aumentem seu grau de segurança e
proporcionem conforto.
A comunidade primitiva (ou modo de produção comunal) foi a primeira forma de
organização humana. Ela existiu em diversas partes da Terra há dezenas de milhares de anos.
Ainda hoje, na África, na Austrália, na Nova Zelândia e na região da Amazônia, no Brasil,
encontramos tribos com esse tipo de organização.
Na comunidade primitiva, as pessoas trabalhavam em conjunto. A terra era o principal
meio de produção. Tanto ela quanta os frutos do trabalho eram propriedade coletiva, comunal,
isto é, de todos. Não existia ainda a ideia de propriedade privada dos meios de produção,
portanto não havia a oposição entre proprietários e trabalhadores. As relações de produção
eram relações de cooperação, baseadas na propriedade coletiva dos meios de produção.
Modo de produção escravista
Na sociedade escravista, os meios de produção (terras e instrumentos de produção) e
os escravos eram propriedade do senhor. O escravo era considerado um instrumento, um
objeto, como um animal ou uma ferramenta.
Assim, no modo de produção escravista, as relações de produção eram relações de
domínio e de sujeição. Um pequeno número de senhores explorava a massa de escravos, que
não tinha nenhum direito. Os senhores eram proprietários dos portadores da força de trabalho
(os escravos), dos meios de produção (terras, minas, oficinas artesanais, instrumentos de
produção) e do produto do trabalho.
No sistema primitivo, como vimos, a terra e os bens eram de propriedade coletiva, não
existia dominação de um grupo social por outro. Portanto, não havia necessidade de
mecanismo de controle – polícia, exército ou governo. Não existia então o que conhecemos
como Estado.
Já o modo escravista, por sua própria natureza, exigia um controle rígido dos escravos
dominados e regras para regular a ordem social, Foi necessário, portanto, que surgisse o
Estado para garantir o interesse dos senhores.
O modo de produção escravista caracteriza duas importantes sociedades: a grega e a
romana da Antiguidade clássica.
A economia escravista era basicamente agrária. Mas tanto na Grécia quanta na Roma
antiga o poder, o exercício da política, o comércio, o conhecimento, a escrita, o teatro e todas
as artes floresceram nas cidades.
Na Grécia antiga, os cidadãos livres elaboravam teorias avançadas, como a da
democracia, criavam sistemas filosóficos complexos, conquistavam formidáveis progressos na
matemática e na astronomia; construíam templos, monumentos, teatros; escreviam peças
teatrais que são encenadas até hoje.
Tudo isso era financiado pelo trabalho escravo no campo. A cidade não era local de
produção, exceto para escravos domésticos e para o pequeno artesanato.
Aliás, o trabalho manual era ostensivamente desprezado pela cultura grega. Platão (c.
428- 348 a.C.), um dos principais filósofos de todos os tempos, afirmava: "É próprio de um
homem bem nascido desprezar o trabalho. (...) O trabalho humano permanece alheio a
qualquer valor humano e, em certos aspectos, parece mesmo a antítese do que seja essencial
ao homem". A sociedade romana repetiu esse modelo. Nos dois casos e, mais ainda no de
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Roma, foi preciso manter uma enorme máquina de guerra, invadir e conquistar muitos povos, a
fim de conseguir mais escravos e riquezas.
Modo de produção asiático
Também chamado de sociedade hidráulica, o modo de produção asiático predominou
na Índia e no Egito da Antiguidade, bem como nas civilizações pré-colombianas dos incas (nos
países andinos), maias (leste do México) e astecas (do México a Nicarágua).
Trata-se, na verdade, de sociedades fechadas, equipadas com um Estado forte e uma
burocracia muito eficiente, capaz de manter o poder total do Estado, ao qual toda sociedade
estava subordinada.
No modo asiático de produção, os meios de produção e a força de trabalho pertenciam
ao Estado, encarnado no imperador. Abaixo dele, o grupo mais privilegiado era o dos
sacerdotes, nobres e guerreiros. Mas o grupo mais poderoso era o dos administradores
públicos, que atuavam em nome do Estado.
Essas sociedades sucumbiram aos próprios excessos – por exemplo, o luxo e o
desperdício das camadas superiores, totalmente improdutivas – e as invasões estrangeiras,
No caso das sociedades inca e asteca, a conquista de seu território pelos invasores
espanhóis, no século XVI, determinou seu desaparecimento.
Alto-relevo mostrando cenas do trabalho rural no antigo Egito. O Egito da época dos faraós é um caso típico de modo asiático de
produção, ou sociedade hidráulica. O Estado dirigia a economia por meio de um poderoso corpo de burocratas, controlava a
produção agrícola, regulava o sistema de rotação das terras, recrutava a mão-de-obra necessária ás grandes obras públicas, como
as construções hidráulicas, os templos e as pirâmides, e arrecadava um imposto coletivo que pesava sobre toda a população.
Modo de produção feudal
O modo de produção feudal predominou na Europa ocidental entre o século V e o
século XVI. Em alguns casos, prolongou-se até o século XVIII ou mesmo XIX.
Nem todos os países europeus experimentaram o feudalismo como modo de produção
dominante: é o caso das cidades-Estado italianas (Veneza, Florença e outras voltadas para o
comércio) e da península Ibérica (Portugal e Espanha), que passou quase toda a Idade Média
sob o domínio muçulmano.
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A sociedade feudal estruturou-se sobre a divisão entre senhores e servos. As relações
de produção no feudalismo baseavam-se na propriedade do senhor sobre a terra e no trabalho
agrícola do servo.
Os servos não viviam como os escravos: eles tinham o direito de cultivar um pedaço de
terra cedido pelo senhor, sendo obrigados, em troca, a pagar-Ihe impostos, rendas, e ainda a
trabalhar nas terras do senhor sem nada receber. O servo tinha direito ao usufruto da terra,
mas não podia comprá-Ia ou vendê-Ia,
Como sua primeira obrigação era cultivar as terras do senhor, o servo tinha pouco
tempo disponível para trabalhar para si mesmo.
Outra diferença importante entre o servo e o escravo é que o escravo era propriedade
do senhor, que podia vendê-Io, alugá-Io, emprestá-Io e até libertá-Io, se quisesse. Com o
senhor de servos, isso não ocorria: o servo, na condição de pessoa, não era propriedade de
seu senhor, mas estava ligado ao lote de terra no qual trabalhava. Caso o senhor vendesse
esse lote à outra pessoa, esta era obrigada a manter o servo na propriedade.
Os senhores feudais tinham o poder econômico (eram os proprietários das terras) e o
poder político (faziam as leis do feudo e obrigavam os servos a cumpri-las),
A economia feudal, como a escravista, se baseava no campo. Só que, nesse sistema,
as cidades tinham pouca importância. Os proprietários dos meios de produção – nobres e
bispos – mantinham-se em seus feudos, tinham seus próprios exércitos e gozavam de
considerável independência política em relação ao rei.
Na fase final de sua existência, o feudalismo europeu começou a ser corroído por vários
fatores, entre os quais guerras prolongadas e epidemias, como a Guerra dos Cem Anos, entre
a França e a Inglaterra (1337-1453), e a Peste Negra, que matou um terço da população
europeia no século XIV.
Na verdade, essa desagregação começou com o surgimento de novos processos
econômicos, como o renascimento do comércio (que quase havia desaparecido durante a
Idade Média), a partir do século XI. Igualmente importante foi o renascimento urbano, com a
expansão dos centros já existentes, o aparecimento de novas cidades e o incremento da
produção manufatureira para atender as necessidades crescentes da população urbana.
Esses processos deram origem a uma nova classe social – a burguesia mercantil –,
cujos interesses entraram em choque com os privilégios da nobreza e com algumas das
características centrais do modo feudal de produção.
Ao mesmo tempo, o comércio e a produção manufatureira, em franco desenvolvimento,
exigiam um número crescente de trabalhadores livres, assim como uma maior quantidade de
produtos agrícolas para alimentar a população urbana. Atraídos pelo progresso das novas
cidades, os servos começaram a abandonar suas antigas aldeias feudais. O campo, por sua
vez, tornava-se intranquilo, com a eclosão de sucessivas revoltas camponesas.
Com o tempo, a burguesia mercantil começou a entrar em rota de colisão com a
dominação feudal.
Aliás, a partir do século XII, a palavra mercador e a expressão burgensis (aquele que
vive na cidade ou "burgo") eram empregadas como se fossem sinônimos.
À medida que o comércio crescia, as populações urbanas procuravam estabelecer seus
próprios tribunais, suas próprias leis, seus próprios sistemas de impostos. Precisavam de um
novo tipo de sociedade. Dessa forma, estava em gestação, no próprio interior do modo feudal
de produção, uma nova forma de organização produtiva: o modo capitalista de produção.
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Terras do senhor
A maioria das terras agrícolas da Europa
ocidental e central estava dividida em “feudos”. Um
feudo consistia apenas de um castelo, uma aldeia
e várias centenas de hectares de terra arável que a
circundavam, e na qual o povo da aldeia
trabalhava. Nos limites da terra arável, havia
geralmente uma extensão de prados, terrenos
ermos, bosques e pastagens.
Nas diversas localidades, os feudos
variavam de tamanho, organizarão e relações entre
os que os habitavam. Mas suas características
principais eram semelhantes. (...)
Cada propriedade feudal tinha um senhor.
Era comum se dizer, na época, que não havia
"senhor sem terra, nem terra sem um senhor". O
castelo, extremamente fortificado, era a moradia do
senhor feudal. Lá ele vivia com sua família,
empregados e funcionários que administravam sua
propriedade.
Trabalho agrícola executado por servos nas
proximidades de um castelo. Iluminura do Livro das
horas do duque de Berry, século XlV. O castelo era o
centro do feudo. Em torno dele se distribuíam as terras
do senhor, dono do castelo, e as glebas cedidas aos
servos, que deviam prestar dias de trabalho sem
Adaptado de: Leo Huberman. História da riqueza remuneração nas terras do senhor. Esse trabalho
do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1978. p. 11-2.) gratuito era conhecido como corvéia. Além disso, os
servos pagavam tributo ao dono do castelo, que, em
troca, lhes garantia proteção em caso de guerra.
FILMES SUGERIDOS
∗
∗
∗
∗
∗
Spartacus – Stanley Kubrick
O senhor da Guerra – Franklin Schaffner
Quilombo – Carlos Diegues
O nome da rosa – Jean-Jacques Annaud
Desmundo – Alain Fresnot
QUESTÕES PARA ESTUDO
1. O que você entende por produção?
2. Relacione três empresas que produzem bens e três empresas que prestam serviços.
3. Explique os conceitos de: trabalho, matéria-prima e recursos naturais.
4. Pesquise nas páginas de anúncios de emprego nos jornais e observe o grau de escolaridade
exigido e os salários propostos. Escreva um pequeno texto explicando o que você concluiu
da pesquisa.
5. O que são relações de produção?
6. Qual a diferença entre escravo e servo?
7. Como eram as cidades típicas da sociedade escravista?
8. Qual a principal atividade econômica no feudalismo?
9. O que é escravismo colonial?
12
2 CAPITALISMO OU SOCIALISMO?
Por volta do século Xl, teve início na Europa ocidental um longo processo de
desenvolvimento do comércio, acompanhado pelo crescimento das cidades. Esse processo
deu origem a uma nova força social – a burguesia mercantil –, que logo entraria em conflito
com a estrutura da sociedade feudal. Juntamente com ela, começou a crescer a participação
de trabalhadores livres assalariados na vida econômica.
Desse modo, no próprio interior da sociedade feudal começava a germinar um novo
modo de produção: o capitalismo, que tomará inicialmente a forma de capitalismo mercantil.
2.1 O modo capitalista de produção
O que caracteriza o modo de produção capitalista são as relações assalariadas de
produção (trabalho assalariado) e a propriedade privada dos meios de produção pela
burguesia. A forma burguesa substituiu a forma feudal de propriedade, assim como o trabalho
assalariado passou a ocupar o lugar do trabalho servil, que caracterizava o feudalismo.
Sob o capitalismo, a burguesia possui as fábricas, os centros comerciais, as grandes
lojas, os meios de transporte, as terras, os bancos etc. Em uma palavra, ela é proprietária dos
meios de produção (fábricas e terras) e da circulação das riquezas (casas comerciais, bancos
etc.).
Ao contrário do que ocorria no feudalismo, quando o servo estava ligado a terra, no
capitalismo o trabalhador não é obrigado a ficar sempre na mesma propriedade rural ou na
mesma empresa urbana. Ele é livre para se empregar onde quiser, desde que o capitalista o
aceite como empregado.
Na sociedade feudal, a produção estava voltada para a satisfação das necessidades
imediatas das pessoas. Não é produzia tendo em vista o comércio e o lucro. Durante um longo
período da Idade Média européia, o comércio quase deixou de existir. Igreja, por sua vez,
condenava o lucro.
Na sociedade capitalista, ao contrário, o desenvolvimento da produção é movido pelo
desejo de lucro. É para aumentar seus rendimentos que os capitalistas procuram expandir a
produção e baixar seus custos. Para isso, recorrem a aperfeiçoamentos técnicos constantes, a
exigência de maior produtividade dos operários, a uma maior racionalização do processo de
produção, ou ainda a combinação de todos esses processos. O texto a seguir explica como se
deu o processo de formação do modo capitalista de produção.
Como surgiu o capitalismo
É
importante
inicialmente
nos
fixarmos na Europa dos séculos IV a XIV
(301-400 à 1301-1400). Pois foi esse período
que deu origem a nossa sociedade atual.
Sabemos que nessa época, a Europa
era um continente onde a principal atividade
econômica girava em torno da terra e da
propriedade da terra. O modo de vida era
ligado ao trabalho rural, principal fonte de
riqueza social.
Nessa sociedade de base agrária, o
modo de vida era completamente diferente
do que é hoje em dia: pouco comércio,
cidades precária – pouco mais que pequenas
aldeias –, com o pensamento religioso
moldando a vida da maioria das pessoas.
A partir do século XIV, esse mundo
começará a se transformar rapidamente. É
essa transformação que nos interessa, pois,
de mundo agrário, a Europa caminhou para o
mundo urbano-industrial. Essa mudança não
ocorreu em pouco tempo, foram precisos no
mínimo três séculos para que ela se
completasse. No entanto, como foi uma
mudança social radical muitos a chamaram
de revolução – a Revolução Industrial. Essa
revolução,
que
levou
a
Europa
definitivamente ao capitalismo, teve muitas
dimensões e momentos.
Em primeiro lugar, foi uma revolução
econômica, pois a organização do trabalho
se alterou profundamente. Da sociedade
estratificada em dois grandes grupos sociais
– senhores e servos –, surgiram novas
grupos muito importantes: os comerciantes e
os artesãos livres.
13
Eram pessoas que, a partir do século
XIV, já não dependiam mais da terra, e sim
de atividades puramente urbanas.
Dos artesãos e comerciantes mais
poderosos surgiram aqueles que passaram a
investir grandes somas de riquezas em
manufaturas.
Essas
manufaturas,
na
verdade, eram as primeiras indústrias ainda
primitivas, mas que já se caracterizavam
pela divisão interna de funções, com o
trabalho parcelado em inúmeras atividades,
a partir da introdução de novas técnicas e
melhores máquinas.
Assim, na manufatura, cada operador
de máquinas já não elaborava o produto por
inteiro (como acontecia no trabalho
artesanal), mas apenas uma peça que,
somada às peças de outros operadores
isolados, formava um objeto. E uma nova
divisão social do trabalho.
Ao entrarmos nos séculos XVIII e XIX,
teremos a Revolução Industrial, ou seja, o
processo econômico responsável pelo
capitalismo.
Esse modo de produção, que se
originou do comércio e da manufatura, foi a
responsável pelo desenvolvimento de novas
invenções e técnicas, pelo aumento das
atividades produtivas, dando origem a
indústria moderna. A intensa urbanização do
século XX e o surgimento de classes sociais
são frutos desse processo. (...)
Em segundo lugar, houve uma
revolução política, pois a antiga nobreza
feudal perdeu o domínio para a burguesia,
economicamente mais forte. Enquanto no
feudalismo persistia uma política que
representava os interesses dos senhores
feudais e do clero, são agora os empresários
que passarão a organizar a política.
A partir daí, nasce a Estado moderno,
isto é, nascem formas de governo eleitas
pelo voto e regidas par uma Constituição.
Surge a parlamento.
Todas essas novas dimensões da
política burguesa devem dar a aparência de
que o Estado, acima dos interesses de
classe, vem organizar democraticamente a
sociedade. Nasce, assim, a democracia
burguesa.
Em terceiro lugar, houve mudança
ideológica e grande desenvolvimento
científico. Sob o capitalismo, a ideia de
progresso se propaga, assim como se
legitima a riqueza alcançada através do
comércio e da indústria.
A dinâmica da competitividade faz
nascer o sentimento de individualidade. A
ciência, como já aprendemos, se desenvolve
a partir de novos conceitos para explicar a
natureza. A partir da observação dos fatos,
de sua decomposição em partes (análise) e
de sua ordenação (síntese) constata-se que
a natureza é regida por leis.
Isso possibilitou, com uma série de
novos inventos, um amplo domínio sobre a
natureza, nunca antes alcançado em toda a
história da civilização.
(Adaptado de: Paulo Meksenas. Sociologia. São
Paulo, Cortez, 199_. p. 43-4.)
2.2 Etapas do capitalismo
Das suas origens, no final da Idade Média, aos dias de hoje, o capitalismo passou pelas
seguintes fases:
• pré-capitalismo (do século XI ao século XV) - o comércio e a produção artesanal começam a
se expandir, mas o trabalho assalariado ainda é uma exceção: predomina o trabalho
independente dos artesãos, donos dos meios de produção (oficinas e ferramentas), bem como
da matéria-prima; nos campos, prossegue ainda o trabalho servil, que começa a ser substituído
pelo trabalho assalariado e por formas de arrendamento da terra;
• capitalismo comercial ou mercantil (do século XV ao século XVIII) – O trabalho
independente ainda predomina, mas se expande o regime assalariado; a maior parte do lucro
concentra- se nas mãos dos comerciantes;
• capitalismo industrial (do século XVIII ao século XX) - Com a Revolução Industrial, o capital
passa a ser investido basicamente na indústria, que se torna a atividade econômica dominante;
o trabalho assalariado firma-se definitivamente;
14
• capitalismo financeiro (a maior parte do século XX) - Os bancos e outras instituições
financeiras passam a controlar as demais atividades econômicas por meio de financiamentos a
agricultura, a pecuária, a indústria e ao comércio;
• sociedade pós-industrial (do século XX ao século XXI) – O capital financeiro continua a
dominar os outros setores da economia como na fase anterior; com a globalização e o
desenvolvimento das redes de computadores, grandes massas de capital passam a ser aplicadas nos países que oferecem maior
lucratividade, retirando-se deles ao
menor sinal de crise; ao mesmo tempo,
a indústria e a agricultura perdem
importância em relação ao setor de
serviços;
além
disso,
crescem
gigantescamente
os
meios
de
comunicação e o setor de Informática
(redes de computadores), assim como a
automação e a indústria de alta
tecnologia.
A partir do século XI, com o renascimento comercial e
urbano, ocorreram profundas transformações na
sociedade européia. Com o crescimento das cidades,
expandiu-se e diversificou-se a mercado de consumo.
Assim, surgiram profissões e atividades econômicas
ligadas às demandas dos novos grupos sociais. A
sociedade tornou-se cada vez mais burguesa, isto é, os
valores e a modo de pensar, agir e sentir da burguesia
passaram a ter uma influência cada vez maior. A
iluminura ao lado, de um manuscrito do século XV,
mostra diversas atividades profissionais exercidas em
cidades européias durante o período de gestação do
capitalismo.
2.2.1 O mercantilismo
Entre os séculos XV e XVIII a sociedade européia viveu tempos extraordinários. Foi a
época das Grandes Navegações, da formação e consolidação do Estado absolutista na Europa
ocidental, do surgimento dos sistemas coloniais, com a conquista e a colonização da América
pelos europeus, e da criação de um mercado mundial. Foi também a época da transição do
feudalismo para o capitalismo.
No plano da política econômica, predominou nesse período um tipo de pensamento,
práticas e diretrizes conhecidas como mercantilismo. O mercantilismo foi a política econômica
do Estado absolutista e do capitalismo comercial.
Seus princípios e diretrizes mais importantes eram:
a riqueza de uma nação depende, acima de tudo, da acumulação de metais preciosos (ouro e
prata);
portanto, é preferível exportar para terceiros do que importar bens de outros países, de modo
a ter sempre uma balança comercial favorável;
o governo deve controlar rigidamente a indústria e o comércio, a fim de garantir que as
exportações superem as importações; o Estado, portanto, deve intervir diretamente na vida
econômica;
para equilibrar a oferta e a procura, a governo deve evitar a concorrência, fixando preços;
quanto mais moedas houver em circulação, mais próspero será o país.
No período mercantilista, o Estado absolutista interferiu pesadamente na economia,
proibindo a importação de produtos que tivessem similares nacionais e a exportação de
matéria-prima que favorecesse a indústria de outros países.
