CURSO EDUCAÇÃO, RELAÇÕES RACIAIS E DIREITOS HUMANOS
VANESSA COUTO SILVA
A invasão do funk: embates entre racismo e conhecimento na
sala de aula
SÃO PAULO
2012
Introdução
Este trabalho buscará uma problematização do avanço do funk dito
carioca,mas que hoje também já ocupa as periferias de São Paulo e as
escolas públicas e fará isso considerando o mesmo como uma manifestação
cultural vinda das camadas mais periféricas da população e que por isso
infelizmente sofre muito preconceito.
Outro aspecto de extrema relevância é identificar a origem deste ritmo
como expressão de resistência da cultura negra por meio da análise de
algumas letras de músicas, alguns cantores e cantoras ou MC’s.
Minha participação neste curso de formação me fez olhar de modo mais
atento para várias situações nas minhas salas de aulas e da escola como um
todo, no caso passei a me sentir mais obrigada do que antes a intervir
imediatamente em situações de discriminação racial, mas passei a entender
também que para além da intervenção imediata este é um problema de
extrema gravidade que precisa de um sério projeto pedagógico na escola e em
todo o sistema educacional para obtermos um resultado minimamente
satisfatório.
Mas neste momento gostaria de relatar e analisar em especial o show de
talentos que ocorreu na escola em que trabalho, este evento aconteceu em
novembro e a princípio não houve nenhuma censura, foram inscritas ente
outras atrações três grupos de meninas que dançaram funk.
A censura não foi explícita, mas depois descobri que a direção da escola
orientou que elas não dançassem com o quadril virado para a platéia e que as
letras não tivessem palavrões,pois os pais estariam neste evento e seria uma
situação constrangedora.
Então a atividade ocorreu e como não houve um trabalho muito próximo
dos professores na construção desta atividade,acabou que as músicas traziam
palavrões, elas dançaram muito bem,mas do modo que se dança qualquer
dança de funk e é claro que houve repressão por isso, apesar delas dançarem
muito bem e de ser permitida a participação delas neste concurso não
ganharam nenhuma premiação.
Minha curiosidade é onde entra o racismo nisso tudo? Por que tanto
preconceito?
Análise
Funk???
“Muito se fala e pouco realmente se sabe sobre o funk.Um fenômeno
genuinamente carioca,nascido nas favelas do Rio de Janeiro nos anos 1970 q
que reúne até 2 milhões de jovens em cerca de setecentos bailes por final de
semana na cidade,mas que ainda é negado enquanto cultura. (Página 9)”
“O termo “funk” sempre foi associado ao sexo e ao batidão – mesmo lá.
Tratava-se de uma gíria dos negros americanos para designar o dor do corpo
durante as relações sexuais.E também significava das uma apimentada à base
musical,como acrescentar riffs (frases musicais repetidas) ao som de uma
pancada mais rápida. (Página 13).“
“Os africanos escravizados introduziram uma vigorosa identidade
corporal e musical nas terras por onde passaram. Por isso, para o negro
africano deportado samba, o funk, o hip-hop e, entre outras expressões, a
capoeira, podem ser considerados como as linguagens que mantêm viva a
transgressão herdada dos nossos ancestrais da África Negra. (Página 118)”
A luz destes trechos dos trabalhos da jornalista Janaína Medeiros e do
capítulo “Para entender o Negro no Brasil de Hoje organizado pelo autor
Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes tentarei relatar o que me impressiona
em relação a entrada quase que sem controle do funk nas escolas públicas da
periferia.Acredito que estes trechos são bem interessantes, porque a escola
ainda não aprendeu a dialogar com este ritmo? E o mais importante será que é
possível trabalhar esta música, esta dança nas salas de aula para contribuir na
aprendizagem dos nossos alunos?
Ainda neste capítulo lembra-se como as negras e negros desde que
foram arrastados para o Brasil na condição de escravos não eram donos dos
seus corpos,pois eram como simples objetos, isso explicaria porque o funk é
uma das danças que trabalha de modo tão contundente e expressivo a
libertação do corpo do povo negro, principalmente o das mulheres negras.
E devemos pontuar que para além de uma expressão corporal isolado
se é que isso existe, pode-se entender algumas letras de funks cantadas por
mulheres uma quebra de padrões e de enfrentamento de uma moral que negou
sempre a mulher o direito de expressar suas vontades e é claro que temos que
verificar que no caso da mulher e negra isso sempre será agravado se para a
mulher branca isso sempre foi negado para manter sua moral totalmente
resguardada para que ela chegasse pura ao casamento, para a mulher negra
isso lhe era negado simplesmente pelo entendimento que ela não era um ser
humano era um objeto.
Particularmente estou de acordo come esta explicação, claro que este é
a primeira oportunidade que tenho de me debruçar sobre o tema ao qual em
breve pretendo me dedicar mais.
