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MESTRADO EM EDUCAÇÃO
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E IDENTIDADE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
O RESGATE E O REMÉDIO DO CORPO E DA MENTE
Rio de Janeiro, fevereiro de 2008
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
O RESGATE E O REMÉDIO DO CORPO E DA MENTE
POR:
GIANE MOREIRA DOS SANTOS PEREIRA
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ
MESTRADO EM EDUCAÇÃO COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DO
TÍTULO DE MESTRE EM EDUCAÇÃO
Orientador: Prof. Dr. Tarso Bonilha Mazzotti
Rio de Janeiro, fevereiro de 2008
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
O RESGATE E O REMÉDIO DO CORPO E DA MENTE
GIANE MOREIRA DOS SANTOS PEREIRA
APRESENTA A DISSERTAÇÃO
BANCA EXAMINADORA:
PROF. DR. TARSO BONILHA MAZZOTTI (orientador)
PROFa. DRa. MARGOT CAMPOS MADEIRA
PROF. DR. CELSO PEREIRA DE SÁ
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P436
Pereira, Giane Moreira dos Santos
Representações sociais de educação física: o resgate e o remédio do corpo e da
mente. / Giane Moreira dos Santos Pereira.- Rio de Janeiro, 2007.
104 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estácio de Sá, 2008.
1.Educação física. 2.Escolas noturnas. 3.Psicologia do desenvolvimento.
4.Representação (Filosofia). I. Título.
CDD 796.07
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DEDICATÓRIA
Dedico todo o meu empenho neste trabalho ao meu marido
Sidney e aos meus filhos Andressa e Caio, que são a minha
alegria e meu incentivo para enfrentar os desafios, e à minha
mãe que mesmo não estando mais ao meu lado, estará orgulhosa
de mim, onde quer que esteja.
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AGRADECIMENTOS
- A Deus, por me dar força e sabedoria para enfrentar os desafios desta caminhada e pela
alegria deste momento de realização.
- Ao querido Prof. Dr. Tarso Bonilha Mazzotti, um grande amigo que com muita paciência
orientou este trabalho e com sua imensa sabedoria, retirou o máximo de minhas
potencialidades, me estimulando a querer saber cada vez mais.
- A Profa. Dra. Margot Campos Madeira, que sempre me encantou, desde o meu primeiro dia
no mestrado, com suas palavras e com suas idéias. Suas aulas me ensinaram muito mais que
conteúdos acadêmicos, me ensinaram a ser uma pessoa melhor.
- A Profa. Dra. Alda Judith Alves-Mazzotti, coordenadora do mestrado, e às professoras
Helenice Maia, Lucia Maurício Velloso, Monica Rabello de Castro e Lúcia Vilarinho pela
amizade, apoio e oportunidade de participar de suas aulas, onde pude, a cada dia, adquirir
conhecimentos que não só me auxiliaram na construção desta pesquisa, mas também
ampliaram meus horizontes como educadora.
- A minha prima Rosane e à minha amiga Paula Cid, que me incentivaram a entrar no
mestrado e me ajudaram na preparação do meu projeto para ingressar neste desafio. Sem elas
eu não teria chegado até aqui.
- Aos professores de Educação Física de Belford Roxo e do Rio de Janeiro que participaram
desta pesquisa e sempre me receberam com muito carinho e atenção. Aos alunos do ensino
noturno de Belford Roxo e do Rio de Janeiro, que mesmo sem me conhecer bem, me
confiaram suas histórias e opiniões. A coragem e a esperança destes alunos que tentam
concluir os estudos apesar de todas as dificuldades, sempre me inspira.
- Aos amigos que entraram na minha vida durante o mestrado, compartilhando angústias,
alegrias, conhecimento e trazendo palavras de apoio nas horas difíceis.
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RESUMO
O objetivo dessa pesquisa foi o de identificar as representações sociais de Educação Física
sustentadas por seus professores e por estudantes. Para isso, tomou-se por tema indutor a
introdução da Educação Física no ensino noturno, especialmente na Educação de Jovens e
Adultos, uma vez que em uma situação de conflito ou debates os atores sociais expressam,
com maior clareza, os que consideram ser pertinente, afastando-se dos discursos padronizados
usuais, como é o caso da disciplina examinada aqui. Esse tema foi apresentado, por meio de
entrevistas semi-estruturadas, a 44 alunos e 20 professores de Educação Física da rede de
ensino do município de Belford Roxo e do Rio de Janeiro, divididos em 4 grupos, com base
no seguinte critério: os que não têm a prática de Educação Física no ensino noturno e os que
têm. A análise do material discursivo indicou que os estudantes, independente de terem ou não
Educação Física em seus programas de ensino, considera que ela se refere a: esporte, diversão
e saúde; e os professores, referem-se a resgate. Os professores e estudantes tomam duas
direções: a Educação Física ou é para falar ou para fazer, de conformidade com os gêneros e
idades entrevistados. Que é determinado pelo campo de representação desenvolvimento
humano (Já estou velho para isso); de gênero (Os homens vão querer futebol); e de escola
(Escola é para estudar). As representações sociais de Educação Física condensam-se em duas
metáforas: remédio, no caso dos alunos; resgate, no discurso dos professores. Novas
investigações poderão determinar se essas metáforas podem ser resumidas em uma, remédio,
que parece ser o significado mais relevante para resgate e se ambas estão subordinadas a
representação de corpo que aparece como depósito de energia para estes grupos.
Palavras - Chave: Representação Social; Educação Física; Ensino Noturno; Desenvolvimento
Humano; Gênero.
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ABSTRACT
The objective of that research was it of identifying the social representations of Physical
education sustained by their teachers and for students. For that, it was taken by theme
inductor the introduction of the Physical education in the night teaching, especially in the
Education of Youths and Adults, once in a conflict situation or you debate the social actors
express, with larger clarity, the one that consider be pertinent, standing back of the speeches
standardized usual, as it is the case of the discipline examined here. That theme was
presented, through semi-structured interviews, to 44 students and 20 teachers of Physical
education of the net of teaching of the municipal district of Belford Roxo and of Rio de
Janeiro, divided in 4 groups, with base in the following criterion: the ones that don't have the
practice of Physical education in the night teaching and the ones that have. The analysis of the
discursive material indicated that the students, independent of they have or no Physical
education in their teaching programs, considers that she refers the: sport, amusement and
health; and the teachers, refer to it rescues. The teachers and students take two directions: the
Physical education or it is to speak or to do, of conformity with the goods and ages
interviewed. That it is certain for the field of representation human development (I am
Already old for that); of gender (The men will want soccer); and of school (School is to
study). The social representations of Physical education condense in two metaphors:
medicine, in the students' case; rescue, in the teachers' speech. New investigations can be
determined those metaphors can be summarized in a, medicine, that seems to be the most
relevant meaning for rescue and that both are subordinated the body representation, that
appears for these groups as deposit of energy.
Words - Key: Social representation; Physical education; Night teaching; Human development;
Gender.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO: Vivendo e aprendendo a jogar
INTRODUÇÃO: O início da partida------------------------------------------------------------1
CAPÍTULO I: Quem comanda as jogadas
1.1- Representações sociais: A teoria e seu conceito-------------------------------------10
1.2 – Os grupos de pertence e referência---------------------------------------------------17
1.3 – A história e as representações sociais------------------------------------------------20
CAPÍTULO II: Como será o jogo
2.1 – O contexto-------------------------------------------------------------------------------26
2.2 – Os sujeitos-------------------------------------------------------------------------------36
2.3 – Métodos de coleta de dados-----------------------------------------------------------38
2.4 – A análise retórica----------------------------------------------------------------------- 41
CAPÍTULO III – A construção dos sentidos em jogo
3.1 – Análise das entrevistas dos alunos---------------------------------------------------48
3.2 – Análise das entrevistas dos professores---------------------------------------------65
CONCLUSÕES – O fim da partida--------------------------------------------------------------82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-----------------------------------------------------------88
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APRESENTAÇÃO
Minha relação com a educação não é recente, desde os tempos em que dava aula para
as minhas bonecas e brincava de escolinha com as minhas amigas até minha formatura no
Curso Normal, sempre me imaginei como profissional da educação.
Escolhi como graduação o curso de licenciatura em Educação Física, por causa da
dança, que é outra paixão que cultivo desde criança. Ainda na faculdade convivi com a
Educação Física vista por diferentes âmbitos: estritamente biológico em disciplinas como
biologia, anatomia, fisiologia...; como possibilidade de lazer: recreação e jogos...; como lugar
de construção de aprendizagem: educação física escolar; como promotor de saúde: ginástica,
musculação ... e como possibilidade de inclusão e ascensão social: futebol, vôlei, dança.
Dentro de uma gama de opções que a Ed. Física oferece como campo de atuação, escolhi a
Ed. Física Escolar como objeto de estudo e de trabalho. Por já ser professora das séries
iniciais e já trabalhar com educação antes de entrar na faculdade, muito me interessou os
caminhos seguidos pela Educação Física, suas propostas e objetivos neste contexto.
Em 2003, quando já trabalhava no Município do Rio de Janeiro como professora das
séries iniciais e de Educação Física, fui convidada para lecionar no PEJA (Programa de
Educação de Jovens e Adultos), atuando como professora da turma de alfabetização.
Logo me apaixonei pelo programa, pelos alunos e pela proposta, porém, como
professora de Educação Física, uma coisa me inquietava: esta disciplina não é oferecida para
os alunos do PEJA. Comecei a questionar aqui, perguntar ali e obtive a resposta de que o
Conselho Municipal de Educação não autorizava a inclusão da disciplina porque os alunos
“chegavam muito cansados do trabalho e não iam querer se cansar fazendo Educação Física”.
Ao freqüentar encontros, seminários e cursos sobre Educação de Jovens e Adultos, também
percebi que as discussões sobre a corporeidade do adulto ou sobre conteúdos da Educação
Física nesta modalidade eram inexistentes. Comecei então a questionar: qual a visão de
Educação Física que se encontra implícita na sua ausência neste espaço? Será que os alunos e
professores possuem a mesma representação desta disciplina?
Surgiu então o interesse em pesquisar as representações sociais de educação física que
circulam na escola e nada melhor do que usar uma situação de debate ainda pouco explorada,
a Educação Física no ensino noturno, para expor os argumentos dos professores e alunos
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sobre esta disciplina, pois é no processo de comunicação que os sentidos são construídos e
partilhados.
A realização desta pesquisa, muito mais do que uma produção acadêmica significou
um mergulho mais profundo na minha área de atuação e um grande crescimento profissional,
espero estar contribuindo para o debate em torno de questões teóricas e do cotidiano escolar
da Educação Física que engrandeçam esta profissão que eu tanto amo.
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VIVENDO E APRENDENDO A JOGAR
Guilherme Arantes
Vivendo e aprendendo a jogar,
Vivendo e aprendendo a jogar,
Nem sempre ganhando,
Nem sempre perdendo, mas
Aprendendo a jogar
Água mole em pedra dura
Mas vale que dois voando
Se eu nascesse assim pra lua
Não estaria trabalhando
Vivendo e aprendendo a jogar,
Vivendo e aprendendo a jogar,
Nem sempre ganhando,
Nem sempre perdendo, mas
Aprendendo a jogar
Madrugada de ferreiro
Quem com ferro se fere a tudo
Cria fama, deita na cama
Quero ver o berreiro na hora do ronco
Quem tem pavor do cachorro
Quer sarna pra se coçar
Boca fechada não entra besouro
Macaco que muito pula quer dançar
Vivendo e aprendendo a jogar.
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INTRODUÇÃO - O início da partida
Na história da humanidade, as preocupações com o corpo e com o físico não são
recentes, desde a Grécia clássica, passando pelos romanos até os dias atuais, as concepções de
corpo vem orientando práticas educativas de crianças, jovens e adultos pelo que o corpo é
definido, de diferentes maneiras de acordo com o tempo e o lugar.
Autores, como Moraes (2000, p. 36), sustentam que, na Idade Média o corpo era
considerado sagrado por ter sido criado por Deus, ao homem cabia apenas contemplar e
compreender esta realidade. O interesse maior era a salvação da alma, não o aperfeiçoamento
do corpo. Na Idade Moderna, a partir dos séculos XVI e XVII, essa visão teocêntrica começa
a sofrer mudanças, surgem outras formas de delimitar o corpo que passa a ser visto como
corpo-máquina: “A mente, essa coisa pensante, está separada do corpo, coisa extensa e
constituída de partes mecânicas”.
No entanto, essa visão temporal pode tornar-se bastante reducionista se não for
associada aos aspectos culturais de cada povo e grupo social, pois tais aspectos muitas vezes
ultrapassam tempo e espaço, conservando hábitos e valores. O surgimento de uma nova
concepção não quer dizer que a anterior foi abandonada, ela pode ser modificada por alguns
grupos e por outros não. As marcas corporais, impressas pela cultura, informam as diferentes
áreas de conhecimento e aos diferentes setores da sociedade acerca das maneiras de atuar
sobre o corpo de modo a atender às demandas culturais e sociais.
Dentre as áreas de conhecimento que estudam e atuam sobre o corpo encontra-se a
Educação Física, e os sentidos atribuídos ao corpo, em sua historicidade, são os que também
estabelecem os sentidos atribuídos à Educação Física, por isso, a história desta disciplina
associa-se à concepção histórica de corpo, pois as atividades corporais fazem parte do
cotidiano de diferentes povos em diferentes lugares, muito antes de receber o nome de
Educação Física.
Então, o que diferencia a Educação Física de uma atividade corporal livre, uma
brincadeira? Como podemos definir a Educação Física? Essa diferenciação encontra-se na
intenção, o homem sempre se movimentou desde os tempos da pré-história, mas é a intenção
de educar o corpo e seus movimentos que caracteriza a “educação física” ou “educação
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corporal” ou “ginástica” ou qualquer outro nome que tenha. É uma atividade que tem um
objetivo definido, mas não único. As finalidades da educação física, mesmo quando ainda não
tinha este nome, sempre foram e continuam sendo muitas, dependendo do contexto históricocultural, e dos valores dos grupos que a praticam.
No Brasil a inserção da Educação Física nas escolas foi um processo longo. Segundo
Accioly e Marinho (1956, p. 157) os portugueses, quando aqui chegaram ficaram admirados
com a destreza física de nossos índios, que pelo modo de vida selvagem que levavam eram
exímios na corrida, na canoagem, na natação, no manejo do arco e flecha. Em 1549, os
jesuítas vieram para o Brasil e fundaram seus colégios, para “educar” os índios que aqui
estavam. Seu ensino exigia imobilidade total, “imobilidade esta que dificilmente se poderia
coadunar com o espírito irrequieto do selvagem”, sendo assim, pela manhã havia as aulas nos
colégios e a tarde era livre para que “os jovens índios pudessem dar completa expansão aos
seus instintos naturais”. Não podemos considerar que os jesuítas davam Educação Física para
os índios, mas de alguma forma pode-se notar algum tipo de preocupação em proporcionar
algum tempo livre para praticar atividades físicas.
No período imperial, com a independência do Brasil, surgiram algumas tentativas de
elaboração de propostas de um plano de Educação Física moral e intelectual, com destaque
para os projetos do padre Belchior Pinheiro de Oliveira (deputado pela província de Minas
gerais) e do Sr. José Mariano de Albuquerque (deputado pela província do Ceará), mas que
não foram adiante. Em 1828, foi editado o primeiro livro sobre Educação Física no Brasil:
“Tratado de Educação Física - Moral dos meninos” de Joaquim Jerônimo Serpa, e daí outros
trabalhos foram surgindo como as teses apresentadas pelo Dr. Manoel Pereira da Silva
Ubatuba “Algumas considerações sobre Educação Física”, em 1845 e pelo Dr. Antônio
Francisco Gomes “Influência da Educação Física do Homem”, em 1852. Foi no período
imperial que algumas províncias começaram a elaborar regulamentos que incluíam a
Educação Física no processo de “instrução”, podemos citar: a província do Amazonas que em
1852 expede um regulamento para instrução pública que determina que a instrução
compreenderá a educação física, moral e intelectual; e a Reforma Couto Ferraz, que
regulamenta a instrução primária e secundária no município da Corte, incluindo os exercícios
ginásticos no currículo do Colégio Pedro II. Estes regulamentos não valiam para todo o país
porque o regime monárquico constitucional estabelecia a autonomia das províncias em
diversos aspectos, entre eles a regulamentação do ensino primário e secundário. Muitos
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trabalhos e regulamentos sobre Educação Física surgiram nesta época, no entanto o parecer de
Rui Barbosa é considerado o mais importante da história da Educação Física no BrasilImpério. Como membro da Comissão de Instrução Pública, coube a ele relatar sua opinião
sobre o assunto durante a discussão do Projeto no. 224 “Reforma do Ensino Primário e várias
instituições complementares da Instrução Pública” de 1882. A Educação Física, neste parecer,
não foi esquecida, “muito ao contrário, precede as outras formas de educação, talvez por
julgá-la o autor a base sobre a qual devam repousar todos os outros princípios. É a
consagração do Mens sana in corpore sano.”(ACCIOLY; MARINHO, 1956, P. 162) Tinha um
capítulo destinado a Educação Física que entre outras coisas determinava: a instituição de
uma seção de ginástica nas escolas normais, obrigatoriedade da ginástica a ambos os sexos,
inserção da ginástica nos programas escolares como matéria de estudo e equiparação em
categoria e autoridade dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. Todos estes
fatos e os que vieram a seguir, no período da República, contribuíram para a inserção da
Educação Física nas escolas e para sua legitimação enquanto disciplina escolar e acadêmica.
Sabemos da importância das leis e regulamentos, no entanto o mais importante para este
trabalho é a ideologia que se encontra presente neles e que espelha os acontecimentos e a
visão do corpo e de sua educação em cada época.
A intenção de educar o corpo sempre foi a principal característica da Educação Física
o que se modificou ao longo do tempo foi como e para quê ela se destina, sendo assim,
historicamente, a Educação Física assumiu uma diversidade de enfoques e recomendações,
que sempre estavam relacionados ao contexto histórico e em função deste, ao conceito de
corpo admitido pela sociedade. Estes enfoques resultaram em abordagens (ou teorias) que têm
por objetivo orientar as práticas de Educação Física nas escolas de acordo com o considerado
melhor em cada momento.
No entanto, estas diferentes abordagens1 para o ensino da Educação Física e a
variedade de atividades que podem ser relacionadas a esta disciplina, acabaram por provocar
uma verdadeira crise de identidade na área. (MASSA, 2002) Nem mesmo os profissionais que
se encontram envolvidos com a disciplina apresentam um consenso sobre o seu significado,
embora seja o termo Educação Física de reconhecimento mundial. (Antunes, 1993; Tricole,
1993 apud MASSA, 2002)
1
Educação Física higienista, militarista, esportivizante, desenvolvimentista, crítica, entre outras. Para saber mais
sobre cada uma delas consultar Darido; Rangel, 2005.
4
Segundo levantamento de dados feitos em 20042, pela coordenação de Educação
Física da Diretoria de Ensino Fundamental (DEF) da Secretaria Municipal de Educação do
Município do Rio de Janeiro, pode-se perceber que embora o discurso muitas vezes pareça
homogêneo em virtude das pesquisas já realizadas na área e das literaturas que impactam o
meio acadêmico, formando um idioma pedagógico, na prática, as diferentes abordagens
desenvolvidas ao longo da história da Educação Física coexistem e convivem no espaço
escolar.
E porque isto acontece? Para entender este distanciamento, Daolio (1998) atenta para a
influência das representações de corpo destes profissionais (corpo este visto aqui como
construção social e cultural) na efetivação de suas práticas profissionais.
A prática corporal destes professores, junto com as representações que por
meio dela veiculam, é o que dá sentido à sua atividade profissional, tendo sido
por eles incorporada como valor por meio de momentos de sua experiência de
vida que reputam significativos e são, por isso mesmo, altamente valorizados.
(DAOLIO, 1998, p. 98)
Algumas pesquisas como as de Daolio (1992), Santos (1993) e Sá (2001) corroboram
a visão da Educação Física que se sustenta mais nos valores adotados pelos professores da
área e pela maneira como eles reconstroem os conceitos das ciências utilizados pela Educação
Física, de acordo com estes valores. Estes autores pesquisaram as representações sociais dos
professores de Educação Física na escola com enfoques e objetivos diferentes, porém, suas
conclusões apresentam características semelhantes.
Daolio (1992, p. 81) analisou o trabalho dos professores de Educação Física na escola
com o objetivo de compreender a lógica que ordena o sistema de representações que eles
possuem sobre o corpo e que norteia suas práticas profissionais. Ele concluiu que os
professores baseiam suas práticas na idéia de um corpo livre, natural, “a mesma imagem de
seu corpo infantil que eles projetam para o corpo de seus alunos”, por ser natural este corpo é
2
Questionário com perguntas fechadas e abertas sobre a prática profissional dos professores de Educação Física,
enviado a todas as escolas da rede e respondido por 80% dos professores. Encontra-se ainda em fase de análise.
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o aprendiz de comportamentos sociais, por isso se consideram mediadores entre a natureza e a
cultura, num processo de transformação do corpo matéria-prima3 em corpo-cidadão4.
Santos (1993), teve por objetivo em sua pesquisa identificar e interpretar a
representação do professor sobre o compromisso docente, investigando sua opinião sobre a
função da Educação Física e sua contribuição no processo ensino-aprendizagem dos alunos,
bem como a motivação em relação ao exercício do magistério público e o compromisso
enquanto professor de Educação Física. A autora concluiu que os professores caracterizam
este compromisso no âmbito individual, de natureza endógena, para além da especificidade
pedagógica da disciplina, por isso, seu compromisso em relação à atividade docente é de
caráter psicológico centrado nas relações afetivas estabelecidas com os alunos. “Quando estes
atores sociais discursam sobre o compromisso incorporam a vontade e o gostar à definição e
às características do professor.”(SANTOS, 1993, p. 151)
Sá (2001), investigou a representação de Educação Física escolar compartilhada pelos
professores da área, pelos diretores, coordenadores e professores de outras disciplinas.
Concluiu que estas representações baseiam-se na imagem individual do professor, na sua
prática e no entendimento do corpo docente sobre o papel da Educação Física no contexto
escolar.
Nas três pesquisas o caráter individual, a subjetividade, e a imagem do professor são
sempre considerados como norteadoras da imagem da disciplina. As explicações para a
escolha desta ou daquela prática profissional estão relacionadas aos seus grupos de pertença,
de referência e às suas experiências pessoais. Suas vivências em relação à Educação Física
(na faculdade ou em formações continuadas) podem até ser as mesmas, mas como cada um irá
integrá-las ao seu mundo simbólico é um processo individual (BOCK; GONÇALVES, 2005).
Estas reflexões nos fornecem subsídios para compreender que a história da
Educação Física no Brasil, para além de uma somatória de elementos
responsáveis pela produção e reprodução de determinados comportamentos dos
professores, foi influenciando na construção de um imaginário social referente
ao corpo - biológico, naturalista, universal -, que se expressa no conjunto das
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4
Visto como algo que precisa ser transformado.
Processo civilizatório do corpo, onde este aprenderá as regras sociais e de convivência para que possa viver e
atuar na sociedade. (DAOLIO, 1992)
6
ações e representações dos profissionais da área até os dias de hoje. (DAOLIO,
1998, p. 98)
Todos os elementos históricos, culturais, individuais e sociais formam uma “teoria”
que confere sentido ao que os grupos pensam sobre determinado objeto, e são estas “teorias”
que justificam suas práticas. As “teorias do senso comum” foram amplamente estudadas por
Serge Moscovici5, que introduziu o conceito das representações sociais na psicologia social
há quase quarenta anos. As representações sociais são definidas como a síntese possível e
provisória de um dado objeto, num determinado tempo e espaço, no qual este objeto é
integrado à prática concreta do sujeito num movimento contínuo, transformando-o e sendo
transformado por ele, de maneira individual e plural já que a individualidade só se constrói na
relação com o outro. (MADEIRA, 2001).
Segundo Jovchelovitch, (2002, p. 80-81)
[....] as representações sociais não são um agregado de representações
individuais, da mesma forma que o social é mais que um agregado de
indivíduos. Assim, a análise das representações sociais deve concentrar-se
naqueles processos de comunicação e vida que não somente os engendram,
mas que também lhe conferem uma estrutura peculiar.
Para a autora, a estrutura das representações somente pode ser compreendida em
relação aos seus processos de formação, pois uma das características das estruturas é
justamente o fato de não serem estáticas, e estarem em um movimento constante em contato
com a realidade, que se modifica a todo tempo. Nesta perspectiva, o real apresenta três
características: só existe para o homem enquanto algo concreto; só existe na vivência e na
relação com o outro e vai se atualizando à medida que ratifica ou retifica o já vivido; não há
dicotomias entra o psiquismo e o social, pois ambos integram o vivido. (MADEIRA, 2001)
Baseada na relação entre o indivíduo e o contexto sócio-cultural em que vive, a
intenção desta pesquisa é estudar as representações sociais de alunos e de professores de
5
Serge Moscovici, psicólogo social francês que fez a cunhagem do termo representação social. “Um primeiro
delineamento formal deste conceito e da teoria das Representações Sociais surgiu em seu trabalho intitulado La
psychanalyse, son image et son public (1961, 1976) (SÁ, C. 2004, p. 19)
7
Educação Física sobre esta disciplina. Se os grupos não são os mesmos e possuem vivências
diferentes, então suas representações também são diferentes, embora o objeto seja o mesmo?
Esta relação entre o individual e o social é mediada pela linguagem. É por meio da
linguagem que comunicamos nossas crenças e valores, transformando e sendo transformados
pelo meio em que vivemos, por isso é pela linguagem que podemos apreender indícios das
representações compartilhadas pelos grupos. Por este motivo, escolhemos uma situação de
debate: a educação física no ensino noturno, para verificar se as teorias utilizadas pelos
professores e pelos alunos para justificar suas práticas são representações sociais de Educação
Física. A escolha pelo ensino noturno não foi fortuita, esta é uma área de atuação da Educação
Física onde a legislação é recente, a bibliografia escassa e a formação específica quase
nenhuma. Apresentando grupos com características diferentes ao que o professor de Educação
Física costuma atuar (turmas muito heterogêneas no que diz respeito à idade, sexo, região...) o
ensino noturno, constitui-se um desafio quanto à atuação destes professores, e uma
diversidade quanto aos interesses dos alunos, sendo assim, por se configurar uma nova
situação diante de uma prática já estabelecida, os argumentos utilizados para defender esta ou
aquela Educação Física apropriada para este grupo, bem como os motivos para sua inclusão
ou não neste espaço, revela indícios das representações dos professores sobre esta disciplina.
Algo que supostamente era familiar e, conseqüentemente não problemático,
mostra-se como não familiar. Ele tem, por isso, de ser investigado e
determinado com respeito a sua natureza; ele se torna problemático e, por
conseguinte, tem de ser constituído e não deixado na indiferença no pano de
fundo horizontal concomitante. (Schutz 1970, apud MOSCOVICI, 2003, p.