15
O Estado também favoreceu os monopólios (empresas que controlavam a comércio de
determinados produtos) e a exploração colonial. As terras recém-conquistadas (colônias)
forneciam matérias-primas, gêneros alimentícios e, em muitos casos, metais preciosos para as
potências européias que as controlavam (metrópoles).
Nesse período, os reinos de Portugal e Espanha, depois seguidos pela Inglaterra,
França e Holanda, patrocinaram as Grandes Navegações, que saíram em busca de novas
terras e novos mercados.
2.2.2 Liberalismo: a "mão invisível" do mercado
No século XVIII, época da Revolução Industrial, os pensadores também se
modernizaram. Na França e na Inglaterra, surgiu o Iluminismo, corrente de ideias que
condenava a monarquia absolutista e que logo se difundiu pela Europa. Entre os economistas,
teve lugar uma profunda crítica aos dogmas mercantilistas.
O escocês Adam Smith (1723-1790), autor de A riqueza das nações, foi o principal
ideólogo do novo capitalismo. Para ele, o trabalho – e não o comércio, como pregava o
mercantilismo – é a principal fonte geradora de riqueza.
Segundo Smith, as desigualdades sociais constituíam um incentivo ao trabalho e ao
enriquecimento – ou seja, uma condição fundamental para que as pessoas lutassem para subir
na vida.
Nessa perspectiva, ao promover seu interesse pessoal, o indivíduo acaba por ajudar o
interesse coletivo, pois, ao fazer investimentos produtivos, um empresário cria emprego e faz
circular a riqueza: "Não é pela benevolência do padeiro ou do açougueiro – afirmava Adam
Smith – que temos nosso jantar, mas sim pelo egoísmo deles, pois, agindo segundo seu
próprio interesse, os homens ajudam-se mutuamente".
Dessa forma, a harmonia e o progresso, baseados na ambição individual, seriam
garantidos por um mecanismo auto-regulador, que é o mercado, com sua lei da oferta e da
procura. Ou seja, a lei da oferta e da procura funcionaria como uma “mão invisível'', permitindo
o crescimento da riqueza e uma melhor distribuição da renda. Mas isso só seria possível se O
Estado não interferisse na economia, sem fixar preços, por exemplo.
Na contramão das ideias mercantilistas, Adam Smith acreditava firmemente no poder da
livre concorrência, que seria para ele o grande motor da sociedade capitalista.
Além de ser pai da economia clássica, Smith foi também um dos grandes defensores do
liberalismo – doutrina econômica que defende a livre iniciativa e a não intervenção do governo
na vida econômica (o chamado "Estado mínimo").
2.2.3 O nascimento da fábrica
Substituir ferramentas por máquinas, energia humana por energia motriz, produção
doméstica por produção fabril: essas foram as características básicas da Revolução Industrial.
Foi mesmo uma revolução, porque transformou profundamente a sociedade.
A Revolução Industrial teve início na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII. A
Inglaterra, que na época ficou conhecida como "oficina do mundo", foi pioneira na mudança do
sistema manufatureiro para o sistema fabril na manufatura, os trabalhadores produziam em
casa para um comerciante, que fornecia a matéria-prima e lhes pagava por produção.
Nas fábricas – novas unidades de produção que concentravam os trabalhadores em um
único edifício – o empresário contratava trabalhadores livres, que, sem meios de produção
(ferramentas, matérias-primas e local de trabalho), vendiam sua força de trabalho em horas ou
jornadas – para os novos patrões.
Esse pioneirismo inglês ocorreu por várias razões. Entre elas, destaca-se o
desenvolvimento do comércio externo no período anterior, favorecido pelas práticas
mercantilistas. Com base numa poderosa marinha mercante, a Inglaterra praticamente
dominou os mares, fazendo com que a América, a África e a Ásia fossem exploradas pelas
companhias de comércio dedicadas a compra de produtos agrícolas e matérias-primas
coloniais, ao tráfico de escravos e a venda de produtos ingleses.
Esse desenvolvimento mercantil – conhecido como "acumulação primitiva de capital" –
impulsionou a busca de novas técnicas de produção. Desse modo, ao longo do século XVIII, a
16
produção feita em casas ou oficinas foi substituída por novas e maiores unidades de produção:
as fábricas.
Nas fábricas, racionalmente organizadas para aumentar, melhorar e acelerar a
produção concentrava-se grandes contingentes de operários, utilizando equipamentos
fornecidos pelo empregador, que visava uma produtividade cada vez maior.
A disciplina ali reinante era extremamente rígida e até cruel – como veremos a seguir –,
com hierarquia até então desconhecida nas oficinas de artesãos.
Da Inglaterra, a Revolução Industrial se difundiu pela Europa e, mais tarde, pelo resto
do mundo, com toda a sua modernidade expressa nas grandes invenções – energia a vapor,
novas máquinas de fiar e de descaroçar o algodão – e em novas relações de produção. Essas
relações eram agora, definitivamente, relações capitalistas de produção.
Gravura de 1830 mostrando o interior de uma fábrica inglesa de tecidos de algodão. Por essa época, era comum o trabalho infantil
na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, assim como nos outros países que começavam a se industrializar. Observe o menino
a direita, contratado para varrer os restos de algodão, rastejando entre os fios que a operária vai tecendo na máquina em que
trabalha. Inventada em 1779, essa máquina, denominada Mule, fazia parte dos diversos inventos ligados à indústria que surgiram
durante a Revolução Industrial.
2.2.4 Explode a questão social
Desde o início da Revolução Industrial, a indústria não parou de progredir. Já as
condições de vida dos que trabalhavam nas fábricas eram alarmantes. Antes da invenção da
máquina a vapor, as fábricas ficavam em zonas rurais, junto ás margens dos rios, aproveitando
sua energia hidráulica. Nesses locais, surgiam oficinas, casas e hospedarias.
Com o aperfeiçoamento da máquina a vapor pelo inventor inglês James Watt em 1768,
as fábricas, que já não dependiam da energia hidráulica dos rios, mudaram-se para a periferia
das cidades, mais próximas dos mercados consumidores e onde os trabalhadores eram
contratados com mais facilidade. Eram edifícios enormes, fechados, com chaminés, apitos e
grande número de operários.
Por dentro, o espaço das fábricas constituía um ambiente insalubre, sem luz e
ventilação suficientes, muito semelhante a uma prisão. A massa trabalhadora era formada por
homens, mulheres e crianças recrutados entre os camponeses expulsos das aldeias, soldados
desempregados, artesãos empobrecidos e indigentes.
Os operários trabalhavam nas fiações e tecelagens, nas oficinas mecânicas e nas
minas. Como o serviço era extremamente árduo, no começo era difícil encontrar trabalhadores
em número suficiente. Assim, as indústrias passaram a empregar mulheres e crianças, cujos
17
salários eram mais baixos. As crianças submetiam-se ao trabalho mais facilmente, sendo
recrutadas muitas vezes em orfanatos e casas paroquiais.
Na verdade, essas crianças ficavam confinadas nas fábricas, isoladas da sociedade e
sob o total domínio dos patrões, frequentemente, esses tristes filhos da Revolução Industrial
sofriam maus-tratos, castigos e espancamentos,
Os operários adultos também levavam uma vida duríssima, trabalhando de doze a
dezesseis horas por dia, sem férias, feriados ou mesmo descanso semanal remunerado.
Recebendo salários de fome, os trabalhadores ingleses viviam em bairro ou cidades industriais,
amontoados em cortiços, sem água nem esgoto. Eram vítimas fáceis de doenças como
tuberculose, infecções intestinais, raquitismo e outros males.
Também não podiam contar com assistência médica ou aposentadoria. Assim, só
restavam as associações de classe (sindicatos) e as greves como instrumento de luta para a
conquista de direitos. Embora terminantemente proibidos e severamente reprimidos, esses
recursos eram a única possibilidade de alterar o miserável estado em que se encontravam as
classes trabalhadoras entre a segunda metade do século XVIII e o começo do século XX.
Diante dessas condições de vida e de trabalho, os operários do capitalismo florescente
desencadearam fortes movimentos sociais que, da Inglaterra, expandiram-se por toda a
Europa industrializada.
2.2.5 Movimentos sociais e pensadores socialistas
No século XIX, os capitalistas ficavam cada vez mais ricos, enquanto os trabalhadores
viviam em condições miseráveis. Essa situação levou muitos pensadores, ou mesmo simples
operários, a formular críticas ao capitalismo e a apresentar propostas de transformação da
sociedade. Tais ideias acabaram constituindo uma corrente de pensamento que teria papel
fundamental nas lutas políticas a partir de então: o socialismo.
Os primeiros teóricos socialistas desenvolveram suas ideias entre a Revolução
Francesa de 1789 e os movimentos sociais de 1848 e 1871, ano da Comuna de Paris, quando
os operários parisienses chegaram a tomar o poder e a organizar um governo socialista
revolucionário que durou pouco mais de dois meses.
Os principais socialistas dessa fase foram os franceses Saint-Simon (1760-1825),
Charles Fourier (1772-1834), Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) e o inglês Robert Owen
(1771-1858). De um modo geral, esses socialistas pregavam a justiça social por meio da razão,
da boa vontade e do convencimento. Acreditavam que, do ponto de vista racional, nada melhor
do que uma sociedade igualitária e fraterna.
Valendo-se dessa convicção, tentaram criar comunidades-modelo (Fourier) e a
associação de produtores (Owen). Tais iniciativas não deram certo – no sentido de transformar
radicalmente a sociedade –, mas as críticas e as lutas sociais de todos esses pensadores,
reforçadas pelas greves, foram importantes para a melhoria das condições de vida dos
trabalhadores.
Esses primeiros reformadores sociais ficaram conhecidos como "socialistas utópicos",
nome atribuído a eles pelos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895),
que se propuseram a desenvolver as bases do que chamavam de "socialismo científico".
Em seu livro o capital, Marx realizou a mais completa radiografia do capitalismo,
apontando suas principais contradições. Segundo ele, o valor de um bem é determinado pela
quantidade de trabalho socialmente necessário para sua produção. Assim, o lucro não se
realiza no momento da troca de mercadorias, mas sim na produção dessas mercadorias. Isso
acontece porque os trabalhadores não recebem o valor correspondente a seu trabalho, mas só
o necessário para sua sobrevivência.
O valor da força de trabalho de um assalariado, como de toda mercadoria, é
estabelecido pelo tempo de trabalho necessário para produzir os bens destinados a garantir a
sobrevivência do trabalhador. Isso se expressa em alimentos, moradia, tempo para descansar
etc. O valor de todos esses bens consumidos pelo operário diariamente é o valor de sua força
de trabalho.
Suponhamos agora que um operário trabalhe oito horas por dia na produção de
sapatos. Para repor sua força de trabalho, ele precisa alimentar-se e descansar. Suponhamos
ainda que o valor dos bens consumidos por ele para repor suas energias em um dia seja igual
18
ao valor produzido por ele em seis horas de trabalho na produção de sapatos. Para garantir
sua sobrevivência, portanto, bastaria a ele trabalhar seis horas por dia, mas ele trabalha mais
duas horas na fábrica do patrão. Essas duas horas a mais representam o que Marx chamava
de sobretrabalho (ou trabalho excedente), e é delas que sai o lucro do patrão na forma inicial
de mais-valia.
Desse modo, na análise de Marx, a mais-valia consiste na diferença entre o valor
(expresso em horas de trabalho) incorporado a um bem e o pagamento do trabalho necessário
para sua reposição (o salário). A essência do capitalismo seria a apropriação privada (isto é,
pelo capitalista) dessa mais-valia, que dá origem ao lucro.
No escravismo e no feudalismo, a classe dominante se apropriava do fruto do trabalho,
consumindo-o. No capitalismo, a classe dominante apropria-se da mais-valia (ou lucro), mas
não a consome totalmente. Boa parte dela é investida e reinvestida na produção. A esse
investimento permanente se dá o nome de acumulação de capital.
Por capital, entende-se o dinheiro, a mercadoria ou os meios de produção – ou uma
combinação dos três – aplicados de tal forma que levem os trabalhadores assalariados a
produzir mercadorias e mais-valia. Ou seja, não é todo tipo de dinheiro que funciona como
capital. Só é capital aquele dinheiro (ou meios de produção) empregado de tal forma que
produza mais-valia por meio do trabalho assalariado. Ainda segundo Marx, o capitalismo,
diferentemente dos modos de produção anteriores, não funciona para que as coisas fiquem
sempre do mesmo jeito. Por sua própria natureza, ele precisa crescer acumular e reinvestir
parte da mais-valia na produção, aumentando sempre o lucro e a produtividade. Ou seja, as
forças produtivas devem estar em permanente desenvolvimento.
Leia o que Karl Marx disse a esse respeito no texto a seguir, que contém trechos de seu
celebre Manifesto comunista, escrito em parceria com Friedrich Engels em 1848.
As ideias de Marx influenciaram profundamente o pensamento econômico, as práticas
políticas e os movimentos sociais nos séculos XIX e XX.
Apoiando-se no proletariado – considerado por Marx e Engels como a classe que
substituiria a burguesia num futuro melhor para a humanidade, no qual não haveria mais
opressores nem oprimidos –, criaram-se na Europa e mais tarde em outros continentes
partidos socialistas, social-democratas e comunistas. Na sociedade socialista, a economia é
planificada, visando atender às necessidades básicas da população, e não ao lucro das
empresas. Para Marx e Engels, o comunismo seria a última etapa de um processo histórico
que deve começar com a tomada do poder pelo proletariado. A essa conquista do poder se
seguiria a organização de uma sociedade socialista. A fase final desse processo seria o
comunismo, etapa em que acabariam as classes e as diferenças sociais entre as pessoas:
todos teriam tudo em comum e o Estado deixaria de existir.
Capitalismo e revolução
A história de toda sociedade humana
é a história da luta de classes: entre o
homem livre e o escravo, entre o patrício e a
plebeu, entre o barão e a servo. Numa
palavra, opressores e oprimidos se
encontram sempre em conflito, disfarçada ou
abertamente, e que termina sempre por uma
transformação revolucionária de toda a
sociedade, ou então pela ruína das classes
em luta. (...)
A burguesia, durante seu domínio de
classe, apenas secular, criou formas
produtivas mais numerosas e mais colossais
que todas as gerações passadas em
conjunto. (...) Que século anterior teria
suspeitado
que
semelhantes
formas
produtivas estivessem adormecidas no seio
do trabalho social? (...)
A burguesia só pode existir com a
condição de revolucionar incessantemente
os
instrumentos
e
produção,
por
conseguinte, as relações de produção e, com
isso, todas as relações sociais.
A conservação inalterada do antigo
modo de produção constituída, pelo
contrário, a primeira condição de todas as
classes dominantes do passado. Essa
subversão contínua da produção, esse abalo
constante de todo a sistema social, essa
agitação permanente e essa falta de
segurança distinguem a época burguesa de
todas as precedentes.
Devido ao rápido desenvolvimento
dos instrumentos de produção e ao
constante progresso dos
meios
de
comunicação, a burguesia arrasta para a
19
torrente de civilização mesmo as nações
mais bárbaras.
Ela obriga todas as nações do mundo
a adotarem o modo burguês de produção,
constrange-as a abraçar a que ela chama de
civilização, isto é, a se tornarem burguesas.
(...)
Mas o sistema burguês tornou-se
demasiadamente estreito para conter as
riquezas criadas em seu seio. (...) As armas
que a burguesia utilizou para abater o
feudalismo voltam-se hoje contra a própria
burguesia. A burguesia, porém, não forjou
somente as armas que lhe darão a morte,
produziu
também
os
homens
que
empunharão essas armas – os operários
modernos, os proletários.
(Adaptada de: Karl Marx e Friedrich Engels. O
manifesto comunista. São Paulo, Paz e Terra, 1997.
p. 9-15.)
2.3 Socialismo: um novo modo de produção
Enquanto o capitalismo baseia-se na propriedade privada dos meios de produção, o
fundamento da sociedade socialista é a propriedade social (coletiva) dos meios de produção.
No socialismo não existem empresas privadas (ou estas representam apenas uma
pequena parcela no total de empresas), já que os meios de produção são públicos ou coletivos.
Em teoria, o objetivo da sociedade socialista é a satisfação completa das necessidades
materiais e culturais da sociedade: emprego, habitação, educação, saúde, cultura, lazer etc.
Desaparece, assim, a separação entre proprietários do capital e proprietários da força
de trabalho. Apesar disso, permanecem as diferenças individuais entre as pessoas, bem como
salários desiguais, devido à maior ou menor qualificação do trabalhador.
Na sociedade socialista, a economia é planificada, visando atender ás necessidades
básicas da população, e não ao lucro das empresas.
Para Marx e Engels, o comunismo seria a última etapa de um processo histórico que
deve começar com a tomada do poder pelo proletariado. A essa conquista do poder se seguiria
a organização de uma sociedade socialista. A fase final desse processo seria o comunismo,
etapa em que acabariam as classes e as diferenças sociais entre as pessoas: todos teriam
tudo em comum e o Estado deixaria de existir.
2.3.1 O socialismo real
Em 1917 eclodiu na Rússia uma revolução tão importante quanto a Revolução
Francesa de 1789. Como na França do século XVIII, a Rússia anterior a revolução vivia sob a
dominação absolutista do czar. Nas grandes cidades – como São Petersburgo, Odessa e
Moscou –, já havia um certo desenvolvimento industrial, mas a base da economia estava na
agricultura. Dessa forma, a maioria esmagadora da população vivia no campo.
No campo e na cidade, os trabalhadores eram extremamente explorados e viviam em
condições subumanas em meio à fome e a miséria.
Nesse contexto, ideias revolucionárias que pregavam a transformação da sociedade
russa se propagavam por todo o país, cuja precária situação econômica ficaria ainda mais
evidente durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Assim, em outubro de 1917, o Partido Bolchevique (a facção mais radical do Partido
Social Democrata), que defendia uma revolução proletária e camponesa que fizesse a imediata
transição para o socialismo, colocou-se a frente de um movimento revolucionário e tomou o
poder. Seus líderes eram Vladimir Ilitch Ulianov, conhecido como Lenin, e Lev Davidovitch
Bronstein, conhecido como Leon Trotski.
Com a conquista do poder pelos bolcheviques, teve início a experiência de construção
do modo socialista de produção. Em 1922, a Rússia passou a se chamar União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS).
20
Um dos fenômenos mais importantes
da Revolução russa foi o surgimento
de órgãos de participação popular,
denominados sovietes. O soviete,
palavra russa que quer dizer conselho
era uma espécie de assembléia para a
qual eram enviados representantes
eleitos pelos trabalhadores nas
fábricas e bairros operários. Havia
também sovietes de camponeses, e
soldados e de marinheiros
revolucionários, a foto, soldados
revolucionários, com a bandeira
vermelha fixada na baioneta de um
fuzil, participam da insurreição de
outubro de 1917, sob o comando do
líder bolchevique Leon Trotski,
presidente do soviete de Petrogrado
(atual São Petersburgo), o mais
importante da Rússia.
Desde o início, a experiência socialista foi problemática. A Rússia dos czares era
atrasada demais para se tornar o primeiro país socialista a História.
Marx acreditava que o socialismo era inevitável, devido às contradições do próprio
capitalismo. Mas afirmava ao mesmo tempo que uma sociedade precisa esgotar todas as suas
possibilidades históricas de desenvolvimento para se transformar em um modo de produção
mais avançado. Ou seja, o capitalismo precisaria estar muito maduro para ser superado, e isso
só poderia ocorrer nos países capitalistas mais desenvolvidos.
Ora, na Rússia de 1917, como vimos, o capitalismo e a sociedade burguesa estavam
bem "verdes", muito ligados ainda ao absolutismo e a velha ordem feudal. Esse seria o
"pecado original" da experiência soviética.
Com a morte de Lenin, em 1924, a direção política do Partido Comunista, como passou
a se chamar o Partido Bolchevique a partir de 1919, e do Estado soviético foi disputada por
duas correntes opostas: a de Leon Trotski, que defendia a propagação da revolução para os
países industrializados, bem como maior democracia dentro do partido e dos sovietes
(conselhos), e a de Josef Stalin, que propunha a construção do "socialismo num só país".
Stalin venceu a disputa. Em 1929, Trotski foi expulso da União Soviética e acabou
assassinado no México por um agente stalinista. Stalin passou a concentrar poderes cada vez
maiores e a reprimir aquele e discordavam dele. Dessa forma, durante as décadas de 1930 e
1940, todos os antigos líderes do Partido Bolchevique foram executados em processos
sumários. Paralelamente, era extinta a democracia interna dos sovietes. Constituiu-se assim
um Estado policial-burocrático, totalitário, que estava longe dos ideais socialistas de Marx e
Engels, Lênin e Trotski,
Sob o stalinismo, milhões de camponeses morreram no processo de coletivização
forçada das terras. Milhares de dissidentes políticos foram fuzilados ou enviados a campos de
concentração. Sob o comando de Stalin uma poderosa burocracia controlava o Partido
Comunista e o Estado. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se o culto a personalidade de Stalin,
que ganhou o título de "guia genial dos povos".
A construção do "socialismo num só país" também deu as costas aos movimentos
revolucionários de outros países. Criou-se uma potência altamente militarizada, o resultado
desse processo ficou conhecido como socialismo real.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), todo o Leste europeu se tornou socialista
também, seguindo o modelo burocrático de socialismo de Estado imposto na União Soviética.