Outra fonte que me inspirou a fazer este trabalho foi o documentário de
2006: “Sou feia mais to na moda” que trata entre muitas outras coisas da
origem do funk carioca nas comunidades do Rio de Janeiro e do que mais me
interessa neste momento as cenas do filme que falam “das mulheres do funk
“mulheres que produzem músicas e sustentam suas famílias através do funk.”
Este trecho é interessante ,pois desmistifica a imagem preconcebida que
temos do funk, vendida pela mídia em geral,mas que ultimamente chega aos
pais, mães e professores através da novela totalmente estereotipada e
preconceituosa. Temos então vários relatos de mulheres em sua maioria negra
falando como muitas letras de funk a fizeram ter autoestima e cuidados com o
seu próprio corpo,para isto tem-se o exemplo de uma música que orienta as
meninas a buscarem sempre um ginecologista, sempre com uma letra bem
direta e com palavras que para a norma gramatical oficial seriam consideradas
de baixo calão,mas que dialogam com a população e muitas vezes estes
recados chamam muito mais atenção do que o serviços ofertados pela saúde
pública que por diversos motivos muitas vezes não cumpre seu papel nas
periferias.
Para ilustrar melhor o intuito deste trabalho vou selecionar alguns
trechos de letras de funk
que as meninas que participaram do festival de
talentos da escola dançaram e uma que para mim é a mais emblemática que
descreve bem a potencialidade de discussão política e engajada que o funk
pode ter.
Som de Preto
Amilca e Chocolate
“ É som de preto
De favelado,
Mas quando toca
Ninguém fica parado”
Príncipe Encantado
Mulher Filé
“No ínicio é tudo azul, no começo é muito bom
Ele liga, manda flores, recadinho e até bombom
Diz que tá apaixonado e a gente cai na lábia
Depois que ele dá uma foda
O filha da puta rala
(Um pente e rala, pente e rala
Nós fogueta e mete o pé)
Eu parei, mudei meu jeito, agora tú não reclama
Quer falar de amor esquece
Mas se quer fuder me chama
Vem fuder, vem fuder
Sabe porque mulherada?
Príncipe Encantado nada
Eu aprendi vivendo a vida
Que se foda o amor
Vou viver na Putaria”
Fica Caladinha
Bonde do Tigrão
Mãos para o alto novinha (2x)
Por que ?
Porque hoje tu tá presa (2x)
Mãos para o alto novinha (2x)
Por que ?
Porque hoje tu tá presa (2x)
E agora eu vou falar dos seus direitos.
Tu tem direito de sentar.
Tu tem o direito quicar.
Tu tem o direito de sentar.
De quicar de rebolar.
Você também tem o direito.
De ficar caladinha.
Fica caladinha.
Fica caladinha.(2x)
A primeira confesso que é a que mais gosto entre todas as letras de funk
que conheço, pois vem numa perspectiva de enfrentamento de questionar
porque tanto preconceito se hoje a classe média também invade os bailes
funk?
Tem-se que ressaltar que isso é muito comum no Rio de Janeiro não
consigo ver isso em São Paulo, mesmo porque estou mais atentas aos
acontecimentos nas escolas já que é meu ambiente de trabalho.
Faço isso ,pois pretendo dialogar com os meus alunos sem partir para
julgamento de valores,pois acho um prejuízo para todos simplesmente tratar
como menos estas músicas acho que vale mais a pena trabalhar as letras em
sala de aula, como professora de língua portuguesa penso em várias
possibilidades inclusive.
Mas já caminhando para o fim deste trabalho vou focar esta análise nas
duas músicas que mais me chamaram atenção a primeira é a Príncipe
encantado da Mulher Filé, pois acho bastante interessante como ela
desconstrói a imagem do príncipe encantado dos contos que muitas vezes nós
trabalhamos com estas alunas e o que me traz grande curiosidade é o quanto
elas se dão conta ou não das informações naquela música de como elas
poderiam se prevenir se prestassem atenção naquela letra.
Por outro lado outro grupo de meninas dançou uma música
extremamente machista que menospreza toda a luta que as mulheres fizeram e
fazem até hoje para garantia dos seus direitos e aí também me questiono, será
que o papel da escola não é dialogar com estas músicas? Até quando vamos,
nós docentes nos distanciarmos tanto dos interesses dos nossos alunos?
Por que tudo que vem da periferia da população pobre e preta encontra
tanta resistência? Não consigo ver de outra forma só o nossa racismo à
brasileira explica isso e por mais que este seja um tema que tenha que estudar
muito para desenvolver um bom trabalho, não consigo ficar de modo passivo
olhando como este ritmo e principalmente a dança as coreografias das minhas
alunas do 8º e 9º ano deixam homens de todas as idades de baça aberta e
muitas mulheres com inveja, não quero aqui colocar o funk em um
pedestal,mas buscar entender se de fato existe um questionamento que faz
com que a mulher negra consiga através daquelas dança se libertar de toda
repressão que ainda sofre mesmo que apenas simbolicamente e que como
isso aqui em São Paulo contagia também as meninas brancas da periferia.
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