226)
Em nossa revisão de literatura encontramos somente quatro dissertações que tratam da
Educação Física no ensino noturno. Pedroso (1996) e Bender (2004) tiveram como objetivo: a
compreensão e a reflexão sobre a prática pedagógica dos professores de Educação Física
frente às características singulares do aluno-trabalhador no ensino noturno. Bender (2004)
defende que a vivência da corporeidade em busca de uma aprendizagem mais humanizadora
só é possível pela percepção da pluralidade de corpos existentes no meio escolar e da
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interlocução entre as práticas destes alunos e o fazer pedagógico. No entanto, para Pedroso
(1996) esta interlocução não acontece, pois o mundo do trabalho do aluno não é considerado
na prática pedagógica do professor de Educação Física. E, por que não? Quais os valores que
estão por trás das práticas destes professores?
Para Galvão (2004), desde o surgimento da escola, construíram-se os sentidos do
espaço / tempo produtivos e não produtivos bem como os processos normalizadores e
disciplinadores do corpo. O corpo foi relegado para uma posição de inferioridade em relação
à mente, hierarquizando a relação entre os saberes. Para a autora, estes sentidos refletem-se na
construção de corporalidades na escola noturna, por isso, sua pesquisa teve por objetivo
estudar a proposta de educação corporal do Município de Angra dos Reis que, segundo ela,
possui uma prática diferente que busca construir relações mais horizontais entre os diferentes
sujeitos, para poder apreender os sentidos em construção em função de uma nova relação
poder / corpo, que possibilita novos caminhos.
Pelo que podemos ver, o debate gira em torno de uma nova prática de Educação
Física, já que este é um novo espaço. É o “como e para que a Educação Física será feita” que
justifica sua inclusão ou não nesta modalidade, bem como sua importância. Mas qual é o
critério que define uma prática como adequada ou não para determinado grupo? Qual a
concepção de Educação Física que podemos perceber nestas escolhas?
Carneiro (2002), em sua pesquisa, investigou as representações sociais de diretores
sobre a inclusão da Educação Física no ensino médio noturno. Ela concluiu que a Educação
Física é sempre relegada a segundo plano no currículo do ensino noturno e aponta como causa
desta ausência: a legislação, que versa sobre a facultatividade da Educação Física nesta
modalidade, a falta de condições de espaço favoráveis e a hierarquia das disciplinas que dão
maior importância àquelas que preparam o aluno para o mercado de trabalho, que na
percepção dos diretores, não é o caso da Educação Física. Pela pesquisa de Carneiro (2002),
as justificativas para a não inclusão da Educação Física no currículo do ensino médio noturno
expressam uma representação de Educação Física, uma imagem desta disciplina, construída
por vivências, experiências e uma série de outras relações vividas por este grupo.
Que imagem é esta (ou seriam imagens) e qual seu processo de construção é que esta
pesquisa buscou compreender, por isso se propôs a investigar as representações sociais de
Educação Física para professores da disciplina e alunos do ensino noturno, considerando duas
situações da novidade apresentada: o Município do Rio de Janeiro, onde a inclusão da
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Educação Física no Programa de Educação de Jovens e Adultos ainda não aconteceu, portanto
a discussão foi pautada na informação que os professores e alunos têm sobre o assunto e o
Município de Belford Roxo, que já conta efetivamente com a Educação Física no ensino
noturno e a discussão foi pautada na experiência concreta dos sujeitos neste espaço. Assim, o
objetivo desta pesquisa foi o de identificar os argumentos que podem ser apreendidos nas
falas e nas práticas dos professores sobre os sentidos que atribuem à Educação Física. Quais
os consensos e divergências apresentadas entre os professores e alunos do Rio de Janeiro e de
Belford Roxo? Que indícios de objetivação e ancoragem encontram-se nesses discursos?
Como estes professores fazem os ajustes em suas representações diante da novidade Educação
Física no ensino noturno?
A comparação entre as representações sociais dos professores e alunos dos dois
municípios em questão se justifica pela importância atribuída às vivências e experiências do
sujeito na constituição de representações sociais. A vida e as experiências do viver vão nos
fornecendo informações, estas informações são filtradas individual e socialmente e vão
produzindo regras, valores e modelos à cerca de um determinado objeto, ou seja, as
representações sociais, que são os sentidos atribuídos aos objetos na sua relação com o outro.6
“Pode-se reconhecer a relevância do estudo das representações sociais na área de
conhecimento e atuação do profissional de Educação Física, pois é no espaço do imaginário
de uma sociedade ou de um grupo que se pode pensar a sua validade” (SILVA, 1996, p. 7).
É de suma importância nas pesquisas em educação a consideração das relações que
acontecem no interior da escola no movimento próprio da vida, no concreto da história social
e particular e não como questões isoladas, dicotômicas, como se fossem estáticas
(MADEIRA, 1998).
Por este motivo, é crescente o número de pesquisas em RS no campo da educação,
pois investiga “como se formam e como funcionam os sistemas de referência que usamos para
classificar pessoas e grupos e para interpretar os acontecimentos da realidade
cotidiana” (ALVES-MAZZOTTI, 1994 p. 61).
Compreender estes sistemas é primordial para identificar os mecanismos que
interferem na eficácia do processo educativo e sendo assim, contribuir para a superação de
problemas que podem levar ao fracasso escolar (ALVES-MAZZOTTI, 1994).
6
Comunicação oral feita pela professora Margot Madeira em aula da disciplina Processos grupais e construção
de identidade no Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá. (2007)
10
Plano da dissertação
Depois desta Introdução, no capítulo I, apresentamos revisão da teoria das
representações sociais, seu objetivo é a compreensão da teoria e a aproximação desta com o
tema da pesquisa, enfatizando dois aspectos fundamentais no processo de constituição das
representações: os grupos de pertença e referência e a natureza histórica das representações
sociais.
No capítulo II encontram-se as escolhas metodológicas que possibilitaram a realização
da pesquisa: caracterização do contexto, que é fundamental nas pesquisas em representações
sociais, pois estas não se encontram isoladas nas pessoas, mas fazem parte das relações dos
grupos nos contextos em que vivem; apresentação dos sujeitos participantes da pesquisa e
exposição dos critérios de escolhas destes; justificativa da escolha dos métodos de coleta e
análise dos dados em função do referencial teórico da pesquisa. Quanto ao método escolhido
para a análise dos dados: a análise retórica, neste capítulo ela é detalhada tendo por base os
estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000), Reboul (2004) e Mazzotti (2003).
No capítulo III, se deu a construção das análises das entrevistas dos alunos e
professores, fazendo uma comparação entre o que foi apreendido entre os sujeitos de Belford
Roxo e do Rio de Janeiro. Neste capítulo, ao final de cada análise há uma conclusão que
sintetiza os sentidos apreendidos nos discursos de cada grupo.
A comparação entre as representações dos dois grupos: professores e alunos,
apresentando os consensos e divergências encontradas, são apresentadas nas conclusões desta
dissertação.
11
CAPÍTULO I – Quem comanda o jogo
A ciência diz: o corpo é uma máquina.
A publicidade diz: o corpo é um negócio.
O corpo diz: eu sou uma festa
Eduardo Galeno
O problema apresentado nesta pesquisa tem como principal foco as representações
sociais de Educação Física em uma situação de debate, por isso o referencial teórico que
fundamenta este estudo é a teoria da representação social, criada por Serge Moscovici.
A teoria será enfocada em três aspectos que consideramos importantes para a
compreensão do processo de constituição das representações sociais:
1) O conceito – é onde definimos a teoria, seus processos de construção e sua
aplicação nas diferentes áreas de conhecimento. 2) Os grupos de pertença e referência –
define os dois tipos de grupo, aponta a importância dos grupos na construção das
representações 3) A história e as representações sociais - aponta a influência de alguns fatos
históricos na constituição das representações atuais em função das representações de longa
duração e levanta questões sobre a história das representações.
2.1 - REPRESENTAÇÃO SOCIAL: A TEORIA E SEU CONCEITO
O conceito de representação social (RS) foi introduzido por Serge Moscovici, na
perspectiva de redimensionar as idéias tradicionais da Psicologia Social que pouco
considerava a influência social sobre o indivíduo. No processo de elaboração da teoria das
representações sociais, as idéias de diferentes autores (Wundt, Le Bon, Mead, Freud entre
outros) foram compactuadas ou combatidas por Moscovici. Os teóricos anteriores à segunda
guerra mundial, em sua maioria, distinguiam os fenômenos psicológicos em dois níveis: o
individual e o coletivo. A distinção entre estes dois níveis se dava pela crença na
impossibilidade de se explicar os fenômenos individuais pelas leis que explicam os
12
fenômenos coletivos e vice-versa. De alguma maneira, todos estes autores, influenciaram na
elaboração da teoria das representações sociais, porém, Durkheim7 (sociólogo - e sua teoria
das representações coletivas) foi o ponto de partida, utilizado por Moscovici, para construção
da teoria das representações sociais. (MOSCOVICI, 2003) Durkheim define as representações
coletivas como um conjunto de idéias e sentimentos partilhados e combinados que vão se
acumulando no decorrer do tempo e que são utilizados e assimilados pelos indivíduos da
sociedade. Para consolidar seus estudos do conceito de representações coletivas, Durkheim se
apoiou no estudo da religião dos povos primitivos e assegurava que as representações ali
presentes encontravam-se também em outras religiões até mesmo mais elaboradas.
Moscovici diferenciou-se de Durkheim, pois seu interesse era pelo estudo dos
fenômenos ocorridos na sociedade contemporânea, uma vida social em construção de ordem
política, científica e humana. Além disso, para Durkheim as representações coletivas
englobam muitos modos intelectuais ao mesmo tempo como: religião, crença, ciência, mito, e,
para Moscovici, isto representa um problema, porque seria muito difícil compreender tantas
coisas ao mesmo tempo, “o fato de querer incluir demais, inclui-se muito pouco: querer
compreender tudo é perder tudo.”(MOSCOVICI, 2003 , p. 46)
Outra diferença marcante entre os dois autores, é o caráter estático das representações
coletivas, para Durkheim, as representações são como suportes estáticos que estão sempre no
mesmo lugar, servindo de referência para palavras e idéias. Já no conceito de representações
sociais, este suporte é dinâmico, plástico, móvel e opera uma série de relações e
comportamentos que junto com as representações, podem surgir e desaparecer (MOSCOVICI,
2003). Neste conceito, não há separação entre o individual e o social, ao apropriar-se de um
objeto as pessoas não só reproduzem-no, mas o reconstroem, devolvendo-o ao ambiente,
integrando-o em sua rede de relações significativas para o grupo social ao qual pertencem.
(SÁ, 2004)
O conceito elaborado por Denise Jodelet, um dos mais aceitos e utilizados, define
sinteticamente representação social como uma teoria elaborada socialmente que colabora para
a construção de uma realidade compartilhada por determinado grupo social (JODELET,
2001).Esta definição se apóia nos escritos de Moscovici (1978), o qual afirma que as
7
Émile Durkheim (1858-1917), é considerado um dos pais da sociologia moderna. Seu trabalho principial é na
reflexão e no reconhecimento da existência de uma “Consciência Coletiva”. Fonte: Wikipédia – Encinclopédia
Digital – Disponível em : http://pt.wikipedia.org/wiki/Durkheim
13
explicações para os fenômenos que permeiam a relação cotidiana não são simples opiniões,
são “teorias” do senso comum que constroem o ambiente coletivo e orientam as condutas dos
sujeitos.
Mas, de onde vem estas explicações e teorias? Este é outro ponto que difere a teoria
psicossociológica da Psicologia e da Sociologia. Na perspectiva desta teoria, este
conhecimento vem da própria sociedade, que é pensante. Moscovici utiliza o termo
“sociedade pensante” com o objetivo de mostrar-se contrário à idéia fortemente difundida nas
ciências humanas de que uma sociedade não pensa, ou seja, que nossas mentes são sempre
condicionadas por pensamentos que vêm de fora, ou que os “grupos e pessoas estão sempre e
completamente sob o controle de uma ideologia dominante, que é produzida e imposta por
sua classe social, pelo estado, igreja ou escola (...)”(MOSCOVICI, 2003, p. 44) Ao contrário,
os sujeitos não são receptores passivos, produzem significados e os comunicam a todo o
momento, buscando soluções para os desafios que lhe são impostos. “Os acontecimentos, as
ciências e as ideologias apenas lhes fornecem o ‘alimento para o pensamento’”.
(MOSCOVICI, 2003, p. 45)
Mas, por que criamos representações sociais? Esta é a pergunta base para
compreendê-las. O objetivo das representações é transformar aquilo que não nos é familiar em
familiar, para manter a unidade do grupo social ao qual se pertence.
As representações sociais apresentam uma estrutura de dupla natureza: a conceptual e
a figurativa, na qual o conceito e a percepção são intercambiáveis. Representar algo significa
modificar o conceito por meio de suas percepções e vice-versa. As representações nos fazem
compreender o sentido que há em cada figura e a figura que há em todo sentido. Tendo como
base esta estrutura das representações, Moscovici caracterizou seus processos formadores
como: objetivação (colocar para fora a subjetividade, concretizar as idéias) e a ancoragem
(dar sentido por meio de algo concreto integrá-lo cognitivamente, classificá-lo, nomeá-lo no
nosso sistema de valores). Jodelet detalha estes processos de construção das representações
procurando mostrar as relações entre os mecanismos sociais e as elaborações psicológicas e
vice-versa. Para ela, a objetivação possui três fases: 1) a construção seletiva - processo de
apropriação das informações de um objeto que sofrerão uma seleção de acordo com os valores
do individuo; 2) esquematização - transforma a estrutura conceitual em uma estrutura
imaginante, visível, chamado de esquema figurativo; 3) naturalização - a estabilidade do
14
núcleo figurativo se transforma em referência para julgamento e percepções sobre a realidade.
A ancoragem seria, então, o enraizamento da representação social no pensamento constituído,
no seu sistema de valores, que serve para interpretar a realidade, mediando a relação do
indivíduo com seu meio, permitindo classificar pessoas e acontecimentos e caracterizando a
comunicação e a identificação de um determinado grupo. Dessa maneira, ancoragem e
objetivação, articulam as três funções da representação: cognitiva de interpretação da
novidade; interpretação da realidade e de orientação das condutas e relações sociais (ALVESMAZZOTTI, 1994).
Nos últimos 30 anos, o conceito de representações sociais passou por um longo
processo de legitimação. Nos primeiros anos após o seu surgimento, foi praticamente
ignorado, mas com o tempo, a difusão e a compreensão do caráter operatório da teoria
conquistou adeptos e a quantidade de pesquisas empíricas com diferentes objetos de
representação aumentou significativamente. Nos últimos 10 anos, em virtude deste
crescimento, os aspectos teórico-metodológicos foram discutidos e aperfeiçoados.
Atualmente, há uma grande diversidade de pesquisas em representações sociais no Brasil e no
exterior. É interessante ressaltar que tal diversidade apresenta-se tanto no âmbito específico da
Psicologia Social quanto na perspectiva multidisciplinar, na qual a teoria das representações
sociais é trabalhada em diferentes disciplinas, abordada de maneiras variadas.
Por seu caráter multidisciplinar, esta teoria muito tem sido utilizada no campo da
educação com o objetivo de compreender os problemas encontrados neste contexto. Para
Alves-Mazzotti (1994), o estudo da representação social, por sua relação com a linguagem, a
ideologia e o imaginário social, apresenta-se como um caminho promissor para a
compreensão de como e porque as percepções, atribuições, atitudes e expectativas são
constituídas e mantidas e de que forma estas orientam as práticas e as condutas sociais de um
determinado grupo.
No caso da Educação Física pode-se notar que, historicamente, esta atividade vem
sendo concebida de diferentes maneiras, de acordo com o contexto e os acontecimentos
sociais de determinada época. Estas concepções formaram alguns consensos e orientaram o
tipo de atividade preferível8 por determinados grupos, em determinado tempo histórico. Ao
considerar que as representações sociais caracterizam-se por se sustentarem mais nos valores
8
O que é melhor, o que o grupo prefere baseado nos seus valores.
15
do que nos conceitos (MOSCOVICI, 1978) podemos dizer que as diversas doutrinas de
Educação Física são integradas a cada grupo e assim são reinterpretadas e reorganizadas de
acordo com suas próprias crenças, valores e modelos.
Sendo assim, o estudo das representações sociais é fundamental para compreendermos
o lugar e o papel da Educação Física ao buscar entender quando e porque um determinado
esquema figurativo foi admitido por um grupo social e desta maneira expor as práticas sociais
que estão relacionadas com estas representações.
Esta relação entre a prática a as representações sociais há muito vem sendo discutida.
Afinal são as práticas que influenciam as representações sociais ou são as representações que
determinam as práticas? Para Rouquete (1998), ambas as afirmações estão corretas, “se as
representações se modificam, as práticas também se transformam e reciprocamente” (p. 39), e
é aí que nasce a grande questão do tipo: quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? Por isso, o
autor propõe que o assunto seja aprofundado para que não se caia numa “causalidade circular”
diante de dois enunciados verdadeiros, mas que ao mesmo tempo se excluem.
O aprofundamento teórico da relação entre RS e prática precisa responder a algumas
perguntas básicas: O que entendemos por mudança? As práticas e as influências a que nos
referimos são as mesmas, qualquer que seja o enunciado?
Começaremos pelo conceito de mudança. “De maneira geral definimos mudança como
a passagem de uma modalidade à outra por uma dada variável.”(ROUQUETE, 1998, p. 40)
No entanto, em representações sociais podemos examinar estas mudanças por dois diferentes
ângulos: a mudança em diacronia e a mudança em sincronia. As mudanças em sintonia são
aquelas observadas num dado momento entre grupos sociais diferentes e a mudança em
diacronia são aquelas observadas em um mesmo grupo social em momentos diferentes.
Nesta pesquisa, o objetivo é apreender indícios das mudanças que ocorrem em
sintonia, ou seja, quais as representações sociais de Educação Física para os alunos do ensino
noturno e para os professores de Educação Física. No interior destes dois grupos,
aparentemente únicos, existe uma diferenciação importante: há o grupo de alunos e
professores que não vivenciam a educação física nesta modalidade (sua representação então
estará pautada em suas experiências com Educação Física em outros espaços) e o grupo que
vivencia esta prática no ensino noturno.
Sendo assim, é possível perceber que a compreensão da relação entre RS e prática é
fundamental neste estudo no sentido de observar de que maneira as representações de
16
Educação Física já existentes para estes sujeitos condicionam suas práticas em uma nova
situação e ao mesmo tempo perceber como uma nova prática influencia nas representações já
existentes. Seria a mesma influencia em ambos os casos? Segundo Rouquete, (1998) no caso
da influência das RS sobre a prática pode-se dizer que esta é uma “condição de coerção
variável” e não uma determinação propriamente dita, pois há a possibilidade de escolha,
entretanto, o contexto ideológico em que o sujeito se encontra faz com que ele seja portador
de representações dais quais se apropria de tal modo que se sente persuadido a agir em
conformidade com estas representações. As escolhas que de alguma forma contrariem estas
representações o fazem sentir como se estivesse negando a si mesmo, a sua identidade.
Quanto à influência da prática sobre as representações, podemos dizer que estas não
são tão flexíveis. A condição de cidadão muitas vezes nos obriga a estar em situações e
instituições nas quais não necessariamente escolhemos (como aluno, professor, no trabalho),
trata-se de pressões sociais que passam a exigir condutas nem sempre projetadas por mim, por
isso os efeitos destas ações sempre se impõem de uma maneira ou de outra, sendo uma
determinação objetiva.
Sendo assim, não seria correto afirmar que as práticas e as representações se
modificam reciprocamente, pois as influências de uma sobre a outra não se equivalem. Podese dizer então, que as representações são uma condição das práticas e as práticas são agentes
de transformação das representações. (ROUQUETE, 1998)
Como já foi dito anteriormente, as representações sociais são criadas com o propósito
de tornar algo não familiar em familiar, partindo sempre de uma representação pré-existente,
o que imprime nas representações outra importante característica: são ao mesmo tempo
flexíveis e resistentes, inovadoras e conservadoras. Como em nossa sociedade estamos
sempre em contato com o novo (em função da ciência, da tecnologia ou das profissões
especializadas) a exposição à novidade, por criar uma nova realidade social, poderá resultar
em uma nova representação.
A modificação de uma representação social em função do novo pode sofrer bastante
resistência por parte do grupo que a compartilha, pois a substituição de uma representação
social pode implicar na dissolução deste grupo, por isso, neste processo de mudança estas
representações podem ser mantidas por certos elementos do grupo e abandonadas por outros
que julguem necessário de acordo com seus interesses, surgindo assim, grupos com
representações em disputa em uma mesma sociedade.
17
No contexto desta pesquisa, o debate sobre a Educação Física adequada para os alunos
do ensino noturno, que constitui um campo de atuação deste profissional ainda pouco
estudado, busca identificar as representações que estes grupos possuem sobre a Educação
Física analisando como as representações dos que praticam a Educação Física neste contexto
se diferenciam dos que não possuem esta prática. A prática em um novo contexto realmente
determina uma nova representação ou a mesma representação se ajusta a este novo contexto?
Outro aspecto importante a ser considerado nas Representações Sociais é que a
construção do sentido do objeto, sempre acontece em um contexto de grupo. A pluralidade
humana e o espaço público são condições essenciais para a ação, o discurso e a constituição
de representações sociais, que não teriam o menor sentido em um mundo de indivíduos
isolados. É nesta perspectiva, que no estudo da teoria das representações sociais, o uso de
métodos e técnicas que priorizem o diálogo é apontado como primordial, já que é por meio da
conversação que as representações sociais se estabelecem e se propagam.
A linguagem ocupa um papel de destaque nesta teoria e é vista em seu aspecto
polissêmico, ou seja, seu sentido não se esgota no significado da palavra, ao contrário, esta
poderá ter muitos sentidos, dependendo de quem fala e como fala. É a apropriação da
linguagem que nos diferencia das outras espécies e nos permite interagir com o outro, por isso
a linguagem está intimamente relacionada com a cultura e com os grupos sociais. Neste
contexto a linguagem não se resume à língua falada ou escrita, mas também a todos os gestos,
expressões, entonação, silêncios, que nos permite a comunicação com o outro. Considerar esta
linguagem que é ao mesmo tempo grupal e pessoal significa considerar também o que está no
“não dito”, nas “entrelinhas”, pois só assim poderemos compreender e apreender a articulação
entre o aspecto histórico-cultural do indivíduo e a totalidade social.
No entanto, por seu caráter polissêmico, esta comunicação entre as pessoas e os
grupos pressupõe sempre uma compreensão provisória “que articula aquilo que particulariza o
indivíduo e os diferentes grupos, próximos ou distantes, nas relações com os quais o estar e o
agir de cada um no mundo vão sendo configurados numa história, num tempo pessoal e
social” (MADEIRA, 2001, p. 133), ou seja, eu falo a partir dos meus referentes e o outro ouve
a partir de seus próprios referentes, por isso a comunicação, algumas vezes, pode se tornar
fonte de desentendimentos entre pessoas e grupos.
A comunicação entre professores e alunos, por exemplo, pode suscitar algum destes
desentendimentos, pois em sua atuação profissional, os professores (e os de Educação Física
18
aí estão incluídos) constroem suas representações e por elas orientam suas práticas impondoas a seus alunos ignorando que estes possuem suas próprias representações. A visão dos
professores é que sabem o que é bom para eles. Da mesma forma as formações e
recomendações direcionadas aos professores precisam considerar suas RS, caso contrário, a
informação não se transformará em vivência, pois não terá significado para eles.
É pela linguagem que crio uma identidade com meus grupos de pertença e ao mesmo
tempo é também pela apropriação da linguagem dos meus grupos de referência que inicio o
processo de negociação para integrá-lo.
2.2 – GRUPOS DE PERTENÇA E REFERÊNCIA
Os sistemas de representação da realidade – e a linguagem é o sistema simbólico básico
de todos os grupos humanos – são, portanto, socialmente dados. É o grupo cultural onde
o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, as
quais vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o
indivíduo e o mundo.
Marta Kohl
O processo de construção da identidade e dos sentidos atribuídos aos objetos se faz na
relação com os grupos sociais e com a cultura.
A família constitui nosso primeiro grupo de pertença, mas este vínculo não é algo
“natural” e sim construído na relação, por meio de negociação.
Este primeiro grupo de pertença nos marca profundamente, entretanto, não é o único.
No decorrer de nossa vida outros grupos de pertença vão influenciando a construção da nossa
identidade. Estes grupos não são fixos (nem a família), eles vão se modificando e deixando
em nós marcas de valores crenças e modelos que orientam nossas condutas. Esta mobilidade
dos grupos de pertença acontece também por causa dos grupos de referência. Este é o grupo
que almejamos pertencer, que seus valores servem para nós como modelo do que é melhor (o
preferível). A idéia do que é melhor está baseado nos símbolos que os grupos carregam, que
19
dão a ele poder, legitimação por meio dos esteriótipos sociais. É com base nestes modelos que
vamos modificando nossas atitudes na tentativa de adequar-se ao grupo e deste modo, integrálo. Se isto acontece, este grupo então se torna um novo grupo de pertença e os valores e
modelos apreendidos tornam-se naturalizados. 9
Nossos grupos de referência, assim como os de pertença, são aqueles que estão em
consonância com os nossos interesses e que de alguma forma nos dão algum tipo de
gratificação, por isso, se pertencemos a diferentes grupos e estes divergem entre si, acabamos
por escolher aquele que mais nos satisfaz. É importante ressaltar que “interesse e
gratificação”, neste contexto, não tem valor moral, mas quer dizer que o ser humano sempre
procura segurança, estabilidade e é nos grupos que satisfaçam nossos interesses que estes
sentimentos são mais bem contemplados.
São os grupos de pertença e referência que nos fornecem referentes, que ao longo de
nossas vidas, serão utilizados para “filtrar” as informações que recebemos. Isso explica
porque mesmo que as pessoas tenham as mesmas informações (na escola, na universidade, na
igreja...), cada um irá integrá-las ao seu universo simbólico de modo diferente.
Ao longo de nossas vidas, integramos diferentes grupos ao mesmo tempo, e da mesma
forma, nossos grupos de referência também poderão ser diversos dependendo da situação e do
contexto em que se vivencia.
Vejamos o caso dos professores de Educação Física: à primeira vista poderíamos
nomear este grupo como único, no entanto um olhar mais atento poderá perceber que este
grupo se constitui em diferentes subgrupos por diversos motivos.
Primeiro podemos citar a diversidade de espaços de atuação deste profissional, que
poderá atuar em escolas, academias, clubes, excursões, cruzeiros marítimos, hospitais,
fábricas...Estes espaços de atuação se apresentam com contextos e objetivos completamente
diferenciados, evidenciando práticas também diferentes de acordo com o que é preferível para
cada grupo. São as diferentes práticas que suscitam diferentes representações de Educação
Física em disputa, mesmo que a bibliografia e a legislação vigente aponte sempre uma direção
quase homogênea. Estas representações compartilhadas pelos grupos criam uma identidade
entre eles, orientando e legitimando suas práticas e suas condutas.