A única exceção foi a Iugoslávia, cujo líder, o marechal Tito, rompeu com Stalin e adotou seu
próprio caminho de construção do socialismo,
Formaram-se então dois blocos antagônicos de países: o bloco capitalista, liderado
pelos Estados Unidos, e o bloco socialista, sob o comando da União Soviética,
21
Com o colapso da União
Soviética e do bloco
formado pelos países do
Leste europeu, a China
passou a ser a grande
representante do modo
socialista de produção. Para
que não entrasse em crise,
porém, seus governantes
tiveram de fazer diversas
concessões a economia de
mercado. Foi permitida,
assim, a formação de
empresas privadas ao lado
das estatais. Estas, contudo,
continuam a dominar a vida
econômica. Por outro lado, o
poder político se manteve
nas mãos do Partido
Comunista chinês, que
reprime seus opositores e
não permite a existência de
outros partidos. Na imagem,
camponês trabalha em
plantação de arroz na
província de Yunnan,
República Popular da China,
em julho de 1991.
Teoricamente, os Estados Unidos defendiam o capitalismo e a liberdade, enquanto a
União Soviética representava o socialismo e a igualdade, Na prática, ambos armaram-se até os
dentes, produzindo armas de destruição em massa capazes de explodir centenas de vezes o
planeta em questão de horas, Foi a época da Guerra Fria, que durou de 1947 a 1991.
Entre os anos 1980 e 1990, porém, começaram a ocorrer profundas mudanças políticas
e econômicas nos países socialistas europeus, Sob a pressão de grandes movimentos
populares, o regime político dessas nações foi alterado. Realizaram-se amplas reformas
políticas, com a criação de novos partidos e a realização de eleições diretas para os principais
cargos dirigentes.
Também a economia passou por profundas mudanças, com a privatização de empresas
públicas, a diminuição do controle do Estado sobre a economia e a reativação dos mecanismos
de mercado. Além disso, a propriedade privada foi restabelecida em alguns setores, sobretudo
na agricultura e no comércio. Como resultado dessas mudanças, a União Soviética deixou de
existir em 1991 e todos os países do Leste europeu adotaram a economia de mercado,
Entretanto, apenas com o desenrolar da História será possível definir que rumos essas
sociedades vão tomar. Por enquanto, pode-se dizer apenas que o sistema burocrático,
controlado rigidamente pelo Estado, que se apoiava num regime político com escassa
participação popular, não sobreviverá.
Atualmente, ele esta sendo substituído por formas mais flexíveis e democráticas de
organização política e econômica, com pluripartidarismo e menor participação do Estado na
economia.
No texto a seguir, dois pensadores de esquerda opinam sobre os processos que
levaram ao colapso do socialismo burocrático de Estado na União Soviética e nos países do
Leste europeu.
O fim do socialismo?
Os antigos regimes socialistas da
Europa oriental passam por uma crise de
identidade
gerada
por
problemas
econômicos crônicos, que se agravaram com
o aumento de sua dívida externa.
Na era Brejnev (líder da União
Soviética entre 1964 e 1982), a URSS
chegou agastar 16% de seu PIB (Produto
Interno Bruto) com a defesa militar. Só para
efeito de comparação: 0 Brasil chegou a
gastar mais de 4% de seu PIB para o
pagamento da dívida interna, e todos
conhecem na pele as consequências.
A questão de fundo reside na
inadequação daquele modelo de socialismo
à realização da democracia.
22
A identidade Estado-governo-partido,
herança stalinista, levou inevitavelmente a
perda dos elos capazes de articular a
socialização da economia com democracia
política e pluralismo ideológico. A saída,
porém, não se encontra na tão apregoada
"liberdade" do capitalismo ocidental – a
liberdade de uns poucos terem cada vez
mais bens, a custa de uma grande maioria,
com sua força de trabalho cada vez mais
desvalorizada.
Por mais erros e equívocos que o
socialismo real contenha, é preciso
reconhecer que ele é portador de valores
éticos não encontrados nas sociedades de
economia de mercado.
Todas as conquistas do capitalismo
são deslustradas quando se constata que o
progresso das nações capitalistas do
Primeiro Mundo resulta da exploração que
essas nações exercem sobre os países
emergentes.
O alto nível de desenvolvimento
social dos países socialistas resultou do
trabalho de seus cidadãos. Nenhum deles
explorou povos estrangeiros. Crianças,
idosos, trabalhadores estrangeiros e pessoas
portadoras de deficiências físicas mereceram
do Estado socialista uma atenção adequada.
Durante a vigência do socialismo, não
foram encontrados sintomas coletivos de
desagregação social, como favelas, drogas,
prostituição, exploração de menores ou
crime organizado.
Mas é preciso perguntar: em que
medida os resultados obtidos pelo modelo de
desenvolvimento capitalista serviriam de
parâmetros ao modelo socialista? O Brasil,
vítima desse equívoco, abriu sua economia
ao mercado, privatizou empresas públicas
para atrair investimentos estrangeiros. Uma
nação deveria ousar viver de seus próprios
recursos, mas com saúde, educação e
dignidade.
Ainda que os antigos regimes
socialistas cedam a ilusão capitalista, como
hoje ocorre com os países do Leste europeu,
é inútil supor que o restrito grupo das sete
potencias capitalistas mais ricas (Estados
Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Itália,
Alemanha e Japão) tenha qualquer intenção
de admitir novos sócios em seu seleto grupo.
Quem tentar terá o mesmo destino
que o Brasil, que se mantém dependente e
cada vez mais endividado, apesar de todas
as concessões feitas ao capital globalizado.
No capitalismo, não se dá, se lucra.
Na busca de justiça e liberdade, a
humanidade não tem alternativa fora do
socialismo. A complexidade do sistema
econômico (modo de produção) de uma
nação não pode mais ser confiada a pessoas
ou grupos privados. Nas sistêmicas
reclamações de que os serviços públicos não
funcionam, perde-se a dimensão de que, de
fato, funcionam exclusivamente a sérvio de
uma minoria que domina o Estado.
Só uma sociedade que consiga
combinar socialização dos meios de
produção, ativa participação política dos
cidadãos e diversidade ideológica, sem
ameaça aos interesses coletivos. Dara
resposta a esperança de um futuro melhor
para a humanidade.
(Adaptado de: Clodovis Boff. Cartas teológicas
sobre o socialismo. Petrópolis, Vozes, 1989. p. 17.)
2.3.2 Globalização e exclusão social
A internacionalização do capitalismo atinge hoje quase todo o planeta, seja pela
expansão das empresas multinacionais, seja pelo processo de informatização, que coloca
milhões de pessoas em contato por meio de redes de computadores, seja pela abertura das
economias nacionais ao mercado internacional, seja pela ação do capital financeiro, que realiza
investimentos no mercado de capitais de todos os países. Esse novo processo é chamado de
globalização.
A globalização é marcada basicamente pela universalização da produção, da
circulação, da distribuição e do consumo de bens e serviços.
Para que o capital possa circular livremente, há necessidade de se eliminar as barreiras
comerciais entre países. Assim, bens e serviços podem ser mundialmente distribuidos a um
custo relativamente baixo.
O processo de globalização, contudo, não ocorre apenas na economia, mas se verifica
também nas áreas da informação, da cultura e da ciência. A produção industrial, antes restrita
a uns poucos países, alcança hoje uma escala sem precedentes na História. O mesmo ocorre
23
com o consumo, pois os mesmos produtos e bens são ofertados simultaneamente nos mais
diferentes recantos do planeta.
Quer ter uma ideia dos efeitos da globalização? Quando o Brasil disputou a partida final
com a Alemanha pela Copa do Mundo de Futebol de 2002, no Japão, o jogo pode ser
acompanhado pela televisão por mais de dois bilhões de pessoas (ou seja, um terço da
humanidade).
Assim também uma determinada marca de refrigerante, cuja matéria-prima pode ter
saído de qualquer região, é produzida em vários países por uma mesma empresa e consumida
por milhões de pessoas em todo o mundo. Processo semelhante ocorre com milhares de
produtos e serviços, o que torna o mundo cada vez mais homogêneo, com padrões de
consumo, cultura e informação uniformes.
Os avanços tecnológicos, principalmente em relação aos transportes e as
comunicações, são resultado da ação de grandes empresas que financiam pesquisas. A
informatização barateia o custo de produção das fábricas. Isso é necessário porque o
processo de globalização exige altos níveis de competitividade: é preciso produzir a preços
cada vez mais baixos para competir no mercado globalizado.
Entretanto, o objetivo das empresas de baixar seus custos de produção acaba gerando
desequilíbrios nas sociedades. O mais grave deles é o crescente número de desempregados,
que provoca, entre outros problemas, o aumento da exclusão social, da miséria e da violência
nas grandes cidades. Essas contradições da globalização são estudadas com certa
profundidade no texto a seguir.
Com o processo de
globalização, o capital
financeiro conquistou uma
posição ainda mais
dominante na economia de
todo o planeta. Expressão
dessa importância e o
movimento das bolsas de
valores. Para onde aflui o
capital financeiro especulativo
mundial, sempre em busca de
maiores lucros e maior
segurança. Ao primeiro sinal
de crise em um país, esses
capitais se retiram e são
instantaneamente aplicados
em outros centros mais
rentáveis e mais seguros.
Essas operações tornaram-se
possíveis com o usa das
redes de computadores Na
foto, movimento da Bolsa de
Valores de São Paulo
(Bovespa) em janeiro de
1995.
O fantasma do desemprego
Há muitas razões para inquietação
quanto ao futuro do mercado de trabalho e
ao crescimento da exclusão social no início
do século XXI, especialmente na periferia do
capitalismo. A estrutura do emprego esta
mudando rapidamente. Os desajustes
causados pela exclusão de parte crescente
da população mundial dos benefícios da
economia
global
e
a
progressiva
concentração de renda constituem-se no
principal problema das sociedades atuais,
sejam pobres ou ricas.
A exclusão social tem aumentado. Ela
significa a ameaça concreta de continua
marginalização de grupos sociais até
recentemente integrados ao processo de
24
desenvolvimento. Enquanto isso, a revolução
nas
tecnologias
de
informação
e
comunicação aumenta as aspirações de
consumo de grande parte da população
mundial, inclusive dos excluídos.
O processo de globalização também
restringe progressivamente o poder dos
Estados, reduzindo sua capacidade de
atuação. (...)
Esta se formando um novo padrão de
emprego, mais flexível, precário e desprovido
das garantias de estabilidade associadas à
norma convencional. O sentimento de
desamparo é reforçado pelo fato de o Estado
– desde o pós-guerra identificado como
guardião das garantias sociais – passar por
total reestruturação, perdendo parte de suas
funções sociais.
Nesse contexto, a pobreza –
entendida como incapacidade de satisfazer
necessidades básicas dos indivíduos – é o
princípio referencial da exclusão social. A
pobreza representa a dificuldade de acesso
real aos bens e serviços mínimos adequados
a uma sobrevivência digna das pessoas. Isso
inclui basicamente as necessidades físicas
elementares, como nutrição, vestimenta e
saúde. Mas abrange, também, atividades
sociais mais complexas, as funções nãopagas que a sociedade tem o direito de
esperar de seus membros, como cuidar dos
filhos, dos inválidos e participar de
movimentos políticos.
A maior ou menor disponibilidade de
emprego na economia global é a chave para
o entendimento da exclusão social. Daí a
necessidade de se dar ênfase a analise das
novas cadeias produtivas ensejadas pela
globalização e seus efeitos perversos nos
padrões de emprego. (...)
Se forem mantidas as tendências
atuais, as grandes cadeias de produção e
seus fornecedores globais continuarão a
gerar cada vez menos empregos diretos e
formais. (...) Na última década do século XX,
o
número
de
pessoas
diretamente
empregadas por empresas transnacionais
cresceu de forma mais lenta do que nas
décadas anteriores. (...) As principais causas
estão no baixo crescimento econômico e na
adoção de tecnologias poupadoras de mãode-obra. (...)
A economia global apesar de toda a
sua vitalidade, esta agravando a exclusão
social. Seu contínuo avanço não parece
garantir que as sociedades futuras possam
gerar – unicamente por mecanismos de
mercado – novos postos de trabalho, mesmo
que flexíveis compatíveis em renda e
qualidade com as necessidades mínimas da
grande maioria dos cidadãos.
(Adaptada de: Gilberto Dupas. O Estado de
S. Paulo, 2.4.99.)
FILMES SUGERIDOS
∗ Tempos modernos – Charles Chaplin
∗ Reds – Warren Beatty
∗ O encouraçado Potenkim – Sergei
Eisenstein
∗ Segunda-feira ao sol – Fernando León de
Aranoa
∗ Doutor Jivago – David Lean
∗ O homem de mármore – Andrzej Wajda
∗
∗
∗
∗
∗
∗
∗
Sem anestesia – Andrzej Wajda
O homem de ferro – Andrzej Wajda
A confissão – Costa-Gavras
O círculo do poder – Andrei Konchalovsky
Wall Street – Oliver Stone
Adeus, Lenin – Wolfgang Becker
Meu nome é Joe – Ken Loach
QUESTÕES PARA ESTUDO
1. O que é mercantilismo?
2. Qual o papel do lucro na sociedade capitalista?
3. O que você entende por mais-valia?
4. Enumere as principais diferenças entre o feudalismo e o capitalismo.
5. Qual a classe social vitoriosa no capitalismo?
6. O que significa socialismo?
7. O que é globalização?
25
SEGUNDO TRIMESTRE
1 CLASSES SOCIAIS E ESTRATIFICAÇÃO
Todos sabem, pela própria experiência do dia-a-dia, que nossa sociedade apresenta
contradições e desigualdades. Nas grandes cidades, por exemplo, ao lado de mansões
luxuosas encontramos favelas e pessoas morando embaixo de viadutos.
Vivemos, portanto, em uma sociedade profundamente desigual. Se quisermos fazer
uma descrição desse tipo de sociedade, podemos trabalhar com o conceito de estratificação
social. Mas se nosso objetivo for analisar historicamente os conflitos entre os diversos grupos
que a compõem, devemos recorrer ao conceito de classes sociais.
Seja qual for o método escolhido, é preciso levar em conta também que alguns
indivíduos ou mesmo grupos de pessoas podem mudar de posição social. Para estudar esses
casos utilizamos o conceito de mobilidade social. Estratificação, classes e mobilidade social.
Esta unidade é dedicada ao estudo dos três conceitos.
1.1 Estratificação social
A expressão estratificação deriva de estrato, que quer dizer camada. Por estratificação
social entendemos a distribuição de indivíduos e grupos em camadas hierarquicamente
superpostas dentro de uma sociedade. Essa distribuição se dá pela posição social dos
indivíduos, das atividades que eles exercem e dos papéis que desempenham na estrutura
social.
Assim, em determinadas sociedades podemos dizer que as pessoas estão distribuídas
pelas camadas: alta (classe A), média (classe B) ou inferior (classe C), que correspondem a
graus diferentes de poder, riqueza e prestígio.
Na sociedade capitalista contemporânea, as posições sociais são determinadas
basicamente pela situação dos indivíduos no desempenho de suas atividades produtivas.
Dessa forma, os grandes empresários, donos de terras, banqueiros e grandes comerciantes
estão no topo da sociedade por disporem de uma grande quantidade de capital ou de meios de
produção. Em contrapartida, os trabalhadores estão na base inferior da sociedade por
disporem unicamente de sua força de trabalho, e não de capital ou meios de produção.
Entretanto, dentro dessa mesma sociedade os indivíduos podem desempenhar outros
papéis e alcançar novas posições sociais, relacionadas com a religião que praticam o partido
político em que militam, as funções sociais que desempenham a profissão que exercem e
outras atividades.
Esses diferentes papéis estão interligados. Entretanto, para efeitos didáticos, vamos
começar por separá-Ios e classificá-Ios.
1.1.1 Principais tipos de estratificação social
Estratificação econômica. Definida pela posse de bens materiais, cuja distribuição
pouco equitativa faz com que haja pessoas ricas, pobres e em situação intermediaria.
Estratificação política. Estabelecida pela posição de mando na sociedade (grupos que
tem poder e grupos que não têm).
Estratificação profissional. Baseada nos diferentes graus de importância atribuídos a
cada profissional pela sociedade. Por exemplo, em nossa sociedade a profissão de médico é
muito mais valorizada do que a de pedreiro. Como já vimos os aspectos econômicos, político,
social e cultural de uma sociedade estão interligados, bem como os vários tipos de
estratificação. No entanto, ao longo da História, o aspecto econômico tem sido mais
determinante do que os outros no processo de estratificação social e na caracterização da
sociedade.
26
A estratificação econômica
Para tornar mais clara a estratificação econômica numa sociedade vamos recorrer a
duas simulações.
1. Reunimos as pessoas em grupos conforme seu nível de renda.
2. Dividimos os grupos em camadas hierarquizadas, isto é, uma superior, uma intermediaria e
uma inferior.
Obtemos assim o quadro geral de uma estratificação econômica baseada em faixas de
renda.
• Grupo ou camada A - pessoas de renda alta.
• Grupo ou camada B - pessoas de renda média.
• Grupo ou camada C - pessoas de renda baixa.
Na figura a seguir, temos uma pirâmide social dividida em estratos, segundo o critério
"nível de renda". Na camada de baixo, a mais ampla, estão representados os indivíduos de
baixa renda, o grupo ou camada C. No topo, no estrato mais estreito, estão representadas as
pessoas de maior renda, que pertencem ao grupo A. Na camada intermediaria estão incluídas
as de renda média, que pertencem ao grupo B.
A pirâmide da ilustração mostra
graficamente a estratificação social de uma
sociedade, ou seja, como ela esta dividida
em estratos ou camadas sociais.
Dependendo do tipo de sociedade,
esses estratos ou camadas podem ser
organizados em:
• castas (como ocorre na Índia);
• estamentos ou estados (Europa durante o
feudalismo);
• classes sociais (sociedades capitalistas).
Cada uma dessas formas de
estratificação tem características próprias,
como veremos a seguir.
1.2 Tipos de sociedades estratificadas
Vamos estudar agora as principais características dos três tipos de estratificação social
mencionados.
Castas sociais
Existem sociedades em que os indivíduos nascem numa camada social mais baixa e
podem alcançar, com o decorrer do tempo, uma posição social mais elevada. Esse fenômeno é
conhecido como mobilidade social (veja mais adiante).
Em contrapartida, existem sociedades em que, mesmo usando toda a sua capacidade e
empregando todos os esforços, o indivíduo não consegue alcançar uma posição social mais
elevada. Nesses casos, a posição social lhe é atribuída por ocasião do nascimento,
independentemente de sua vontade. Ele carrega consigo, pelo resto da vida, a posição social
herdada.
A sociedade indiana é estratificada dessa maneira. Há séculos, a população da Índia
esta distribuída em um sistema de estratificação social rígido e fechado, que não oferece a
menor possibilidade de mobilidade social. É o sistema de castas.
27
Enquanto nas sociedades ocidentais pessoas de níveis sociais diferentes podem se
casar – o que não raro possibilita a ascensão social de um dos cônjuges –, na Índia o
casamento só é permitido entre pessoas da mesma casta.
As castas são grupos sociais fechados, cujos membros seguem rigorosamente as
tradições familiares.
Um indivíduo nascido em determinada casta deve permanecer nela pelo resto da vida.
Sua posição social é definida ao nascer. Além de direitos e deveres específicos, as pessoas
não podem ascender socialmente mediante qualidades pessoais, mérito ou realizações
profissionais.
Pode-se esquematizar a estratificação social indiana por meio da seguinte pirâmide de
castas:
No topo da pirâmide estão os brâmanes, que são os sacerdotes e os mestres da
erudição sacra. Segundo sua crença, a eles compete preservar a ordem social, estabelecida
por orientação divina.
A seguir, distribuidos pela segunda casta, vem os xátrias, guerreiros que formam a
aristocracia militar.
A terceira grande casta – a dos vaixás – é formada pelos comerciantes, artesãos e
camponeses. Os sudras, por sua vez, executam os trabalhos manuais e diversas tarefas
servis. São uma casta depreciada, tendo o dever de servir às três castas superiores.
Na base da pirâmide social ficam os párias, grupo de miseráveis, desprovidos de
direitos e sem profissão definida. Totalmente desprezados pelas demais castas, vivem da
caridade alheia. Os párias não podem banhar-se nas águas sagradas do rio Ganges (o que é
permitido às outras castas), nem ler os Vedas, que são os livros sagrados dos hindus.
Embora o sistema de castas tenha sido abolido oficialmente em 1947, quando a Índia
conquistou a independência sob a liderança de Mahatma Gandhi, basta percorrer o país para
constatar que, na prática, o antigo regime sobrevive. Os indianos das castas superiores não
aceitam perder seus privilégios, e os membros das castas inferiores e os "sem castas"
continuam sendo excluídos, rejeitados, privados de educação formal e de outras
oportunidades. Cabem a eles as piores tarefas, como limpar fossas e lavar cadáveres.
Na segunda metade do século XX, reformas sociais e mudanças na economia da Índia,
impulsionadas pela industrialização, começaram a romper o sistema de divisão em castas.
