Dizia o romano Cícero que a lei é o laço de toda a sociedade. Cuidar daquilo que imprime unidade a determinado grupo social deve ser um dos objetivos primordiais do Estado. É da maneira como se põe em prática tal objetivo que provém a permanência das instituições que lhe servem de arcabouço. O STF não é apenas a instituição superior da Justiça no Brasil, é antes uma instituição de estado, e antes de estado é uma instituição da nacionalidade. E se a nação é abstrata como conceito, é muito concreta nas suas aspirações, dramas, virtudes, sofrimentos, nas suas reivindicações e demandas. A nação não é apenas o grupo social que integra o território determinado pelos limites e faixas de fronteira. A nação não é apenas a comunidade do idioma, da cultura, do folclore, da história, das tradições e das esperanças. A nação que o Brasil vai construindo como experiência civilizatória única no planeta é submetida naturalmente aos dramas, às pressões e às contrapressões do mundo contemporâneo. A luta pela democracia, pela consolidação da experiência democrática no Brasil demonstra a história remota e recente do nosso País, que não se fez sem sacrifícios, sem perseverança sem atos de fé na escolha desse caminho como o único capaz de assegurar o enfrentamento dos desequilíbrios, das desigualdades, das deformidades que constituem ainda a nossa experiência nacional. Se o Brasil vai constituindo sua trajetória carregada de virtudes, de qualidades civilizatórias ímpares em todo o mundo, a capacidade da convivência, da tolerância, o desprezo pelo ódio, seja ele social, político, religioso, étnico, faz com que o Brasil consiga superar os impasses à construção da democracia, exatamente apoiado nessas virtudes, é verdade também que o esforço para superar os desafios dos nossos defeitos, das nossas limitações exige muito das instituições nacionais e das instituições de estado. Trava-se uma disputa em torno da responsabilidade da superação das nossas limitações. O povo constituiu através dos seus representantes as suas instituições, o Poder Executivo, o Legislativo, o Judiciário, mas os poderes enfrentam a pressão das corporações, sejam elas privadas ou públicas, em busca da legitimidade e da representatividade para mediar conflitos em uma sociedade tão desequilibrada e tão desigual quanto a nossa. Sabemos que o Estado Democrático de Direito é aquele capaz de salvaguardar o princípios da liberdade individual, da representação política, da divisão de poderes, da obediência à lei e da igualdade social. É necessário perseverar nos desígnios da democracia, com desvelo por tudo que já se realizou, com determinação por tudo que ainda cumpre realizar. Num caso e noutro, senhoras e senhores, trata-se de tarefas delicadas, que se impõem como obrigação coletiva -dos cidadãos, enquanto promotores e receptores do ordenamento social, político, econômico e institucional; do poder público, enquanto agente por delegação desse ordenamento, tanto na diversidade quanto na complexidade de suas numerosas competências e esferas. Afiançadores da vida nacional, sobre cada um de nós, seja no Poder Legislativo, seja no Judiciário, repousa boa parte da responsabilidade de fazer um país melhor, e se o ofício de legislar costuma ser tão espinhoso, não me parece menos o de mediar conflitos. Ambas as missões reúnem em torno de si as expectativas e pressões da opinião pública. Ambas estão sujeitas a uma certa incompreensão da distância provinda dos que circunstancialmente ignoram as angústias não visíveis que experimentamos, tribulações indissociáveis do trabalho de quem está obrigado a examinar e ouvir a razão, atentar a consciência e decidir. Ao abrigo de todas as paixões, infensos a outros privilégios, que não o privilégio único de servir, Vossas Excelências, elite intelectual da Justiça brasileira, atuam no proscênio da história. Nessa condição, cada qual continuará, estou certo, inarredavelmente fiel não apenas aos rigores do bom direito, mas sobretudo aos pressupostos de sua verdade pessoal. Eqüidistância e sensibilidade, dignidade e firmeza, abnegação e interesse público, doutrina e militância jurídica, cultura humanística e virtude moral, lustro e ética, circunspeção e universalidade, exação e compreensão da realidade, desse amálgama singular faz-se a plêiade que ora tenho a honra de saudar, na pessoa do presidente, ministro Nelson Jobim. E quem examina ao largo da nossa história a experiência da construção democrática sabe que o Supremo Tribunal Federal, desde os tempos em que constituía antes o tribunal ainda do Brasil Colônia ou depois na sua experiência do Império, foi submetido em todos os momentos às pressões daqueles que imaginam que o melhor caminho é encurtar a distância e fazer a Justiça com as próprias mãos. O povo, os democratas, só se protegem quando há a Justiça funcionando no Brasil, e quando o Supremo Tribunal Federal decide com isenção, com equilíbrio, com rigor, mas protegendo os direitos individuais, que são os que formam os direitos da nacionalidade e os direitos da nação. Muito obrigado.