9
Notas da aula da professora Margot Madeira – (disciplina: Tópicos especiais e processos grupais na construção
da subjetividade – Mestrado em Educação – Universidade Estácio de Sá- 2007)
20
Se delimitarmos o espaço de atuação do profissional de Educação Física e tomarmos
como exemplo somente a escola (que é o locus desta pesquisa) também encontraremos grupos
diferenciados: há os professores que atuam somente no primeiro segmento, há os que atuam
somente no segundo segmento, os que atuam nos dois, os que estão no ensino médio, no
ensino noturno ou na universidade...“São os processos de simbolização próprios aos
diferentes grupos que permitem aos atores situados neste espaço, elaborar os esquemas
organizadores e as referências afetivas e intelectuais que ordenarão a vida social.”10
Além da atuação em níveis diferentes de escolaridade que pode instituir
representações sociais diferentes (cf. ALVES-MAZZOTTI et al, 2004), a história pessoal
destes professores também influencia no pertencimento destes a determinados grupos: os que
foram bailarinos geralmente enfatizam seu trabalho na dança, os que são ex-atletas, no
esporte, há os que fizeram curso normal antes da graduação, os que têm outra graduação
(principalmente fisioterapia), os que se especializaram em psicomotricidade...Pode-se dizer
então que estes professores não pertencem ao grupo de professores de Educação Física, já que
se identificam com grupos de não-professores, que servem para eles como referência? Na
nossa opinião, o que não existe é um único grupo de “professores de Educação Física”, uma
vez que esse nome coletivo oculta muitas identidades, as dos grupos de pertença e de
referência, por isso também não há como especificar uma identidade única para este
profissional, sob o risco de cair em esteriótipos reducionistas.
A construção da identidade sempre acontece nos âmbitos individual e coletivo, assim
como o processo representativo.
Para Moscovici (1976 apud ANDRADE, 1998, p. 144) “o indivíduo projeta sua
identidade no objeto que representa”, pois é por meio de sua identidade que o indivíduo
atribui sentido ao mundo em que vive.
É fato que os contextos culturais, sociais e históricos em que a pessoa está inserida
agem como determinantes de significações pré-estabelecidas na elaboração dos
conhecimentos sobre o mundo, porém os sujeitos não se encontram passivos nesta elaboração.
Como atores sociais os indivíduos estão sempre interferindo nestas significações,
reelaborando-as e modificando-as não só a nível material, mas também simbólico. É uma
relação dialética: os homens se modificam e modificam o meio em que vivem nas relações
10
Transparência apresentada pela professora Margot Madeira na aula de Processos Grupais e construção da
subjetividade – Mestrado em Educação – Universidade Estácio de Sá – 20/03/2007
21
que com ele estabelecem. Sendo assim, o sentido de “identidade estará sempre numa tensão e
numa homologia entre o indivíduo e o grupo, entre as necessidades internas e as influências
sociais, entre a singularidade e a pluralidade” (Lupiansky, 1992 apud SANTOS,1998, p. 153)
Por este motivo, as Representações Sociais apresentam uma dupla natureza: estável
(pelos fatores pré-determinados pela cultura e pelos fatos históricos) e flexível (pelo potencial
transformador dos espaços simbólico e material). (SANTOS, 1998).
O caráter de conhecimento compartilhado das representações sociais não significa que
haja um consenso absoluto entre os membros do grupo em qualquer circunstância e a
qualquer momento, por isso o estudo das representações sociais se preocupa em apreender
também a articulação existente entre o consenso e o discenso, o coletivo e o individual, bem
como perceber as relações existentes entre as representações de um objeto com outros, ou
seja, considerar seu campo de representações. (SANTOS, 1998, p. 155)
O campo de representação de um objeto também é variante de acordo com os grupos
sociais. Por exemplo: Para um grupo de soldados do exército, a Educação Física pode estar
associada a sofrimento, treinamento para a guerra, desgaste físico e emocional; já para um
grupo de crianças, a Educação Física pode ser associada ao prazer, à brincadeira, ao momento
de diversão, de relaxar. Isto significa que a relação que fazemos entre um objeto e outros
depende das práticas sociais que o grupo vivencia e dos valores que partilha, podendo ser
completamente diferente de um grupo para o outro. É a compreensão das relações que
ocorrem no campo de representações que possibilita a percepção da dinâmica da construção
dos sentidos de um objeto para um determinado grupo e das relações que este estabelece com
o contexto em que se encontra o indivíduo.
Sendo assim, seria um equívoco admitir uma única representação social de Educação
Física sem considerar os diferentes grupos que a praticam e os diferentes fatores culturais e
históricos que influenciam as representações de Educação Física.
22
2.3 – A HISTÓRIA E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Eu vejo o futuro repetir o passado,
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não.
Não pára
Cazuza
Segundo Jodelet (2004, p. 30) “os objetos que estudamos estão inscritos em um
contexto social e cultural e um tempo histórico”, por isso, não há como estudar as
representações sociais de um objeto sem considerar suas dimensões cultural, social e
histórica. Este viés sócio-histórico ou histórico cultural no estudo dos objetos, há tempos é
reconhecido pela psicologia social. Mas, de que história estamos falando? Como acontece a
articulação das formulações teóricas de caráter geral com as observações particulares de
determinados grupos?
A história a que nos referimos nesta pesquisa, não é aquela que apresenta um único
fator dominante, uma história unilateral com fatos acabados, lineares e sem questionamento,
mas uma história que admite a complexidade dos fatos e por isso mesmo, consegue vê-los em
sua multiplicidade de aspectos e agentes que por muitas vezes, são contraditórios.(SALLES
FILHO, 1997 )
A historiografia da Educação Física no Brasil, por exemplo, narra sua inserção nas
escolas datada dos meados do século XIX, apresentando uma gama de concepções adotadas
no meio escolar, que, de certa maneira, sempre influenciaram a visão do professor sobre sua
profissão e conseqüentemente, suas práticas escolares. De um modo geral, a periodização
histórica admitida é a seguinte: nos meados do século XIX, início da introdução da Educação
Física nas escolas, seu objetivo era o desenvolvimento físico e moral do indivíduo, por meio
da obtenção de hábitos saudáveis de saúde e higiene (concepção higienista).
Posteriormente, com a Primeira Guerra Mundial, a preocupação era formar uma
geração forte e saudável para enfrentar a guerra, estando aí excluídos os incapacitados
(concepção militarista) (BRACHT,1999). Estas duas concepções tinham em comum o fato de
23
serem essencialmente práticas, não necessitando uma fundamentação teórica, então os
professores podiam ser ex-praticantes das modalidades próprias dos exercícios físicos.
Após a Segunda Guerra Mundial, os ideais da escola nova ganharam força no Brasil e
a Educação Física passou a ser considerada “um meio de educação”, a única maneira de
promover a almejada “educação integral” era considerar a educação do movimento no
processo educacional.
A partir da década de 1960, com o golpe militar, muitas modificações aconteceram no
âmbito da educação. Com a expansão do sistema educacional e o sucesso da seleção brasileira
nas copas de 1958, 1962 e 1970, o enfoque das aulas associou-se fortemente ao
esporte (concepção esportivizante), principalmente ao futebol. A idéia do país-potência era
fortalecida pelo êxito do Brasil em competições de futebol. Este modelo esportivo, com
ênfase no esporte de alto nível, foi alvo de críticas a partir da década de 80, por ser
considerado mecanicista, técnico e tradicional.
Neste período também começou um movimento de resistência à concepção
estritamente biológica da disciplina (DARIDO; RANGEL, 2005). A partir de então, sempre
com o objetivo de romper com o modelo tecnicista, esportivizante e biológico, surgiram
diferentes abordagens pedagógicas para o ensino da Educação Física, que até hoje coexistem
nas práticas escolares. São elas: humanista, fenomenológica, psicomotricidade, baseada nos
jogos cooperativos, cultural, desenvolvimentista, interacionista-construtivista, críticosuperadora e outras.
Atualmente, as recomendações não são quanto ao uso desta ou daquela abordagem,
mas é quase um consenso11 que a Educação Física escolar não deve reduzir seu ensino à
prática de esportes (principalmente com ênfase no esporte competitivo), nem às práticas
estritamente voltadas para o desenvolvimento de habilidades físicas por meio de treinamento,
mas sim, considerar o aluno em seu contexto histórico-cultural.
Darido e Rangel (2005) sustentam, então, que os objetivos gerais da Educação Física
escolar são: democratizar o acesso à Educação Física (todos os alunos têm direito); a busca
pela autonomia; reflexão crítica enquanto uma das possibilidades da Educação Física na
escola; a saúde enquanto uma das possibilidades da Educação Física na escola; o lazer
enquanto uma das possibilidades da Educação Física na escola.
11
Na bibliografia atual sobre o tema, bem como em documentos oficiais: Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), Diretrizes Curriculares Nacionais e outros que regulamentam a Educação Física.
24
Este é um panorama resumido do que, em geral, sustenta-se na bibliografia sobre a
história da Educação Física, pois não é de interesse desta pesquisa aprofundar-se neste tema,
mas enfatizar que, embora estes fatos tenham influência sobre o que as pessoas pensam sobre
Educação Física até hoje, o processo histórico não é algo que acontece assim dividido,
compartimentado, como se fossem degraus que se salta de um para o outro a cada nova teoria
apresentada. É um processo muito mais complexo, envolvendo as mais diversas interações e
construções sociais que produzem consensos, dissensos, mudanças e permanências.
Estas narrativas históricas, que usualmente encontramos na bibliografia sobre o tema,
sustentam-se em uma representação da história com direção, em que o atual apresenta-se
como superior ao antigo, como se fosse um processo natural de evolução da Educação Física,
em que uma concepção ocupa o lugar hegemônico pela “força das idéias”, por ser melhor,
superior. Justificar as práticas fundamentando-as pela ideologia é ignorar seu significado real
e admitir um “consenso forjado pelo processo de inculcação de idéias próprio da função
ideológica.”(SILVA, 1996, p. 9)
Na vida social as teorias, ou concepções, ou, ainda, representações sociais de corpo e
de educação física, coexistem e disputam a preferência tanto dos professores como a de outros
atores sociais.
Um olhar histórico que contemple somente o aspecto cronológico ou que considere a
visão de um só grupo, que geralmente é o grupo dominante, ignora as particularidades e os
sentidos partilhados por outros grupos sobre o mesmo objeto.
É fato que os discursos dominantes criam ideologias. Estas servem para explicar uma
determinada situação e justificar formas de organização. As idéias dominantes naturalizam ou
dignificam algo para sustentar determinados interesses, servindo como modelo a ser
seguido.12
Embora as representações sociais possuam componentes ideológicos, não podemos
dizer que são elas próprias uma ideologia, pois os grupos organizam as informações a partir
de seus próprios referentes, articulando sempre o social com o individual, produzindo assim,
os sentidos que irão orientar suas práticas e que nem sempre coincidem com ideais
ideológicos admitidos pela sociedade.
12
Notas de aula da Prof. Margot Madeira – Processos grupais e construção da subjetividade – Mestrado em
Educação na Universidade Estácio de Sá – 24/04/2007
25
Conhecer as diferentes representações sobre o mesmo objeto, presentes em um
determinado contexto, só se torna possível à medida que consideramos a história do grupo
que se pretende estudar, pois é nela que de fato, as representações se constituem. Então
podemos dizer que as representações sociais têm história?
Segundo Mazzotti13 , não, pois se considerarmos que história é transformação então
não há história de representação social porque elas não se transformam, não mudam de forma,
são substituídas por outras em função de novas práticas sociais. A idéia de transformação de
conceitos implica em construção conceitual e é muito adequada aos conceitos formais, pois
considera a utilização da estrutura e dos elementos anteriores para prosseguir a edificação
formal.
As representações sociais por serem pautadas nos valores não se modificam da mesma
forma que os conceitos científicos, estes são superados quando se alcança um grau superior de
explicação de suas estruturas conceituais, enquanto que as representações, quando ocorre uma
mudança não podemos dizer que houve uma construção conceitual, uma evolução do
conceito, mas que o grupo ou alguns membros dele adotaram novos valores em função de
uma nova prática.
É factível encontrar na história as raízes das representações sociais contemporâneas, já
que algumas representações são de longa duração, mas não há transformação histórica nas
representações sociais, porque estas não são construídas, mas sim constituídas, já que os
elementos e estruturas podem até ser os mesmos, mas a organização destes não é.
Vejamos o exemplo da Educação Física Militarista: durante muito tempo o objetivo da
Educação Física era preparar o corpo para a guerra. Os atenienses já utilizavam a ginástica
com o objetivo de formar guerreiros (os homens recebiam treinamento e formação para as
lutas corporais) assim como os espartanos que treinavam até mesmo as mulheres para a
guerra. E assim foi durante séculos de nossa história. Na primeira guerra mundial e mais
explicitamente na segunda Guerra Mundial, uma grande mudança aconteceu, o uso intensivo
de máquinas restringiu a luta corpo a corpo e começou a substituir as pessoas nos combates,
este fato mudou significativamente a forma de ver as artes marciais, que deixaram de ser
consideradas guerreiras e passaram a ter outro enfoque, sendo praticadas como esporte ou
diversão, pois agora basta ter uma arma para liquidar o oponente sem arma de fogo. Da
13
Comunicação por e-mail em 13/09/2007
26
mesma maneira, quando a preparação dos soldados passou a ser feita exclusivamente pelas
forças armadas, a educação física em outros espaços passou a cumprir outros papéis: cuidar
da saúde, atividades de lazer, formar atletas...14
Neste caso as mudanças na maneira de ver a Educação Física, ou as atividades de luta
não foram construções conceituais, mas mudança de valores, do que se considera melhor
fazer em função de novas práticas, o que não quer dizer que todas as pessoas tenham
abandonado a representação anterior. Também não há como considerar que uma representação
é superior à outra ou ainda que uma concepção de Educação Física é a transformação da
outra, pois todas se sustentam nos valores, no que é preferível para o grupo, por isso sua
substituição não decorre de impropriedade ou inadequação, mas de uma alteração nas práticas
sociais. Podemos considerar que formar para a guerra é errado? Quando se está em uma
sociedade em que a defesa e a expansão territorial depende da força armada, formar
guerreiros é uma necessidade, mesmo que seja para um setor da sociedade, principalmente se
esta guerra for conduzida pelo enfrentamento pessoal dos guerreiros, a preparação da
população para a luta corporal é uma necessidade social.
A posição de Mazzotti questiona a maneira como Abric15 e outros autores apresentam
o aspecto da mudança nas representações sociais. Abric divide a estrutura das representações
sociais em núcleo central e sistema periférico. O núcleo central é a parte estável das
representações em torno do qual toda a representação está organizada. O sistema periférico é a
parte flexível das representações, essencial no seu funcionamento e na sua dinâmica. Para
Abric, as representações sociais se transformam pela mudança destes elementos estruturais,
resultado de mudanças nas práticas dos grupos sociais. Ele classifica esta transformação em
três tipos: resistente – quando as mudanças nas práticas são ajustadas pelo sistema periférico,
não ocasionando modificação do núcleo central; progressiva – quando os elementos da nova
prática vão se integrando ao núcleo central para constituir um novo núcleo, ocorre quando as
novas práticas não são totalmente contraditórias com o núcleo central; brutal – quando
transformam completamente o núcleo central em função de uma nova prática, de caráter
irreversível que põe em questão os significados do núcleo central. (ALVES-MAZZOTTI,
2002)
14
15
Comunicação por e-mail – Prof. Dr. Tarso Mazzotti em 13/09/2006
Jean Claude Abric propôs a abordagem estrutural das representações sociais, considerada um desdobramento
da teoria das representações sociais, inaugurada por Moscovici. (ALVES-MAZZOTTI, 2002)
27
Embora apresentem alguns dissensos, tanto as idéias de Abric quanto as de Mazzotti
afirmam que no estudo das representações sociais, conhecer os fatos históricos considerando
o contexto sócio-cultural do grupo estudado permite “especificar as relações, no presente, que
um indivíduo ou uma prática mantem com a história da sociedade que pertence” (JODELET,
2004, p. 34) e apreender não só a representação do grupo sobre o objeto pesquisado, mas
também compreender como e porque uma determinada representação foi admitida.
No caso desta pesquisa, representações sociais de educação física, é preciso considerar
a história do grupo e como este relaciona as informações sobre a disciplina vinculadas na
bibliografia admitida, na legislação, na mídia, com seus próprios valores e interesses, só assim
será possível identificar em que valores estão ancoradas estas representações.
28
CAPÍTULO III – Como será o jogo
Mais do que saber que os corpos se expressam diferentes, é necessário entender quais os
princípios, valores e normas que levam os corpos a se manifestar de determinada
maneira. Enfim, é preciso compreender os símbolos culturais que estão representados
no corpo.
Jocimar Daolio
A presente pesquisa, de natureza qualitativa, usa como referencial teóricometodológico a teoria das representações sociais, em sua perspectiva processual, que busca
identificar não só conteúdo das representações, mas também como elas se articulam com o
saber-viver dos sujeitos e como contribuem na construção da identidade dos sujeitos e dos
grupos (MADEIRA, 1998). Para Moscovici (1976, apud MAZZOTTI, 2004, p. 63) as
representações sociais “não são ‘opiniões sobre’ ou ‘imagens de’ mas são como ‘teorias,
ciências coletivas’ sui generis, destinadas à interpretação e à fabricação do real”, por isso, o
estudo das RS de um objeto, visa apreender estas “teorias do senso comum”, compartilhadas
por determinados grupos e que orientam as condutas e as práticas dos indivíduos. Essas
“teorias” são identificadas pelo uso, por parte dos sujeitos pesquisados, de elementos
estruturados para definir o objeto. É esta estruturação que vai diferenciar uma Representação
Social de uma simples opinião sobre o assunto (MAZZOTTI, 2004).
Como fazer então, para identificar tais representações? Por meio de métodos
sistemáticos e adequados à teoria das representações sociais que permitem “observar, analisar
e compreender o fenômeno do conhecimento do senso comum.”(CAMARGO, 2005). Por sua
característica multidisciplinar (utilizada por diferentes disciplinas e áreas de conhecimentos),
e por sua complexidade, recomenda-se o uso de vários métodos e de inovações metodológicas
nas pesquisas em RS. No entanto, alguns pressupostos básicos da teoria não podem ser
esquecidos durante a escolha do caminho metodológico a ser seguido:
1. “No hay que dejar de lado la interrogación sobre las condiciones de producción de
ese conocimiento, ni el análisis de los contextos sociales donde tienen lugar los procesos
29
psicosociales”16 (JODELET, 2004, p. 29), por isso, é preciso descrever detalhadamente o
lugar em que se encontra o grupo estudado a fim de expor as relações existentes entre o objeto
estudado e os elementos presentes neste contexto.
2 – Segundo Madeira (1998, p. 241), “As representações que temos constroem-se na
história de uma dada formação social, num processo de relações familiares grupais e
intergrupais”, ou seja, as RS são sempre de um grupo, por isso é fundamental a delimitação
deste e a explicação dos critérios de escolha e de suas características.
3 – Para Moscovici (2003) o fato de os elementos de uma representação terem sido
construídos pela comunicação confere às RS o caráter de partilha entre os membros do grupo.
Sendo assim, a escolha dos métodos de coleta e análise dos dados deve priorizar a
conversação, o discurso, a linguagem, esta última considerada não apenas como língua falada,
mas também como gestos, silêncios, pausas, desenhos, ou qualquer outro elemento utilizado
na comunicação, sempre articulados à história e à cultura dos grupos.
3.1 - O CONTEXTO DESTA PESQUISA
[...] a escolha do campo onde serão colhidos os dados, bem como dos participantes é
proposital, isto é, o pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do
estudo e também das condições de acesso e permanência no campo...
Alda Judith Alves-Mazzotti
A escolha pelo ensino noturno como campo desta pesquisa não foi acidental, pois a
disciplina Educação Física, por até recentemente não ser obrigatória naquela modalidade, é
uma novidade para os gestores, professores e estudantes. Por isso, seu ensino no período
noturno produz discussões a respeito do significado da Educação Física apropriada aos alunos
da modalidade, e, com isso, põe em cena o que se considera ser característico da disciplina em
qualquer âmbito.
O ensino noturno, no Brasil, abrange diferentes níveis de ensino: fundamental, médio,
superior, pós-graduação. Neste estudo, a modalidade e o nível de ensino limita-se ao
fundamental em duas formas diferentes de organização: Educação de Jovens e Adultos (EJA)
e ensino regular noturno. Os campos da pesquisa foram os municípios do Rio de Janeiro (que
16
Não é possível deixar de lado as perguntas sobre as condições de produção desse conhecimento, nem a análise
dos contextos sociais onde tem lugar os processos psicossociais.
30
funciona pelo sistema de EJA), e de Belford Roxo (que adota o regular noturno) A escolha
destes dois municípios não foi aleatória, são dois locais que contemplam o quadro
comparativo proposto pela pesquisa: o Município de Belford Roxo, ministra Educação Física
no ensino noturno; e, o Município do Rio de Janeiro não tem Educação Física no ensino
noturno. Para entender melhor como acontece o ensino noturno nestes dois municípios,
primeiramente é preciso compreender as diferenças e semelhanças entre as suas formas de
organização: a EJA e o REGULAR NOTURNO.
O que é EJA?
A proposta de atender ao ensino de jovens e adultos não escolarizados surgiu pela
primeira vez explicitado em forma de lei na Constituição de 1934 que reconheceu “a
educação como direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes
públicos” (art. 149).
Embora estimulassem a criação de associações civis com a proposta de atender aos
jovens e adultos não escolarizados e reconhecer o direito dessas pessoas ao acesso à
educação, a Constituição de 1934, assim como a de 1937 não tratava do vínculo
constitucional dos recursos destinados à educação, o que dificultava a prática efetiva e sua
ampliação.
Nas décadas de 30 e início da de 40, os altos índices de analfabetismo, associado à
necessidade de mão de obra especializada para o processo de industrialização, bem como a
integração dos emigrantes estrangeiros, fez do ensino primário uma das prioridades dos
governos. Pelo decreto 4.958/42 institui-se o Fundo Nacional do Ensino Primário, e pelos
decretos 5.293/43, 6.785/44, e 19.513/45 estabeleceram-se as fontes, percentuais, e critérios
para distribuição dos recursos. A Educação de Jovens e Adultos, passou a receber recursos
oficiais segundo o disposto no Dec. 19513/45, art. 4o, inciso 2, ao determinar que: “a
importância correspondente a 25% de cada auxílio federal será aplicada na educação primária
de adolescentes e adultos analfabetos, observando os termos de um plano geral de ensino
supletivo , aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde”. Com tais verbas e convênios
criou-se, após 1946, a Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos
(SOARES, 2002). Mesmo com a determinação de verbas para esta modalidade, durante vários
anos, a Educação de Jovens e Adultos, denominada ensino supletivo, ficou a cargo de
campanhas do governo e de projetos organizados pela sociedade civil ou pelas igrejas, e
31
muitas vezes tinham mais motivações eleitoreiras do que educacionais. Dentre esses projetos
podemos citar o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), a Fundação Educar,
Movimento de Cultura Popular do Recife, entre outras.
Somente pela Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional, de 1971 (Lei 5692/71), é
que o ensino supletivo teve suas bases legais. Naquela lei o ensino supletivo é tratado em
capítulo próprio, com cinco artigos, que estabelece “se destina a suprir a escolarização regular
para adolescentes e adultos, que não a tinham seguido o concluído na idade própria”.Segundo
aquela Lei, o ensino supletivo poderia abranger a alfabetização, a qualificação, algumas
disciplinas, e também a atualização. A produção normativa sobre o assunto ficou a cargo do
Conselho Federal de Educação. Muitos foram os pareceres e resoluções sobre o assunto,
como o Parecer 699/72 do Conselheiro Valnir Chagas que estabeleceu quatro funções para
essa modalidade de ensino: suplência, suprimento, aprendizagem e qualificação (SOARES,
2002).
Na década de 80, a Constituição de 1988 estabeleceu como dever do Estado a garantia
do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso
em idade própria (art. 208), ratificando, assim, as bases legais já propostas pela Lei 5692/71.
Uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996 ( Lei
nº 9394/1996) instituiu a mudança de ensino supletivo para educação de jovens e adultos
(EJA), definindo-a como “uma modalidade da educação básica, nas suas etapas fundamental e
média”(Título V, capítulo II, seção V, art. 37 e 38). Pode não ter significado uma grande
mudança conceitual, entretanto sendo uma modalidade, com diretrizes e funções próprias, o
sistema de destinação de verbas para a EJA amplia-se, o que pode ser revertido em
equipamentos, formação dos docentes, material, possibilitando uma melhoria de qualidade
para esta modalidade.
No ano de 2000, baseado na Lei 9394/96, o Conselho Federal de Educação elaborou
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino da EJA, com orientações específicas
quanto aos conteúdos que devem ser abordados nesta modalidade em cada área de
conhecimento. O documento também indica as três funções da EJA: reparadora, equalizadora
e qualificadora, que nada mais é do que uma reedição do Parecer 699/72, do Conselheiro
Valnir Chagas.
Os aspectos legais da Educação de Jovens e Adultos no Brasil são importantes para se
ter um panorama das mudanças que ocorrem nessa modalidade e que estão diretamente
32
relacionadas aos acontecimentos políticos, econômicos e sociais de cada época, afinal de
contas:
Toda legislação possui atrás de si uma história do ponto de vista social.
As disposições legais não são apenas um exercício dos legisladores. Estes,
junto com o caráter próprio da representatividade parlamentar, expressam a
multiplicidade das forças sociais. Por isso mesmo, as leis são também
expressão de conflitos histórico-sociais. (SOARES, 2002, p. 43)
Isso não quer dizer que em todos os locais, com todos os grupos, as coisas aconteçam
exatamente como prescrevem as leis, pois de acordo com a teoria das representações sociais,
os grupos interpretam as novidades de acordo com seus próprios valores e interesses,
reorganizando as informações e incorporando-a ao seu repertório de conhecimentos.
O que é Regular Noturno?
É a transposição do ensino regular diurno para o turno da noite com o objetivo de
atender a demanda daqueles alunos que trabalham ou que por algum outro motivo não podem
freqüentar a aula de dia. O regular noturno não tem uma regulamentação própria, segue as
orientações legais do ensino regular de acordo com os modelos do turno da manhã e da tarde,
inclusive quanto à orientação de conteúdos. Sua organização é seriada e os alunos fazem uma
série a cada ano, não podendo acelerar, tendo que cumprir nove anos para completar o ensino
fundamental, independente dos conhecimentos prévios dos alunos, que só podem adiantar
alguma série se tiver documentação que comprove que cursou as séries anteriores, obtendo
aprovação. O número de tempos e as disciplinas oferecidas também são os mesmos. O
sistema de avaliação e notas segue os mesmos critérios do diurno, podendo o aluno ficar
retido na série caso não obtenha a nota mínima exigida.