Assim, nos grandes centros urbanos do país, como Nova Délhi, Bombaim e Calcutá, a abolição
do sistema vem ocorrendo gradativamente. Entretanto, ele ainda perdura na maior parte da
Índia rural.
28
Estamentos ou estados
Um exemplo típico de sociedade estratificada em estamentos pode ser encontrado na
Europa ocidental durante a Idade Média (476-1453), sob a vigência do modo de produção
feudal.
Estamento ou estado é uma camada social semelhante à casta, porém um pouco mais
aberta. Na sociedade estamental, a mobilidade social é difícil, mas não impossível, como na
sociedade estratificada em castas.
Na sociedade feudal, a ascensão era possível nos raros casos em que a Igreja
recrutava seus membros entre os mais pobres; quando os servos eram emancipados por seus
senhores; no caso de o rei conferir um título de nobreza a um homem do povo; ou, ainda, se a
filha de um rico comerciante se casasse com um nobre, tornando-se, assim, membro da
aristocracia.
A pirâmide social da sociedade estamental durante o feudalismo europeu apresentavase da seguinte maneira:
No vértice da pirâmide encontravam-se a nobreza e o alto clero. Eram os donos da
terra, da qual obtinham renda explorando o trabalho dos servos. Os nobres dedicavam-se a
guerra e a caça, cuidavam da administração do feudo e exerciam o poder judiciário em seus
feudos.
O alto clero (cardeais, arcebispos, bispos, abades) era uma elite eclesiástica e
intelectual. Seus membros vinham da nobreza. Constituíam também a única camada letrada na
primeira fase do período medieval, desempenhando importantes funções administrativas.
Abaixo da camada dos nobres, encontravam-se os comerciantes. Embora ricos, muitas
vezes eles não tinham os mesmos privilégios da nobreza. Além disso, suas atividades sofriam
uma série de restrições legais. Tais restrições foram desaparecendo a medida que o
feudalismo entrou em declínio.
Mais abaixo estavam os artesãos, os camponeses livres e o baixo clero. Os artesãos
viviam nas cidades, reunidos em associações profissionais, as corporações de ofício; os
camponeses livres trabalhavam a terra e vendiam seus produtos agrícolas nas vilas e cidades;
o baixo clero, originário da população pobre, convivia com o povo prestando-Ihe assistência
religiosa.
Abaixo de todos estavam os servos, que trabalhavam a terra para si e para seus
senhores, vivendo em condições precárias: estavam ligados a terra, passando a ter novo
senhor quando a terra mudava de dono.
A divisão da estrutura social em estamentos – que representou um tipo intermediário
entre a casta e a classe – o era encontrada na Europa ate fins do século XVIII.
29
Classe social
Já vimos como é possível descrever a divisão da sociedade em estratos ou camadas.
Agora, vamos conhecer outra abordagem da divisão social, baseada no conceito de classes
sociais.
Mas, atenção: estamos acostumados a ver, sobretudo na mídia e nas pesquisas de
mercado, a palavra "classe" como sinônimo de camada ou estrato. Não é disso que se trata. O
que estudaremos agora é o conceito de classe social tal como é abordado na literatura
sociológica. Desenvolvido pelo pensador alemão Karl Marx, esse conceito parte de premissas
próprias, segue critérios específicos e sua aplicação leva a conclusões totalmente diferentes
das que podem ser encontradas nos estudos que analisam a sociedade segundo o modelo
descritivo da estratificação social.
Na unidade anterior aprendemos que, para Marx, a história da humanidade é "a história
da luta de classes". Segundo esse autor, portanto, a classe social é acima de tudo uma
categoria histórica. Quando Marx se refere às duas grandes classes do capitalismo – a
burguesia e o proletariado –, esta designando duas forças motrizes e concretas do modo de
produção capitalista, um sistema econômico historicamente determinado.
O próprio Marx, no entanto, não reivindicava a descoberta das classes sociais nem da
luta de classes, mas sim a "demonstração de que a existência das classes só se liga a
determinadas fases históricas de desenvolvimento da produção". Marx atribuía uma
importância particular aos conflitos entre as classes. Para ele, são esses conflitos que
constituem o principal fator de mudança social. Seriam esses conflitos, portanto, que
imprimiriam movimento e dinamismo à sociedade.
Para Karl Marx, a classe
capitalista (burguesia)
precisa da classe operária
(proletariado) para
produzir, criar riquezas e
faze-Ias circular. Existe,
assim, uma relação de
complementaridade entre
as duas grandes classes
do modo de produção
capitalista. Entretanto,
essa relação é também
de antagonismo, pois o
proletariado esta,
segundo Marx, em
confronto aberto e
permanente com a
burguesia. Na foto,
operários da construção
civil trabalham no alto de
um edifício em São Paulo,
em março de 2002. O
setor da construção civil
emprega cerca de 7% de
toda a força de trabalho
no Brasil.
Por outro lado, as classes sociais mudam ao longo do tempo, conforme as
circunstâncias econômicas, políticas e sociais. As contradições que mantém entre si forjam e
estruturam a própria sociedade. Quando os conflitos chegam a um ponto insuportável, ocorre
uma revolução que transforma a sociedade, modificando o modo de produção.
Foi o que aconteceu, como vimos, com o feudalismo: uma nova classe (a burguesia)
derrubou um velho estamento (a nobreza), gerando a sociedade capitalista. A Revolução
Francesa de 1789 foi uma das expressões dessa transforma.
Mas a nova sociedade capitalista, na concepção de Marx, já começou dividida em duas
grandes classes conflitantes: a burguesia (proprietária dos meios de produção) e do
proletariado, ou classe operária, que só tem de seu, a fúria de trabalho. Vladimir Lenin (18741924), líder da Revolução. Na Rússia de 1917 é um dos grandes pensadores marxistas, definiu
30
o sistema de classes da seguinte forma: "As classes são grupos de homens relacionados de tal
forma que uns podem apropriar-se do trabalho de outros por ocupar posições diferentes num
regime determinado de economia social".
Na definição de Lenin, esses homens e mulheres que formam as classes sociais se
diferenciam entre si pelo lugar que ocupam na produção. Alguns desempenham cargos de
direção e são proprietários de fábricas e empresas de todo tipo (meios de produção); outros
apenas executam as tarefas determinadas pelos chefes em troca de um salário: São os
trabalhadores. Dessa forma, é a propriedade privada dos meios de produção que constitui a
base econômica da divisão de nossa sociedade em classes.
Essa divisão baseada no regime de propriedade faz com que uma classe seja
dominante, e a outra, dominada, numa relação sistemática de dominação e exploração.
Assim, a teoria das classes não se limita a descrever as divisões da sociedade em
camadas, como faz o modelo da estratificação social, mas procura explicar como e por que
elas ocorrem historicamente. As classes sociais só existem a partir da relação que
estabelecem entre si. Nesse sentido, as classes são, além de antagônicas, necessariamente
complementares. A burguesia, por exemplo, não pode existir sem o proletariado.
Complementares, porque são elas que fazem funcionar o sistema. Antagônicas, porque
uma delas (a burguesia) se apropria do trabalho da outra (o proletariado), o que gera o conflito
permanente.
As classes médias
Entre a burguesia e o proletariado existem outros grupos que se movem entre as duas
classes fundamentais, oscilando de uma para a outra. Alguns desses grupos são denominados
genericamente de classes médias, ou pequena burguesia.
A pequena burguesia constitui um setor muito numeroso, que abrange desde o dono de
um pequeno armazém até os pequenos e médios proprietários de terra, passando por todos os
assalariados que trabalham em escritórios, funcionários públicos e profissionais liberais.
Ao contrário da burguesia e do proletariado, que atuam diretamente na produção social,
entre as classes médias (também chamadas de classe media, no singular, por muitos autores)
misturam-se múltiplos papéis. Não se trata, portanto, de uma classe política e socialmente
homogênea.
Segundo Karl Marx, essa heterogeneidade das classes médias explica por que, nos
conflitos sociais e políticos, elas oscilam tanto, ora apoiando os interesses da grande
burguesia, ora apoiando os interesses dos trabalhadores.
Marx e a luta de classes
Uma classe oprimida é a condição
vital de toda sociedade fundada no
antagonismo entre classes.
A grande indústria aglomera num
mesmo local uma multidão de pessoas que
não se conhecem. A concorrência divide
seus interesses. Mas a manutenção do
salário, esse interesse comum que têm
contra seu patrão, reune-os num mesmo
pensamento de resistência e coalizão (isto é,
os trabalhadores se organizam em sindicatos
e outras formas de associação para lutar
pelos seus direitos).
Portanto, a coalizão tem sempre um
duplo objetivo: cessar a concorrência entre
os trabalhadores e realizar uma concorrência
geral contra o capitalista.
O primeiro objetivo da resistência é
apenas a manutenção do salário. Mas, na
medida em que os capitalistas se unem para
reprimir a resistência dos trabalhadores, as
coalizões também se unificam. E a
manutenção da resistência torna-se mais
importante do que a manutenção do salário.
Nessa luta – verdadeira guerra civil –
concentram-se e se desenvolvem todos os
elementos necessários a uma batalha futura.
E, uma vez que se chega a esse ponto, a
associação adquire um caráter político.
(Adaptado de: Karl Marx. Miséria da Filosofia.
2ª ed. Rio de Janeiro: Leitura, 1965. p. 81, 83, 89.)
31
1.3 Mobilidade social
Em maio de 1953, Lourenço Carvalho de Oliveira, nascido na pequena aldeia de Vigia,
no norte de Portugal, desembarcou no porto de Santos, no litoral de São Paulo, depois de onze
dias de viagem na terceira classe do transatlântico Vera Cruz. Em sua terra, deixara a mulher e
três filhos pequenos vivendo graças à solidariedade de parentes e vizinhos.
Foi morar de favor na casa de um primo e arrumou emprego como ajudante num bar.
Economizou muito, mandou buscar a família e conseguiu, depois de anos de trabalho e
privações, abrir uma pequena venda em sociedade com um amigo. O negócio foi crescendo:
primeiro uma mercearia, depois um mercado, a seguir um supermercado. Em 1988, 35 anos
depois de chegar ao Brasil, o Sr. Lourenço era dona de uma grande rede de supermercados,
tendo se tornado um dos mais influentes membros da Associação Comercial de São Paulo.
Seus filhos têm curso superior e um deles é professor na Universidade de São Paulo.
Essa história de vida mostra que os indivíduos, numa sociedade capitalista, podem
chegar a ocupar diferentes posições sociais – ou estratos – durante a vida. É possível que
alguns deles, que integram o estrato de baixa renda (camada C), passem a integrar o de renda
média (camada B) ou mesmo o de renda alta (camada A).
Por outro lado, alguns indivíduos da camada A podem ter sua renda diminuída,
passando a integrar as camadas B ou C. Do ponto de vista sociológico, os dois fenômenos são
caracterizados como manifestações de mobilidade social.
Mobilidade social é a mudança de posição social de uma pessoa (ou grupo de pessoas)
num determinado sistema de estratificação social.
Em uma sociedade aberta e democrática, é comum pessoas
de um grupo social passarem para outro grupo, mais ou
menos elevado na escala social. A esse fenômeno, que tanto
pode ser ascendente como descendente, da-se o nome de
mobilidade social. No Brasil, a chegada do ex-metalúrgico
Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, em
janeiro de 2003, é expressão dessa mobilidade. Com ele,
passaram a integrar o governo diversas pessoas
provenientes das camadas mais baixas da sociedade. É o
caso, por exemplo, de Marina Silva, ministra do Meio
Ambiente (na foto, com o pai em Brasília, em 2003), que foi
seringueira no Acre e só pode estudar a partir dos 17 anos.
1.3.1 Tipos de mobilidade social
Quando as mudanças de posição social
ocorrem no sentido ascendente ou descendente
na hierarquia social, dizemos que a mobilidade
social é vertical. Quando a mudança de uma
posição social a outra se opera dentro da mesma
camada social, diz-se que houve mobilidade
social horizontal (veja mais adiante).
Um árduo caminho rumo ao topo
Mobilidade social é um termo neutro
no universo das Ciências Sociais. Ele pode
indicar algo positivo a respeito de um país,
caso as pessoas estejam ascendendo na
pirâmide que define as classes sociais. E
também pode ser negativo se o movimento
for inverso.
No Brasil, mobilidade social, sob a
forma de Ascensão, ainda esta entre as mais
altas do mundo, apesar da crise econômica
dos últimos anos.
O
sociólogo
José
Pastore,
especialista no assunto, lembra que, do
universo dos que se movem, 80% subiram
32
na escala social e 20% desceram em uma
geração. “A maioria das famílias brasileiras
esta em condições melhores do que a
geração anterior” reforça Pastore. Segundo o
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), 40% das pessoas vivem melhor
hoje do que ha vinte anos.
De forma geral, pode-se afirmar que
um país com tal mobilidade social deveria
estar se transformando num modelo de
sociedade homogênea e igualitária, algo
como a Suécia, por exemplo.
A classe que engloba os mais
abastados, que era formada por 3,5% dos
brasileiros no passado, hoje chega a 5%,
segundo dados de Pastore. É um aumento
significativo, mas outros aspectos ligados ao
desenvolvimento da economia brasileira
sugerem que os indicadores a respeito da
distribuição de renda talvez não sejam tão
animadores. A maioria dos brasileiros esta
subindo apenas um pouco. E o avanço social
de algumas famílias esta ligado ao fracasso
de outras.
Se o Brasil entrar numa nova fase de
crescimento de sua economia! É possível
que isso mude. A base de superação das
desigualdades sociais já está sendo lançada:
ampliou-se
oferta
de
vagas
nas
universidades por exemplo. No Brasil, a
número de matrículas no ensino superior
treplicou em uma década, e o país esta
superando a atraso histórico de sua
educação em relação à Argentina.
(Veja Especial, maio 2002)
Mobilidade social vertical
A mobilidade social vertical pode ser:
ascendente ou de ascensão social – quando a pessoa melhora sua posição no sistema de
estratificação social, passando a integrar um grupo economicamente superior a seu grupo
anterior;
descendente ou de queda social – quando a pessoa piora de posição no sistema de
estratificação, passando a integrar um grupo economicamente inferior.
O filho de um operário que, por meio do estudo, passa a fazer parte da classe média é
um exemplo de ascensão social. A falência e o consequente empobrecimento de um
comerciante, em contrapartida, é um exemplo de queda social.
Assim, tanto a subida quanto a descida na hierarquia social são manifestações de
mobilidade social vertical.
Mobilidade social horizontal
Uma pessoa se muda do interior para a capital. No interior, ela defendia ideias políticas
conservadoras; agora, na capital, sob novas influências, passa a defender as ideias de um
partido progressista. Seu nível de renda, porém, não se alterou substancialmente. A situação
mostra uma pessoa que experimentou alguma mudança de posição social, mas que, apesar
disso, permaneceu no mesmo estrato social.
Assim, a mudança de uma posição social dentro da mesma camada social caracterizase como mobilidade social horizontal.
1.4 Democracia e mobilidade social
O fenômeno da mobilidade social varia de uma sociedade para outra. Em algumas
sociedades ela ocorre mais facilmente; em outras, praticamente inexiste no sentido vertical
ascendente. É mais fácil ascender socialmente nos Estados Unidos, por exemplo, do que no
interior da Índia, ainda dominado pela estratificação social em castas.
A mobilidade social ascendente é mais frequente numa sociedade democrática aberta,
que enaltece a escalada rumo ao topo de indivíduos de origem humilde – como nos Estados
Unidos –, do que numa sociedade de tradição aristocrática, como a Inglaterra.
33
Entretanto, é bom esclarecer que, mesmo numa sociedade capitalista mais aberta, a
mobilidade social vertical não se dá de maneira igual para todos os indivíduos. A ascensão
social depende muito da origem de classe de cada indivíduo.
Alguém que nasce e vive numa camada social elevada tem mais oportunidades e
condições de se manter nesse nível, ascender ainda mais e se sair melhor do que os
originários das classes inferiores.
Isso pode ser facilmente verificado no caso dos jovens que pretendem fazer o curso
superior. Aqueles que, desde o início de sua vida escolar, frequentaram boas escolas e, além
disso, estudaram em cursinhos preparatórios de boa qualidade, tem mais possibilidades de
aprovação nos vestibulares das universidades públicas e privadas do que os jovens
provenientes das classes de baixa renda.
FILMES SUGERIDOS
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Ghandhi – Richard Attenborough
O grande Gatsby – Jack Clayton
Queimada – Gillo Pontecorvo
O leopardo – Luchino Visconti
O senhor da guerra – Franklin Schaffner
Agora ou nunca – Mike Leigh
Barry Lyndon – Stanley Kubrick
Ver-te-ei no inferno – Martin Ritt
Norma Rae – Martin Ritt
A classe operária vai ao paraíso – Elio
Petri
∗ Agora ou nunca – Mike Leigh
∗
∗
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QUESTÕES PARA ESTUDO
1. Estabeleça a relação entre estratificação social e mobilidade social.
2. Entre os tipos de estratificação social, um deles tem sido o determinante. Dê o nome desse
tipo de estratificação social e explique sua importância na caracterização da sociedade.
3. Compare a mobilidade social nas sociedades de castas, estamentos e classes sociais. Se
preferir, faça um quadro ou um esquema.
4. Em que estrato a mobilidade social ocorre com mais facilidade?
5. O que você entende por classe social?
6. Qual a contradição fundamental entre as duas principais classes da sociedade capitalista?
7. Como você define as classes médias?
8. Pesquise dados que possibilitem formar uma ideia sobre a estratificação social no Brasil de
hoje.
34
2 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS
Desde que nascemos, começamos a aprender as regras e os procedimentos que
devemos seguir na vida em sociedade. À medida que a criança cresce e passa a entender
melhor o mundo em que vive, percebe que em todos os grupos de que participa existem certas
regras importantes e certos padrões de comportamento que a sociedade considera
fundamentais. Essas regras, instituídas pelos nossos antepassados, sofreram modificações ao
longo do tempo. A sociedade exerce pressão sobre cada indivíduo para que todas elas sejam
cumpridas.
2.1 O que é instituição social
Quando se observa qualquer grupo social estável e de existência duradoura – seja a
família, seja a Igreja, a escola ou uma empresa –, verifica-se que eles subsistem graças a
existência de regras e procedimentos padronizados, cujo objetivo fundamental e manter a
coesão interna do grupo e satisfazer certas necessidades da sociedade da qual ele faz parte.
As estruturas sociais estáveis (ou formas de organização) baseadas em regras e
procedimentos padronizados, socialmente reconhecidos, aceitos, sancionados e seguidos pela
sociedade são denominadas instituições sociais.
Assim, instituição é toda forma ou estrutura social instituída, constituída, sedimentada
na sociedade. São os modos de pensar, de sentir e de agir que a pessoa, ao nascer, já
encontra estabelecidos e cuja mudança se faz lentamente, muitas vezes com dificuldades. As
instituições são formadas para atender a necessidades sociais de uma sociedade. Elas servem
também de instrumento de regulação e controle das atividades dos membros dessa sociedade.
No estudo das instituições sociais, dois aspectos devem ser levados em conta: as
diferenças entre grupo e instituição e a interdependência entre as instituições.
2.2 Grupo social e instituição social
Apesar de dependerem um do outro, grupo e instituição são duas realidades distintas.
Os grupos sociais são reuniões de indivíduos com objetivos comuns, envolvidos num processo
de interação mais ou menos continuo. Já as instituições sociais se referem a regras e
procedimentos que se aplicam a diversos grupos.
Por exemplo: o pai, a mãe e os filhos formam um grupo primário; as regras e os
procedimentos que regulamentam essa relação fazem parte da instituição familiar. Isso
significa que as mesmas regras e normas de conduta de uma família valem para todas as
famílias de uma determinada sociedade, já que elas assumem um caráter institucional.
Outro exemplo. Os membros de uma empresa constituem um grupo social formado por
acionistas, administradores, prestadores de serviços e empregados. As relações entre essas
pessoas são reguladas por leis, regras e padrões que objetivam fazer a empresa funcionar e
dar lucro aos proprietários. Essas normas caracterizam a instituição econômica, pois seus
preceitos são igualmente aplicados em todas as empresas.
2.3 Interdependência entre as instituições
Vamos começar com um exemplo. A escravidão era uma instituição que existiu no
Brasil até 1888. Com a libertação dos escravos, as instituições econômicas do país sofreram
profundas transformações: deixou de haver trabalho escravo e os trabalhadores passaram a
receber salário. Como resultado, as instituições familiar, religiosa e educacional foram
igualmente afetadas por essa mudança institucional e tiveram de reorganizar seu sistema de
status, seus padrões de comportamento e suas normas jurídicas em relação aos ex-escravos.
O exemplo mostra que uma instituição não existe isolada das outras. Há entre elas uma
relação de interdependência, de tal forma que qualquer alteração em determinada instituição
pode acarretar mudanças maiores ou menores nas outras.
35
2.4 Principais tipos de instituição
As principais instituições sociais são: A família, o Estado, as instituições educacionais, a
Igreja e as instituições econômicas.
2.4.1 A família
Embora as normas sociais institucionalizadas determinem as regras de funcionamento
da instituição familiar, cada família tem ainda suas próprias normas de comportamento e
controle. Em cada grupo familiar, seus integrantes se reconhecem biológica e culturalmente,
porque cada família tem uma cultura particular. Grupo primário de forte influência na formação
do indivíduo, a família é o primeiro corpo social no qual os indivíduos convivem.
É um tipo de agrupamento social cuja estrutura varia em alguns aspectos no tempo e no
espaço. Essa variação pode se referir ao número e a forma do casamento, ao tipo de família e
aos papéis familiares.
Número de casamentos
Quanto ao número de casamentos, a família pode ser monogâmica ou poligâmica. A
família monogâmica é aquela em que cada marido e cada mulher tem apenas um cônjuge,
quer essa relação seja estabelecida por uma aliança indissolúvel (até a morte), quer se admita
o divórcio (como é o caso da nossa sociedade). A lei brasileira permite um novo casamento
após o término do casamento anterior.
A família poligâmica é aquela em que cada esposo pode ter dois ou mais cônjuges. Ao
casamento de uma mulher com dois ou mais homens da-se o nome de poliandria. Esse tipo de
família existe, por exemplo, entre as tribos do Tibete e entre os esquimós. O casamento de um
homem com várias mulheres chama-se poliginia. Essa prática pode ser encontrada entre
certas tribos africanas, entre os mórmons e entre os povos que seguem a religião muçulmana.
Formas de casamento
Quanto às formas de casamento, temos a endogamia e a exogamia.
Endogamia quer dizer casamento permitido apenas dentro do mesmo grupo, da mesma tribo.
Era uma forma de casamento muito comum nas sociedades primitivas, sendo encontrado ainda
hoje no sistema de castas da Índia e em algumas famílias do Nordeste brasileiro.
Exogamia é o tipo de casamento encontrado na maioria das sociedades modernas;
trata-se da união com alguém de fora do grupo, entre pessoas de religião, raça ou classe social
diferentes. No texto a seguir, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss analisa a instituição do
casamento entre indígenas brasileiros.
Casamento: uma exigência social
Em toda parte, existe alguma forma de distinção entre os casamentos, isto é, um
vínculo legal e aprovado pelo grupo entre um homem e uma mulher, é o tipo de união livre,
permanente ou temporária, que resulta do consentimento ou da violência. De modo geral em
quase todas as sociedades se estabelece uma distinção entre as uniões livres e as uniões
legítimas.
Pode-se afirmar que quase todas as sociedades conferem alto grau de distinção ao
estado de casado. Onde existem graduações de idade, estabelece-se uma relação entre o
grupo de adolescentes mais jovens, os solteiros menos jovens, os casais sem filhos e os
adultos com plenos direitos.
O que é ainda mais notável é o verdadeiro sentimento de repulsa que a maioria das
sociedades demonstra para com os solteiros. De modo geral pode-se dizer que entre as
chamadas tribos primitivas não existem solteiros, pela simples razão de que estes não
poderiam sobreviver.
Uma das minhas recordações mais vivas foi meu encontro, entre os índios Bororo do
Brasil Central com um homem de cerca de trinta anos de idade, sujo, mal alimentado, triste e
36
solitário. Ao perguntar se esse homem estava seriamente doente, a resposta dos nativos
constituiu uma surpresa: que tinha a coitado? – absolutamente nada, apenas era solteiro.
De fato, os Bororo são uma sociedade em que o trabalho é sistematicamente dividido
entre o homem e a mulher e somente o estado de casado permite ao homem beneficiar-se dos
frutos do trabalho feminino, inclui-se aí a eliminação dos piolhos, a pintura do corpo, a
depilação e ainda os alimentos vegetais e os alimentos cozidos, pois a mulher bororo lavra a
solo e fabrica as panelas de barro. Nesse tipo de sociedade, um solteiro é, na realidade,
apenas meio ser humano.
(Adaptado de: Claude Lévi-Strauss. A família. Em: Harry L. Shapiro. Homem, cultura e sociedade. Rio de
Janeiro, Fundo de Cultura, 1972. p. 314-5.)
Tipos de famílias e suas funções
Entre várias possibilidades, vamos classificar a família em dois tipos básicos:
• família conjugal ou nuclear – é o grupo que reúne o marido, a mulher e os filhos;
• família consanguínea ou extensa – é o que reúne, além do casal e seus filhos, outros
parentes, como avós, netos, genros, noras, primos e sobrinhos.
Entre as principais funções da família podem ser destacadas:
• a função sexual e reprodutiva - garante a satisfação dos impulsos sexuais dos cônjuges e
perpetua a espécie humana com o nascimento de filhos;
• a função econômica - aquela que assegura os meios de subsistência e bem-estar de seus
membros;
• a função educacional - responsável pela transmissão a criança dos valores e padrões
culturais da sociedade; ao cumprir essa função, a família se torna o primeiro agente de
socialização do indivíduo.
Papeis familiares
A sociedade pós-industrial criou um novo padrão de família. Na cidade de São Paulo,
por exemplo, apenas 54,6% das famílias pertencem ao modelo formado por pai, mãe e filhos.
Relação semelhante se verifica na maioria das grandes cidades de todo o mundo.
No novo modelo, em rápido desenvolvimento, o "chefe de família" já não é apenas o
pai. A mãe, por sua vez, deixou de ser sinônimo de "rainha do lar". Os filhos são criados por pai
e mãe que trocam constantemente de papéis entre si, não sendo raro verem-se pais em casa
que cuidam dos filhos e mães que trabalham fora para sustentar a família. A participação do
homem em tarefas domésticas cresceu mais de 43% no Brasil na década de 1990.
Apesar de atravessar uma
crise que já dura várias
décadas, a família continua
a ser uma das mais sólidas
instituições jamais criadas
pelo ser humano. Herança
de um passado remoto, ela
constitui um grupo primário
ligado por laços de afeto,
no qual o indivíduo dá,
literalmente, os primeiros
passos no processo de
socialização. Ao lado,
família de lavradores no
sertão de Bodocó,
Pernambuco, 16.01.91. No
fundo, o verde da
vegetação indica chuvas
recentes em um lugar
habitualmente flagelado por
secas periódicas.
37
Da mesma forma, os índices de divórcio cresceram acentuadamente, tanto no Brasil
quanto nos países mais desenvolvidos. Metade dos casamentos nos Estados Unidos termina
em separação. Nesse país, a proporção de divorciados em relação ao número de casados
quadruplicou em apenas trinta anos.
Ao mesmo tempo, o número de filhos de mães solteiras, proporcionalmente ao número
de nascidos vivos nos Estados Unidos, subiu de 5% em 1940 para 32% em 1995. Essa
proporção esta próxima dos 60% em muitos países escandinavos; a Grã-Bretanha, o Canadá e
a França também alcançaram níveis comparáveis aos dos norte-americanos.
A função nuclear reprodutiva da família esta igualmente ameaçada: a fertilidade caiu tão
dramaticamente na Itália, Espanha e Alemanha que esses países estão em via de perder 30%
da população em cada geração.
Produto do divórcio, do abandono, da viuvez e da competitividade, a nova família é
monoparental: em muitos casos, os filhos moram só com o pai ou só com a mãe, quase nunca
com os dois juntos, Nos Estados Unidos, um estudo comprova que uma criança de hoje vive,
em média, pelo menos cinco anos de sua vida somente com o pai ou somente com a mãe,
Entretanto, apesar das transformações verificadas especialmente nos últimos trinta
anos, o modelo de família nuclear parece continuar predominando. Isso ocorre porque, em
grande parte, a família nuclear tem conseguido se adaptar as mudanças ocorridas nos papéis
exercidos pelos seus membros, Nesse processo, ela própria parece estar se modificando.
A instituição familiar no Brasil
Estudaremos agora os processos de mudança pelos quais vem passando a família
brasileira nas últimas décadas. Nosso ponto de partida nesse estudo será o texto a seguir.
A família brasileira
A família brasileira vem passando por sensíveis mudanças. O desenvolvimento
industrial, a urbanização, as correntes migratórias, as alterações na divisão sexual do trabalho
e o surgimento de uma nova moral sexual seriam responsáveis por essas transformações.
Falar na família brasileira, de modo geral é uma tarefa complicada, pois coexistem
diferentes estruturas familiares em nossa sociedade, cada uma delas com suas
particularidades. Há a família operária, a burguesa, a que mora no campo, a de cidades
pequenas, a da grande metrópole, a família indígena etc. Apesar de toda essa diversidade,
sobressaem alguns traços predominantes, sobretudo com relação às famílias dos grandes
centros urbanos.
A partir dos dados dos últimos censos demográficos, é possível criar um "retrato" da
família brasileira, tomando como base a pesquisa realizada par Maria Cristina Aranha Bruchini,
da Fundação Carlos Chagas. A seguir, algumas de suas conclusões.
• Existe uma tendência a nuclearização. O tamanho médio da família brasileira vem diminuindo.
Em 1960, uma família era composta, em média, de cinco integrantes. Em 2000, as famílias
passaram a contar, em média, com 3,5 indivíduos.
• Nesse período, cresceu o número de famílias e diminuiu seu tamanho médio.
• É possível observar uma diminuição de casamentos religiosos e um aumento de uniões
apenas civis. Também ocorreu um aumento significativo no número de uniões livres.
• Cresceu a número de mulheres chefes de família, sobretudo solteiras, gerando novas
unidades, em geral menores, tanto pela ausência de fecundidade, em especial das mães
solteiras ou das que mantém uniões livres.
• Entre as famílias chefiadas por mulheres, predominam aquelas em que a mulher esta numa
etapa mais avançada de seu ciclo vital, com filhos acima dos 15 anos de idade.
38
• Os chefes de família tendem a ser ligeiramente mais velhos que os cônjuges (enquanto os
homens têm entre 30 e 45 anos, as mulheres têm entre 25 e 45 anos).
• Ocorreu um aumento da participação feminina na força de trabalho a partir da década de
1970, sobretudo entre mulheres casadas e com filhos pequenos.
• Em termos da relação entre o núcleo familiar e a esfera produtiva, observa-se que as famílias
nucleares dependem do trabalho do chefe da família, do filho maior de 18 anos e, em seguida,
do cônjuge feminino.
• Nas famílias extensas (famílias nucleares acrescidas de um parente), a chefe compartilha sua
responsabilidade com outro parente (irmão, cunhado, sobrinho etc.) e com o filho maior de 18
anos.
• Quanto mais elevada a renda familiar, menor a número de pessoas que precisam trabalhar
para garantir seu sustento, já nas famílias mais pobres, os filhos contribuem significativamente
na renda familiar, mas sua colaboração no rendimento do grupo muitas vezes é superada pelo
do cônjuge feminino .
(Adaptado de: Maria Luiza Dias. Vivendo em família. São Paulo, Moderna, 1992. p. 62-3.)
Pela leitura do texto, notamos que as mudanças ocorridas estão relacionadas com o
tipo de vida característico da sociedade industrial. Das 37,6 milhões de famílias existentes no
Brasil em 2002, as mulheres chefiavam 12,8 milhões. Do ponto de vista legal, a aprovação da
Lei do Divórcio em 1977 provocou mudanças importantes na instituição familiar. A partir dessa
lei, os casamentos podem ser desfeitos legalmente.
O novo Código Civil brasileiro, que entrou em vigor a partir de 10 de janeiro de 2002,
depois de nove anos de discussões no Congresso, é um exemplo de adaptação da legislação
brasileira as mudanças que estão ocorrendo na instituição familiar.
Entre as novidades do código, a expressão "família legitima", aquela formada pelo
casamento oficial, foi mudada para "família", que designa agora o grupo familiar formado tanto
pelo casamento civil ou religioso quanto pelas uniões livres entre os casais. Por sua vez, o
objetivo do casamento deixa de ser apenas a constituição de um lar, com muitos filhos, de
preferência, e passa a ser a estabelecimento de uma comunhão de vida entre os cônjuges.
Outra inovação é a substituição do "pátrio poder", que dava amplos poderes ao chefe da
família (o pai), pelo "poder familiar", ou seja, a responsabilidade da família passa a caber
igualmente aos dois integrantes do casal, que têm os mesmos direitos em todas as decisões
familiares, assim como na educação dos filhos.
No caso de separação do casal, a guarda dos filhos não cabe mais exclusivamente a
mãe, mas ao cônjuge que estiver em melhores condições sociais, econômicas e morais de
educá-Ios. O novo código também aboliu uma das leis mais anacrônicas da Justiça brasileira –
a que dava ao marido o legítimo direito de anular o casamento caso a noiva não fosse virgem.
Na verdade, todas essas mudanças apenas dão cunha legal às transformações que
estão ocorrendo na sociedade brasileira, na qual a mulher vem assumindo um papel destacado
na estrutura familiar. Além de trabalhar duro fora de casa, contribuindo para o sustento do lar,
ela ainda executa a maioria das tarefas domésticas, ocupando-se da limpeza da casa e da
alimentação e educação dos filhos.
2.4.2 A Igreja
Todas as sociedades conheceram e conhecem alguma forma de religião. Na verdade,
as crenças religiosas são um fato social universal, porque ocorrem em toda parte, desde os
tempos mais remotos. A crença em algum tipo de divindade é o sentimento religioso são
fenômenos comuns a todas as 8pocas e lugares do planeta.
Cada povo tem nas crenças religiosas um fator de estabilidade social e de obediência
às normas sociais da sociedade. Por isso, a religião sempre desempenhou uma função social
indispensável.
39
A religião envolve a crença em poderes sobrenaturais ou misteriosos. Essa crença esta
associada a sentimentos de respeito, temor e veneração, e se expressa em atitudes públicas
destinadas a lidar com esses poderes. Geralmente, todas as religiões têm seu lugar de culto:
igrejas, templos, mesquitas, sinagogas etc.
Para a antropóloga Ruth Benedict, a religião é uma instituição sem paralelo: enquanto a
origem de todas as outras instituições pode ser encontrada nas necessidades físicas do
homem, a religião não corresponde a nenhuma necessidade material específica.
A forma pela qual se expressa a religião varia muito. Cada sociedade acentua aspectos
diferentes em suas manifestações religiosas. Algumas atribuem importância maior a crença no
sobrenatural; outras, mais aos ritos e cerimoniais. As religiões ocidentais sofreram profundas
modificações com o desenvolvimento da economia industrial, quando o progresso da ciência e
das artes fez com que o ser humano passasse a ter uma nova visão de si mesmo e da vida em
geral. A partir dessa nova situação, as várias religiões no mundo têm procurado conciliar suas
doutrinas com o conhecimento científico.
É inegável a tendência moderna de dar mais ênfase aos valores sociais do que aos
dogmas religiosos. Prova disso é o surgimento, na Igreja católica, da doutrina da Teologia da
Libertação, que defende o engajamento da instituição religiosa na luta contra as desigualdades
e por justiça social. Muitos movimentos religiosos têm defendido uma participação maior das
Igrejas nos problemas sociais contemporâneos e tem procurado ressaltar mais as questões
éticas do que os dogmas religiosos.
Em contrapartida, os grupos mais conservadores das Igrejas caminham em direção
oposta, defendendo o apego a tradição e dando ênfase às atividades missionárias e a salvação
da alma.
O desmoronamento do sistema comunista na Europa oriental, a partir de 1989,
representou para muitos o fim da utopia socialista. O vazio deixado por essa utopia em declínio
vem sendo hoje ocupado em parte pelas religiões. Em alguns países é muito significativo o
crescimento das mais diferentes seitas religiosas.
Tal crescimento deve-se a vários fatores: instabilidade social, dificuldades econômicas,
crescimento demográfico, mis8ria e insegurança; a. Essas incertezas acentuam as crises
existenciais dos seres humanos, que se voltam para a religião, na tentativa de encontrar uma
saída para seu desamparo e sua angustia.
As grandes religiões – cristã, judaica e muçulmana, por exemplo – procuram assim
ocupar o lugar deixado pelo desencanto geral em relação as ideologias e as utopias seculares
de "igualdade e fraternidade", buscando nos livros sagrados princípios de convivência na
sociedade do futuro.
A religião, portanto, continua sendo uma das principais instituições a influir no
comportamento humano. Mas ela não constitui condição imprescindível da ordem social, como
crêem muitos conservadores. Alguns estudiosos acreditam que o próximo milênio vai exigir das
Igrejas um novo estilo de liderança para lidar com pessoas mais instruídas, menos
acostumadas a obedecer sem fazer perguntas e que tem uma maior liberdade para escolher
seu destino. A nova liderança terá de saber persuadir, não impor.
Muitos dogmas religiosos terão de ser revistos, como a indissolubilidade do casamento
e a questão do aborto, que afeta varias correntes religiosas. As Igrejas, de modo geral, deverão
participar mais ativamente dos grandes problemas sociais, econômicos e culturais da
sociedade, não só para dar amparo moral aos crentes, mas também para ajuda-Ios a resolver
esses problemas. Entre as grandes religiões, O islamismo é a que mais cresce no mundo.
2.4.3 O Estado
Quando uma pessoa tem seu Imposto de Renda retido na fonte – ou quando compra
um determinado bem (alimento, bebida, calçado) –, esta sendo tributada, isto é, esta pagando
impostos ao Estado. No primeiro caso, o imposto é direto, porque incide diretamente sobre o
salário da pessoa. No segundo caso, é indireto, porque quem o recolhe é o comerciante, pelo
ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias), ou o fabricante, pelo IPI (Imposto sobre
Produtos Industrializados).
Assim, os tributos representam o recolhimento de recursos financeiros provenientes de
pessoas físicas (indivíduos) e pessoas jurídicas (empresas) pelo Estado. Esses recursos
40
servem para que o Estado mantenha sua máquina administrativa (funcionários, forças
armadas, polícia, juízes, deputados, senadores etc.), faça investimentos de infra-estrutura
(saneamento básico, estradas, hidrelétricas) e preste os serviços sociais básicos a população
(escolas e hospitais públicos, previdência social etc.).
Mas em que princípios o Estado se baseia para retirar recursos das pessoas e
empresas? Os tributos se fundamentam numa qualidade que é a essência do Estado: seu
poder de coerção. Esse poder autoriza o Estado a recorrer a várias formas de pressão (multas,
processos judiciais, prisão etc.) para fazer valer seu direito de cobrar impostos.
Direito e poder do Estado
Em qualquer sociedade, apenas o Estado tem o direito de recorrer à coação para
obrigar os indivíduos a cumprir suas leis. Segundo o sociólogo Max Weber, o Estado é a
instituição social que tem o monopólio da violência legítima; e isso acontece porque a lei lhe
confere o direito de recorrer a várias formas de pressão, inclusive a violência, para que suas
decisões sejam obedecidas. Esse direito geralmente é executado por oficiais de justiça,
policiais e militares, em cumprimento de ordens judiciais determinadas pelos detentores do
poder Judiciário, um dos poderes do Estado.
Desse modo, o poder e a autoridade centralizam-se na figura do Estado, o mais
importante agente de controle social de uma sociedade. O Estado executa essas funções por
meio de leis e, em última instância, pelo usa da força e da violência legítima, isto é, amparada
na lei e legitimada pelo apoio (consenso) da sociedade.
Max Weber entende por poder a possibilidade que uma pessoa ou um grupo de
pessoas tem de realizar sua vontade numa ação comum, mesmo contra a resistência de outras
pessoas. Ter poder, portanto, é conseguir impor a própria vontade sobre a vontade de outros
indivíduos.
Nas democracias representativas, o poder do Estado se distribui pelos poderes
Executivo (governo, administração pública, forças armadas), Legislativo (Congresso Nacional,
Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores) e Judiciário (órgãos da Justiça).
Em virtude de seu monopólio da força legítima, o Estado detém o poder supremo da
sociedade. Ele reserva para si o direito de impor e de obrigar. Qualquer outro uso da força ou
coerção – por bandos criminosos, soldados amotinados, grupos rebeldes – é ilegítimo e coibido
pelo Estado.
Se este não conseguir eliminar tais focos de violência e desrespeito a lei, perderá sua
característica principal, a de fazer cumprir a lei e, a longo prazo, corre o risco de deixar de
existir. Isso acontece quando o Estado não consegue debelar uma revolução ou uma
insurreição, ou permite que certas áreas de seu território fiquem a mercê de bandidos, como
ainda acontece hoje em algumas favelas do Rio de Janeiro (diz-se, nesse caso, que há um
poder paralelo ao do Estado).
Alguns componentes do Estado
O Estado é essencialmente um agente de controle social. Difere de outras instituições –
como a família e a Igreja, que também exercem controle – na medida em que tem poder para
regular as relações entre todos os membros da sociedade.
Os três componentes mais importantes do Estado são:
• território – é a base física do Estado, sobre a qual ele exerce sua jurisdição;
• população – composta de habitantes do território que forma a base física e geográfica do
Estado;
• instituições políticas – entre estas sobressaem os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;
o núcleo do poder do Estado, contudo, esta nas mãos do governo – grupo de pessoas
colocadas a frente dos órgãos administrativos e que exercem o poder público em nome da
sociedade.
41
Estado, nação e governo.