Diferenças e Semelhanças
A principal diferença entre o regular noturno e a EJA é o caráter de suplência. O
regular noturno não é caracterizado como supletivo porque o aluno não pode acelerar, faz uma
série a cada ano. Segue um modelo que supõe que não há defasagem idade / série, enquanto
que no EJA o aluno pode terminar todo o ensino fundamental em quatro anos, ou de acordo
33
com seu próprio tempo de aprendizagem, pois permite que avance ou fique retido,
independente de já ter cursado ou não as séries anteriores. A avaliação é baseada no que o
aluno já sabe.
A organização curricular também apresenta diferenças. No regular noturno, os
conteúdos e as disciplinas oferecidas são as mesmas do diurno, por isso a Educação Física
quase sempre é oferecida17, pois é componente curricular obrigatório do ensino fundamental,
inclusive com o mesmo número de tempos. A legislação da EJA estabelece uma organização
mais flexível, cabendo às Secretarias de Educação estabelecer prioridades na oferta de
disciplinas, por isso alguns municípios com EJA têm Educação Física e outros não.
Embora apresente diferenças legais, o contexto real e a dinâmica cotidiana no ensino
noturno, qualquer que seja a organização tem muitas características em comum: alunos com
defasagem idade / série, que geralmente já estão inseridos no mercado de trabalho; grande
heterogeneidade etária; alunos de diferentes idades na mesma turma; número alto de evasão
por problemas de trabalho ou familiares; alunos com baixa auto-estima devido a inúmeras
histórias de fracassos escolares; problemas que são acentuados no turno da noite e que
dificultam o acesso às escolas como: transporte escasso e aumento da violência, entre outras
determinações.
Tais características são o que mais interessam aqui, pois é no espaço de interação, na
história pessoal e dos grupos que se formam no espaço escolar, no chão da escola, que as
representações sociais são constituídas.
A Educação Física no ensino noturno
Quanto a prática da Educação Física na Educação de Jovens e Adultos a LDB 9394/96
dispõe que “A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente
curricular da educação básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população
escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos (Lei 9394/96, Art. 26, § 3º). Este artigo abrange
qualquer forma de organização ou nível de escolaridade que seja realizado no turno da noite,
porém sua redação já foi modificada por duas vezes ficando assim:
17
A Educação Física no ensino noturno possui uma legislação própria, que durante muito tempo, colocava como
facultativa a oferta de Educação Física no ensino noturno, o que permitiu que muitas escolas não oferecessem a
disciplina nesta modalidade. Atualmente a redação desta lei foi modificada, como veremos na seção a seguir.
34
Parágrafo 3º. A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é
componente curricular obrigatório da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às
condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.
Note-se que foi incluída a palavra obrigatória, mas não inclui os cursos noturnos, no
qual a Educação Física continua facultativa. O caráter facultativo da lei sempre foi um
obstáculo na inclusão desta disciplina nos cursos noturnos, pois com problemas de falta de
verbas e de professores, as escolas não consideram importante sua inclusão.
É interessante refletir sobre este fato, pois nos leva a pensar em algumas questões
bastante importantes: O que se deve aprender na escola? Qual é o papel e a importância da
Educação Física no espaço escolar? Será que a Educação Física só é oferecida nas escolas por
ser obrigatória por Lei?
Uma nova redação foi dada a este artigo pela lei 10.793 de 1/12/2003, a vigente:
Parágrafo 3º. – A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é
componente obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:
I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;
II- maior de trinta anos de idade:
III- que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver
obrigado à prática de Educação Física;
IV- amparado pelo Decreto-Lei 1.044 de 21 de outubro de 1969;
V- Vetado
VI – que tenha prole.
Analisando esta redação, pode-se notar, que há uma transferência do poder de escolha
da escola ao aluno. O caráter facultativo não é mais da escola que deve oferecer, mas dos
alunos que se enquadrem nos critérios estabelecidos pela lei.
Os critérios adotados para delimitar quem pode optar por não fazer Educação Física no
ensino noturno são bem interessantes, pois trazem consigo uma série de representações
associadas à representação do que é Educação Física: atividades físicas (Quais? Esporte?
Brincadeiras?) que podem não ser apropriadas aos trabalhadores (supõe que eles já fazem
35
muita atividade no trabalho?), a pessoas de uma certa idade (qual é a idade apropriada para
fazer atividade física?), aos que já tiveram filhos (Se cansam muito cuidando dos filhos?).
Tais critérios nos dão indícios de que as ações em Educação Física são orientadas
muito mais pelos valores, pelo que é preferível para um determinado grupo, do que por
conceitos científicos, caracterizando-se como uma representação social.
Quanto aos conteúdos de Educação Física que devem ser ensinados no ensino noturno,
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino da EJA, promulgadas no ano de 2000,
apresentam um longo texto com orientações curriculares para o ensino da Educação Física. A
orientação curricular propõe uma abordagem voltada para a cultura corporal de movimento.18
Esta concepção sustenta-se na idéia que a Educação Física, como disciplina acadêmica,
estudaria o corpo e o movimento, não de maneira isolada e descontextualizada, mas inscritos
em um contexto histórico-cultural.
Darido e Rangel (2005, p. 26) afirmam que:
As formas mais básicas de movimentação podem ser combinadas de
diferentes maneiras para se atender as demandas ambientais, que também são
sociais e culturais. Elas podem originar outras formas de movimentação
características de um período histórico, compartilhadas em uma mesma região
por segmentos sociais específicos, em todo o país ou por várias nações ou
sociedades. O conjunto destes fenômenos ou manifestações expressivas
corporais tem sido denominado cultura corporal do movimento.
Apesar destas as orientações curriculares vigentes para o ensino da Educação Física no
ensino noturno, em minhas observações às escolas visitadas, e nas entrevistas com os
professores, nunca aquele documento foi citado como referência na elaboração do
planejamento ou de qualquer outra ação na escola.
Por este motivo, o que interessa nesta pesquisa não é o que a Lei diz, mas como os
professores e alunos, atores sociais desse espaço, reorganizam as informações que recebem
sobre a Educação Física (da legislação, dos livros, da mídia, das suas experiências) no seu
18
“O conceito de cultura corporal, tratado nesta proposta, é entendido como produto da sociedade e como
processo dinâmico que, simultaneamente, constitui e transforma a coletividade à qual os indivíduos
pertencem.” (DCN- Educação Física- EJA - p. 1)
36
sistema de valores formando as “teorias” que irão nortear suas práticas de Educação Física no
espaço escolar noturno ou em qualquer outro.
O Município do Rio de Janeiro
No Município do Rio de Janeiro o Projeto de Educação Juvenil (PEJ) começou a
funcionar em 1985 em algumas escolas de sua rede. Seu público alvo era os alunos com idade
entre 14 e 22 anos que não completaram o Ensino Fundamental. Em seu documento original,
propunha-se “saldar, pelo menos, parte da dívida social com esta população” (Documento
original do PEJ –1985). Em 2005, o Conselho Municipal de Educação regulamentou o
Parecer CME/RJ/ n. 6/2005, que transformou o PEJ em PEJA (Programa de Educação de
Jovens e Adultos), e passou atender oficialmente a grande demanda de adultos acima dos 22
anos que o procuravam. Assim, o PEJA atende necessariamente os alunos que estão em
defasagem idade / série, a partir dos 14 anos, em regime presencial. É organizado em ciclos e
dividido em dois blocos: PEJA I (equivale ao primeiro segmento do Ensino Fundamental da
1ª à 4ª série), PEJA II (equivale ao 2º. Segmento do Ensino Fundamental da 5ª à 8ª série)
Cada bloco é realizado em dois anos, podendo o aluno ser retido ao final de cada bloco, e
promovido a qualquer momento dependendo do seu nível de desenvolvimento.
No PEJA I as aulas são ministradas pelo mesmo professor de 2ª à 6ª feira. Tem por
objetivo principal a aquisição da leitura, escrita, interpretação e conhecimentos básicos de
matemática (quatro operações e resolução de problemas). Esse bloco é caracterizado pela
presença de alunos mais velhos, em comparação com o PEJA II, embora nos últimos anos,
professores e equipe do PEJA nas CREs e na Secretaria de Educação tenham observado um
aumento consideravelmente o número de jovens nesta modalidade.
No PEJA II, os alunos têm em média 5 professores diferentes que ministram aulas nas
suas áreas de conhecimento (matemática, português, ciências, história / geografia). Às sextasfeiras, enquanto os professores das disciplinas citadas se reúnem em um Centro de Estudos
para estudar, planejar, receber informes, os alunos têm aula de linguagens artísticas (música
ou artes) ou língua estrangeira.
A Educação Física não faz parte do currículo do PEJA. Somente em 2005, com o
parecer CME/RJ n. 6/2005, fica autorizada a inclusão de outros componentes curriculares no
programa, a critério da Secretaria de Educação, o que permitiu que se iniciasse um
37
movimento por parte de alguns alunos (que solicitaram a inclusão da Educação Física por
meio de documento elaborado no I Encontro de alunos do PEJA) da coordenação do PEJA, e
de alguns professores de Educação Física para viabilizar a inserção da Educação Física nesta
modalidade.
O município do Rio de Janeiro tem aproximadamente 150 escolas com PEJA,
distribuídas entre as 10 Coordenadorias Regionais de Educação (CREs). Para esta pesquisa
foram escolhidas 5 escolas da 7ª CRE (Região da Barra e Jacarepaguá), que atenderam em
média 1.000 alunos em 2007.
Pode parecer um número pequeno para um universo tão grande, mas o objetivo deste
estudo foi o de apreender indícios das representações de um determinado grupo e não
representações de massa, por isso, sua preocupação não é com uma generalização, mas
possibilitar que o leitor faça uma generalização vicária, ou seja, que ele possa se identificar ou
identificar alguém que ele conheça naquela situação.19
A escolha da 7ª. CRE se deu por dois motivos: é a CRE onde um maior número de
professores de Educação Física preencheram o cadastro de professores que desejam trabalhar
no PEJA, mostrando interesse por este trabalho; e também é a CRE onde a pesquisadora
consegue acesso às escolas com maior facilidade por ser seu local de trabalho, facilitando sua
inserção nos locais escolhidos para a pesquisa. Nesta coordenadoria o PEJA funcionou em
2007 com 111 turmas atendendo um total de 2.342 alunos.
As cinco escolas foram escolhidas pelo critério da diversidade, ou seja, possibilitar a
formação de um grupo de alunos que atendam a heterogeneidade existente no PEJA: Uma
escola com PEJA I e PEJA II, uma escola com turmas exclusivas para atender alunos com
necessidades educacionais especiais, uma escola só com PEJA II, uma escola na Barra da
Tijuca (considerada em um bom local) e uma escola na Praça Seca (considerada em um local
ruim, perto de favelas).
Em cada escola foram entrevistados uma média de cinco ou seis alunos, fazendo um
total de 24 entrevistas.
Município de Belford Roxo
19
Comunicação oral Prof. Alda Judith Alves-Mazzotti, na aula de Seminário de Dissertação - Mestrado em
Educação – Universidade Estácio de Sá- 25/04/2007.
38
O ensino noturno neste Município passou por diferentes organizações: inicialmente
deu continuidade à organização seriada (Regular Noturno) trazida como herança do
Município de Nova Iguaçu, ao qual pertencia antes da emancipação. Em 2001, após diversos
grupos de estudo, sua organização foi modificada, passando a adotar o sistema de ciclos.
Para a Secretaria de Educação do município, a mudança para o sistema de ciclos,
significou uma modificação na própria concepção de ensino, buscando superar “a simples
transmissão de conhecimentos na busca por uma educação de maior qualidade” (SABOYA,
2003). Naquele momento, segundo Saboya (2003), o setor de Educação Física desta
Secretaria formou um grupo de estudos com os professores que atuavam na disciplina (que já
era incluída no ensino noturno desde o sistema de seriação) para construírem uma nova
proposta curricular para o ensino da Educação Física no Ensino Noturno, tendo por base as
Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Física para o ensino da EJA, e como princípios
norteadores: a Educação Física escolar como promotora de saúde, qualidade de vida e
formação da cidadania. Em 2004, com a troca do governo, novas mudanças aconteceram e o
ensino noturno voltou a ser organizado em séries.
Atualmente as escolas noturnas oferecem o regular noturno, no qual o aluno não pode
acelerar. Este fato, segundo os professores entrevistados, fez com que acontecesse uma grande
evasão de alunos, já que, segundo eles, a maioria que procura o Ensino Noturno está fora da
idade adequada para a série, por isso querem concluir o mais rápido possível, visando
melhoria no emprego ou prosseguir com os estudos.
O município de Belford Roxo conta com 19 escolas com Ensino Noturno, dentre estas,
14 contam com Educação Física em sua grade curricular, pois como esta disciplina só é
oferecida no segundo segmento (5ª a 8ª série), as escolas que só tem o primeiro segmento não
tem a disciplina.
Dentre as 14 escolas com educação Física, foram escolhidas 5 escolas localizadas na
região central de Belford Roxo, as que atendem um número grande de alunos e contam com
mais de um professor de Educação Física.
Quanto ao espaço físico, das cinco escolas visitadas, três têm quadra, ou algum espaço
considerado pelos professores, adequado à prática de Educação Física. Uma das escolas tem
quadra, mas não tem iluminação, logo não pode ser usada. Tem um pátio razoavelmente
grande, mas os professores consideram inadequado para fazer alguma atividade porque é
muito perto das salas de aula e atrapalha as outras aulas, também alegam que por ficar no
39
meio da escola, na passagem dos alunos, estes transitam no meio da aula de Educação Física,
ou ficam olhando a aula, tirando a concentração dos alunos ou deixando-os envergonhados.
Uma das escolas é pequena e só possui um pátio pequeno na entrada da escola por onde todos
transitam.
Em cada escola foram entrevistados quatro ou cinco alunos, perfazendo um total de 21
alunos. Quanto aos professores, em cada escola visitada foram entrevistados todos os
professores de Educação Física, totalizando 10 professores entrevistados.
3.2- OS SUJEITOS
(...) a pesquisa acerca das representações sociais de um objeto supõe que sejam
caracterizados os seus sujeitos e os critérios adotados para sua definição. Como a
sociedade não é uniforme e os indivíduos têm histórias pessoais diferentes, como os
momentos, as culturas e as relações diferem e se distanciam, as representações sociais
também se diferem, pois espelham as possibilidades de arranjos e combinações da
diversidade destes conjuntos em si e entre si.
Margot Madeira
A população alvo deste estudo são os professores de Educação Física e alunos do
ensino noturno de escolas públicas dos Municípios de Belford Roxo e do Rio de Janeiro.
A escolha dos critérios de delimitação dos grupos seguiu dois pressupostos básicos da
teoria das representações sociais: a importância dos grupos e de suas práticas sociais na
constituição das representações.
As representações sociais são construções psicossociais, ou seja, integram a história
pessoal e social dos grupos com os quais interagem, sendo assim, podemos encontrar
diferentes representações sociais sobre o mesmo objeto em função da multiplicidade de
grupos sociais existentes em nossa sociedade.
40
Em face disto, e considerando o espaço escolhido para a pesquisa: o ambiente escolar,
achamos relevante pesquisar as representações não só dos professores, mas também dos
alunos, pois estes dois grupos são centrais nas relações existentes na escola.
Embora pareçam únicos, os grupos de professores e alunos podem se dividir em subgrupos em virtude de algumas características que irão aproximá-los ou afastá-los. Por
exemplo: grupo de professores de cada disciplina, professores do primeiro segmento,
professores universitários; ou, ainda: alunos das escolas públicas, alunos da educação infantil,
alunos de pedagogia.
Nesta pesquisa, o grupo de professores foi primeiro delimitado em professores de
Educação Física em função do vínculo maior que mantêm com a disciplina, nosso objeto de
estudo. Depois, constituímos quatro grupos metodologicamente representativos do universo
considerado, contrastados pelos seguintes critérios: alunos e professores que possuem a
prática da Educação Física no Ensino Noturno; e, alunos e professores que não possuem esta
prática. Este critério justifica-se pela importância das práticas na instituição ou substituição de
uma representação social. Procuramos comparar o que pensam sobre a Educação Física os
professores e alunos que não possuem a prática desta disciplina no Ensino Noturno, mas
certamente possuem algum conhecimento sobre ela, seja por vivências anteriores, experiência
dos filhos, informação da mídia, com aqueles que fazem a Educação Física no Ensino
Noturno, e possuem, além das informações anteriores, uma nova prática, uma nova
experiência com este objeto. Serão as mesmas representações dos dois grupos ou esta nova
prática modificará suas representações?
No Município de Belford Roxo encontram-se os grupos que possuem a prática da
Educação Física no Ensino Noturno. Neste local o grupo de professores que integraram a
pesquisa é composto por 10 professores de Educação Física que atuam nesta modalidade nas
cinco escolas visitadas.
Em relação aos alunos, foram 21 entrevistados, sendo uma média de quatro ou cinco
em cada escola visitada. Os alunos participantes foram os que se mostraram interessados,
atendendo ao critério adotado previamente pela pesquisadora que visa englobar a diversidade
existente no ensino noturno: alunos com idade e sexo diferentes.
No município do Rio de Janeiro não há Educação Física no Ensino Noturno, portanto
a pesquisa foi feita com o grupo que não tem esta prática. A escolha dos alunos para participar
da pesquisa seguiu os mesmos critérios do município de Belford Roxo: interesse e diversidade
41
na caracterização dos sujeitos (sexo e idade diferentes). O número de sujeitos por escola
também foi o mesmo: entre quatro e cinco por escola.
Em uma das escolas visitadas no Rio de Janeiro também foram entrevistados os alunos
de uma turma de surdos, porque esta turma e a de RM (retardo mental) são as únicas da escola
que possuem aulas de Educação Física à noite, por isso consideramos importante ouvir estes
alunos.
No caso dos professores, de início tivemos muita dificuldade para definir os critérios
que delimitariam os que fariam parte da pesquisa. Como não há professores de Educação
Física atuando no Ensino Noturno, as entrevistas foram realizadas com os professores de
Educação Física que atuam no diurno. Mas, como definir um grupo diante de um universo tão
grande? São aproximadamente 3.000 professores de Educação Física atuando no Rio de
Janeiro, muitos destes professores não conhecem o Ensino Noturno e suas peculiaridades, o
que seria um problema para este estudo, pois segundo Mazzotti (2004, p. 62)
(...)o tema indutor de respostas estruturadas não é um qualquer, sendo
necessário que os entrevistados considerem-no parte dos que lhes são
conhecidos ou habituais, quando se pretende determinar uma representação
social.
Em função disto, pesquisamos junto à coordenação no PEJA, na Secretaria Municipal
de Educação, qual é o critério de escolha para a requisição dos professores que atuam no
PEJA, informaram que há um cadastro preenchido pelos professores em cada Coordenadoria
Regional de Educação (CRE) e que é por meio daquele que os professores são encaminhados
para trabalhar no PEJA. O cadastro, além de conter as informações profissionais do professor,
possui também um questionário com perguntas abertas sobre o PEJA, enfocando o que os
professores conhecem do programa, como poderiam contribuir com o trabalho do PEJA, entre
outras. Direcionamos, então, nossas pesquisas para as CRE’s a fim de saber se há cadastro de
professores de Educação Física, considerando que esta disciplina não faz parte do currículo do
PEJA. Encontramos somente quatro das dez CRE’s que possuem este cadastro, porém são
poucos professores cadastrados: seis cadastros na 6ª CRE; quatro na 10ª CRE; um na 9ª CRE
e quatorze na 7ª CRE. Optamos por delimitar a pesquisa à 7ª CRE por ser a que possui um
maior número de professores, podendo atender os objetivos desta pesquisa, e por ser também
42
o local de escolha das escolas onde serão entrevistados os alunos. Os professores que
demonstram interesse em trabalhar no PEJA, os que preencheram o cadastro, mostram que
conhecem o programa e que de alguma forma, já teriam pensado sobre assunto.
Nos dois municípios, após cumprir os trâmites burocráticos de autorização da
Secretaria de Educação e das CREs, no caso do Rio de Janeiro, fui muita bem recebida e
atendida nas escolas, tanto pela direção como pelo corpo docente e discente. Todos se
mostraram bastantes solícitos no auxílio à pesquisa, não havendo nenhuma dificuldade no
contato com os entrevistados nem para a realização das entrevistas.
3.3 – COLETA DE DADOS
Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas, e de observações
das aulas de Educação Física, no caso do município de Belford Roxo.
A entrevista semi-estruturada é definida por Rizzini (1999, p. 63) como “aquela
aplicada a partir de um pequeno número de perguntas, para facilitar a sistematização e
codificação. Apenas algumas questões e tópicos são pré-determinados”. Neste tipo de
entrevista geralmente as perguntas são abertas permitindo que o entrevistado tenha liberdade
na resposta, o que requer uma boa percepção do entrevistador sobre os temas que poderão
surgir espontaneamente e que ele pode explorar em função do que se pretende saber. Sá e
Madeira (2007)20 , em suas comunicações feitas no Diálogos em representações sociais,
concordam que a entrevista completamente espontânea poderá não revelar o que o
entrevistador está buscando, pois o entrevistado pode mentir ou omitir fatos importantes para
a pesquisa, por isso é preciso fazer “boas perguntas” para obter as informações desejadas, o
que deve ser espontâneo é a resposta do entrevistado, que não pode sofrer interferência por
parte do entrevistador. Se for assim, o uso da entrevista como método de coleta de dados traz
a possibilidade de compreender o processo de construção do discurso.
O processo discursivo se transforma durante a conversação, e é neste processo de
mudanças que os sentidos, as emoções, os referentes deixam-se perceber. “O discurso oculta e
mostra ao mesmo tempo. Mostra para ocultar ou oculta para mostrar.”(MADEIRA, 2005, p.
20
Celso Pereira de Sá em conferência feita no dia 21/11/2007 e Margot Campos Madeira em palestra feita no dia
23/11/2007, no Diálogos em representações sociais, realizado no Arquivo Nacional do Brasil, Rio de Janeiro.
organizado pela linha de pesquisa Representações Sócias e Práticas Educativas do Mestrado em Educação da
Universidade Estácio de Sá.
43
462). É por ser dinâmico, que o discurso não pode ser tomado como palavra isolada, linear e
desarticulada de um todo que lhe confere significado, por isso o entrevistador deve se deter
neste dinamismo. É no diálogo, na conversação que as representações sociais se estabelecem,
é na comunicação que são partilhadas, por isso é também na comunicação que podemos
apreendê-las.
Nesta pesquisa, as entrevistas foram realizadas sempre mantendo o tom de conversa,
deixando os entrevistados à vontade. Ainda que sem ordem fixa dos tópicos, obtivemos
informações relevantes. Os tópicos atendiam os seguinte objetivos: (1) Qual a posição dos
professores e alunos quanto ao conceito de Educação Física? (2) Qual a função da Educação
Física no espaço escolar? (3) Quais práticas de Educação Física eles consideram adequadas
para o ensino noturno e por quê? Seguindo o mesmo roteiro, a abordagem dos professores e
alunos do Rio de Janeiro precisou ser diferente do Município de Belford Roxo, pois para um
grupo foi preciso falar de como eles acham que deveria ser a Educação Física, pois não
possuem a prática, e, para o outro, saber como que eles pensavam da prática já efetivada.
Antes e durante o processo de realização das entrevistas os elementos que surgiam de
forma recorrente nas respostas dos entrevistados eram postos como questões para outros,
servindo de estímulo para que os sujeitos falassem sobre os assuntos que eram de nosso
interesse. De início, tais elementos foram retirados da análise dos questionários respondidos
pelos professores do Rio de Janeiro, no cadastro do PEJA, onde apareceram os elementos:
saúde, lazer e resgate da cidadania como principais objetivos da Educação Física no Ensino
Noturno. Estes tópicos serviram de ponto de partida para as entrevistas, nos dois municípios,
com os alunos e professores, no entanto, no decorrer das entrevistas outros elementos
recorrentes foram surgindo, como a aula teórica, o esporte, as questões de idade e de gênero,
pelo que a organização dos tópicos foi se modificando.
Como dissemos, as entrevistas não tinham uma ordem prévia, geralmente procurando
saber que informações ou experiências o entrevistado já teve com a Educação Física, se já
tinha feito antes, se sabia o que era, e, a partir das respostas, foram feitas as perguntas sobre o
Ensino Noturno: Se deve ter Educação Física no Ensino Noturno? Como deve ser?
As entrevistas com os alunos foram bem mais rápidas do que com os professores. Eles
não falam muito, mas as técnicas utilizadas para a realização das “boas perguntas”
possibilitaram a apreensão de um material muito rico, cheio de significados com idéias
coerentes e organizadas.
44
Os professores falaram bastante não só sobre sua percepção da Educação Física no
Ensino Noturno, mas também de suas experiências no diurno, sua percepção do aluno do
espaço escolar, suas experiências pessoais.
As informações colhidas nas entrevistas foram confrontadas com a observação das
aulas destes professores (somente em Belford Roxo, pois no Rio de Janeiro não foi possível
esta observação porque não possui estas aulas no ensino noturno). Todas as observações
foram anotadas no diário de campo da pesquisadora para posterior análise.
Para Rizzini (1999, p. 70) “uma observação cuidadosa de fatos e comportamentos
proporciona dados não verbais relacionados ao tema de estudo”. É possível que, durante a
entrevista, o entrevistado omita fatos que considera que não seriam aceitos pelo entrevistador.
A busca de aceitação leva o sujeito a utilizar slogans, frases feitas, argumentos de autoridade,
escondendo situações em que ele fique em desacordo com o que é aceito com o grupo. Sendo
assim, é na observação de sua prática cotidiana que é possível dissipar as incompatibilidades
entre o que fala e o que faz.
A observação das aulas de Educação Física aconteceu durante os meses de Agosto e
Setembro nas cinco escolas visitadas no Município de Belford Roxo, na maioria das vezes
ratificou as informações obtidas nas entrevistas, acrescentando alguns dados em relação a
questão do espaço adequado para a realização da Educação Física e participação dos alunos
nas aulas.
Os dados coletados foram analisados por meio de técnicas que priorizam a apreensão
da construção e da dinâmica dos discursos, permitindo verificar indícios não só do conteúdo
das representações de Educação Física, mas também de como estes sentidos foram
construídos e a que estão relacionados.
3.4 – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
As entrevistas foram submetidas a uma análise retórica do corpus argumentativo dos
discursos.
Mas, qual a aproximação entre a retórica e a teoria das representações sociais? A
retórica é definida por Reboul (2004, p. XIV) “como a arte de persuadir pelo discurso”. Ela é
composta por quatro partes: invenção (a busca pelos argumentos), disposição (a ordem destes
argumentos), elocução (o estilo escrito do discurso), e a ação (proferir o discurso, com seus
45
gestos, efeitos de voz). É a integração destas partes na construção do discurso que esta análise
busca apreender, pois as quatro partes estão relacionadas e se interpenetram formando todo o
processo de produção, tanto do discurso como das representações.
O discurso não é neutro e nem universal, será diferente conforme o assunto e o
auditório a que se destina. Um bom orador adota o estilo que é adequado ao assunto e que
mais facilmente persuadirá o público, por isso, as técnicas de leitura retórica do texto, ao
revelar sua estrutura de argumentação, deixa entrever também os valores e representações do
orador e do auditório em relação ao objeto que fala.