Embora sejam às vezes utilizados como sinônimos existem grandes diferenças entre os
conceitos de Estado e de nação. A nação é um conjunto de pessoas ligadas entre si por
vínculos permanentes de idioma, religião, tradições, costumes e valores; é anterior ao Estado,
Brasília, 1º de janeiro de 2003. De costas para o
fotógrafo, o presidente Fernando Henrique Cardoso
aguarda que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva, e seu vice, José Alencar, subam a rampa do
Palácio do Planalto para a cerimônia de transmissão do
cargo. Em um regime republicano presidencialista
como o nosso, a Presidência da República constitui o
mais alto cargo do poder Executivo, um dos três
poderes do Estado democrático moderno.
podendo existir sem ele. Já um Estado pode
compreender varias nações, como é o caso do Reino
Unido (ou Grã-Bretanha, formada pela Escócia,
Irlanda do Norte, País de Gales e Inglaterra).
Por outro lado, como vimos, podem existir
nações sem Estado, como acontecia com os judeus
antes da criação do Estado de Israel, e ainda ocorre
hoje com os palestinos, curdos e ciganos.
O Estado é, portanto, a nação com um
conjunto de instituições políticas, entre as quais um
governo. Mas Estado é diferente de governo: Estado
é uma instituição social permanente; governo é um
componente transitório do Estado. Assim, pode-se
dizer que "o governo muda, mas a Estado continua".
Como o Estado é uma entidade abstrata, que não
tem "querer" nem "agir" próprios, o governo (grupo de
pessoas) age em seu nome. Por exemplo: a
Presidência da República é um órgão fundamental do
Estado brasileiro. O presidente da República, no
desempenho de seu cargo, age em nome do Estado,
e não em nome de um partido ou de grupos políticos.
Nas democracias, a base de organização do Estado é
sua Constituição – conjunto de leis que ordena o
Estado, estabelece as normas referentes aos poderes
públicos e afirma os direitos e deveres dos cidadãos
–, a qual se submetem igualmente governantes e
governados.
É com base na Constituição que os governos das sociedades democráticas exercem
seu poder e adquirem legitimidade. O não cumprimento da Carta constitucional torna os
governantes ilegítimos e passíveis de serem destituídos. Isto aconteceu no Brasil em 1998,
quando a presidente Fernando Collor de Mello foi obrigado a renunciar para não sofrer uma
ação de impeachment (impedimento, ou afastamento do cargo), devido as evidências de que
havia cometido atos de corrupção, violando assim os princípios constitucionais.
Como já vimos os Estados modernos, para se tornarem mais eficientes e democráticos,
são constituídos de três poderes distintos e com prerrogativas específicas. São os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário.
Uma das exigências da democracia é que haja independência e harmonia entre esses
poderes. Cada um deles deve fiscalizar o outro, de modo a garantir que as leis e regras que
regulam a vida dos cidadãos sejam efetivamente aplicadas. Por exemplo, se uma pessoa for
presa indevidamente pela polícia, pode recorrer ao poder Judiciário para obter sua liberdade
por meio de um habeas corpus (expressão em latim que significa "tenha o seu carpo". O
habeas corpus estabelece que nenhuma pessoa pode ser presa sem causa formada, ou sem
flagrante delito).
42
Plenário da Câmara de
Deputados durante sessão de
votação de uma medida
provisória. Brasília, dezembro de
1998. Um dos órgãos
constitutivos do Estado nas
democracias modernas é o
poder Legislativo. No Brasil, ele
é composto pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado, que
formam o Congresso Nacional,
com sede em Brasília. É no
Congresso Nacional que são
discutidas e votadas as leis que
regem a sociedade brasileira.
Em contrapartida, se as leis de
um país não são mais
adequadas ao seu
funcionamento, cabe ao poder
Legislativo criar novas leis ou
modificar as existentes.
Estado e formas de governo
Resumindo, os três poderes do Estado são:
• Executivo - incumbido de executar as leis;
• Legislativo - encarregado de elaborar as leis;
• Judiciário - responsável pela distribuição de justiça e pela interpretação da Constituição.
O governo, por sua vez, pode adotar as seguintes formas:
• monarquia - o governo é exercido por uma só pessoa (o rei ou a rainha), que herda o poder e
o mantém até a morte;
• república - o poder é exercido por representantes do povo eleitos periodicamente pela
população.
Atualmente, em certos países da Europa, como Grã-Bretanha, Espanha, Suécia e
Noruega, imperam ainda monarquias em que os reis têm apenas um papel simbólico e
protocolar, cabendo ao Parlamento, cujos representantes são democraticamente eleitos, o
exercício efetivo do poder. São as chamadas monarquias constitucionais.
A ideia de que a
Justiça deve ser
"cega", isto é, que não
deve privilegiar
ninguém, seja qual for
seu cargo, posição
social ou origem
familiar, tratando a
todos como cidadãos
"iguais perante a lei", é
um dos princípios da
democracia moderna.
Assim, a imagem que
simboliza a Justiça é
geralmente
representada por uma
figura feminina com
uma venda nos olhos.
Na foto, a esculturasímbolo tem seus olhos
vendados e uma
espada nas mãos. Por
trás dela se ergue o
Palácio da Justi9a,
sede do poder
Judiciário brasileiro.
Brasília, 8.3.2003.
43
Por sua vez, nas repúblicas modernas há dois tipos de regime: o parlamentarista e o
presidencialista. Nos países em que foi instituído o regime presidencialista, a escolha do
presidente é feita diretamente pelos eleitores. Esse modelo de democracia funciona em países
como o Brasil, Estados Unidos e Argentina. Já nos regimes parlamentaristas os eleitores
elegem seus representantes no Parlamento e cabe unicamente a estes a escolha dos
membros do poder Executivo. O regime parlamentarista é aplicado especialmente na Europa,
tanto em repúblicas como Portugal e Itália quanto em monarquias como a Grã-Bretanha e a
Suécia.
FILMES SUGERIDOS
A família – Ettore Scola
Casamento grego – Joel Zwick
Estado de sítio – Constantino Costa-Gravas
Amém – Constantino Costa-Gravas
QUESTÕES PARA
PARA ESTUDO
1. Estabeleça a diferença entre grupo social e instituição social.
2. Cite as principais instituições sociais.
3. O que você entende por interdependência entre as instituições?
4. Usando palavras próprias, conceitue família. Inclua em seu conceito as funções da família e
os papéis familiares.
5. Sintetize as principais características da família brasileira atual.
6. Explique a seguinte frase: A religião sempre desempenhou uma função social indispensável.
7. Qual a principal característica definidora do Estado?
8. Explique as diferenças entre Estado, nação e governo.
9. De que maneira os três poderes do Estado se complementam?
44
TERCEIRO TRIMESTRE
1 MUDANÇA SOCIAL
Mudança social é toda e qualquer transformação na estrutura da sociedade ocorrida em
um período de tempo relativamente curto.
Alguns pensadores contrapõem o conceito de mudança social ao de evolução social.
Segundo eles, a diferença entre um conceito e outro reside no fato de que as mudanças sociais
ocorrem em períodos breves, enquanto a evolução social consiste na acumulação de grande
número de pequenas mudanças verificadas a longo prazo na sociedade.
Outros autores definem mudança social como qualquer alteração nas formas de vida de
uma sociedade. Como as sociedades estão em constante mutação, nenhuma delas permanece
igual a si mesma em dois momentos distintos de sua história.
1.1 A sociedade não é estática
Para explicar melhor o conceito de mudança social, tomemos como exemplo a abolição
da escravatura no Brasil no dia 13 de maio de 1888. Ela ocorreu como resultado de um
movimento, a campanha abolicionista, que mobilizou amplos setores da opinião pública
brasileira durante quase duas décadas.
Uma das modificações sociais decorrentes desse fato ocorreu, nas instituições
econômicas. O trabalho, por exemplo, deixou de ser escravo e passou a ser realizado por
trabalhadores livres e assalariados. Por sua vez, a instituição do trabalho assalariado
desencadeou profundas transformações na estrutura social brasileira do final do século XIX.
Outro exemplo é a questão da reforma agrária, tema sempre presente em todas as
discussões sobre os graves problemas do campo e que, de alguma forma, afeta toda a
sociedade brasileira. Ao compararmos o movimento abolicionista, que envolveu uma parte das
elites intelectuais e econômicas brasileiras no final do século XIX, com a atual campanha pela
reforma agrária, que já dura mais de quarenta anos, vamos notar algumas semelhanças entre
ambos.
Da mesma forma que na segunda metade do século XIX existiam grupos favoráveis e
contrários ao abolicionismo, também hoje há os que defendem a reforma agrária e os que se
opõem a ela.
Durante o Segundo Reinado no Brasil (1840 - 1889), os grupos mais conservadores,
formados principalmente por grandes fazendeiros, alegavam que a abolição provocaria o caos
na economia brasileira, desorganizando a produção agrícola. Muitos deles chegavam ao
extremo de querer impor suas ideias pela força das armas.
Atualmente, alegações semelhantes as dos conservadores do tempo do Império são
apresentadas pelos grandes proprietários de terras contrários a reforma agrária. Também entre
eles existem grupos que vem se armando para resistir as mobilizações do MST (Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra) e as tentativas de incluir suas fazendas entre as áreas
destinadas a desapropriações para fins de reforma agrária.
Os grupos que lutam pela reforma agrária, da mesma forma que os grandes
fazendeiros, têm também seus representantes e defensores no Congresso Nacional. Esses
grupos se sentiram fortalecidos com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência
da República em outubro de 2002, já que o líder do PT (Partido dos Trabalhadores) tem um
compromisso histórico com mudanças na sociedade brasileira que favoreçam as classes de
baixa renda e particularmente com a reforma agrária.
Na verdade, a questão da democratização do acesso a terra que esta na base das
propostas de reforma agrária ainda não foi resolvida. Seja como for, sua implementação deverá
desencadear, da mesma forma que o fim do trabalho escravo, significativas mudanças na
estrutura social brasileira.
45
Esses exemplos mostram que as formas de organização de uma sociedade podem ser
substancialmente alteradas por mudanças sociais. A partir dessas mudanças, a história das
sociedades vai assumindo formas próprias, específicas de cada sociedade.
Modernidade e tradição
Uma das características mais marcantes da sociedade moderna tem sido sua
capacidade de produzir e absorver mudanças sociais. Ora, cada grande mudança social
representa certa ruptura com a tradição. Entretanto, isso não significa necessariamente que as
sociedades modernas tenham rompido inteiramente seus vínculos com o passado e com as
tradições. Na realidade, muitas dessas tradições permanecem embutidas em nossa sociedade,
algumas delas sob nova feição (a família nuclear, por exemplo, é uma instituição que não
desapareceu, apesar de todas as rupturas ocorridas desde que o modo feudal de produção foi
substituído pelo capitalismo).
É certo que as atitudes, os valores, o comportamento e os conhecimentos das pessoas
que vivem numa sociedade moderna são muito diferentes dos de uma sociedade tradicional.
Mesmo assim, muitos aspectos das sociedades tradicionais são mantidos. Isso quer dizer que
as rupturas são acompanhadas de formas de permanência e que mesmo as sociedades mais
avançadas conservam valores que vem do passado.
1.2 Mudança social e relações sociais
As mudanças sociais, como vimos, alteram a estrutura social e com ela também as
relações sociais. As modificações por que passou a família, por exemplo, levaram a uma
menor distância social entre pais e filhos. As relações que, na família patriarcal, supunham uma
estrita obediência dos filhos ao pai, foram hoje substituídas em boa parte por uma relação mais
aberta e menos rígida entre os familiares.
1.3 No ritmo das mudanças
O ritmo das mudanças sociais varia de sociedade para sociedade: é lento nas
sociedades mais simples, como as pequenas comunidades isoladas, e acelerado e até
vertiginoso nas sociedades industriais e pós-industriais, especialmente nas grandes cidades,
onde a estrutura social apresenta maior complexidade. O ritmo das mudanças depende do
maior ou menor número de contatos sociais com outros povos, do desenvolvimento dos meios
de comunicação e também de certas atitudes políticas e sociais, que aceleram ou dificultam os
processos de transformação social. Já vimos, por exemplo, como a campanha abolicionista,
seguida da extinção do trabalho escravo no Brasil, contribuiu para importantes mudanças na
sociedade brasileira do século XIX.
Da mesma forma, a multiplicidade de contatos com povos de costumes, padrões de vida
e técnicas diversas faz acelerar as mudanças sociais.
Se é fato incontestável que a sociedade esta sempre em mutação, lenta ou acelerada,
também é certo que as mudanças não tem o mesmo ritmo em todos os setores da sociedade,
nem ocorrem da mesma forma nas diversas áreas da vida cultural e social. De modo geral,
uma sociedade substitui mais facilmente os bens materiais do que as crenças, os aspectos
culturais, os modos de vida. A sociedade industrial, por exemplo, substituiu o carro a tração
animal pelo automóvel e o barco a vela pelo navio a vapor, mas não criou nada novo para
colocar no lugar das religiões ou da família.
1.4 Causas da mudança social
As mudanças sociais podem ser causadas pela ação de diversos fatores. A seguir,
destacamos alguns deles.
• Fatores geográficos – Houve uma época em que se costumava dizer que "o homem é um
produto do meio". Atualmente, já não se pensa assim, pois se sabe que o próprio meio é
influenciado pela ação dos seres humanos. Apesar disso, o fator geográfico tem grande
importância na produção de mudanças sociais. As secas no Nordeste brasileiro, por exemplo,
46
alteram substancialmente a vida das populações dessa região, provocando seu
empobrecimento e a migração em massa de sertanejos para outras regiões do país.
• Fatores econômicos – A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra na segunda metade do
século XVIII, foi talvez a processo econômico que mais mudanças causou na estrutura da
sociedade moderna. No Brasil, como vimos, a abolição do trabalho escravo provocou
também profundas alterações na sociedade. De um modo geral, o desenvolvimento
econômico contribui para grandes mudanças na vida da sociedade, elevando o nível de vida
dos grupos sociais e estimulando a mobilidade social, com a passagem de pessoas de uma
classe social para outra.
• Fatores sociais – Conflitos entre classes sociais, guerras e revoluções estão entre os
processos que mais modificam a estrutura social das sociedades. A Revolução Francesa de
1789, por exemplo, alterou completamente as relações sociais e as formas de vida da
sociedade francesa, extinguindo a monarquia absoluta e o controle do poder pela nobreza.
Essas mudanças, aliás, não se restringiram a França, mas tiveram influencia determinante
sobre outros países.
• Fatores culturais – O surgimento de uma nova crença religiosa pode ser determinante na
promoção de mudanças sociais, como aconteceu com o advento do cristianismo e do
islamismo. Em outro plano, as descobertas científicas, ao ampliar o domínio do ser humano
sobre a natureza, contribuem também para provocar mudanças na sociedade.
Para muitos sociólogos, os fatores sociais estão entre as causas mais importantes de mudanças em uma sociedade. As grandes
mobilizações dos trabalhadores na Europa, entre o início do século XIX e o começo do século XX, por exemplo, foram
determinantes para a conquista do sufrágio (voto) universal e dos direitos sociais – jornada de oito horas de trabalho, direito a
férias e ao descanso semanal remunerado, aposentadoria, assistência médica, direito a educação etc. –, que definiram o perfil da
sociedade democrática moderna. No Brasil, a luta par uma verdadeira reforma agrária tem levado também a importantes
mudanças sociais. Na foto, cartaz do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) pela reforma agrária, outubro de
1995.
1.4.1 Mudanças endógenas e mudanças exógenas
As mudanças sociais podem ser provocadas por forças endógenas ou por forças
exógenas. Nessas duas formas enquadram-se os fatores determinantes que acabamos de
estudar.
• Forças endógenas ou internas - são aquelas que têm sua origem no interior da própria
sociedade. Entre essas forças, estudaremos particularmente as invenções.
• Forças exógenas ou externas - são as que provém de outras sociedades, como é o caso da
difusão cultural.
47
Invenções
Primeiramente vamos diferenciar invenção de descoberta. Descoberta é a aquisição de
um novo conhecimento, de uma informação nova. Invenção é o elemento ativo, a aplicação da
descoberta. Dizemos: descoberta da eletricidade e invenção da lâmpada; descoberta da
energia atômica e invenção da bomba atômica. Assim, a mera descoberta não modifica a
cultura ou a sociedade. Isso decorre de sua aplicação prática, isto é, da invenção.
Toda invenção é produto de uma sociedade determinada, embora não seja criação da
sociedade em seu conjunto. Na verdade, a sociedade fornece as bases para o surgimento da
invenção, pois todo inventor utiliza o conhecimento acumulado de sua cultura. Nenhuma
geração parte da estaca zero, mas de uma herança social transmitida.
As invenções são geradas pela combinação do patrimônio cultural da sociedade com
determinadas necessidades sociais. Provavelmente, teria sido impossível ao físico alemão
Albert Einstein (1879-1955) elaborar a Teoria da Relatividade se tivesse nascido entre os
esquimós.
Já o físico inglês Isaac Newton (1642-1727), com a humildade característica dos sábios,
disse certa vez: "Se consegui enxergar mais longe é porque estava apoiado sobre ombros de
gigantes".
Entre as invenções que mais profundamente alteraram a estrutura da sociedade,
podemos destacar a máquina a vapor, determinante no desencadeamento da Revolução
Industrial e na formação do capitalismo moderno. O telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão e
o computador foram também decisivos para o processo de internacionalização da sociedade
contemporânea e para o surgimento da sociedade informatizada, marcada pela expansão dos
meios de comunicação.
Difusão cultural
Para se modificar uma sociedade não conta apenas com suas próprias invenções. Se
tal fato ocorresse, as mudanças sociais seriam mais lentas. Ao lado das invenções, há uma
força externa que, juntamente com outros fatores, ocasiona mudanças sociais: a difusão
cultural. A língua que falamos, a religião que seguimos, muitos utensílios e máquinas que
usamos não se formaram nem foram inventados no Brasil. É a difusão que aumenta e expande
a cultura das várias sociedades e acelera o ritmo de mudança.
Como já vimos, é mais fácil substituir ou difundir técnicas do que valores morais, ideias,
sistemas religiosos ou filosóficos. Estes estão impregnados de reações emotivas, de
significado simbólico difícil de copiar e de modificar, Além disso, os valores morais, os modos
de vida e as religiões têm um enraizamento muito mais profundo no ser humano do que o uso
de determinadas técnicas e máquinas; portanto, são mais difíceis de serem substituídos.
Ao mesmo tempo, quando um aspecto cultural de uma sociedade se revela útil e
compatível com a cultura de outra sociedade, é mais facilmente aceito por esta. Um novo
modelo de vestido ou paletó pode ser adotado com facilidade no Brasil, enquanto uma túnica
africana para homens, por exemplo, encontrará grande resistência entre nós, pois vai contra os
costumes tradicionais do país, moldados pelo colonizador europeu.
No processo de difusão, o prestígio da cultura doadora também é um dado importante
na assimilação de seus valores pela cultura receptora. Assim, costumes, tendências musicais,
modismos e novos produtos vindos dos Estados Unidos, por exemplo, espalham-se hoje com
extrema facilidade nas cidades brasileiras.
A difusão cultural se dá atualmente de modo muito mais rápido do que ate algumas
décadas atrás. Isso porque a rapidez das mensagens transmitidas pelos meios de
comunicação tende a se tornar cada vez maior. Por outro lado, os meios de comunicação não
se limitam a transmitir anúncios publicitários ou a difundir modismos. Na verdade, eles atuam
num plano mais profundo, moldando as próprias expectativas culturais das novas gerações a
partir da difusão de um determinado modelo cultural, o modelo norte-americano, que vem se
impondo no bojo do processo de globalização.
Outro fator que influencia a aceitação de valores provenientes de outra cultura é a
novidade. Em geral, todo bem novo tem facilidade de ser aceito, desde que responda às
expectativas do mercado consumidor. Para que isso aconteça, os meios de comunicação
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atuam no sentido de preparar essas expectativas, difundindo a ideia de que determinados
bens, valores e costumes são "modernos" e, portanto, superiores aos que até então vigoravam
no interior da sociedade receptora. Tais novidades se referem quase sempre a aspectos não
essenciais da cultura – um produto novo, um novo corte de cabelo, a maneira de se vestir,
certos gêneros musicais etc.
Como, muitas vezes, a mudança social é consequência das invenções, quanto maior for
o número de inventos novos, tanto mais rápida será a mudança.
Característica marcante das sociedades contemporâneas, as rápidas mudanças
ocorrem em parte devido ao grande número de invenções. A utilização de computadores em
quase todos os ramos da atividade econômica tem provocado, de certo modo, mudanças não
só na organização do trabalho, mas também nas relações sociais. O telefone celular, por
exemplo, tem produzido mudanças nas relações humanas e profissionais, já que quem tem um
desses aparelhos pode se comunicar com outras pessoas, independentemente do lugar em
que esteja, e a qualquer momento, o que facilita enormemente o contato social entre os
indivíduos.
Da mesma forma que os fatores
sociais, as invenções tem também
importância decisiva nos processos de
mudança social. Assim, as máquinas
inventadas na segunda metade do
século XVIII na Inglaterra, entre elas a
máquina a vapor, foram uma das
condições sem as quais não teria
havido a Revolução Industrial, que
transformou radicalmente toda a
sociedade da época. Da mesma
maneira, hoje a informática e o
computador vêm revolucionando a
vida das pessoas em todo o mundo.
Na imagem, usuários acessam a
Internet por meio do Vocall, portal da
Telemar que permite a navegação
pela voz. Rio de Janeiro, julho de
2001.