Esta análise não tem a intenção de estabelecer verdades, ou de dizer que este discurso
tem razão ou não, pois a retórica, assim como as representações sociais, operam com juízos de
valor, com o que é verossímil, e as análises desses argumentos buscam identificar “as
verdades” para grupo estudado. Também não busca adotar uma atitude neutra perante seus
argumentos, já que qualquer interpretação sempre está embebida nos valores de quem
interpreta, a leitura retórica propõe um diálogo com o discurso porque tem como pressuposto
que um texto sempre tem algo a ensinar (REBOUL, 2004, p. 139).
A preocupação da análise retórica é com a compreensão de um discurso, não por seu
aspecto sintático, mas em seu aspecto pragmático e semântico, na palavra que não possui um
sentido único, universal, mas que pode assumir diferentes formas e carregar múltiplos
sentidos que se relacionam ao contexto sócio-cultural de quem fala e de quem ouve. Da
mesma maneira, as representações sociais, por serem uma construção de grupo, também
assumem múltiplas facetas, pois é a partir de suas vivências e experiências que os conceitos e
informações recebidas são organizadas e hierarquizadas de acordo com o preferível para cada
grupo. São os preferíveis, os interesses do grupo que o fazem aceitar ou rejeitar determinado
discurso, por isso a identificação dos argumentos contra ou a favor permite revelar indícios
dos valores compartilhados pelo grupo, podendo assim identificar suas representações sobre
determinado objeto.
A linguagem é a interseção entre as representações sociais e a retórica. É no discurso
que as representações se formam, se modificam e se revelam e é a relação retórica que integra
os três elementos centrais do discurso (orador, discurso e auditório), permitindo a
comunicação (Meyer, 2002 apud DUARTE; MAZZOTTI, 2004). O orador, em sua busca
incessante para persuadir e ser aceito, constrói um esquema argumentativo, o discurso,
baseado nos seus valores e nos valores do grupo a que se destina, o auditório. Este último, não
46
recebe passivamente a mensagem, mas a “reconstrói a partir de seus próprios esquemas
conceituais, como apresentado pela teoria das representações sociais, tornando-se co-autor da
mensagem” (DUARTE; MAZZOTTI, 2004, p. 86)
Pelo exposto, a análise retórica de um texto discursivo utiliza técnicas que tratam estes
três elementos de maneira relacional, pois só assim será capaz de apreender do discurso não
só a palavra proferida, mas também os valores presentes no que é dito.
O orador
Ao analisar um discurso é importante levantar as seguintes questões:
*Quem fala? – Implica em saber quem é o sujeito, quais as suas crenças e valores.
*Quando? – Qual é a época em que o discurso foi dito. A contextualização histórica é
fundamental para compreender como os fatos, a ideologia e os valores de determinada época
influenciam na construção dos argumentos.
*Contra o que? – É raro que um discurso não utilize seus argumentos para convencer
atacando outra opinião.
*Por quê? – Qual é o objetivo do texto, o que ele pretende? Esta finalidade pode não
ser o que o texto declara, mas o que está implícito.
*Como? É a maneira como o discurso é enunciado, que pode ser: “eu”, a própria
pessoa que está falando; “ele”, o eu do discurso não é o do autor, é o caso das citações; e
“ninguém”, “quando o discurso se apresenta como puro enunciado, assim como os textos
escritos por juristas ou geógrafos.”(REBOUL, 2004 – p. 141)
O auditório
A quem se destina o discurso? Qual é o auditório real do discurso, que nem sempre é o
aparente? Estas perguntas não são feitas somente por quem interpreta o texto, uma vez que o
orador também delas lança mão para constituir o seu discurso.
Os auditórios diferenciam-se pelo tamanho, pelas características de idade, sexo,
profissão, cultura, competência (todo orador irá ajustar seu discurso para que possa ser
47
compreendido por quem ouve), e pela ideologia, pois tanto o argumento quanto o vocabulário,
mudam segundo a ideologia (REBOUL, 2004).
A relação entre orador e auditório é sempre mediada por um acordo prévio que
permite um entendimento mínimo quanto aos valores e aos fatos, ou seja, quem fala já
pressupõe o que é aceito e o que é inegociável pelo grupo a que seu discurso se destina. Este
acordo é o ponto de partida para o desenvolvimento da argumentação e é revelado pelo
próprio texto através de: expressões estereotipadas, de exemplos, alusões, uso de expressões
como: “todos sabem...”; “deve-se admitir...”; “é certo que...”
O discurso
Ao analisar um discurso, como identificar os argumentos que contribuem para torná-lo
persuasivo? Para responder tal pergunta usamos o Tratado de Argumentação de Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2000), pois este trata da relação entre as premissas argumentativas,
estudando seu conteúdo, e os tipos de argumentos que possibilitam a criação destas premissas.
Aqueles autores agrupam os argumentos em quatro tipos: os quase lógicos, os que são
fundados na estrutura do real, os que se fundamentam na estrutura do real e os que dissociam
noções.
No entanto, antes de tratarmos detalhadamente de cada um destes tipos é preciso
compreender quais as “premissas comuns” que fazem parte do acordo prévio estabelecido
entre orador e auditório que permite a argumentação.
Perelman e Olbrechts-Tyteca 2000) categorizam os acordos prévios em dois grupos:
1)
Fatos, verdades e presunções (relativos ao real) – Os acordos prévios são
pautados em fatos e estes já são os próprios argumentos se estiverem relacionados a alguma
verificação possível ao grupo onde está inserido o orador e o auditório. Estes fatos ganham
nexos entre si por meio das verdades. As presunções são o que todos admitem até que se
prove o contrário, é o verossímil21 . Todos estes acordos se adequam ao auditório.
(MAZZOTTI; OLIVEIRA, 1999)
2)Os valores, hierarquias e lugares do preferível (relativos ao preferível) – Para
Perelman e Olbrechts-Tyteca há dois tipos de valores: os abstratos (Exemplo, justiça, verdade,
21
Confiança presumida.
48
amor) e os concretos (Exemplo, igreja, que exige virtudes como obediência, fidelidade). Na
argumentação as questões são formuladas em termos de valores e do preferível, que são
admitidos sem provas. Estes valores são sempre hierarquizados. “Na verdade, quem diz
valores, diz hierarquia de valores” (REBOUL, 2004, p. 166). Essa organização hierárquica
fundamenta as argumentações e nos dão pistas dos lugares do preferível que justificam as
nossas escolhas. Estes lugares expressam um consenso sobre o valor das coisas.
[...] os lugares designam rubricas nas quais se podem classificar os
argumentos. Trata-se de agrupar o material necessário a fim de encontrá-los
com mais facilidade em caso de precisão: daí a definição de lugares como
depósitos de argumentos.”(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,2000, p.
94)
No Tratado de Argumentação os lugares do preferível são classificados da seguinte
maneira:
1)Lugar da quantidade: Uma coisa é melhor do que a outra por razões quantitativas. É
preferível o que é mais durável, o que proporciona, mais vantagens, o que tem mais bens...
2)Lugar da qualidade: É preferível o que é original, raro. Usa como argumento o
contrário do que é expresso como consenso.
3)Lugar da unidade: É preferível o que é único, o que se opõe ao comum. Para Reboul
(2004) este lugar sintetiza os dois anteriores.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) tratam também dos lugares da ordem, do
existente, da essência e da pessoa, mas para Reboul (2004) estes lugares integram ou derivam
dos três anteriores: lugar da ordem – pertence ao da unidade e prioriza o que vem primeiro;
lugar do existente – pertence ao da quantidade, o que existe há mais tempo é superior ao
recente; lugar da essência - pertence ao da qualidade, é superior o que é essencial em
contrariedade ao fortuito; lugar derivado do valor da pessoa – está ligado ao valor do sujeito e
à seu mérito.
Tipos de Argumento
49
Argumentos quase-lógicos
São assim denominados por se apresentarem como comparáveis a raciocínios formais,
lógicos, matemáticos, mas que quando submetidos a uma análise logo se mostram diferentes
de uma demonstração formal. Caracterizam-se por “evidenciar um esquema formal que serve
como molde para a construção do argumento, depois as operações de redução que permitem
inserir os dados neste esquema e visam torná-los comparáveis, semelhantes,
homogêneos” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 219). Podem ser
apresentados nas seguintes modalidades: contradições, incompatibilidade, identidade e regra
de justiça, argumentos quase matemáticos e definição.
Argumentos fundados na estrutura do real
Apóiam-se na experiência, não na lógica. A intenção é explicar. Argumentam sobre
fatos acontecidos estabelecendo nexos entre estes fatos e outros. Estes nexos podem ser
estabelecidos por:
- Sucessão – infere um nexo causal entre os fatos. Tenta mostrar o efeito a partir do
valor da causa, ou o inverso, estabelecendo um juízo de valor.
- Argumento pragmático – “permite apreciar um ato ou acontecimento em função de
suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis.”(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,
2000, p. 358)
- Finalidade – sempre se baseia na idéia de que o valor de uma coisa depende da sua
finalidade. Explica “para quê”.
- Coexistência – é a relação feita entre a pessoa e seus atos. Neste tipo de argumento
há um fator importante: o prestígio. “O prestígio é uma qualidade da pessoa que se reconhece
pelos seus feitos” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 345). São qualidades
reconhecidas que faz com que outras pessoas tendam a imitá-lo. Os argumentos de autoridade
se enquadram neste tipo, pois são influenciados pelo prestígio. “Utiliza-se dos atos ou juízo de
uma pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de prova a favor de uma
tese.”(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2004, p. 348)
Argumentos que se fundamentam na estrutura do real
50
Também são empíricos, mas diferente do tipo anterior não se apóiam “na estruturado
real, criam-no ou pelo menos a completam, fazendo que entre as coisas apareçam nexos antes
não vistos, não suspeitados” (REBOUL, 2004, p. 181). Estes nexos podem ser estabelecidos
de diferentes maneiras:
- Por exemplos, ilustração, modelo – procura fazer uma ligação entre um fato e a
regra.
- Comparação – Faz comparação entre dois termos: mais bonito, maior, melhor... Para
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) a comparação enquadra-se no argumento quase lógico
porque considera que medir é um ato matemático, mas Reboul (2004) classifica-a nos que se
fundamentam na estrutura do real por considerar que o que se mede é sempre empírico.
- Analogia e metáfora – Fazem relação entre duas coisas procurando provar uma
verdade. A primeira é sempre o que se quer provar e a segunda, o que é utilizado como prova.
Argumentos por dissociação de noções
São aqueles que dissociam noções em pares conceituais opostos entre si (meio/fim,
melhor/pior, aparência/realidade). Apresenta-se de maneira hierarquizada, em que o segundo
termo é sempre preferível, melhor que o primeiro.
Os argumentos apresentados podem estar presentes na estrutura do discurso e são
utilizados pelo orador para convencer o auditório sobre suas idéias. Na comunicação das
estruturas argumentativas o orador utiliza figuras de linguagem que dão sentido ao discurso e
legitimam os argumentos. As figuras de linguagem criam uma identidade ao que se pretende
falar, acomodando uma novidade para tentar comunicá-la, ou ainda, acomodando o que já
conhece a um novo auditório. Elas expressam e condensam os significados do discurso,
portanto a análise das figuras é importante para compreender os sentidos que o coordenam.
A estrutura argumentativa que organiza um discurso bem como as figuras utilizadas
para comunicá-la sempre giram em torno de um motivo central. Este motivo é uma figura, ou
esquema, um argumento ou um procedimento retórico que organiza todo o texto sempre
baseado na representação social que o grupo possui sobre o objeto do qual se fala no discurso.
Não é fácil identificá-lo em todos os textos, porém a identificação e exposição das metáforas
que coordenam os conjuntos dos argumentos pode ser um meio de se chegar ao motivo
central do discurso.
51
Utilizamos a metáfora quando queremos assimilar algo novo ao nosso repertório de
conhecimento. Associamos então uma imagem pertencente a este repertório ao novo objeto,
de modo que este se torne familiar. Do mesmo modo, uma representação social é o esforço de
tornar algo não familiar em familiar. Seria possível então, identificar uma representação social
pela apreensão da metáfora que coordena o discurso? Em nossa opinião, sim. O processo de
metaforização implica em atribuir significado a um determinado objeto, estes significados são
expressos por meio de predicados, no entanto, este processo não acontece individualmente,
mas nas relações sociais e, por isso, envolve negociação, conversação e argumentação para
determinar os predicados mais coerentes ao objeto, que certamente estarão baseados nos
valores e crenças do grupo (MAZZOTTI, 1999). Este processo é o mesmo dos formadores de
uma representação social propostos por Moscovici: a objetivação e a ancoragem. Sendo assim
ao identificar a metáfora que coordena as idéias do discurso estaremos também revelando os
valores e modelos que a sustentam, ou seja, as representações sociais que o grupo possui
sobre o objeto e os valores onde estas estão ancoradas.
É importante ressaltar que a identificação de uma metáfora não é uma tarefa fácil, pois
quando usada adequadamente é como “usar uma roupa certa para a ocasião, nos cai tão bem
que não percebemos que ela está presente”. O mesmo acontece na objetivação e ancoragem:
ao naturalizar um objeto ele passa a integrar nossa rede de significados de tal forma que não
percebemos que criamos uma representação social sobre ele, por isso, esta pesquisa utilizará
as técnicas de análise retórica aqui descritas, baseando-se nos estudos de Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2000), Reboul (2004), e Mazzotti (2004, 2002, 1999) para analisar as
entrevistas a fim de apreender nos discursos dos professores e alunos as representações
sociais de Educação Física.
52
CAPÍTULO IV – A construção dos sentidos em jogo
Os caminhos que percorremos não seguem traçados lineares. Cada trecho, cada curva
nos reserva uma surpresa. O inesperado é uma das magias do caminho.
Jussara Hoffmam
Esta análise considera algumas questões que se referem ao âmbito do orador: quem
fala? Por que fala? Como fala? Onde fala? Sem, no entanto, excluir o papel de ideal regulador
do auditório universal. Estas questões integram o discurso ao contexto do sujeito falante,
integração esta considerada fundamental na análise retórica proposta por Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2000), bem como Reboul (2004) e na teoria das representações sociais
(Moscovici, 2003), pois o discurso não é uma unidade isolada e estática, mas um processo
dinâmico que se transforma todo tempo. Procuramos apreender os elementos que aparecem
no discurso, explorando as possíveis ligações entre eles e relacionando-os à situação problema
e ao quadro teórico. Para identificar as figuras de linguagem presentes nos discursos dos
professores e alunos utilizamos como referência as proposições de Perelman e OlbrechtsTyteca (2000) e Reboul (2004). Dentre as figuras, procuramos identificar as metáforas
coordenadoras que permitem expor as metáforas usadas pelo orador, as quais podem aparecer
segundo as marcas de metaforização como: (a) o uso do aposto; (b) pelos marcadores
clássicos: “Joana é uma cobra”, no qual Joana é o mesmo que cobra sendo as ambas
diferentes ou em gênero ou em espécie; (c) por expressões como: “a imagem que me ocorre
é...”, “é igual a...”; (d) por meio de comparativos de outra natureza, mas sempre entre entes de
gênero ou espécie diferentes; (e) pela negação de características da metáfora, retificando
frases. (ver, por exemplo, Mazzotti, 2003, p. 24). Enfim, tal análise preocupa-se com “as boas
razões” apresentados pelos sujeitos para defenderem suas idéias, pois são estas razões que
trazem em si, por meio dos argumento, os valores e as representações dos entrevistados sobre
o objeto pesquisado. (DUARTE ; MAZZOTTI, 2004)
53
OS ALUNOS:
Os que praticam e os que não praticam – consensos e divergências
As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, que se apresentou como aluna da
Universidade Estácio de Sá sem especificar o nível de ensino nem o curso, que fazia uma
pesquisa sobre Educação Física no ensino noturno. Então, o auditório para quem os alunos
falavam eram outros alunos, com um nível de escolaridade acima do deles, já que disse ser
aluna de uma Universidade, e, possivelmente, professores da faculdade.
No Rio de Janeiro, onde não há Educação Física no ensino noturno, desde 2005 já há
um boato sobre a possibilidade de incluir esta disciplina no PEJA, por isso, a princípio, alguns
alunos achavam que eu era da Secretaria Municipal de Educação (SME), colhendo
informações para a implantação da disciplina, então, com os alunos do Rio de Janeiro minha
apresentação foi mais detalhada para que ficasse claro para eles que eu não era da SME.
A “conversa” foi realizada na própria escola, em uma sala separada. Em Belford Roxo
eu sempre utilizei o horário da aula de Educação Física para fazer as entrevistas, o que
permitiu observar suas práticas e perceber se o discurso era coerente com o que acontecia de
fato.
As posições defendidas pelos alunos foram organizadas em três categorias: a definição
de Educação Física, as práticas adequadas para o seu ensino, e, com base nos argumentos das
duas primeiras, compreender a função da EF para os alunos: para que serve a Educação Física
na escola? Em seus discursos há sempre uma tomada de posição contra ou a favor da
Educação Física no ensino noturno, mesmo que implicitamente, e são as razões utilizadas
para justificar suas posições que serão aqui analisadas.
Inicialmente trataremos dos argumentos que dizem respeito ao conceito de Educação
Física.
EDUCAÇÃO FÍSICA
ESPORTE
DIVERSÃO
SAÚDE
54
1 - Educação Física é ESPORTE e ATIVIDADE FÍSICA para DIVERSÃO (43
alunos). Esporte, aqui, não quer dizer treinamento com objetivo de formar atletas ou equipes,
mas uma abordagem recreativa do esporte que serve como exercício físico para relaxar e
divertir (idéia compartilhada pelos dois grupos). Esporte que também é para conhecer, falar
sobre ele, suas regras, as competições como: Pan, Olimpíada e Copa.(alunos de Belford
Roxo)
Quando falam sobre Educação Física, eu penso logo em futebol. (Homem – 14
anos – Rio de Janeiro)
Ah, uma física... preparo físico, também tinha que ter assim, escolher um dia
da aula, um futebol(...) (Homem – 43 anos- Belford Roxo)
(...) nós não temos um lugar adequado para praticar esportes, mas a
professora... poxa ela dá uma bola legal pra gente sobre esporte, explica
bastante coisa pra gente, ela fala tudo sobre esporte, inclusive nossas provas,
nossos testes são tudo sobre esporte. (mulher, 34 anos – Belford Roxo)
Mesmo os que não fazem a aula prática, não gostam, ou não se interessam por esporte,
acham que Educação Física é esporte, mesmo que seja para conhecer teoricamente. Citam
muito o futebol (para os meninos) e o vôlei (para as meninas ou para os homens e mulheres
juntos). Os argumentos apresentados que justificam esta correlação se relacionam a dois
fatores: suas experiências anteriores com a Educação Física e a influência da mídia.
Quase todos os alunos quando falam de suas vivências nas aulas de Educação Física
mencionam terem praticado esporte. Esta já é uma idéia naturalizada para eles. Educação
Física é sinônimo de Esporte.
Acho que à noite deveria ter atividades de Educação Física assim, normal,
Educação Física de jogar vôlei, futebol, esses negócios assim que tem rede.
(homem - 14 anos – Rio de Janeiro)
55
Quando eu era criança tinha Educação Física, era bom, jogava vôlei, futebol.
(mulher - 40 anos – Rio de Janeiro)
No município do Rio de Janeiro há oito alunos que nunca fizeram Educação Física na
escola, por isso suas experiências anteriores dizem respeito à Educação Física dos filhos (que
também inclui o esporte), às práticas recreativas que tiveram na escola na hora do recreio
(jogar uma pelada com os amigos) ou, ainda, falam das experiências motoras que tiveram fora
da escola (brincando na rua, em clubes ou academias).
Lá a gente jogava mais assim, tinha o recreio e a gente jogava bola. (homem,
41 anos – Rio de Janeiro)
Eu só fiz Educação Física assim particular, por fora. (mulher -33 anos – Rio de
Janeiro)
(...) lá ele jogava bola dentro da vila, tinha o professor de Educação Física e ele
jogava bola também.(homem – 43 anos – Rio de Janeiro)
A mídia e a maneira como veicula as informações esportivas também contribuem para
a identificação entre Educação Física e o esporte. A grande cobertura dada aos eventos
esportivos torna-os assunto comum em roda de amigos, na escola, na igreja, em todos os
lugares. É um acontecimento social que envolve símbolos como prestígio, poder, ascensão
social, tornando-se referência para muitos, principalmente os jovens. Esses eventos, por sua
importância social e cultural, são também considerados pelos professores conteúdo
importante da Educação Física, o que reforça a imagem da EDUCAÇÃO FÍSICA =
ESPORTE.
Nós fazemos a aula escrita, ele até falou sobre as Olimpíadas, ensinou bastante
coisa pra gente sobre jogos... (mulher – 55 anos – Belford Roxo)
56
(...) Nossa aula teórica? Ó, o mês passado foi sobre o Pan, Parapan, essas
coisas que passaram aí. (homem – 16 anos – Belford Roxo)
Os argumentos dos alunos que tratam da Educação Física como esporte, exercício
físico, fundam-se no lugar da quantidade: por ser o que mais se pratica, então é o que a define.
Tem mais valor, é mais desejável, porque é o mais usual, logo é o que caracteriza a Educação
Física.
(...) acho que tem que ter vôlei, futebol, handebol, estas coisas seria...acho que
mais prático assim, todo mundo já jogou, todo mundo já sabe. (mulher - 29
anos – Rio de Janeiro)
A forma hiperbólica utilizada na fala acima reforça o argumento de que tem mais valor
o que é conhecido por um maior número de pessoas que, nesse caso, “é todo mundo”. Esta
visão da Educação Física escolar como esporte, é, segundo Bracht (1999), resultado de um
processo iniciado no século XX, embora o esporte já fosse praticado desde a Grécia antiga.
Para aquele autor, no século XX houve uma mudança na ação do poder sobre o corpo em
função das mudanças históricas que ocorrem a partir do século XIX 22. Há então uma
transposição do controle “do corpo via racionalização, repressão, com enfoque biológico para
um controle via estimulação, enaltecimento do prazer corporal, com enfoque
psicológico” (BRACHT, 1999, p. 74). Esse processo ganhou força após a primeira e a
segunda guerras mundiais. Os guerreiros agora são preparados no quartel, a guerra muda de
perfil em função dos avanços tecnológicos e os combates corpo a corpo dão lugar ao uso de
armas de fogo a distância, sendo assim, a Educação Física pôde ocupar-se de outras práticas,
como a atividade esportiva, que ganhou grande significado social naquele período, por isso
passou a ser vista como uma possibilidade de intervir sobre o corpo em seus aspectos
biológicos (força, resistência...) e comportamentais (mudança nos hábitos, respeito às regras,
por exemplo).
É claro que o esporte não tem um significado único, e, por ser polissêmico seu
significado depende do grupo e da cultura em que o pratica. No entanto o significado político
22
Mudanças no paradigma da modernidade para a pós-modernidade. Para saber mais: SANTOS, Boaventura de
Souza . Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003
57
do esporte expressa a ideologia do grupo dominante, e, por isso contribui para dar às práticas
esportivas um sentido de universalidade, pois mesmo que os grupos reorganizem essas
informações de acordo com seus próprios valores os elementos da ideologia continuam
operantes em suas representações.
O movimento Olímpico, e, especificamente no Brasil, o sucesso das Copas de 1958,
1962 e 1970 instituiu às práticas esportivas a função de preparar as novas gerações para
representar o país em competições internacionais. Mesmo não sendo algo novo, pois o esporte
de alto nível já estava presente no Brasil desde o início do século XX, foi naquele período que
ganhou popularidade, principalmente o futebol, por isso ganhou o status de “para todos”, pois
provocava mobilização nas pessoas. Estes dois fatores referentes ao esporte (popularidade e
mobilização) tiveram repercussões na Educação Física, que perduram até os nossos dias.
Pela análise dos discursos foi possível verificar que a identificação entre esporte e
Educação Física encontra-se inclusive nos argumentos daqueles que falam contra a Educação
Física.
Eu acredito que EF é um, um, uma prática de algum esporte, né? (...) A minha
opinião sincera? Eu particularmente não gosto de nenhum esporte (...) futebol,
vôlei, basquete (pausa curta) não (risos) absolutamente não é a minha praia
(homem – 41 anos – Rio de Janeiro).
As hesitações, as pausas, os risos são indícios de desconforto por ir contra uma
representação dominante e socialmente bem aceita: “Esporte é bom, faz bem, diverte, como
pode alguém não gostar?” Utiliza-se uma hipérbole (absolutamente) para reafirmar o
silogismo: Educação Física é esporte, eu não gosto de esporte, logo, eu não gosto de
Educação Física.
Nas entrevistas dos alunos de Belford Roxo há também um discurso antitético que
coloca em lados opostos a Educação Física de dia e de noite. Se Educação Física é esporte e
exercício físico e no noturno não tem essa prática, então o que se tem não é Educação Física
de verdade.
58
EF é fazer exercício, né? É fazer aquecimento, uma aula legal, não é ficar
sentado jogando baralho, nem fazer exercício dentro de sala de aula (homem –
32 anos - Belford Roxo).
A EF de dia era legal, melhor do que à noite, porque à noite a gente não pode
jogar bola, não pode jogar nada porque não deixam... (mulher – 15 anos –
Belford Roxo).
A dissociação de noções encontrada nesta última fala (noite – pior / manhã – melhor)
não é um consenso, pois para alguns alunos, embora achem que à noite não é Educação Física
“normal” como tinham de manhã, não estão dispostos a fazer exercícios físicos ou esportes e
acham melhor ficar na sala. Para esses alunos a Educação Física com práticas corporais era
melhor naquele momento, quando eram mais jovens, agora o melhor é estudar Educação
Física na sala. O que nos revela um dado importante, apesar de termos dividido os grupos
entre os que têm aula de EF à noite e os que não têm, as divergências encontradas, que
consideramos significativas, não dizem respeito àquela divisão, mas às diferenças de idade e
sexo, que encontramos neste contexto, e que formam subgrupos, que ancoram suas
representações em valores diferentes.
2. EF é brincadeira, diversão, momento de relaxar (28 alunos). Essa afirmação é
apresentada pela maioria dos alunos com dois significados, mas interligados: (1) diversão
porque é uma disciplina cujo conteúdo são jogos e brincadeiras próprias dos momentos de
lazer, é para desestressar. Está bem relacionada à representação anterior Educação Física =
esporte. (2) por ter como conteúdo jogos e brincadeiras é uma matéria mais fácil e não tem
tantas cobranças como as outras disciplinas, então é o momento de relaxar.
Educação Física é importante porque relaxa muito, é uma coisa que te deixa
assim, mais tranqüila para você lidar com as outras matérias que nos deixam
mais estressadas. (mulher – 33 anos - Belford Roxo)
Eu prefiro Educação Física porque esta matéria é mais fácil (mulher – 16 anos
- Belford Roxo)
59
Eu diria que Educação Física é um divertimento (mulher – 55 anos – Belford
Roxo)
Os sentidos atribuídos à Educação Física são novamente usados para a defender e para
atacar, dependendo do sexo e principalmente da faixa etária de quem fala.
Bom, para mim seria importante ter Educação Física, não sei se pras outras
pessoas seria, mas eu acho também, assim, como o tempo é tão corrido e tem
muito trabalho pra fazer, na minha opinião seria, mas acho que seria
complicado, porque muitas pessoas iriam se atrasar, porque não copia direito,
tem dificuldade de copiar e aí iam se atrasar mais ainda (Mulher – 35 anos –
Rio de Janeiro)
Na fala dessa aluna, a afirmação de que a Educação Física é importante não se
sustenta diante do que ela realmente quer dizer, então usa a disjunção de pessoa (muitas
pessoas) que é um sujeito indeterminado, por isso tira a sua responsabilidade, deixando-a livre
para argumentar contra a Educação Física, pois atrapalharia o andamento das outras matérias
sérias e mais importantes.
Em muitas entrevistas aparece a figura da antítese que, como na fala acima, opõe a EF
(diversão, brincadeira) e as outras disciplinas (sérias e estressantes), mas que nem sempre
confere mais valor a Educação Física por isso. Essa antítese está subordinada às
representações de escola e do brincar, compartilhadas pelos grupos em questão.
Pesquisas, como as de Mezzomo (2003) e Lamb (2002), apontam para a oposição
entre escola e brincadeira, mesmo nas séries iniciais, com crianças. Slogans como: “brincar
não é sério, sério é aprender”, “brincar na escola é perda de tempo” são recorrentes a respeito
da brincadeira na escola. Segundo Mezzomo (2003) o lúdico é tratado como sendo falta de
seriedade pela família e pela escola. No ensino noturno a oposição seriedade x brincadeira
evidencia-se por dois fatores: a defasagem idade/ série e a idade dos alunos.
O contexto sócio-cultural nos cobra, todo o tempo, a escolaridade, o conhecimento
intelectual, que vem acompanhado de signos como: prestígio, reconhecimento, ascensão
social e financeira, embora isso seja muito relativo. Os alunos do ensino noturno, que já estão
60
“atrasados” nos estudos, almejam aquele conhecimento, consideram perda de tempo fazer
Educação Física, pois o jogo e a brincadeira não irão proporcionar o que para eles é essencial:
o saber, uma vez que “(...) a gente vem pra escola pra estudar, não vem pra escola pra ficar
jogando, né?” ( mulher – 50 anos – Rio de Janeiro).
Os preferíveis presentes na argumentação de alguns alunos mais velhos fundam-se nos
lugares do único, da essência: a escola é lugar onde se transmite o saber essencial e único: o
intelectual, o da mente, que se sobrepõe às atividades corporais, à brincadeira. Esta idéia não
é compartilhada pelos alunos mais jovens. Para eles, a EF é o momento de relaxar das outras
matérias que são chatas, é o que estimula vir à escola, a brincadeira então, ganha um sentido
positivo para estes alunos. Até os mais velhos defendem a Educação Física se for para os mais
jovens, não para eles.
(...)deveria, porque...(pausa curta) sei lá, para aliviar porque ninguém vive
assim... é, é tipo igual computador, ninguém vive só de trabalho, precisa se
divertir também, então eu acho que deveria ter Educação Física” (homem, 16
anos – Rio de Janeiro).
A metáfora “computador”, usada pelo aluno, corrobora a idéia da oposição da
Educação Física (diversão) com as outras disciplinas (trabalho), mas que para o jovem tem
valor positivo, pois eles gostam de se divertir e “estão na idade pra isto”.
Então, de maneira geral, a brincadeira até pode estar na escola, como mostrou
Mezzomo (2003) em sua pesquisa, mas de maneira regulada, na hora do recreio ou na
Educação Física, para as crianças e os jovens, porque estes precisam destas atividades para
seu desenvolvimento corporal ou para “gastar ENERGIA”, mas não porque a brincadeira faça
parte da construção do conhecimento escolar. Com base nestas representações podemos
afirmar que no ensino diurno a Educação Física, embora possa não ser valorizada pela
instituição ESCOLA, é legitimada pelos alunos que são crianças ou jovens, entretanto no
ensino noturno esta legitimação é parcial, pois a diversidade etária é grande, e há um número
considerável de adultos e idosos.
“Os jovens, eles lutam pra ter Educação Física, toda reunião de representantes
eles pediam pra iluminar a quadra pra ter Educação Física, qualquer
61
representante de sala sempre pede, porque eles têm muita energia, nós mais
velhos não, porque já estamos mais cansados” (mulher – 34 anos – Rio de
Janeiro)
3 – Educação Física é saúde (10 alunos) – A idéia da atividade física vinculada à saúde
está muito associada aos alunos adultos ou idosos, porém com sentidos diferentes para os
alunos do Rio de Janeiro e de Belford Roxo.
Eu acredito que deveria ter Educação Física à noite, faz parte né, ainda mais a
gente que é assim um pouco de idade, mexer um pouco e tal e alongar e tal é
muito bom, os médicos até recomendam a gente de vez em quando caminhar,
praticar alguma coisa, eles mandam até a gente fazer isto.(homem – 51 anos –
Rio de Janeiro)
Os argumentos utilizados na associação EDUCAÇÃO FÍSICA / SAÚDE estão
baseados na estrutura do real, dando nexo aos dois elementos pelo estabelecimento de uma
finalidade. “A Educação Física é valorizada porque é boa para a saúde”. Tal relação é
apresentada como um fato, sem considerar se o praticante gosta ou não da atividade ou, ainda,
sem considerar que dependendo da atividade física e da pessoa que a pratica ela poderá trazer
prejuízos e não benefícios para a saúde.
O argumento de autoridade, nesse caso o médico que recomenda a atividade, é muito
utilizado para fundamentar este discurso. Interessante notar que este médico é generalizado e
pode ser substituido por “ciência médica”, reforçando ainda mais o argumento de autoridade.
O anonimato do autor da recomendação faz com que apareça como algo que todos sabem,
opera por meio da retórica do abreviado, como no slogan, não se discute, aceita-se ou não. A
mídia, agente de transmissão e propagação de ideologias, fortalece a representação social da
Educação Física com finalidade de melhorar a saúde por meio de slogans como: “esporte é
vida”, “pratique atividades físicas regularmente”, “esporte é saúde”, dentre outros.
Mesmo sendo recorrente na fala dos alunos dos dois municípios, foi possível perceber
algumas diferenças entre os discursos em função da prática da Educação Física por parte dos
alunos de Belford Roxo.
62
Em relação aos alunos do Rio de Janeiro, em todas as entrevistas que apareceu o
elemento SAÚDE, este se relacionava à atividades práticas, ou seja, fazer exercício físico na
Educação Física, seja caminhada, alongamento, futebol... Trará benefícios para a saúde dos
alunos.
Eu acho importante ter Educação Física sim, se mexer é bom, é saúde.(mulher
– 78 anos – Rio de Janeiro)
Até que, já que eu não tinha tempo assim de dia, que eu trabalho de dia, aí quer
dizer à noite era uma boa ter Educação Física, serve pra saúde. (homem – 43
anos – Rio de Janeiro)
Já os alunos de Belford Roxo, como eles têm muita aula teórica de Educação Física,
relacionam essa disciplina escolar com o conhecimento acerca do corpo, alimentação, postura,
doenças, que poderá levá-los a melhorar sua saúde e de seus familiares, porque “conhecendo”
o que é bom para a saúde poderão modificar seus hábitos, fazendo o certo.
A professora ela passa dever, ela explica os problemas de saúde, o que a gente
deve fazer quando joga um futebol, ela explica tudo mesmo direitinho”.
(Homem – 44 anos – Belford Roxo)
Pô, o professor começou a dar umas paradas maneiras, todo mundo começou a
se amarrar na aula dele, maneiro pra caramba, todo mundo falando, até
aprendeu a fazer a alimentação dos filhos na moral, que pô, antigamente só
dava besteira, aí conversando com elas, elas falaram que agora dão alimentação
certinha, muitas frutas, estas paradas aí. (homem – 16 anos – Belford Roxo)
A Educação Física como instrumento para um corpo saudável está ancorada na
abordagem higienista, muito difundida no final do século XIX e início do século XX em
função das péssimas condições sanitárias e higiênicas das cidades naquela época que
acarretou na propagação de muitas doenças, tendo a Educação Física a função de ensinar
63
hábitos saudáveis. Nessa abordagem a “preocupação central é com os hábitos de higiene e
saúde, valorizando o desenvolvimento do físico e da moral a partir do exercício”. (DARIDO;
RANGEL, 2005, P. 2)
Para os alunos adultos e idosos, a Educação Física aproxima-se mais dos objetivos da
escola quando mais se relaciona à saúde, pois, assim, seus conteúdos baseiam-se nos
conhecimentos legitimados pela ciência, como as outras disciplinas, e os alunos podem
“aprender mais”.
Diante de alguns consensos e divergências a respeito do conceito de Educação Física,
quais seriam os conteúdos próprios da disciplina? Que atividades são consideradas adequadas
para os alunos do ensino noturno?
Pelas falas dos alunos conseguimos apreender indicações de atividades diferentes que
dependem da idade e do sexo. Os entrevistados do Rio de Janeiro, sendo jovem, adulto ou
idoso, sempre apontavam atividades diferentes para cada grupo: esporte e brincadeiras para os
mais jovens e atividades “leves” como caminhada e alongamento para os mais velhos. Essa
divisão de atividades por grupo confirma-se nas aulas de Educação Física de Belford Roxo,
nas escolas em que há prática corporal os jovens fazem a aula prática (jogam futebol ou vôlei)
e os adultos ou idosos fazem “atividades leves” (jogos de salão e aula teórica).
É diferente, tinha que ser uma coisa mais leve, um alongamento, o que
mais...eu não sei, não sei te explicar muito bem, coisas leves porque à noite o
pessoal já está mais idoso, né? E já vem mais cansado do trabalho (...) Ah, a
garotada gosta de futebol, de handebol, de basquete. (mulher – 78 anos – Rio
de Janeiro)
A antítese é novamente a figura principal que opõe o jovem e o adulto. A predicação
LEVE x PESADO também está relacionada a esta antítese: o adulto e o idoso precisam de
atividade leves porque já agüentam um fardo pesado por conta do trabalho, dos filhos, do ter
que cuidar da casa, já os mais jovens têm uma vida leve, alguns ainda não trabalham, só
estudam, por isso agüentam atividades mais pesadas.
Pude observar, em minhas visitas às escolas de Belford Roxo, que as atividades
propostas para os mais velhos, os jogos de salão, não são bem aceitos por esses alunos, não
64
despertam seu interesse e não têm significado para eles, por isso eles acham perda de tempo e
preferem as aulas teóricas.
Não, a Educação Física é importante, é bom porque a gente dá uma refrescada
na memória, vamos supor assim que no dia de aula de EF você está com a
matéria atrasada de matemática, uns fazem e outros ficam ali copiando
matemática... (homem – 32 anos – Belford Roxo)
É interessante observar que a primeira afirmação “Educação Física é importante”, é
negada logo em seguida, pois ele diz que os alunos fazem o trabalho de outras matérias (que
são sérias e importantes) na aula de Educação Física, ou seja, para eles é como se fosse um
tempo vago.
Em duas das escolas visitadas a prática corporal é quase nenhuma, as aulas são
basicamente teóricas. Nestes locais os jovens reclamam por não poderem fazer atividade
prática e a Educação Física fica igual às outras matérias: chata.
Ah! aqui é (pausa curta) aqui é um pouquinho ruim a Educação Física, sem
prática. (homem, 16 anos – Belford Roxo)
A Educação Física é legal porque a gente joga, estas coisas, mas à noite é a
mesma coisa que as outras matérias... (mulher – 15 anos – Belford Roxo)
Os argumentos utilizados pelos alunos para defender essa ou aquela Educação Física,
tendo como base a idade dos alunos, estão coordenados pela metáfora DEPÓSITO DE
ENERGIA, que se desdobra em MUITA ENERGIA definindo os jovens e FALTA DE
ENERGIA definindo os adultos e idosos. Compara-se o homem com algum depósito de
energia (elétrica, gasolina, pilha) que vai “acabando” com o tempo e as atividades física e
psíquica consomem esta energia. Nessa hipótese, há um repositório que é gasto pelo uso. Uma
concepção estática de corpo e de intelecto (psiquismo), pois se compara com um depósito. A
atividade física, por exemplo, apenas gasta energia, não produz energia... Esta metáfora
também aparece na fala dos alunos do Rio de Janeiro e tem como referente o corpo da pessoa.
65
Expressa o que por elas é vivenciado, pois com a idade sentimos essa perda de capacidade de
ação (energia).
Como eu gostaria que fosse? (pausa curta) gostaria que (pausa média) Ah, não
sei, mas praticamente mesmo todos os alunos... mas não iam gostar também
não de ... Porque eles já tão é..., aí eles já tão velhos e acham que não podem
fazer mais, jogar bola, fazer vôlei, esses negócios, aí não gosta mais. (homem –
14 anos – Rio de Janeiro)
Para os jovens que não tem uma ocupação seria bom, mas pra mim que
trabalho de segunda a segunda não teria utilidade, pois eu já faço atividade até
demais, além disso, eu já passei até da idade de fazer estas coisas. Podia ter à
noite porque o exercício faz bem pra saúde, mas é bom quem não quisesse
poderia ir embora ou ir pra sala. Pra mim não tem nenhum sentido, mas pros
colegas seria uma boa, pois tem muitos jovens, seria bom pra eles gastarem
energia.( homem – 33 anos – RJ)
A metáfora do DEPÓSITO DE ENERGIA que descarrega com o tempo, utilizada para
caracterizar o sistema energético do homem está relacionada à representação social de
desenvolvimento humano. Segundo Almeida e Cunha (2003, p.147), que pesquisaram tais
representações, os resultados da pesquisa mostram que “a criança foi associada com
brincadeiras, inocência e dependência; o adolescente com transformações no corpo, crises
existenciais e sexualidade; o adulto com produtividade, trabalho, estabilidade e o idoso com
sabedoria e experiência”. Apesar da pesquisa de Almeida e Cunha ter sido feita com
professores, as falas dos alunos nesta pesquisa revelam uma RS de desenvolvimento humano
muito próxima dos resultados encontrados pelas autoras. É uma visão de desenvolvimento
pautada no progresso, a infância e a adolescência são as fases das transformações, estão se
desenvolvendo, na idade adulta o indivíduo já se desenvolveu, tem responsabilidade, não
pode perder tempo com brincadeiras e o idoso também já está desenvolvido, o que lhe resta
agora é passar toda a experiência e sabedoria que acumulou. Esta visão de progresso ou
percurso baseia-se na verificação do crescimento das pessoas, as transformações pelas quais
passamos são visíveis. Cada etapa determina o que é adequado ou não fazer, o que se torna
66
algo fixo. Esta determinação não é desprovida de significado, pois as pessoas sentem que não
podem ser mais o que foram antes e transgredir estes valores, mesmo podendo escolher,
significa romper com o grupo e negar o que lhe confere identidade. Além da idade, o sexo
também traz diferenciações quanto às atividades que devem ser realizadas nas aulas de
Educação Física. As diferenças corporais e de interesse apontam para atividades também
diferentes.
Homem não tem jeito, homem teria que ser futebol, apesar de que, eu acho que
vôlei, vôlei a gente pode misturar homem e mulher. (mulher - 29 anos – Rio de
Janeiro)
O surgimento de diferenciação por gênero na fala dos entrevistados levanta uma
questão bastante polêmica na Educação Física, que ainda é alvo de muitos debates: as aulas de
Educação Física devem ser mistas ou separadas por sexo? Os Parâmetros Curriculares
Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais recomendam a aula mista, mas será que na
prática é possível em todas as aulas ministrar as mesmas atividades para homens e mulheres
de qualquer idade e em qualquer nível de ensino?
Segundo Gilligan (1982), estudos de Chodorow, Lawrence e Piaget, que foram
posteriormente ampliados por Lever sobre as diferenças de sexo na formação da
personalidade apontam seu início ainda na infância quando meninos e meninas são
estimulados a atividades lúdicas de natureza diferentes. Enquanto os primeiros são
encorajados a atividades mais livres que envolvem riscos e desafios, com um grupo maior de
amigos e cunho competitivo, as meninas tendem a brincar em grupos menores, em atividades
mais cooperativas, estimulando a sensibilidade. Tais estudos “sugerem que meninos e
meninas chegam à puberdade com uma orientação interpessoal diferente e uma diferente
gama de experiências sociais”. (GILLIGAN, 1982, p. 21)
Na Educação Física tais diferenças acentuam-se, pois muitas atividades próprias
dessas aulas exigem força, agilidade, coordenação, percepção...Valências físicas que se
apresentam de maneira diferente nos homens e nas mulheres, seja por determinantes culturais
ou biológicos. Em função disto, atualmente, as recomendações para o trabalho com gênero na
Educação Física é que contemple, desde cedo, a oferta de diferentes atividades para ambos os
sexos, sem estereotipar como “coisa de menino” e “coisa de menina”, proporcionando
67
práticas corporais que levem ao reconhecimento e o respeito às diferenças (DARIDO;
RANGEL, 2005). Nas práticas corporais com crianças, quando essas diferenças ainda estão se
formando, a proposta da aula mista é mais bem aceita, porém, em minhas observações durante
esta pesquisa e na análise dos discursos dos alunos, pude perceber que o mesmo não acontece
com os jovens e adultos, momento em que tais diferenças encontram-se bastante
consolidadas. As mulheres são mais resistentes a atividades corporais, inclusive as mais
jovens. Nas escolas que visitei em Belford Roxo (as que tinham aula prática) poucas são as
meninas que vi participando. Elas fazem mais aula teórica ou brincam com os jogos de salão.
Tem, tem meninas novas sim, é que as meninas geralmente não praticam
muito, umas não gostam, outras têm medo de se machucar, umas não gostam
de correr (...) Não, eu não faço. (mulher – 23 anos – Belford Roxo)
Eu participaria, porque eu gosto de fazer exercício físico, já tem outras alunas
que não gostam...(mulher – 39 anos – Rio de Janeiro)
A exposição corporal, própria das atividades de EF, nesse momento gera vergonha e
medo nas mulheres. Tais argumentos ancoram-se nos valores que justificam as práticas
corporais de homens e mulheres em nossa sociedade e que ainda são bem diferentes, embora
aparentemente estejamos num momento de igualdade entre os sexos. Os homens são sempre
estimulados à liberdade corporal e sexual enquanto as mulheres são recomendadas o recato, a
feminilidade (demonstrada pela fragilidade e sensibilidade). A resistência das mulheres à
prática dos jogos e de algumas atividades corporais também está atrelada ao caráter
competitivo de algumas destas atividades. É interessante notar que as atividades
recomendadas para as mulheres geralmente são aquelas que não têm cunho competitivo:
ginástica, alongamento, caminhada.
As atividades? Alongamento para as senhoras de idade, pô. (homem – 15 anos
– Rio de Janeiro)
68
Se tivesse Educação Física seria animador, porque os meninos gostam de jogar
futebol e as meninas iam ter atividade pra poder escolher alguma coisa.(mulher
– 29 anos – Rio de Janeiro)
Lever (1976 apud GILLIGAN, 1982) pesquisou o comportamento de crianças
(meninos e meninas) nas aulas de EF e na hora do recreio. Os resultados mostram que os
meninos gostavam de jogar competitivamente e mediavam conflitos sem que isto
determinasse o fim do jogo, enquanto para as meninas o surgimento de disputas geralmente
levava ao fim do jogo.
Horner (1968 apud GILLIGAN, 1982, p. 25) também pesquisou a questão da
competitividade nas mulheres, mas na idade adulta. Utilizando o TAP (Teste de Apercepção
Temática), ela concluiu que este “medo existe porque, para a maioria das mulheres, a previsão
de sucesso na realização competitiva, sobretudo contra homens, produz previsão de certas
conseqüências negativas, por exemplo, ameaça de rejeição social e perda de feminilidade”.
Podemos perceber que os valores culturais que justificavam estes resultados na década
de 1960, ainda perduram até os dias de hoje. São representações sociais de longa duração que
integram as representações atuais sobre os papéis feminino e masculino em nossa sociedade.
As justificativas dos alunos para recomendar atividades diferentes para homens e
mulheres baseiam-se em argumentos fundados na estrutura do real e se apóiam em suas
próprias experiências. São argumentos do tipo pragmático, ou seja, uma atividade é adequada,
ou não, em função de suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis para quem o prática.
Este julgamento do que é favorável ou desfavorável é um juízo de valor, por isso, vai
diferenciar-se de grupos para grupos tomando “status” de verdade.
O discurso é, também neste aspecto, antitético, pois faz oposição do que é apropriado
para homens e mulheres.
69
CONCLUSÃO
Educação Física é ESPORTE e DIVERSÃO que serve para RELAXAR e melhorar a
SAÚDE. A metáfora que coordena e condensa estas idéias é a de REMÉDIO. Este serve para
curar um corpo que já não é saudável ou prevenir alguma doença futura. Relaxar e se divertir
também é o REMÉDIO adequado para os jovens e adultos que precisam se desestressar das
atividades de trabalho ou das outras disciplinas que são estressantes. Essas representações
sociais de Educação Física para os alunos de Belford Roxo e do Rio de Janeiro são
compartilhadas pelos jovens, adultos e idosos. As diferenças encontradas, as significativas
para este estudo, não dizem respeito ao fato de um grupo praticar a Educação Física e o outro
não, mas aos preferíveis dos subgrupos encontrados nos dois municípios que se caracterizam
por diferença de faixa etária e de sexo. Estas diferenças têm como referente a metáfora do
corpo como DEPÓSITO DE ENERGIA e que determinam a Educação Física como boa ou
ruim, importante ou dispensável. Mesmo apresentando as mesmas representações, os
preferíveis onde estas representações estão ancoradas não são os mesmos, por isso as práticas
também não são e seguem os interesses e os valores defendidos por cada grupo.
Para chegar a esta conclusão retomamos os elementos usados pelo orador para
convencer do que ele está falando, tanto no campo do preferível, quanto no real. Como as
representações sociais são construções de grupo, buscamos os elementos recorrentes nas
diferentes falas para diferenciar uma opinião individual, daquela que é compartilhada pelo
grupo, que é o que caracteriza a representação social.
No campo do preferível são apresentados os valores e as hierarquias. Os valores, aqui
presentes, têm como referência a representação de corpo que determina a importância e o
prestígio social da Educação Física. Para os jovens, o valor da Educação Física se sustenta no
lugar da quantidade (o que todo mundo conhece, o que aparece mais na mídia, é para os que
têm mais energia); já para os adultos e idosos o lugar do único, do essencial (a escola é lugar
onde se aprende o saber essencial: o intelectual) é o que justifica a falta de importância da
Educação Física.
São estas representações que orientam a escolha das atividades que eles consideram
adequadas nas aulas de Educação Física, ou seja, suas práticas.
Para os meninos mais jovens os signos associados ao corpo vêm carregados de
prestígio social: ter um corpo bonito, saber praticar esportes, saber falar sobre eles, ou, ainda,
70
sonhar com ascensão social por meio do futebol (sonhos estimulados pela criação de mitos
esportivos), por isso a Educação Física para eles é PARA FAZER.
Para as meninas, mesmo as mais jovens, o prestígio vem de outros signos como
feminilidade e sexualidade, que podem ser ameaçados pela prática de esporte. Embora a
beleza também seja um signo de prestígio nesse grupo, ele deve ser cultivado pela prática de
outras atividades como ginástica, alongamento, dança, consideradas culturalmente como
femininas. Além disso, a beleza, para a mulher, também está em outros símbolos como
roupas, sapato, maquiagem, perfume, cabelo arrumado. A prática do esporte ou de outra
atividade física implica em assistir as outras aulas suadas, com cabelos despenteados, por isso
nem sempre são bem aceitos pelas mulheres. Então, para esse grupo, a EF é PARA FAZER
(dependendo da atividade) E PARA FALAR.
Para ambos os grupos (meninos e meninas jovens), o momento da Educação Física
como DIVERSÃO é considerado importante, uma vez que é quando podem estar
RELAXADOS. Essa idéia é sempre apresentada em oposição ao ESTRESSE, que é a
dificuldade e as cobranças das outras disciplinas escolares. É recorrente na fala de alguns
alunos, principalmente de Belford Roxo o uso da expressão: “copiar a matéria”. O ensino das
disciplinas parece estar fundamentado nessa tarefa do aluno: copiar o ditado pelo professor, o
que as torna muito chatas, por isso estressantes, daí a Educação Física ser o REMÉDIO para
este estress.
Para os alunos adultos e idosos (homens ou mulheres) os preferíveis são outros. O
prestígio social vem do bom emprego, do bom nível de escolaridade, de saber falar e escrever
direito, por isso o esporte e a diversão é perda de tempo, o importante são as disciplinas
escolares que oferecem conhecimento intelectual, com o qual podem conseguir um emprego
melhor e, assim, posicionarem-se melhor socialmente. A prática de atividade física, mesmo
sendo como um REMÉDIO que serve para melhorar a saúde ou prevenir doenças, seu lugar
não é na escola, pois pode ser encontrada em clubes, academias, projetos da prefeitura...A
escola é lugar da aquisição dos saberes essenciais, com vistas a uma melhor posição no seu
grupo social. Sendo assim, para este grupo a EF é PARA FALAR. Falar sobre o corpo e os
cuidados com ele, transmitir algo que eles considerem conhecimento, pois só assim a
Educação Física se encaixa no lugar ocupado pela escola: “Eu acho que ele deveria dar mais
aula escrita para gente, para gente ter mais conhecimento” (mulher, 55 anos, BR).
71
O TEMPO é outro diferencial importante nos argumentos dos grupos para justificar a
importância ou não da Educação Física. Os mais novos têm muito tempo, por isso podem
brincar e se divertir enquanto os mais velhos não podem perder mais TEMPO com
brincadeiras ou jogos, pois possuem pouco TEMPO para estudar, para arrumar um emprego
melhor, enfim, seu TEMPO de vida não corresponde ao dos jovens, por isso possuem mais
urgência e priorizam aquilo que consideram suas necessidades agora. Aqui o TEMPO está
também relacionado à representação de corpo como DEPÓSITO DE ENERGIA, pois o
TEMPO de vida relaciona-se à quantidade de energia que se encontra neste depósito,
regulando quanto é possível gastar e com que.
No campo do que é concebido como real, as argumentações são pautadas em fatos
verdades e presunções.
As experiências de Educação Física vivenciadas pelos alunos ou por seus filhos e as
informações veiculadas pela mídia são fatos que fundamentam suas argumentações
legitimando suas representações. A presunção23 utilizada pelos alunos, sustenta-se numa
sucessão causal, admitida pelo grupo em função dos fatos apresentados acima: a Educação
Física é um REMÉDIO: esporte e exercícios físicos, que proporcionam diversão e benefícios
para a saúde, mas que dependendo da atividade não é adequado à todos os grupos, pois o
DEPÓSITO DE ENERGIA, que temos repleto quanto nascemos e vamos gastando ou
perdendo durante a vida, determina o que é pertinente fazer em cada etapas da vida humana.