1.5 Fatores contrários e fatores favoráveis a mudança social
Grande parte das mudanças sociais só ocorre depois de vencer muitas resistências e
obstáculos. Foram precisos séculos para que se consolidassem certas mudanças, como o
cristianismo e a democracia. Um exemplo mais próximo de resistência a mudança é o que
ocorreu com o voto feminino, que só foi introduzido depois de muitas lutas.
No Brasil, só em 1933 as mulheres puderam votar pela primeira vez. Antes disso,
milhares de mulheres sufragistas (palavra derivada de sufrágio, que significa voto) em todo o
mundo tiveram de lutar por esse direito, muitas vezes de forma violenta, até alcançá-Io. No
Brasil, o direito de voto foi obtido mais por difusão cultural do que por invenção, já que na
década de 1930 as mulheres brasileiras não estavam suficientemente organizadas para exigir
uma maior participação na vida política. O beneficio das campanhas feministas em outros
países acabou se estendendo também ao Brasil.
Obstáculos e resistências
Obstáculos são barreiras oriundas da própria estrutura social e que dificultam ou
impedem a mudança social. A agricultura brasileira, por exemplo, até a abolição, era quase
totalmente baseada no trabalho escravo. Um dos obstáculos a libertação dos escravos não
estava relacionado a questões éticas ou morais, mas sim as dificuldades encontradas para a
substituição da mão-de-obra escrava por trabalhadores livres.
Resistências são reações conscientes e deliberadas para impedir a mudança social.
Assim, no Brasil do século XIX a abolição encontrou grande resistência entre os proprietários
49
de terras e de escravos. Esse grupo era consciente de que seus interesses imediatos sairiam
prejudicados com a emancipação dos escravos e se organizaram com o objetivo deliberado de
resistir à medida.
O exemplo mostra que em toda estrutura social os grupos ou camadas sociais cujos
interesses são diretamente atingidos pela introdução de novos valores são os que resistem
mais abertamente às mudanças.
Todavia, essa resistência não se dá apenas em relação a normas de conduta ou a
mudanças na estrutura social. A introdução de novos bens pode também ser retardada por ferir
interesses econômicos ou afetar os valores culturais existentes.
Um exemplo clássico de resistência a introdução de uma iniciativa inovadora ocorreu no
Brasil em 1904. Na época, para combater a varíola, que causava todos os anos milhares de
mortes no Rio de Janeiro, o governo do presidente Rodrigues Alves instituiu a vacinação
obrigatória. A decisão, entretanto, não foi discutida democraticamente com a população
carioca. O governo tampouco levou em conta a opinião dos grupos de oposição, contrários a
medida. Além disso, não foi feito um trabalho de divulgação e convencimento para que as
pessoas percebessem a importância da vacina.
Assim, quando teve início a vacinação, milhares de pessoas saíram às ruas do Rio de
Janeiro em protesto contra a decisão do governo. O movimento popular ficou conhecido como
Revolta da Vacina. Bondes foram depredados e postes de iluminação derrubados. Em alguns
lugares, os manifestantes ergueram barricadas e enfrentaram a polícia a mão armada. Depois
de alguns dias de tumulto, o governo teve de voltar atrás. A vacinação em massa só foi aceita
anos mais tarde, quando se evidenciaram os benefícios de sua aplicação.
Revolucionários, reformistas e conservadores
As atitudes individuais e sociais que favorecem ou rejeitam a mudança social podem ser
classificadas em quatro tipos principais: atitude conservadora, atitude reacionária, atitude
reformista ou progressista e atitude revolucionária.
Atitude conservadora. É aquela que se mostra contrária ou temerosa em relação às
mudanças. Uma das manifestações dessa atitude é o tradicionalismo, pelo qual o respeito à
tradição, a imposição de valores cultivados pelos mais velhos aos mais jovens e as normas
tradicionalmente vigentes na sociedade erguem-se como alguns dos obstáculos as inovações
na vida social. Tal é a pressão moral exercida pela tradição, que só com grande esforço e
enfrentando muita resistência é que a sociedade consegue fazer adotar novas formas de
conduta, estranhas a herança social tradicional.
Atitude reacionária. Equivale ao conservadorismo exagerado. Opõem-se, não raro
pela violência, a qualquer tipo de mudança das instituições sociais e até mesmo a simples
introdução de inovações. É a atitude típica de grupos radicais de direita, que defendem o status
quo (isto é, a ordem vigente) para que tudo permaneça como esta.
Atitude reformista ou progressista. É a que vê com agrado a mudança moderada. É
o desejo de mudanças gradativas dos modos de vida existentes e das instituições. Aqueles que
adotam essa posição são geralmente pessoas de centro-esquerda ou de esquerda moderada.
Atitude revolucionária. É a posição adotada pela esquerda radical. Defende
transformações profundas e imediatas das instituições, até com o emprego de métodos
violentos, para mudar a situação social existente. Essas atitudes nem sempre aparecem de
forma pura na sociedade. Um indivíduo, ou grupo de indivíduos, pode ser conservador em
alguns aspectos e reformista ou revolucionário em outros. Depende de sua situação particular
em relação ao que se pretende mudar.
A questão da reforma da Previdência Social dos trabalhadores do serviço público no
Brasil, proposta pelo governo Lula e aprovada pelo Congresso Nacional em 2003, é um bom
exemplo dessa dualidade. Uma parte significativa dos servidores públicos tem posições
políticas progressistas, mas, ao recusarem modificações na atual legislação da seguridade
social, assumem uma atitude corporativista e conservadora, pois desejam manter benefícios
que são negados ao resto da sociedade.
50
1.6 Consequências da mudança social
Como vimos, as invenções e a difusão cultural são processos que ocasionam mudanças
sociais, pois suscitam modificações nos costumes, nas relações sociais e nas instituições.
Essas alterações podem ser de pequeno porte, passando até despercebidas, ou podem alterar
quase todos os âmbitos da vida social. A invenção de uma nova tinta pode causar alterações
somente no campo artístico, mas a invenção da televisão, por exemplo, influenciou o lazer,a
política, a educação, os hábitos familiares, a propaganda etc.
Reforma e revolução
Mudanças gradativas não destroem as instituições sociais existentes. Elas apenas
objetivam aprimora-Ias e melhora-Ias com pequenas e contínuas mudanças, de forma a
atender as novas necessidades da sociedade. Já as transformações radicais e profundas,
estabelecidas por meio da violência, alteram toda a estrutura social de uma sociedade.
As mudanças gradativas, que procuram melhorar as instituições sem destruí-Ias, sem
romper com os costumes, são chamadas de reformas. A mudança social profunda e radical,
que destrói pela violência a ordem social existente, substituindo-a por outra, chama-se
revolução.
As mudanças bruscas, profundas ou muito aceleradas podem ocasionar, por algum
tempo, um estado de desorganização social. É o que normalmente ocorre nas revoluções.
FILMES SUGERIDOS
∗
∗
∗
∗
∗
∗
O julgamento do macaco – Stanley Kramer
Reds – Warren Beatty
Longe do paraíso – Todd Haynes
Danton, o processo da revolução – Andrzej Wajda
Um grito de liberdade – Richard Attenborough
Segunda-feira ao sol – Fernando Léon de Aranoa
QUESTÕES PARA ESTUDO
1. Explique este conceito: "Mudança social é qualquer alteração nas formas de vida de uma
sociedade. Nenhuma sociedade é perfeitamente igual a si mesma em dois momentos
sucessivos de sua história". Cite um exemplo de mudança social que reafirme o conceito
(procure não repetir os exemplos do texto).
2. De que maneira uma mudança social pode alterar as relações sociais? A resposta pode ser
dada por meio de exemplos.
3. Que fatores determinam a ritmo das mudanças sociais?
4. O que você entende por forças endógenas e por forças exógenas no estabelecimento da
mudança social?
5. Escreva um pequeno texto sabre obstáculos e resistências à mudanças sociais, dando
exemplos.
6. Como podemos classificar as atitudes individuais e sociais diante da mudança social?
7. Qual a diferença entre reforma e revolução?
51
2 O SUBDESENVOLVIMENTO
As expressões subdesenvolvimento e país subdesenvolvido foram muito utilizadas pela
imprensa e na literatura sociológica durante as décadas de 1950 e 1960. Entre os anos 1970 e
1990, tornou-se comum o uso dos conceitos de Terceiro Mundo e terceiro-mundismo.
Atualmente, essas expressões foram substituídas pelas noções de país emergente e de país
em desenvolvimento. Retomamos aqui o conceito inicial de subdesenvolvimento porque ele
designa uma situação histórica específica, comum a um conjunto de países, que a noção de
país emergente ou em desenvolvimento mascara e deforma.
2.1 Características do subdesenvolvimento
Antes de entrar na discussão do conceito de subdesenvolvimento, talvez seja
interessante assinalar algumas das características comuns a todos os países
subdesenvolvidos. De forma geral, são considerados países subdesenvolvidos aqueles que
apresentam:
• baixa renda per capita;
• dependência econômica e tecnológica em relação aos países plenamente desenvolvidos;
• grandes desigualdades na distribuição de renda, com algumas pessoas muito ricas e a
maioria da população, ou boa parte dela, vivendo em condições de extrema pobreza;
• taxas elevadas de mortalidade infantil;
• altos índices de analfabetismo;
• má distribuição da propriedade da terra, com um pequeno grupo de latifundiários que
concentram a maior parte do solo cultivável, enquanto milhões de camponeses vivem sem
terra ou com pouca terra para trabalhar;
• dívida externa elevada;
• economia controlada em parte por empresas multinacionais com centros de decisão fora do
país;
• corrupção generalizada nos órgãos administrativos e em outros setores do Estado;
• desrespeito mais ou menos frequente aos direitos humanos.
Temos, assim, países com baixos níveis de desenvolvimento humano, econômico e
social.
Entretanto, o subdesenvolvimento não pode ser confundido com o não desenvolvimento
ou com pouco desenvolvimento. Na verdade, sua característica mais marcante é o que se
poderia chamar de desenvolvimento perverso, já que o crescimento econômico acentua as
desigualdades sociais em vez de diminui-las, aumentando o abismo que separa ricos e pobres.
Ao contrário dos autores que afirmam que o subdesenvolvimento é um estágio anterior
ao desenvolvimento, o economista Celso Furtado observa que "subdesenvolvimento é um
processo histórico autônomo, e não uma etapa pela qual tenham passado, necessariamente,
as nações que alcançaram o desenvolvimento". Não só isso. Alguns autores acreditam até que
o subdesenvolvimento é uma imposição dos países desenvolvidos, uma condição necessária
para que eles permaneçam ricos, já que 80% da riqueza do mundo concentra-se em apenas
dez países. Esses críticos defendem a ideia de que as nações subdesenvolvidas devem
estabelecer estratégias e modelos próprios para seu crescimento, e não se basear num modelo
único imposto por instituições financeiras controladas pelos países desenvolvidos, como o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird).
Por outro lado, é preciso destacar que alguns países, ainda que subdesenvolvidos, já
estão numa fase mais avançada de industrialização. Estão neste caso a China, a Índia, a
Argentina, o Chile, a África do Sul, o México e o Brasil, além de outros. Eles formam o
chamado grupo de países emergentes.
52
O subdesenvolvimento brasileiro
O Brasil se situa entre as doze maiores economias do mundo. Entretanto, do ponto de
vista da distribuição de renda, da qualidade de vida e do bem-estar da população, encontra- se
em níveis próximos de alguns dos países mais pobres do planeta. Segundo a classificação da
ONU (Organização das Nações Unidas), em junho de 2003 o Brasil ocupava a 65ª posição na
escala do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), entre 175 países estudados. O IDH é um
indicador que mede a qualidade de vida de um país. Para calculá-lo, os técnicos da ONU
levam em conta a expectativa de vida da população, a renda per capita e outros itens, como
saúde e educação. Atualmente, o Brasil tem um IDH mais baixo do que o de países mais
pobres, como Cuba (529 Iugar), Uruguai (409), Chile (439) e Colômbia (649). O texto a seguir
retrata o que acontece em diversas regiões do Brasil e mesmo na periferia de algumas grandes
cidades brasileiras.
Guaribas: a miséria em qualquer lugar
Esquecida desde que se tornou uma vila no início do século passado, Guaribas, no
Piauí, entrou no mapa desde que se tornou vitrine do programa "Fome Zero”, instituído no
começo do governo Lula. Tudo cheira a novo por lá: casas em construção, adultos rabiscando
letras pela primeira vez, a água posta nas residências (...).
Agora as coisas estão mudando por lá. “Aqui não chegava nenhuma notícia, de tão
longe e isolado que era", diz uma das antigas moradoras. "Meu filho, o Brasil foi descoberto em
1500 e Guaribas só foi achada este ano", diz Orlando Rocha, 62 anos, que criou dez filhos. "Só
passava por aqui quem tivesse se perdido."
Retratada como o terceiro pior índice do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)
entre os 5.507 municípios brasileiros, Guaribas foi escolhida como um dos laboratórios do
programa "Fome Zero". Além de beneficiar 500 famílias com R$ 50,00 mensais para comprar
comida, o município assiste a chegada de uma série de ações que estão mudando a paisagem
do município. "Ninguém na face da Terra tem olhado por nós. A gente vivia jogado como Deus
criou batata", conta Teresa, mulher de Orlando.
As condições econômicas miseráveis e a falta de água tratada fizeram com que a
expectativa de vida em Guaribas seja de apenas 56 anos. A mortalidade infantil ainda tem
feição africana – 59,9 mortos para cada mil nascidos. A maioria das mães do Lugar perdeu
filhos por conta da desnutrição. "Toda casa já mandou seus 'anjinhos' para a casa do Senhor,
não tem jeito", lamenta o agricultor João Bertoldo, 76 anos, que perdeu 8 de seus 15 filhos.
Guaribas nunca teve hospital ou médico. "De modo geral, um doente era colocado na
rede e carregado nessas serranias até chegar a um Lugar que tivesse carro que o levasse para
uma cidade mais próxima", recorda Orlando.
Hoje, o município ainda não tem um hospital, mas já conta com a visita de médicos, o
que é outra das novidades.
(Adaptado de: Jornal do Brasil, 19,02,2003)
O texto do Jornal do Brasil sobre Guaribas mostra alguns dos indicadores típicos do
subdesenvolvimento: pobreza, insuficiência alimentar, grande incidência de doenças, altas
taxas de natalidade e de mortalidade infantil, precariedade no abastecimento de água, provável
ausência de rede de esgotos etc.
Veja agora alguns dados socioeconômicos referentes ao Brasil.
• População: 174 milhões de habitantes (2003), dos quais 81% estão na área urbana e
19% na zona rural.
• 16 milhões de pessoas vivem em estado de miséria absoluta (renda anual de menos
de 30 dóIares), segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação, órgão da ONU). Tem feição africana – 59,9 mortos para cada mil nascidos. A
maioria das mães do Lugar perdeu filhos por conta da desnutrição. "Toda casa já mandou seus
'anjinhos' para a casa do Senhor, não tem jeito", lamenta o agricultor João Bertoldo, 76 anos,
que perdeu 8 de seus 15 filhos. Guaribas nunca teve hospital ou médico. "De modo geral, um
doente era colocado na rede e carregado nessas serranias até chegar a um Lugar que tivesse
53
carro que o levasse para uma cidade mais próxima", recorda Orlando. Hoje, o município ainda
não tem um hospital, mas já conta com a visita de médicos, o que é outra das novidades.
• 86 milhões de brasileiros consomem, por dia, menos de 2.240 calorias, o que é
considerado o número mínimo necessário para uma vida normal.
• PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas produzidas durante um ano) =
528 bilhões de dólares (2003); 47,9% da riqueza produzida se concentra nas mãos de 10% da
população.
• 10% da população sobrevive com menos de um salário mínimo por mês; esse grupo
de pessoas fica com apenas 0,8% do total da renda do país.
• Renda per capita: 3.070 (2003) dólares. A dos Estados Unidos é superior a 30 mil
dólares.
• Em cada grupo de mil crianças que nascem, cerca de 32,2 morrem antes de
completar 1 ano.
2.2 Indicadores do subdesenvolvimento
Como vimos no começo do capítulo, um país pode ser chamado de subdesenvolvido
por causa de certas características. Os especialistas costumam agrupar essas características
em indicadores, entre os quais os mais importantes são os indicadores vitais e os de caráter
socioeconômico. A seguir, vamos examinar alguns deles.
Indicadores vitais
Os principais indicadores vitais do subdesenvolvimento são: insuficiência alimentar;
grande incidência de doenças; altas taxas de natalidade e de crescimento demográfico.
Insuficiência alimentar. Os técnicos em alimentação fixam como limite mínimo
necessário a sobrevivência do ser humano o consumo de 1.000 calorias diárias. Contudo, o
consumo inferior a 2.240 calorias diárias já caracteriza uma situação de subalimentação. A
54
população de uma grande parte das nações do mundo contemporâneo – como Índia, Etiópia e
Bolívia – apresenta um consumo médio de calorias inferior a esse mínimo; vive, portanto, em
estado de subalimentação crônica ou fome.
Grande incidência de doenças. Em razão das deficiências da alimentação e das mas
condições sanitárias reinantes, proliferam nos países subdesenvolvidos doenças de todo tipo,
como sarampo, Tuberculose, parasitoses intestinais, malária, dengue etc.
Nas duas últimas décadas uma nova doença transmissível tem afetado principalmente
os países africanos: a AIDS. Em 2003, havia na África 30 milhões de pessoas infectadas pelo
vírus da AIDS. A situação e tão alarmante que a expectativa media de vida desse continente
decresceu seis anos em menos de uma década.
Altas taxas de natalidade e de crescimento demográfico. As nações
subdesenvolvidas apresentam geralmente altos índices de natalidade. Em algumas, tais
coeficientes são anulados pela elevada mortalidade (consequência da fome e das péssimas
condições sanitárias), de modo que as taxas de crescimento demográfico acabam se
reduzindo. Em outras, a alta taxa de natalidade vem determinando elevados índices de
crescimento demográfico.
Uma das razões para as altas taxas de natalidade nos países subdesenvolvidos é que
as crianças começam a trabalhar muito cedo (na lavoura ou em pequenos serviços no campo e
na cidade), sem que para isso precisem estar alfabetizadas e qualificadas profissionalmente.
Desse modo, elas contribuem para o aumento da renda familiar – quanto mais filhos, maior a
renda. Em 2003, havia cerca de 4,5 milhões de crianças trabalhando no Brasil, muitas delas
em trabalhos penosos e insalubres. Além disso, a falta de esclarecimentos sobre os métodos
de controle da natalidade – e mesmo de acesso a esses métodos – impede os casais mais
pobres de planejar o número de filhos.
Composição etária com predominância de jovens. Assim, nos países
subdesenvolvidos os índices de natalidade são altos, enquanto a expectativa de vida é baixa.
Nos países desenvolvidos, ao contrário, o índice de nascimentos é baixo, enquanto a
expectativa de vida é alta. Isso faz com que a porcentagem de jovens seja maior nos países
subdesenvolvidos do que nos países desenvolvidos.
As características de "maturidade", "transição" e "juventude" de um país são
importantes para caracterizar o subdesenvolvimento:
• são considerados países "maduros" os que empreenderam a Revolução Industrial há
mais de cinco gerações; nesses países, as condições socioeconômicas (que incluem as
médico-sanitárias) tendem a ser de boa qualidade para a grande maioria da população;
• os países "jovens" correspondem, de modo geral, ao grupo de subdesenvolvidos,
nos quais um alto crescimento vegetativo da população e uma baixa média de vida são fatores
responsáveis por pirâmides etárias com predominância de jovens;
• nos países em transição aumenta aos poucos a expectativa média de vida, devido a
aplicações de medidas médico-sanitárias que tendem a diminuir os efeitos das chamadas
"doenças de massa".
Indicadores socioeconômicos
Os principais indicadores econômicos do subdesenvolvimento são: baixa renda per
capita; predomínio do setor primário sobre o secundário; concentração da propriedade da terra
e baixa produtividade na agricultura; concentração de renda; subemprego ou desemprego
disfarçado.
Baixa renda per capita. Também chamada de renda por habitante, a renda per capita
é o resultado da divisão da renda nacional (calculada com base no PIB) pela população do
país.
Em razão de sua fácil apuração, um dos indicadores mais comumente usados para
indicar a condição de subdesenvolvimento. As nações apresentam diferentes níveis de renda
per capita; é possível, assim, estabelecer uma hierarquia de nações segundo esse critério.
55
Com renda per capita de 3.070 dólares, o Brasil ocupa uma posição intermediária; não
se enquadra entre os países de baixíssima renda nem entre os mais ricos. Entretanto, é o
sexto país com pior distribuição de renda do mundo, ficando atrás apenas da Namíbia,
Botsuana, Serra Leoa, Republica Centro-Africana e Suazilândia. Na verdade, a renda per
capita é um indicador impreciso para atestar a condição de subdesenvolvimento ou
desenvolvimento de um país, principalmente porque não leva em conta a concentração de
renda. Como é uma média, aparenta uma situação falsa, pois é como se todos os habitantes
do país tivessem a mesma renda, o que não acontece.