Esta presunção sustenta os argumentos tanto dos que atacam como dos que defendem a
Educação Física na escola e é apresentada nos discursos pela figura da antítese: Educação
Física noite x Educação Física dia, atividades para homens x atividades para mulheres,
Educação Física para jovens x Educação Física para adultos e idosos, aula prática x aula
teórica. Esse discurso antitético coordenado pelas metáforas REMÉDIO para Educação Física
e DEPÓSITO DE ENERGIA para corpo, estabelece a finalidade da Educação Física: no caso
dos jovens, quem têm “muita energia” em seu DEPÓSITO, a Educação Física serve para
aliviar as tensões, regular o excesso de energia; para os mais velhos, embora a Educação
Física seja uma maneira de relaxar das tensões diárias, melhorar a saúde ou prevenir doenças,
nem sempre sua prática é adequada para eles, pois seu DEPÓSITO já não tem energia para
23
“Tipo de raciocínio vinculado ao normal e ao verossímil de determinado grupo social”.
DUARTE ; MAZZOTTI -2004, p.101)
72
isso, então o adequado é que a Educação Física forneça informações (conhecimentos) que
permitiriam realizar o uso adequado desta energia..
OS PROFESSORES:
A teoria da prática e a prática da teoria
As entrevistas, realizadas pela pesquisadora, ocorreram nas escolas em que os
professores trabalham, em Belford Roxo, em seus dias de aula, no turno da noite, para
viabilizar a observação das práticas; e, na cidade do Rio de Janeiro nos turnos da manhã e
tarde, uma vez que não trabalham à noite.
Apresentei-me como aluna do Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá,
fazendo uma pesquisa que busca saber o que eles fazem (Belford Roxo); ou como eles acham
que deve ser (Rio de Janeiro) a Educação Física no ensino noturno. Durante minha
apresentação procurei mostrar meu interesse pelo trabalho com Educação Física no ensino
noturno e minha inexperiência neste tipo de trabalho, bem como a escassez de trabalhos,
bibliografias e debates sobre o assunto, ressaltando a importância da fala dos pesquisadores
para esta pesquisa. Sendo assim, o auditório regulador dos discursos é, de maneira geral, os
membros da Universidade (professores e alunos) aos quais se destina as pesquisas de
mestrado, e outros professores de Educação Física interessados neste debate.
Procurei direcionar “a conversa” de maneira que pudéssemos apreender elementos
sobre os seguintes aspectos: qual a função da Educação Física no espaço escolar; as atividades
apropriadas ao ensino noturno; como os professores percebem os alunos dessa modalidade, e
porque eles se interessam em atuar neste espaço. Ao abordar estes aspectos, o objetivo foi de
apreender não só os sentidos atribuídos à Educação Física, mas também de compreender em
que valores estas representações estão ancoradas, priorizando o processo de construção e os
mecanismos de manutenção e substituição destas representações.
Iniciaremos a análise focando a função da Educação Física no espaço escolar. Para os
professores (do Rio de Janeiro e de Belford Roxo), são muitas as funções atribuídas a esta
disciplina.
73
Educação Física
Relaxar
Ajudar as outras
matérias
Saúde
Resgate
1) Melhoria da saúde e da qualidade de vida (15 professores). Enfoque recorrente
entre os professores, mais saliente no município de Belford Roxo. Todos os professores
estabelecem os conteúdos de suas aulas no conhecimento do corpo, cuidados com a
alimentação, postura, drogas. Dentre os professores do município do RJ, em cinco das dez
entrevistas, aparece a perspectiva da Educação Física como atividade que pode trazer
conhecimento sobre o corpo e suas possibilidades, melhorando a qualidade de vida.
Eu acho que este trabalho deve ser mais voltado pra questão da qualidade de
vida e instrução para a saúde. (Professora, 29 anos, Rio de Janeiro)
Educação Física é corpo, é movimento, o que é que este corpo pode
desenvolver? O que ele pode apresentar? O que é que este corpo não pode
fazer? Como é este corpo e o que este corpo tem? Aí você vai pega por aqui,
pega por ali, uma noção de anatomia, uma noção de primeiros socorros, é...
uma noção de ...enfim é...por exemplo, adolescente eu posso falar agora sobre
antidoping, como é feito este exame, o que são anabolizantes, é...então eu vou
por este caminho. (Professor – 44 anos – Belford Roxo)
Os argumentos utilizados pelos professores estabelecem a estrutura do real a partir da
finalidade: é conhecendo melhor o corpo e os hábitos saudáveis, que o sujeito poderá cuidar-
74
se e ter boa saúde e qualidade de vida. É interessante notar que nos argumentos usados pelos
professores acima, os verbos utilizados são: instruir e falar, o que nos leva a compreender que
todos estes conteúdos são teóricos na Educação Física. Não é a prática da atividade física nas
aulas que trará benefícios à saúde, é o debate a respeito do assunto que levará os alunos, pela
informação, a mudar seus hábitos cotidianos, proporcionando-lhes mais saúde.
(2) Para ajudar no rendimento das outras matérias, ajudar a entender a escola como um
todo. Esse argumento é utilizado por quatro professores do Rio de Janeiro, nas entrevistas
com os professores de Belford Roxo este elemento não apareceu. Defendem o trabalho com o
corpo também como auxiliar da aprendizagem dos conteúdos de outras matérias,
principalmente com os alunos do PEJA, que apresentam muitas dificuldades de
aprendizagem. É a afirmação do clássico “mens sana in corpore sano”, velho slogan que
reaparece sempre quando se trata da Educação Física. Ao disciplinar o corpo para a
racionalidade da escola, disciplina-se também a mente. Esta idéia não se encontra explícita
nas falas dos professores, mas podemos percebê-la no seguinte silogismo retórico: as
disciplinas são racionais e os alunos não aprendem, a Educação Física educa o corpo para
auxiliar na aprendizagem racional dos alunos, logo a educação do corpo é a que determina a
da mente. Este é um silogismo abreviado que deixa implícito o que se quer dizer, o abreviado
não decorre apenas do fato de ser supérfluo falar ou que já se sabe ou o que se presume que as
pessoas saibam, mas sim porque é no abreviado que está a força persuasiva do silogismo
retórico, assim como no slogan.24
Você tem no PEJA, pessoas que não aprenderam, que tem dificuldade de
aprendizagem, pessoas que foram complicadas, não conseguiram se alfabetizar,
que abandonaram por uma série de dificuldades(...) pensei, poxa se eles estão
com dificuldades, você pode levar a proposta do trabalho com o corpo, talvez
seja interessante para mudar, interferir numa situação que não deu certo.
(Professor, 44 anos, Rio de Janeiro)
24
Prof. Dr. Tarso Mazzotti – comunicação por e-mail – 16/02/2008
75
(...)Eu acho que no momento que ele vai ter Educação Física muitas coisas vão
até melhorar pro aprendizado dele, vai complementar (...) (Professora – 36
anos – Rio de Janeiro)
As linguagens corporais, próprias da Educação Física, trabalham com o aspecto da
sensibilidade, da motivação, diferente das outras matérias que usam a racionalidade na
abordagem dos seus conteúdos, o comum na escola é esta abordagem racional, que no caso
dos alunos do ensino noturno, os levou ao fracasso escolar, então é preferível um trabalho que
se oponha ao comum, que utilize uma outra linguagem, a do corpo, para auxiliar na
aprendizagem de conteúdos formais. A Educação Física é então, apresentada pelos
professores como antagônica às outras disciplinas que são racionais, mas ao mesmo tempo,
como um caminho para atingir esta racionalidade.
3) A atividades de Educação Física servem para relaxar e desestressar das dificuldades
da escola e da vida, além de ser uma maneira relaxante de aprender. É o momento de lazer e
prazer que os alunos têm na escola. (8 professores)
Eu sempre trabalhei no noturno visando principalmente deles o lazer,
entre aspas, por que o lazer? O que acontece a noite a maioria dos alunos, 90%
dos alunos, já vem do trabalho, então a proposta principal para eles é o lazer,
eu tenho turmas que o refúgio deles é a Educação Física, então chego até ser
chamado várias vezes atenção pela direção, porque os alunos fazem Educação
Física, mas não fazem matemática, português, não fazem as outras matérias, já
tive casos, vários casos assim, porque o aluno não tem aquele prazer, então eu
quero que eles sintam prazer, é o que eu sempre falo pra eles eu não quero que
vocês venham pra minha aula obrigados, eu quero que você venha pra minha
aula pra ter o prazer de participar, venha pra minha aula pra ter o prazer de ter
este extravaso de energia... ( professor – 40 anos – BR)
76
Na fala dos professores que defendem esta idéia, a Educação Física está dissociada do
ambiente escolar, não tem cunho educativo, mas terapêutico. É a mesma idéia da Educação
Física como REMÉDIO, e do corpo como DEPÓSITO DE ENERGIA já identificada na fala
dos alunos. A relação com o conhecimento escolar está no auxílio à aprendizagem das outras
disciplinas, pois o aluno relaxado e desestressado aprende melhor. É o enfoque da EF para o
lazer que também a torna preferível em relação às outras disciplinas, pois esta é a única aula
que os alunos podem se divertir. É a atividade “leve”, que proporciona um momento de
descanso para os alunos que já tiveram um dia “pesado” de trabalho e à noite também tem que
agüentar os conteúdos “pesados” das outras disciplinas.
...mas, o mais importante mesmo foi o interesse em poder propiciar um
momento mais agradável para estes alunos que vem cansados de uma jornada
de trabalho intensa, então eles necessitam, eles necessitam da formação
pedagógica que é uma lacuna na vida deles e que a gente entende que a
Educação Física podia
propiciar também uma forma muito mais natural,
relaxante pra eles entenderem a escola como um todo. (Professor – 46 anos –
RJ)
A Educação Física é importante na escola justamente porque é “diferente”, o contrário
das outras disciplinas, seu valor está no trabalho com o corpo já que as outras matérias só
trabalham com a mente. Este argumento é similar ao utilizado pelos professores de música
para determinar a função do ensino desta disciplina na escola, apresentado no artigo de
Mazzotti e Duarte (2004).Estes professores assim como os de EF consideram que o trabalho
com uma linguagem diferente tem a função de resgatar no aluno a sensibilidade, sua “essência
criativa”. Buscam transformar a escola para que esta possa transformar a sociedade. Estes
argumentos estão fundados no lugar do único e da essência, por possuírem uma linguagem
que não é comum, esta “sobrepõe-se às demais linguagens e é a forma mais eficaz de
comunicação e expressão dos sentimentos”.(DUARTE; MAZZOTTI, 2004, p. 96) Esta é uma
coincidência no mínimo interessante uma vez que as duas disciplinas são menos prestigiadas
que as outras no contexto escolar, pelo que podemos concluir que os argumentos utilizados
pelos professores para supervalorizar a Música e a Educação Física, caracterizam-se como um
77
mecanismo de defesa destes professores em relação ao desprestígio de suas disciplinas neste
contexto.
4 - A Educação Física é instrumento de RESGATE. (20 professores do Rio de Janeiro
e de Belford Roxo). Esta idéia sintetiza todas as anteriores. Suas atividades servem para
resgatar o aluno de sua ignorância quanto ao próprio corpo e cuidados que deve ter com ele;
resgatar socialmente o aluno, pois, por meio do esporte ou outras atividades, poderá trabalhar
direitos e deveres, regras de convivência; resgatar o direito desse aluno vivenciar as atividades
corporais, pois ele não tem essa oportunidade fora da escola; resgatar a qualidade de vida,
pela prática de exercícios físicos na escola e pelo conhecimento de hábitos saudáveis; resgatar
o tempo perdido, pois em função do trabalho ou de outras dificuldades não tiveram a
oportunidade de vivenciar atividades corporais; resgatar suas dificuldades quanto as outras
disciplinas, resgatar os momentos de lazer que eles não possuem fora da escola e nem dentro
dela, nas outras aulas, resgatar o interesse dos alunos pela escola.
A metáfora RESGATE supõe que a pessoa tinha algo e perdeu, precisando ser
recuperado, neste sentido a Educação Física é o instrumento para o aluno recuperar o que foi
perdido. As histórias dos alunos do noturno são histórias de perdas, são alunos que não
tiveram a oportunidade de estar na escola na idade considerada “normal” ou que não
obtiveram sucesso na sua vida escolar, então os professores enxergam na Educação Física
uma possibilidade de modificação deste quadro estimulando os alunos pelas atividades
oferecidas por esta disciplina, que devem estar sempre relacionadas com a realidade,
preparando-os para a vida.
Quando eu vim pra cá, o governo estava implantando uma nova visão do
ensino noturno voltada pra valorização da cidadania e seus valores como os
mais importantes em todas as áreas, inclusive a Educação Física, então a
Educação Física, ela desde cedo, nós temos um, um livro específico, com
orientações de projetos específicos na área de Educação Física, como você
pode até ver as minhas avaliações, que vão muito além da questão da prática da
Educação Física, mas a questão da Educação Física enquanto instrumento de
uma conscientização maior para o exercício desta cidadania... (Professor – 41
anos – Belford Roxo)
78
Tais argumentos estão bastante associados à Educação Física no noturno, pois dizem
respeito ao perfil dos alunos que freqüentam o turno da noite, mas se aplicam também aos
alunos das outras modalidades, como se pode notar na fala da professora abaixo:
Em qualquer faixa etária né? Em qualquer faixa etária você tem que trabalhar
está questão (o resgate da cidadania), o respeito às regras do esporte, o respeito
às regras de convivência mesmo (pausa curta) Ah, tudo é importante, o esporte
em si é importante, a atividade física bem orientada, qualquer atividade na
realidade bem orientada a gente pode trabalhar esta questão da cidadania dos
direitos e deveres de cada um... (professora, 45 anos, Rio de Janeiro)
As diferenças entre o noturno e o diurno são caracterizadas pelos professores de
acordo com o perfil dos alunos que freqüentam cada modalidade. O delineamento do perfil
destes alunos é carregado de símbolos e com base nesses símbolos os professores fazem
inferências sobre o que eles julgam ser necessário para aquele grupo, por isso a idéia do
RESGATE é a mesma para ambos, no entanto o que é preciso resgatar é que será diferente
para cada grupo.
Se Educação Física é instrumento de RESGATE, que tipo de instrumento ela é? Quais
as atividades que irão servir como meio para estes fins?
As respostas diferenciam-se em função da prática dos professores no ensino noturno,
além disso, outros fatores influenciam na escolha das atividades preferíveis como: idade dos
alunos, modalidade de atuação (diurno ou noturno) e sexo, este último mencionado por
poucos professores.
Os professores de Belford Roxo têm práticas e propostas de atividades bem parecidas
nas cinco escolas que visitei. Nas escolas que têm aula prática, ela é mais praticada pelos
jovens, cujas atividades são esportes, especialmente o futebol e o vôlei; os mais velhos fazem
jogos de salão (dama, dominó, baralho) ou assistem aos jogos, ou participam de aula teórica
com trabalhos escritos. A aula teórica é consensual entre professores e alunos, tendo por
conteúdos a saúde (alimentação, postura, anatomia, higiene...), o esporte (Pan, Olimpíada...),
e atualidades (anorexia, violência, planejamento familiar...).
79
(...)é... eu tipo combino com a turma, no dia que tiver dois tempos eu faço
atividade com eles na quadra, no dia que for um tempo só, é atividade teórica
na sala, aí nesta atividade teórica a gente aborda assim, porque a gente não está
aqui a noite pra passar regrinha disso ou daquilo, está aqui pra abordar o dia a
dia, assuntos de meio ambiente, primeiros socorros, higiene e dos projetos que
acontecem, que está também prescrito no caderno de planejamento que a gente
recebe. (Professor, 47 anos, Belford Roxo)
Alguns professores também dizem que as meninas são mais resistentes e que para que
elas participem das aulas práticas é preciso que eles ofereçam outro tipo de atividade que não
seja o esporte, como alongamento ou ginástica.
(...)é uma dificuldade maior pra elas participarem, fica dependendo de que aula
prática você vai fazer, de vez em quando a gente usa uma aula bem
diferenciada, não usa modalidade esportiva, faz uma aula de ginástica, pra ver
se consegue atrair, faz uma aula recreativa sem ser futebol, o vôlei, até mesmo
o queimado, pra tentar atrair, às vezes consegue, mas...”(Professor, 45 anos,
Belford Roxo)
No Rio de Janeiro, como os professores não possuem a prática, há um discurso
recorrente que é preciso primeiro conhecer os interesses dos alunos para depois escolher as
atividades, mas em suas falas conseguimos apreender indícios das atividades que eles
consideram preferível para o ensino noturno. A prática esportiva nesta modalidade é vista com
algumas restrições por estes professores. Alguns (3) julgam que pode ter o esporte se for de
maneira recreativa, e se os alunos estiverem interessados e motivados a praticá-lo. Somente
um, dos dez professores entrevistados, considera o esporte a atividade principal nas aulas de
Educação Física para o ensino noturno, justificando pelas experiências de amigos que
trabalham com o ensino médio à noite e dizem que o esporte é muito bem aceito por este
grupo.
80
Eu acho que a nível de alongamento, relaxamento, mas dependeria muito do
grupo, eu poderia encontrar um grupo motivado com iniciação esportiva, com
esporte, eu acho que eu estaria aberta pra qualquer proposta, qualquer
necessidade do grupo e a partir daí do que eu percebesse do grupo, eu tentaria
criar em cima, trabalhar em cima.” (Professora, 47 anos, Rio de Janeiro)
Os outros professores (7) dizem não pensar no esporte como atividade na EF no
ensino noturno. Julgam que outras atividades são mais apropriadas como ginástica laboral,
alongamento, jogos de salão, jogos cooperativos, todos com caráter lúdico, para que os alunos
possam se divertir e relaxar do cansaço do trabalho e das outras matérias.
A minha proposta é sempre uma troca com o aluno, porque não adianta nada eu
trazer uma coisa pronta que o aluno não tem interesse, mas a ... a ... a (pausa
curta) espinha dorsal, a espinha norteante, o que vai nortear a proposta
pedagógica para estes alunos, está em cima da recreação... (Professor, 47 anos,
Rio de Janeiro)
[...] mas é importante também conhecer as possibilidades que este corpo tem,
seriam atividades que usam a lógica do lúdico, que é importante, e
aproveitando os jogos, o adulto gosta de brincar tanto quanto a criança, então
eu ia usar muitos jogos, ia usar bastante jogos cooperativos, acho que a dança,
a expressividade é uma forma também muito bacana de se trabalhar, eu gosto
muito” (Professora, 36 anos, Rio de Janeiro)
A questão da aula teórica também foi bastante abordada pelos professores do RJ, sete
dos 10 professores dizem ser muito importante a aula teórica no ensino noturno porque os
alunos precisam refletir e aprender sobre os conteúdos da EF, para eles as aulas devem ser
uma mistura da teoria com a prática. Os 3 professores restantes consideram que não, que a EF
precisa da vivência e que as reflexões sobre os conteúdos precisam ser feitas no espaço da
prática corporal e não em sala de aula, passando matéria no quadro.
81
(...)aí gerar dentro do PEJA esta coisa de palestra, chamar as pessoas pra dar
palestras, a gente mesmo montar trabalhos de prática de teoria, vincular a
teoria com a prática, acho interessante, porque geralmente eles não tem, eles
não buscam isso, porque o público que a gente atende no município eles não
estão acostumados a ler revista, eles vêem o jornal, mas... não prestam atenção
num globo repórter, que também fala um monte de besteiras, mas que pelo
menos falam alguma coisa, não prestam atenção é só novela e olhe
lá?”(Professora, 28 anos, Rio de Janeiro)
O argumento dessa professora baseia-se na metáfora RESGATE. Resgatar o aluno da
ignorância, da ausência do saber. Formar o aluno crítico, autônomo, por isso a EF também
precisa ser teórica, pois não é suficiente fazer a atividade é preciso falar sobre ela para
entender porque está fazendo, os benefícios destas atividades.
Não, olha eu já trabalhei com aula teórica, é... no primeiro grau,
segundo segmento do primeiro grau, em dias de chuva, então eu procurava
trabalhar regrinhas, algumas coisas relativas a EF, hoje eu acho que este
momento da sala de aula ele tem que ser voltado ao lazer, eu acho que a gente
desenvolve mais, com jogos, com regras, trabalha mais o grupo, a questão
social, respeito as regras, ao colega, a amizade, tira mais proveito deste
momento, fazendo este tipo de trabalho do que dando teoria, até porque o aluno
de maneira geral, na escola pública já tem uma dificuldade muito grande de
acompanhar as matérias de sala de aula então eu acho que sempre que a EF tem
que procurar sempre motivar, trabalhar agradando, de jeito nenhum eu
trabalharia teoria no PEJA. (Professora, 47 anos, Rio de Janeiro)
82
A posição contra a aula teórica justifica-se pelo valor que a Educação Física tem como
atividade de prazer na escola, diferenciando-se das outras disciplinas. Ao abrir mão deste
valor e se igualar às outras matérias, a Educação Física perde seu sentido e sua importância.
Podemos observar que a escolha das atividades para o ensino da EF apresentou
algumas diferenças entre os que atuam e os que não atuam no ensino noturno. Os primeiros
têm um grupo de alunos que é real, os interesses destes grupos influenciam o tipo de
atividades que eles vão fazer. Se uma atividade é bem aceita pelo grupo é natural que ela se
torne dominante nesse contexto, pois todos buscam aceitação. Já os professores do RJ
orientam-se pelas representações que têm sobre aqueles alunos, que nem sempre
correspondem à realidade, e sobre os grupos que trabalham no diurno, que podem diferenciar
bastante de professor para professor25. Muitos também falam da experiência de amigos que
trabalham ou já trabalharam no ensino noturno.
Na antítese teoria e prática há uma argumentação fundada na estrutura do real, os
professores de Belford Roxo baseiam seus argumentos em sua experiência com os alunos do
ensino noturno, no espaço efetivo de atuação os professores não conseguem ter a adesão de
todos na prática corporal, por isso consideram que a aula teórica é o que integra todos os
grupos. Os professores do RJ também usam fatos para explicar suas razões, mas esses
baseiam-se nas experiências de amigos que trabalham ou já trabalharam no ensino noturno e
em suas vivências, mas com outras modalidades.
O debate a respeito da aula teórica na Educação Física não se encontra apenas no
âmbito do ensino noturno, muitos dos professores entrevistados dizem que fazem aula teórica
inclusive no ensino diurno com crianças e adolescentes. A questão principal é: que
argumentos justificam este movimento de “levar a EF, considerada uma disciplina
fundamentalmente prática, para a sala de aula”?
(...) inclusive eu trabalho no ensino fundamental, com criança em sala de aula,
com o primeiro segmento e eles entendem que é importante, e cobro caderno
de EF, e cobro trabalho de EF, e eles me cobram trabalho de EF, eu faço este
trabalho, entendeu? Então eu acho fundamental para eles porque você entra
pela questão de trabalhar a questão prática e trabalhar também a questão
25
Há os professores que trabalham no primeiro segmento, no segundo segmento, no Clube escolar, que é um
projeto da prefeitura do RJ onde os alunos vão fazer atividades extra-curriculares como; futebol, vôlei,dança...
83
teórica, entendeu? Você vai estar unindo o útil ao agradável, porque nem só na
prática você vai ensinar, você vai ensinar na teoria também, com certeza...
(Professor, 45 anos, Rio de Janeiro)
Segundo Barbosa (2001), as práticas corporais realizadas nas aulas de Educação
Física não são capazes de obter resultados satisfatórios quanto ao desenvolvimento físico e
psíquico do aluno. Para aquele autor, depois de todos os anos em que passa pelo ensino
fundamental e médio o aluno sai da escola sem saber nada sobre Educação Física. Se o aluno
nada aprende com estas práticas, então não há justificativa para a existência da Educação
Física na escola (que é lugar de aprender). Por este motivo Barbosa (2001) defende as aulas
teóricas de EF como a possibilidade de reflexão e aprendizagens dos conteúdos da disciplina e
de formação de alunos autônomos e críticos. Ainda segundo Barbosa, os professores que
argumentam contra este tipo de aula consideram que os alunos ficariam cansados e achariam a
aula chata, no entanto o autor, concordando com Lima (1986 apud BARBOSA, 2001), e
afirma que a escola tem por objetivo principal ensinar, não divertir.
O argumento de Barbosa (2001) para defender a aula teórica em muito se aproxima
das explicações dos professores entrevistados: ambos estão subordinados à representação de
escola e de sua função em nossa sociedade. “A escola é lugar de aprender” repetem
professores, alunos, e todos os segmentos da sociedade. Mas, aprender o quê? Essa é a grande
questão. Qual é o saber considerado importante para o aluno? Essa é uma pergunta que é
respondida de diferentes maneiras de acordo com a cultura e o tempo histórico, o que é
possível notar na fala destes professores é que a escola relega os conteúdos da Educação
Física a segundo plano, esta é uma idéia predominante no espaço escolar que pode ser
percebida na dinâmica cotidiana, por isso os professores desta disciplina tentam a todo o
tempo demarcar e legitimar seu espaço na escola
Este processo de legitimação é marcado por situações ambíguas, que podem ser
claramente observadas nas entrevistas dos professores desta pesquisa: 1) ao mesmo tempo em
que a especificidade do trabalho com corpo é afirmada como o diferencial da disciplina, pois
o aluno pode vivenciar o conteúdo, trabalhar com as emoções e a sensibilidade, diferente das
outras matérias que utilizam métodos de exposição e só trabalham com a razão a ênfase nas
práticas corporais também é apontada como alienante e não reflexiva, necessitando da parte
84
teórica, expositiva e racional, igual às outras matérias, para caracterizar-se como
conhecimento.
(...)nem só na prática você vai ensinar, você vai ensinar na teoria também, com
certeza, até porque eu acho que o professor de EF ele mudou muito, hoje em
dia ele tem uma mentalidade muito mais ampla do que ele tinha dez anos atrás
que trabalhava somente músculos e cérebro, hoje em dia ele tem que trabalhar
também a questão intelectual também do próprio aluno”. (Professor, 45 anos,
Rio de Janeiro)
Ao mesmo tempo em que o caráter lúdico da Educação Física é apontado como o fator
importante da presença da Educação Física na escola, pois é o momento em que a criança
aprende com prazer e se sente estimulada a estudar, devendo inclusive ser incorporado pelas
outras disciplinas, esse caráter é também o fator de depreciação da disciplina, “pois escola não
é lugar de brincar e sim de aprender coisas sérias”.
Pô EF, o conceito de EF ainda tem ah, é brincadeira, é lazer, é fazer qualquer
coisa, o professor é legal, tem que estar de short, tênis, meia, bonezinho e apito
pendurado e na realidade não é isso, na realidade o aluno do noturno é atípico,
é atípico porque a necessidade deles, eu acredito que seja imediata porque
muitos estão fora da idade, muitos estão no mercado de trabalho, muitos estão
buscando pessoalmente, um diploma, perspectiva assim, de ascensão
profissional pequenas... (Professor, 43 anos, Belford Roxo)
Os símbolos de legitimidade escolar das outras disciplinas (vestuário, conhecimento
intelectual) presentes nessas falas, são incorporados à Educação Física na tentativa de torná-la
igual às outras, nas características e no reconhecimento. As questões de legitimação da
Educação Física no espaço escolar evidenciam-se no ensino noturno, pois enquanto no diurno
esta é a disciplina preferida da maioria dos alunos (não ir para a Educação Física é usado até
como castigo pelos professores para aqueles que não se comportam), no ensino noturno ela
85
não é uma unanimidade, pelas razões já apresentadas na análise das entrevistas dos alunos,
por isso os professores utilizam outros mecanismos (a aula teórica é um deles) para reafirmar
sua importância neste contexto.