De fato, se a renda por habitante for considerada isoladamente serão incluídos entre
os desenvolvidos países em que a renda nacional, embora alta, e mal distribuída entre a
população, permanecendo concentrada nas mãos de poucos. Alguns países árabes produtores
de petróleo, como o Kuwait (renda per capita de 9.266 dóIares), por exemplo – cuja população
vive na miséria –, podem, pelo critério da renda por habitante, ser considerados desenvolvidos.
Existem dois métodos internacionalmente reconhecidos que servem para medir o grau
de desenvolvimento e a qualidade de vida de um país: o índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) e o Coeficiente de Gini. O IDH, como vimos, leva em consideração a expectativa de vida,
a escolaridade e a concentração de renda para avaliar a situação de um país. Estabelece uma
escala que varia de 0,0 a 1,0: quanto melhor a qualidade de vida de um país, mais próximo de
1,0 ele fica.
A ONU divulga todos os anos sua escala de IDH. Em 2003, os países mais bem
colocados foram a Noruega (0,944 pontos), a Islândia (0,942), a Suécia (0,941) e a Austrália
(0,939). Os últimos da escala foram Níger (0,292) e Serra Leoa (0,275). O Brasil obteve 0,777
pontos, ficando, como vimos na 65ª posição. Mais adiante, estudaremos o Coeficiente de Gini.
Predomínio do setor primário sobre o secundário. Nas economias mais
subdesenvolvidas, o setor primário – agricultura, pecuária, pesca, extrativismo vegetal,
mineração – apresenta maior importância que o setor secundário – indústria.
Baixa produtividade na agricultura. Entre as características da agricultura nos
países subdesenvolvidos estão a concentração da propriedade da terra em um pequeno
número de grandes latifúndios, a baixa produtividade, o uso insuficiente de tecnologia no
sistema produtivo, os baixos salários e a exploração predatória dos recursos naturais.
Produtividade é a relação entre o produto e a quantidade de trabalho utilizada para
obtê-lo. Ela indica a quantidade de trabalho expressa em horas de atividade e empregada para
gerar um determinado volume de produto. Na agricultura dos países subdesenvolvidos, essa
relação é baixa: na obtenção de um determinado volume de produto empregam-se muito mais
trabalhadores (e horas de trabalho) do que nos países desenvolvidos.
A baixa produtividade do trabalho agrícola é explicada pelas próprias características
da agricultura nas áreas subdesenvolvidas. Nessas regiões, como existe mão-de-obra
abundante e barata, é mais vantajoso para os proprietários rurais utilizar grande quantidade de
lavradores do que investir em máquinas e equipamentos.
Em grande medida, a baixa produtividade na agricultura é causada pela concentração
da propriedade rural, talvez o mais grave problema da agricultura dos países
subdesenvolvidos. Nesses países predominam as grandes propriedades rurais, muitas com
baixo nível de produtividade ou totalmente inexploradas. Na América Latina como um todo,
cerca de 70% dos proprietários possui apenas 3% da área total das propriedades rurais,
enquanto 1,2% dos donos das terras açambarcam 70% do solo cultivável.
Concentração de renda. A renda é muito mal distribuída nos países
subdesenvolvidos; boa parte dela esta concentrada nas mãos de poucas pessoas. Na
Colômbia, por exemplo, 2,6% da população fica com 40% da renda nacional. Essa situação se
repete em dezenas de países e não há perspectiva de mudanças.
Pais de FHC concentra renda
A distribuição de renda não mudou nos anos FHC (refere-se aos dois governos de
Fernando Henrique Cardoso, entre 1994 e2002). A estabilização da moeda diminuiu a pobreza,
56
mas a economia brasileira continuou a gerar injustiça social e ainda concentra nas mãos de
10% da população metade de toda a riqueza produzida no país.
Estagnada ou crescendo, a economia continua a concentrar renda. "Haveria uma
maior concentração, que só foi evitada pelo aumento da transferência de rendas feita pelo
Estado", diz Guilherme Delgado, pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, órgão do governo federal).
Delgado explica que, sem o aumento do número de beneficiários do INSS (Instituto
Nacional de Seguridade Social) e dos gastos em assistência social a situação da população
mais pobre seria hoje pior do que no início dos anos 1990. A Previdência funcionou como uma
espécie de amortecedor, já que o governo não adotou políticas adequadas de combate à
desigualdade.
Uma das principais ferramentas para medir a desigualdade – o índice de Gini – mostra
pouca mudança nos últimos dez anos. O indicador varia de zero, perfeita igualdade quando
idealmente todos teriam a mesma renda, a 1, caso de maior desigualdade possível ou seja,
toda a riqueza ficaria concentrada nas mãos de uma única pessoa. Em 1990, o índice de Gini
brasileiro era 0,62, um dos maiores do mundo. Em 1993, havia caído para 0,60, mas em 2001
voltou a subir para 0,61, o que indica que a concentração de renda não se alterou nos últimos
dez anos. Um brasileiro do grupo dos 10% mais ricos ganha, em média, mais de 26,6 vezes o
que recebe os que estão entre os 10% mais pobres. Essa relação, segundo o IPEA, não tem
precedentes no mundo. Em apenas quatro países, incluindo o Brasil essa relação é maior do
que 20. Apenas no Brasil é maior do que 25.
(Folha de São Paulo, 17,10,2002)
O Coeficiente de Gini
Criado pelo demógrafo italiano Corrado Gini (1884-1965), o Coeficiente de Gini indica
o grau de concentração de renda de um país. Esse índice, como vimos no artigo da Folha de
S. Paulo, varia de 0,0 a 1,0. Quanto mais próximo de 1,0, maior a concentração de renda.
Assim, considerando as diferenças naturais entre pessoas, grupos ou famílias, a renda
é considerada razoavelmente distribuída até o nível 0,45 do Coeficiente (ou índice) de Gini.
Acima dele, o coeficiente revela a existência de uma sociedade injusta, na qual a riqueza
nacional é mal distribuída.
Embora em 1995 a Brasil tenha apresentado melhoras no Coeficiente de Gini (ficou
em 0,585), nos oito anos seguintes a renda voltou a se concentrar e o índice subiu para 0,61, o
que mostra que nosso país tem uma das maiores concentrações de renda do planeta, igual ou
pior do que muitos dos países africanos mais pobres.
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Subemprego ou desemprego disfarçado. O subemprego consiste em atividades
remuneradas incertas e, às vezes, não regulamentadas em lei, como é a caso, por exemplo,
dos camelôs nas grandes cidades. No campo, os chamados boias-frias – trabalhadores que só
tem ocupação durante a colheita, passando o resto do ano desempregados – também são
subempregados.
Nas cidades brasileiras encontramos um grande número de pessoas que, não estando
integradas as atividades realmente produtivas, exercem expedientes vários para sobreviver:
jornaleiros, engraxates, camelôs, lavadores de carro etc. Tais pessoas apresentam um baixo
nível de renda e de consumo e vivem em favelas e cortiços, constituindo a camada marginal do
sistema econômico.
Devido ao modo pelo qual as sociedades subdesenvolvidas são estruturadas, essa
camada marginal tende a crescer, pois há cada vez mais pessoas que não conseguem
participar efetivamente do sistema produtivo e da riqueza gerada. Atualmente, com a
globalização e o aumento do desemprego, tende a crescer a número dos subempregados não
só nos países do antigo Terceiro Mundo, mas também nos próprios países desenvolvidos. No
texto a seguir, o sociólogo Hélio Jaguaribe analisa uma das contradições do desenvolvimento
econômico no Brasil: a modernização da indústria como causa do aumento do desemprego.
Leia-o e reflita sabre a tema.
Indústria Moderna de desemprego
Em última análise, o que ocorre no Brasil é uma profunda dicotomia entre a moderna
sociedade industrial que veio se formando – gradualmente a partir dos anos 1930 e
aceleradamente em anos mais recentes – e as grandes massas de procedência rural.
Enquanto a população agrícola vem crescendo a taxas superiores as da média nacional de
2,5%, o crescimento da taxa de emprego rural nos últimos dez anos, foi igual a zero, o que
forçou cerca de 15 milhões de brasileiros a se deslocarem do campo para as cidades,
fenômeno conhecido como êxodo rural.
Nossa indústria, entretanto, usando uma tecnologia cada vez mais moderna, não teve
capacidade para absorver esse excedente de mão-de-obra. Ao mesmo tempo, as pressões
exercidas sobre a lavoura pela dívida externa e pelo programa do Álcool transferiram para
produtos agrícolas de exportação, ou utilizados como matérias-primas industriais, áreas antes
dedicadas a produção de alimentos. Daí a formação, por um lado, de um déficit de emprego
que chegou a 25% da mão-de-obra em 1983 e, por outro lado, de um déficit na oferta de
alimentos da ordem de 40%.
(Adaptado de: Hélio Jaguaribe. Folha de S. Paulo, 12.3.97.)
O grande despertar
Um fenômeno totalmente novo nos permite caracterizar os países subdesenvolvidos e
distingui-los dos países atrasados de outrora: pela primeira vez na História as populações
desses países tem consciência de sua miséria ou pobreza, ou de seu atraso em relação aos
países industrializados. Essa consciência coletiva – denominada "o grande despertar" pelo
economista sueco Gunnar Myrdal – deve-se ao progresso e a expansão, nos séculos XX e XXI,
dos órgãos de comunicação de massa (imprensa, radio, televisão, cinema, redes de
computadores).
Esses veículos revelam ao mundo a existência de povos que apresentam um padrão
de vida muito superior ao dos países pobres. Importante para essa tomada de consciência é o
funcionamento do mecanismo de efeito-demonstração: assim como nos países desenvolvidos
as camadas inferiores da população tendem a imitar o estilo de vida dos superiores, embora
sem ter o mesmo nível de renda, também as populações dos países subdesenvolvidos
almejam atingir um padrão de consumo semelhante ao das grandes nações industrializadas.
58
O papel do Estado
A tomada de consciência em relação à miséria e ao atraso tem levado, em diversos
países, a formulação de planos para superar essa situação. Tais planos tomam forma nos
projetos de desenvolvimento. É possível que toda a comunidade estabeleça um consenso em
torno de um modo de eliminar o atraso e, portanto, formule um projeto único de
desenvolvimento; mas também é possível que os diferentes grupos da população encarem de
modo diverso essas deficiências e defendam maneiras diferentes de removê-las, ou seja,
elaborem projetos diferenciados de desenvolvimento.
Não é suficiente, porém, que existam projetos coletivos de desenvolvimento: é
necessário também que os grupos formuladores de tais programas induzam o Estado a
articular sua realização ou procurem fazer-se representar diretamente no Estado. Portanto, os
projetos de desenvolvimento não podem se limitar a sua formulação pelos membros dos
diferentes grupos: eles devem assumir uma dimensão política, convertendo-se em programas
concretos, capazes de serem levados a prática.
Para isso, é indispensável a atuação do Estado, que deve constituir-se em órgão
coordenador de todas as ações voltadas para o desenvolvimento sustentável da sociedade,
isto é, para um desenvolvimento que contemple a superação do atraso e envolva uma
distribuição da renda e da terra mais democrática e o respeito a preservação do meio
ambiente.
Os indicadores não são absolutos
Os indicadores vitais, econômicos e sociais a que nos referimos caracterizam o
subdesenvolvimento. Mas nem todos os países subdesenvolvidos reúnem a totalidade desses
traços. São considerados subdesenvolvidos os países que apresentam, senão todas, pelo
menos um número considerável dessas características. Por outro lado, é possível que certos
países que, a rigor, não podem ser considerados subdesenvolvidos apresentem alguns desses
sinais
59
2.3 As origens do subdesenvolvimento
Um dos traços característicos do fenômeno que estamos estudando é a dependência
econômica (e, às vezes, também política) dos países subdesenvolvidos em relação aos
grandes centros industrializados (Europa ocidental, Estados Unidos, Japão). De modo geral, as
nações subdesenvolvidas foram no passado colônias de nações desenvolvidas (as antigas
metrópoles). Por isso, elas são também chamadas de países periféricos – em contraste com os
países centrais, aqueles que estão no centro do sistema econômico internacional.
As origens do subdesenvolvimento dos países periféricos podem ser localizadas
exatamente em sua antiga condição de colônia das nações europeias a partir do século XVI.
Mais tarde, uma vez conquistada a independência política, foram mantidas as relações
econômicas de dependência para com as antigas metrópoles, às quais vieram se somar, no
final do século XIX e no começo do século XX, os Estados Unidos e o Japão.
A colonização foi um processo de ocupação e exploração econômica e política de
novas terras que teve início com as Grandes Navegações europeias dos séculos XV e XVI.
Esse movimento colonizador se afirmou com a conquista da América, o tráfico de escravos
africanos e a exploração dos produtos do Oriente, as chamadas "especiarias". Ele assumiu,
assim, o caráter de "europeização do mundo", pois representou a integração de novas áreas a
órbita econômica e política das nações europeias. Desse movimento surgiram dois tipos de
colônia: as de povoamento e as de exploração.
Colônias de povoamento. Formaram-se a partir das áreas ocupadas por levas de
desempregados (sobretudo em razão das transformações operadas na agricultura europeia) ou
por grupos submetidos a perseguições religiosas. Essas pessoas pretendiam fixar-se
definitivamente na nova terra e reproduzir ali o modo de vida do país de origem.
Surgiram, assim, nessas áreas, unidades econômicas relativamente autossuficientes,
pois produziam para seu próprio consumo e não tinham uma dependência excessiva da
metrópole. Essa produção se dava geralmente em pequenas propriedades familiares, nas
quais predominava o trabalho livre. O exemplo clássico desse tipo de colonização São as
Treze Colônias americanas (atuais Estados Unidos), o Canada, a Austrália e a Nova Zelândia.
Praticamente nenhuma das antigas colônias de povoamento veio a se converter em
país subdesenvolvido em nossa época.
Colônias de exploração. Formaram-se em áreas ocupadas pelas nações europeias
com a finalidade de delas extrair bens comercializáveis na Europa. Inicialmente, os
colonizadores procuravam metais preciosos; quando não os encontravam, passavam a praticar
a agricultura, cultivando produtos de grande valor comercial, como fizeram os portugueses com
a cana-de-açúcar no Brasil colonial.
A produção dessas colônias estava voltada, portanto, para o mercado externo e se
dava em grandes propriedades rurais, empregando predominantemente o trabalho escravo.
Esse tipo de exploração, como vimos, é conhecido como plantation e esta na base do
escravismo colonial.
Típicas colônias de exploração foram o Brasil (pau-brasil, cana-de-açúcar e ouro), as
Antilhas (fumo e cana-de-açúcar), o Peru e o México (ouro e prata).
Todas essas regiões, bem como as demais colônias de exploração, são hoje países
subdesenvolvidos.
O texto a seguir compara dois tipos de colonização: a do Brasil e a dos Estados
Unidos.
Bandeirantes e pioneiros
Nos séculos XVII e XVIII, ocorreram no Brasil muitas expedições para o interior. Essas
expedições eram chamadas de bandeiras e seus integrantes ficaram conhecidos como
bandeirantes.
Incialmente, as bandeiras partiam em busca de índios, a fim de aprisioná-los e vendêlos como escravos. Mais tarde, quando passaram a ser empregados apenas escravos negros
60
nas lavouras e nas minas, as bandeiras começaram a buscar minérios, especialmente ouro e
pedras preciosas.
As bandeiras tiveram um papel importante na expansão territorial do Brasil. Elas não
respeitaram o limite estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas e, abrindo caminhos e semeando
aldeias na direção oeste, ampliaram consideravelmente o território da Colônia portuguesa na
América do Sul. (...)
Quase ao mesmo tempo que os bandeirantes ampliavam as fronteiras do Brasil para
oeste, muitos europeus chegavam a costa atlântica da América do Norte, atraídos pelas
possibilidades de recomeçar a vida nas colônias inglesas. Mais tarde, após a independência,
em 1776, o principal fator de atração tornou-se a expansão econômica dos Estados Unidos.
Esses europeus (ingleses, escoceses, irlandeses, alemães etc.) acabavam
assimilando a mentalidade dos primeiros colonos, que consistia basicamente em fixar-se na
terra, criar novas comunidades e trabalhar para prosperar.
O aumento da população dos Estados Unidos e o contínuo fluxo de imigrantes
determinou a busca de novos territórios, no que ficou conhecido como a grande Marcha para o
Oeste.
Diante desse avanço, em menos de oitenta anos as fronteiras dos Estados Unidos
estenderam-se até o oceano Pacífico, e seus habitantes constituíram uma federação de
cinquenta estados.
Os que participaram da Marcha para o Oeste ficaram conhecidos como pioneiros. Os
pioneiros estão para os Estados Unidos assim como as bandeirantes estão para o Brasil.
Embora bandeirantes e pioneiros tenham cumprido papel semelhante, ao expandir as
fronteiras de seus países, há grandes diferenças entre eles. Os bandeirantes embrenhavam-se
pelo sertão em expedições que duravam anos, e percorriam enormes distâncias. No entanto,
eles não procuravam fincar colônias nas terras percorridas. Seus interesses voltavam-se
exclusivamente para a captura de índios ou para a prospecção e exploração de riquezas
minerais.
Por essa razão, a presença dos bandeirantes no interior da América portuguesa era
meramente transitória. (...)
Já os pioneiros norte-americanos ocupavam produtivamente a terra, estabelecendose em fazendas (farms), onde praticavam uma agricultura intensiva e criavam gado. Pouco a
pouco eles ampliaram as fronteiras políticas e econômicas do país. Nessas condições, a
Marcha para a Oeste nos Estados Unidos teve um sentido construtivo, permanente e contínuo,
pois os pioneiros foram verdadeiros colonizadores. (...)
As diferenças entre bandeirantes e pioneiros marcaram, desde o início, o contraste
entre a ocupação do território no Brasil e a efetiva colonização nos Estados Unidos.
(Adaptado de: Igor Moreira. Geografia da América. São Paulo, Ática, 1998. p. 117-9.)
2.4 Crescimento econômico ou desenvolvimento?
Alguns autores consideram o desenvolvimento como simples sinônimo de crescimento
econômico, ou seja, o aumento substancial da produção de um país. Para eles, o
desenvolvimento é um processo de expansão quantitativa do produto e da renda.
Entretanto, se considerarmos o subdesenvolvimento como o conjunto das
características estudadas até agora, podemos perceber que o desenvolvimento é um processo
muito mais amplo que o mero crescimento. O verdadeiro processo de desenvolvimento
consiste na transformação qualitativa da sociedade, na mudança de suas características.
Para que haja desenvolvimento – atualmente é mais comum a utilização do conceito
de desenvolvimento sustentável – é necessário que se verifiquem alterações profundas na
distribuição de renda, nas condições de higiene e saúde da população, nas condições de
emprego, na propriedade da terra, no acesso a educação etc. – tudo isso realizado de tal forma
que respeite o equilíbrio ambiental. Enfim, é necessário que exista uma participação de todos
na riqueza produzida, e não apenas um crescimento dessa riqueza.
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Alguns países subdesenvolvidos podem experimentar crescimento econômico, como
ocorre com o Brasil, sem que estejam passando por um verdadeiro processo de
desenvolvimento – embora o desenvolvimento só seja possível com crescimento econômico.
FILMES SUGERIDOS
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Eles não usam black-tie – Leon Hirzman
O homem que virou suco – João Batista de Andrade.
Queimada – Gillo Pontecorvo
Cronicamente inviável – Sergio Bianchi
Cidade de Deus – Fernando Meirelles e Katia Lund
A cidade esta tranquila – Robert Guediguiam
QUESTÕES PARA ESTUDO
1. Subdesenvolvimento: estágio no caminho do desenvolvimento ou forma anômala
historicamente produzida? Expresse seu pensamento.
2. Quais os países emergentes que hoje se destacam no cenário mundial?
3. Faça um esquema em que sejam organizados os indicadores de subdesenvolvimento,
incluindo os tipos particulares de cada indicador.
4. "Os indicadores de subdesenvolvimento não são absolutos." explique por que.
5. Praticamente nenhuma das antigas colônias de povoamento veio a se converter em país
subdesenvolvido em nossa época. Já todos os países e as demais colônias de exploração
são hoje países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Explique a relação entre as
colônias de povoamento e de exploração, de um lado, e, de outro, a formação de países
desenvolvidos e países subdesenvolvidos.
8. Comente a afirmação: "O grande crescimento demográfico é consequência, e não causa, do
subdesenvolvimento".
7. Por que a renda per capita não é um indicador seguro do desenvolvimento?
8. Quais as causas da intensa transferência de trabalhadores do campo para as cidades
(êxodo rural)?
9. Analise as diferenças entre crescimento econômico e desenvolvimento.
10. O estado, para fazer face as suas despesas, procura obter recursos lançando mão da
cobrança de tributos, da venda de títulos públicos, da emissão de moeda e recorrendo a
empréstimos externos, origem básica da dívida externa de muitos países subdesenvolvidos.
Faça uma pesquisa sobre:
A) a origem do déficit público no brasil.
B) a origem e a situação atual da dívida externa brasileira.
REFERÊNCIAS
LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Sociologia Geral. 7º ed. São
Paulo: Atlas. 2006.
OLIVEIRA, Pércio Santos de. Introdução à Sociologia. Série Brasil. Ensino
Médio/Volume único. 25 ed. São Paulo: Ática. 2004.
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Apostila de Sociologia - Professor Lairton - 2°s