Na relação retórica, como já foi visto no início deste capítulo, o orador, o auditório e o
discurso estão interligados. Não só os valores do orador, mas também os do auditório,
compõem a construção dos argumentos do discurso. Na relação educacional, que também é
retórica, o orador (o professor) também regula seu discurso (as aulas) para o auditório (os
alunos) a que se destina, por isso a compreensão da representação destes professores sobre os
alunos do ensino noturno é fundamental para a visão que terão da Educação Física e que
estará diretamente relacionada ao perfil dos alunos que eles representam.
Apreendemos diferenças importantes quanto à representação dos alunos do ensino
noturno pelos professores de Educação Física. O que estes imaginam que os alunos são (para
os professores RJ), nem sempre é o que se encontra nas escolas (para professores de BR).
Para os professores do Rio de Janeiro, os alunos do PEJA estão lá porque querem. Eles
buscam e precisam do estudo, por isso são mais receptivos do que as crianças e adolescentes,
que geralmente vão para a escola por imposição dos pais. Vejamos o que dizem:
Eu acho que esta é a clientela que vai para o ensino noturno, que esta buscando
outras oportunidades... (Professora, 36 anos, Rio de Janeiro)
Então... aí é uma faixa etária que já entende que você tem um planejamento,
que há uma intenção no planejamento, entende que cada mês, cada semana,
cada trimestre tem que ser um conteúdo diferente... (professora – 45 anos – Rio
de Janeiro)
A fala dos professores nos remete à representação do aluno adulto, mesmo quando eles
citam os jovens, este jovem é diferente do jovem que freqüenta o diurno, pois já trabalham e
têm responsabilidades, são mais maduros, por isso a receptividade.
(...) porque eu acho que eles já é, é... são mais... mesmo os adolescentes, eles
já pensam mais... já são mais adultos já pensam, a maioria está no mercado de
trabalho... (Professora, 29 anos, Rio de Janeiro)
86
O aluno do ensino noturno, para estes professores, precisa resgatar o que perdeu pela
falta de estudo. Por ficarem afastados da escola, estes alunos não fazem nenhuma atividade
física, não têm hábitos de vida saudável, não conhecem qualquer esporte além dos mais
populares (futebol, vôlei, basquete), não conhecem seu corpo, não possuem momentos de
lazer, enfim não sabem o que é Educação Física, por isso a escola e particularmente esta
disciplina precisam ser instrumentos deste resgate.
(...) primeira coisa, eu acho que o adulto tem que conhecer seu corpo, ter uma
percepção do seu corpo e dele no seu meio social, então conhecer como esse
corpo funciona é importante, a funcionalidade dele é importante... (Professora,
36 anos, Rio de Janeiro)
(...)achei interessante fazer um trabalho com pessoas que não teve a
oportunidade de fazer EF, não faziam estavam isolados e você levar a proposta
diferente de lidar com o corpo... (Professor, 44 anos, Rio de Janeiro)
O sentido contido nessas falas é de que a escola é o principal local de aprendizagem,
quando se está fora dela deixa-se de aprender não só os conteúdos sistematizados das
disciplinas, mas também os saberes da vida cotidiana, sua condição de cidadão, por isso o
slogan: “resgate da cidadania” é tão recorrente nos discurso dos professores.
O foco na saúde também é muito importante nesta modalidade, pois a representação
do aluno adulto e principalmente idoso vem acompanhada da idéia de doença. É a Educação
Física vista como REMÉDIO, que serve tanto para prevenir, quanto para auxiliar a CURA.
(...) porque você tem muita gente adulta, com problemas de saúde,
hipertensos, diabéticos, aparece uma porção de doença e dentro disso trabalhar
estas necessidades com a atividade física, buscar as atividades que você pode
estar melhorando a qualidade de vida destes alunos de alguma forma...
(Professora, 29 anos, Rio de Janeiro)
87
A maneira como os professores vêem estes alunos, geralmente é positiva o que os
estimula a querer trabalhar nesta modalidade.
Muito diferente dessa é a representação dos professores de Belford Roxo. O sentido
mais recorrente na fala destes professores, atribuído aos alunos é RESISTENTE. Os alunos
mais velhos são resistentes à prática, e os mais novos reclamam da teórica, além disso, à noite
muitos alunos já estão cansados e os professores também, por isso é um turno mais
sacrificante.
(...) à noite é diferente porque os alunos vêm cansados do trabalho e não vão
querer ficar correndo, ficar suado no meio da aula, eu não gostaria, por isso
faço mais aula teórica do que prática”. (Professor, 52 anos, BR)
(...) eu gosto muito do que eu faço, apesar de que a noite é um desgaste comum
aos dois, aos alunos e aos funcionários, porque nós já chegamos cansados
depois de uma batalha, batalha não de uma atividade, aí chega à noite sempre
dá uma acomodada, então eu tive minha formação, à noite, minha pósgraduação foi à noite, desde o ensino médio que eu estudei de manhã e a noite
então conheço um pouquinho a realidade, aí você chega, o aluno tá cansado,
não gosto de gritar muito não, então eu mantenho a voz mais suave e respeito
que o cara esteja cansado, pode abaixar a cabeça.” (Professor, 43 anos, Belford
Roxo)
A resistência dos alunos justifica as atividades teóricas, pois os professores julgam que
a aula teórica é um conteúdo que integra todos os grupos. Os alunos da noite são autônomos,
ou seja, o professor não consegue chegar e fazer a aula que ele quiser se não despertar os
interesse dos alunos, porque senão eles não fazem mesmo e reclamam, então é preciso
negociar com eles o tempo todo.
(...) Não é muito diferente, é diferente sim, em termos de o aluno da noite ele
ser... vamos dizer assim, um pouco mais autônomo, ele decide o que ele quer
fazer, ele pede que você inclua os conteúdos que agrade a ele, os homens, estes
88
conteúdos inclui sempre o futebol, as mulheres, as que gostam o queimado,
mas a noite tem uma peculiaridade, quem gosta ama, quer fazer sempre, quem
não gosta...odeia, não quer fazer nada, então você tem que mesclar este
conteúdo... (Professor, 43 anos, Belford Roxo)
As representações dos professores de Belford Roxo nem sempre é positiva, eles falam
das dificuldades em lidar com os jovens que não querem nada, com sua agressividade e com a
resistência dos mais velhos. Alguns dizem se sentirem desestimulados com isso, mas de
maneira geral a maioria diz gostar do trabalho com os alunos, com quem possuem um bom
relacionamento.
Muitos... Muitos querem participar, mas uns não querem participar, porque eles
não...na realidade é porque não estão gostando de nada. Eu fico preocupado
porque com os outros colegas é a mesma coisa, eu estava conversando outro
dia aqui com os outros colegas, eu cheguei aqui semana passada, porque olha
só, a gente fica triste, né? Porque ... olha só como é que eu estou (mostra vários
livros), a gente está o tempo todo buscando, buscando, buscando, chego na sala
“ah professor não tô a fim disso não”, então frustra. (Professor, 47 anos,
Belford Roxo)
Aí realmente a primeira vez que eu botei a bola na quadra, os meninos eram
muito violentos, no primeiro ano que eu entrei aqui, esta turminha que
ameaçava o Fábio, tinha um menino que era todo esfaqueado cheio de cicatriz
até o pescoço é um cara assim que você olhava e não tinha bons sentimentos,
(pausa curta) aí ia na bola, era até o pescoço, aí eu falava, não vai ter jogo
porque canela não é pescoço, e os meninos, qual é professora vou mostrar o
gordinho (arma), eu sei lá quem é o gordinho, e eu falava sei lá quem o
gordinho, mas não tem problema não, ou vai jogar direito ou não joga...
(Professora, 44 anos, Belford Roxo)
89
O ponto de consenso entre os professores do Rio de Janeiro e de Belford Roxo está na
metáfora RESGASTE. São alunos que precisam resgatar alguma coisa: o conhecimento, a
saúde, a cidadania, a oportunidade de fazer atividade física. Essa representação está
relacionada à defasagem idade / série em que se encontram estes alunos, eles estão fora do
padrão de normalidade do desenvolvimento escolar, por isso precisam RESGATAR algo que
está perdido para que possam adequar-se aos padrões convencionais. Donde um professor
dizer que:
(...) na realidade o aluno do noturno é atípico, é atípico porque a necessidade
deles, eu acredito que seja imediata porque muitos estão fora da idade, muitos
estão no mercado de trabalho, muitos estão buscando pessoalmente, um
diploma, perspectiva assim, de ascensão profissional pequenas, as
oportunidades são grandes, mas eles pensam pequeno, então a gente tem que
estar sempre estimulando.” (Professor, 43 anos, Belford Roxo)
“As necessidades dos alunos são outras” e não são só de ordem cognitiva, mas
também afetiva e social, por isso muitas vezes o professor se vê como amigo, psicólogo, e
pensa em sua disciplina mais por estes aspectos do que pelos conteúdos.
Não, eu não forço a barra não, mando eles escolherem entre uma coisa ou
outra, quem não quer jogar na quadra faz os jogos de salão, eu nunca deixo eles
parados, agora a turma é engraçada, eles são muito meus amigos, eles gostam
de falar sobre os problemas deles comigo, igual a uma psicóloga aí gostam de
saber o que eu penso e aí a gente conversa eu falo, eu tento não me envolver,
mas é difícil, né? Um ano, é difícil pra caramba, toda semana... (Mulher, 50
anos, Belford Roxo)
Nas representações que os professores possuem sobre os alunos do ensino noturno, a
argumentação é sempre baseada na dissociação de noções entre os alunos do noturno e do
diurno. Mesmo que não esteja explícito no discurso, ao caracterizar o aluno que estuda no
90
noturno, fazendo um juízo de valor (se é melhor, mais tranqüilo, mais desgastante...), é
possível perceber indícios do que os professores pensam dos outros alunos, pois estão na
posição contrária deste.
(...) então tem uma variante enorme para que você possa trabalhar estas
pessoas, dependendo até de cada um, do perfil de cada pessoa que está lá,
porque são adultos, não são crianças, a visão é totalmente diferenciada, não é
só uma criança que você vai trabalhar”. (Professor, 45 anos, Rio de Janeiro)
(...) De dia eu trabalho com primeiro segmento, e você sabe que hoje em dia
esta cada vez mais difícil de trabalhar com adolescente, então no noturno não
tem estes problemas de aluno ficar te enfrentando, e à noite eu posso te dizer
que eu tenho um bom relacionamento com eles, nunca fui desrespeitado, eles
me respeitam, e é como eu digo eu respeito eles para ser respeitado, eu gosto
de trabalhar a noite, e acho que a aceitação deles é boa (risos), pelo menos
nunca reclamaram, e se eles não gostarem de alguma coisa eles falam, mesmo,
reclamam, não entram na sala fazem birra, são mais críticos” (Professor, 47
anos, Belford Roxo)
A representação do aluno do ensino noturno em oposição aos alunos do diurno, é uma
das razões pelas quais aqueles professores desejam trabalhar nessa modalidade. Por serem
alunos adultos ou “jovens amadurecidos” os professores, que em sua grande maioria têm entre
40 e 50 anos (16 dos 20 entrevistados, 87,5%), identificam-se com os interesses do grupo de
alunos, justificando a predominância do interesse dos adultos na escolha das atividades.
Muitos dizem estar buscando estímulo para continuar na profissão, pois já estão cansados de
trabalhar com crianças e adolescentes. Além disso, a necessidade, cada dia maior de dar aula
em vários lugares para complementar o orçamento familiar também os fazem querer ir para o
ensino noturno, pois assim podem arrumar melhor o horário.
(...) eu trabalho aqui há 22 anos, e aí eu encontro com pessoas que já foram
meus alunos e eles já estão com uma visão diferente, quer dizer tem aqueles
91
que já morreram, e aqueles que você encontra que já estão mais velhos, mãe de
filhos e já estão com outra cabeça, então eu imagino isso , que a própria vida se
encarrega de amadurecer, e aí você encontra com estes alunos no PEJA, e é
muito mais fácil,, e a minha visão é esta, eu estou querendo alguma coisa que
facilite pra mim, que me traga motivação, porque aqui eu não estou achando
motivação, eu estou bem desmotivada, essa questão do ciclo, este momento
que a gente está passando de revolta dos professores, você chegas na sala dos
professores é só reclamação, reclamação, reclamação, os alunos estão deste
jeito né? Eu estou muito desmotivada. (Professora, 45 anos, Rio de Janeiro)
Foi por causa de horário mesmo, porque assim eu tenho mais tempo disponível
para arranjar outros lugares para trabalhar, como eu te falei eu tenho uma
matrícula no Rio, faço dupla e ainda trabalho em um projeto social também,
quarta e sexta o dia inteiro, e eu vim pra noite pra poder fazer a dupla lá no
Rio”.(Professor, 47 anos, Belford Roxo)
CONCLUSÃO
A metáfora que condensa a representação social de Educação Física tanto para os
professores de Belford Roxo como os do Rio de Janeiro é RESGATE é ela que orienta e
organiza todo o discurso destes professores. A Educação Física é a disciplina que por meio da
linguagem corporal irá RESGATAR o aluno de uma situação de dificuldade. Que situação é
essa que precisará ser RESGATADA dependerá do grupo e do local onde será realizada a
aula, o que determinará também a prática destes professores.
De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) ao buscar aceitação do auditório
ao que se refere, o orador esforça-se em retomar os elementos que irão facilitar essa aceitação,
tanto no campo do preferível como no campo do real. (DUARTE; MAZZOTTI, 2004)
No campo do preferível, os argumentos estão ancorados nos valores dos alunos, que
nortearão a escolha das atividades adequadas para cada grupo. Estas escolhas estarão pautadas
naquilo que os professores acham que precisam RESGATAR em seus alunos. Estas
necessidades são a representação social dos professores a respeito dos alunos. “Enquanto
grupo socioprofissional, construímos nossas próprias representações e, em função delas,
92
construímos nossas práticas e a impomos aos alunos, na suposição de que sabemos o que é
bom para eles”.(ALVES-MAZZOTTI, 1994, p.77) Quando há conflito entre o que julgam que
os alunos são e o que esses julgam ser, bem como o papel da disciplina, verifica-se a
decepção: o mundo não coincide com o que quero e o que penso, então eu preciso estar neste
mundo, adaptando-me a ele.
No campo do que é concebido como real para os professores seus argumentos fundamse em fatos. Estes fatos são suas experiências como professores de Educação Física e os
conhecimentos acadêmicos que possuem a respeito da disciplina e a experiência de amigos,
também professores. A presunção que permeia quase todo o discurso dos professores está
pautada na antítese corpo x mente, na qual a Educação Física é uma atividade corporal que
precisa focar o aspecto cognitivo para se legitimar no contexto escolar. Por isso, a Educação
Física é para FALAR e para FAZER, uma prática corporal que precisa da reflexão para
caracterizar-se como conhecimento.
A antimonia FALAR e FAZER está muito presente no discurso dos professores, pois
ao mesmo tempo que o FAZER justifica a importância, e a função da Educação Física para
RESGATAR o prazer na aprendizagem, é também o FAZER puro e simples que é acusado de
ser não reflexivo e por isso não proporcionar nenhum tipo de aprendizagem. Esta antimonia
esta subordinada à metáfora DEPÓSITO DE ENERGIA, que justifica as atividades adequadas
para cada grupo de alunos, de acordo com a etapa de desenvolvimento, caracterizando assim
sua função no espaço escolar.
93
CAPÍTULO V – O final da partida
Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital
(...) Seria impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura
de explicação, de respostas a múltiplas perguntas.
Paulo Freire
Com base na análise das entrevistas dos alunos e professores apreendemos indícios
das representações sociais de Educação Física, que configuram grupos sociais que apresentam
suas posições no âmbito da escola de acordo com suas pertenças e referência e dos valores por
eles compartilhados.
Em relação aos alunos o grupo de pertença significativo para a construção de uma
representação não foi o delineado pela pesquisadora, mas os que já se encontravam agrupados
por interesses, principalmente de idade, e, com menor adesão, de sexo. Este dado é
extremamente relevante, pois mostra que os grupos de fato, os reais, que compartilham as
representações, nem sempre coincidem com os grupos previamente definimos na pesquisa.
Os alunos se referem à Educação Física como sendo uma atividade física,
principalmente o esporte, que serve para diversão e saúde. Seus discursos são coordenados
pela metáfora REMÉDIO como representação de Educação Física e DEPÓSITO DE
ENERGIA, como representação de corpo. A hierarquização dos valores concede à Educação
Física o status de boa ou ruim, importante ou dispensável de acordo com a faixa etária ou o
sexo. Seus preferíveis baseiam-se no reconhecimento social do grupo: para os mais velhos o
mais importante é a aquisição de saberes, além disso, seus DEPÓSITOS DE ENERGIA já
estão desgastados pela idade, por isso não têm energia para fazer atividade física. Para os
jovens, a Educação Física carrega símbolos de prestígio como: corpo bonito, ascensão pelo
esporte, força, poder, por isso sua prática é legitimada por este grupo. Eles também têm muita
ENERGIA para gastar então precisam de muita atividade. A diferenciação pela experiência
prática da Educação Física, se apresentou no aspecto da aula teórica, que compõe os
94
elementos da representação de Educação Física dos alunos de Belford Roxo, mas não são
mencionados pelos alunos do Rio de Janeiro.
No caso dos professores a representação social de Educação Física se condensa na
metáfora RESGATE. A Educação Física é uma disciplina que serve para resgatar alguma
coisa, seja a saúde, a cidadania, o lazer. Os argumentos utilizados sempre estavam pautados
no princípio da finalidade. A ancoragem desta representação são os valores dos alunos, por
isso as práticas de Educação Física podem ser variadas (esporte, brincadeiras, jogos,
alongamento, ginástica, conhecimentos sobre o corpo - teórico ou prático), pois dependem do
interesse e das necessidades do grupo que a pratica.
Na verdade, podemos perceber que as metáforas REMÉDIO (alunos) e RESGATE
(professores) parecem ter o mesmo significado, pois pertencem ao mesmo campo semântico,
ou seja, são nomes diferentes para a mesma orientação da ação, o RESGATAR ou
REMEDIAR a saúde ou a condição social. Ambas parecem estar subordinadas à metáfora
DEPÓSITO DE ENERGIA como representação de corpo. Embora esta subordinação esteja
mais explícita no discurso dos alunos, podemos percebê-la também na fala dos professores
quando se referem à Educação Física associada á saúde ou ao lazer (cunho terapêutico). O
corpo é visto como algo fixo, não como orgânico em constante processo de transformação.
Esta representação é a justificativa dos dois grupos para a diferenciação das atividades quanto
a faixa etária. É a antítese JOVEM / ENERGIA x VELHOS / FALTA DE EMERGIA. É
interessante notar que este sentido atribuído ao corpo encontra-se bastante difundido em nossa
sociedade, estando presente não só no cotidiano das escolas, mas também na legislação
vigente para o ensino da Educação Física, o que pode ser comprovado nos critérios adotados
para a facultatividade da Educação Física no ensino noturno (alunos maiores de 35 anos, que
trabalhem mais de oito horas por dia...), neste sentido a atividade física é vista somente como
gasto de energia, atividade desgastante e nunca como reposição desta.
No processo de constituição destas representações muitos são os fatores que se
associam, imprimindo sentido ao objeto, neste caso a Educação Física. Quanto ao
componente histórico, encontramos referentes diferentes de acordo com os grupos
(professores e alunos): (1) Em relação aos alunos o que aparece é a história dos grupos, suas
histórias de vida. Estes não possuem um discurso a respeito da Educação Física, mas das
práticas que tiveram durante sua vida, ou da vida de seus filhos. As informações vinculadas
pela mídia também compõem os elementos de suas representações. (2) Os professores,
95
diferenciam-se dos alunos na formação ideológica sistematizada sobre a Educação Física e
sua história a qual tiveram contato no curso de graduação e nas formações continuadas. Estes
componentes ideológicos configuram-se como representações de longa duração, que junto
com a história de vida dos professores e suas experiências profissionais compõem suas
representações sociais atuais.
Além dos componentes históricos, os grupos também são essenciais na constituição
das representações, entretanto eles não a determinam por si só, os componentes individual e
social sempre estarão integrados, por isso a história pessoal destes alunos e professores, os
outros grupos a que pertencem e os grupos que têm como referência dão às representações um
sentido de partilha, mas que não quer dizer homogeneidade.
Então se pode dizer que os professores possuem uma representação de Educação
Física diferente com cada grupo que eles trabalham? Parece-nos que não. A adequação da
representação social de Educação Física aos diferentes grupos, que é feita pelos professores,
explica-se pelas características estáveis e, ao mesmo tempo, provisórias das representações
sociais. Sua estabilidade é a necessidade e o esforço para manter o grupo (professores de
Educação Física) e, ao mesmo tempo obter sua aceitação. No entanto, por estarem
continuamente em processo e no dinamismo da circulação de informações, experiências e
relações, cada síntese que fazemos é provisória e espelha um momento da história, onde
buscamos nos adequar ao novo, sem que necessariamente haja a substituição da
representação26.
A natureza estável e flexível das representações pode ser explicada pelos conceitos de
núcleo central e sistema periférico propostos por Abric. O núcleo central (NC) assume um
caráter de estabilidade, por ser a base do pensamento comum de um grupo. É ele que garante
certa homogeneidade nesse grupo, é determinado pelas condições históricas, sociológicas e
ideológicas que produzem um conjunto de crenças, valores e significados, partilhados por um
determinado grupo e, portanto, inegociáveis. O sistema periférico (SP), por sua vez, apresenta
um caráter de adaptação às transformações do contexto, à realidade concreta, por isso, não são
tão rígidos. Apesar de se manter fiel às representações do Núcleo Central, o SP é mais
26
Comunicação oral da professora Margot Madeira, em palestra proferida no I Diálogos em Representações
Sociais, promovido pelo Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá no Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro- 23/11/2007
96
flexível, ajudando o sujeito a se relacionar com a heterogeneidade do grupo, permitindo a
integração de novas experiências e histórias individuais. (ALVES-MAZZOTTI, 2002)
Mazzotti, explica esta adaptabilidade das representações por um outro viés. Para este
autor:27
(...)o núcleo figurativo, no caso constituído pela metáfora REMÉDIO /
RESGATE é suficientemente flexível para se adaptar às mais diversas
situações sociais. Ela se sustenta na metáfora corpo como DEPÓSITO DE
ENERGIA, como foi mostrado antes. Essa, por sua vez, expressa o que
sentimos, logo tem força persuasiva extremamente grande: quanto mais velho
(ou doente), mais fraco, logo com menos energia, sem anima (alma, no sentido
antigo) ou desanimado. Não há como contestar essa metáfora, pois ela é o que
se sente. Ela expressa nossos sentimentos, logo emoções (o que nos move), ou
paixões (pathos).
Embora sejam diferentes, pelas duas explicações podemos compreender a coesão do
grupo de professores que atuam na Educação Física escolar, que apesar de trabalharem em
diferentes contextos com grupos bem diferentes não apresentam representações diferentes,
mas são os elementos do sistema periférico ou o núcleo figurativo que se ajustam aos
diferentes grupos e contextos. Podemos afirmar então que as representações apreendidas nesta
pesquisa, não são representações sociais de Educação Física no ensino noturno, mas
representações sociais da disciplina como um todo. Os elementos característicos da
modalidade “ensino noturno” são as adaptações dessas representações, que ganham contornos
diferentes de acordo com as necessidades.
Outro fator importante a considerar no estudo das representações sociais é que estas
não se constituem por elementos isolados, mas estruturas organizadas que relacionam uma
série de elementos que dão sentido ao objeto. Essas “redes” são chamadas campo de
representações em que se constitui o jogo entre o individual e o social, “o qual atua
referenciando tanto as condições de apreensão e de apropriação dos objetos, quanto às
comunicações e as condutas que os envolvem.”(MADEIRA, 2001 – p. 129)
27
Comunicação do Prof. Dr. Tarso Mazzotti por e-mail em 23/02/2008
97
CAMPO DE REPRESENTAÇÃO
RS de Educação Física
RS de desenvolvimento
RS de escola
RS de gênero
Apreendemos como elementos do campo de representações de EF, tanto dos
professores quanto dos alunos, as representações de escola, de desenvolvimento humano e de
gênero. Tais representações integram-se às de Educação Física dando significado às práticas
dos professores e dos alunos. A representação de escola condiciona práticas de Educação
Física que tenham legitimidade no contexto escolar, como a aula teórica; a representação de
desenvolvimento humano informa em que nível de desenvolvimento se encontra o aluno e o
que ele pode fazer nesta idade e a representação de gênero divide as atividades em adequada
para os homens e adequado para as mulheres.
Pode-se então concluir que a representação de corpo que se condensa na metáfora
DEPÓSITO DE ENERGIA é o que possivelmente, coordena as representações de Educação
Física que apresentam, como núcleo figurativo: REMÉDIO / RESGATE. Estas metáforas,
além de hierarquizar o que vale a pena fazer ou ter (para falar ou para fazer), expõem o que
deve ser efetivamente realizado: curar, resgatar, pois o depósito de energia esgota-se, bem
como precisa ser regulado (não gastar muita energia, poupar, ou ainda gastar o que está em
excesso).
Estas representações relacionam-se diretamente aos elementos da vida cotidiana e das
vivências concretas destes sujeitos em seus grupos e espaços de atuação, são as “teorias do
senso comum” orientando e justificando práticas, por este motivo a disciplina Educação
Física caracteriza-se como uma construção psicossocial que possui seus sentidos
estabelecidos pelos valores e crenças compartilhados pelos grupos que a praticam e da
interpretação que estes fazem dos conceitos das ciências.
De acordo com Massa (2002) ainda há muito que se debater na busca pela identidade
da Educação Física, pela definição de nosso objeto de estudo e de nossa função. Desde seu
98
surgimento como área de atuação, há tantas definições e tantas funções para a Educação
Física, que na verdade estamos em busca de uma identidade que talvez nunca tivemos. Na
nossa opinião a busca por uma identidade única da Educação Física ou pela afirmação de que
esta Educação Física é melhor do que aquela poderá nos fornecer respostas reducionistas, que
consideram somente um lado da história, isto porque o caráter da disciplina Educação Física
se sustenta em metáforas corporais, sua identidade como disciplina subordina-se ao que as
pessoas julgam ser o corpo, então antes de falarmos Educação Física é preciso especificar de
que profissão se fala: Professor, preparador físico, recreador... e a que grupo se destina, pois
estes possuem “boas razões” para afirmar o que sustentam e como fazem
99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DISSERTAÇÃO FINAL COMPLETA - Universidade Estácio de Sá